ACTAS  
 
8/27/2013
Jantar-Conferência com o Prof. José António Salcedo
 
Carlos Coelho

Sr. Professor Doutor José António Salcedo, Senhores Deputados Duarte Marques e Nuno Matias, Senhores conselheiros senhores avaliadores, minhas senhoras e meus senhores, vamos dar início ao primeiro jantar conferência da Universidade de Verão 2013.

 

Estes jantares conferência iniciam-se sempre com um momento cultural protagonizado pelos participantes. Hoje cabe aos grupos amarelo e rosa.

 

O grupo amarelo através da Filipa Portela vai-nos ler um excerto de Os Lusíadas de Luís Vaz de Camões, o episódio do velho do Restelo no canto IV. O grupo amarelo dedica estas estrofes a todos os Velhos do Restelo que insistem em estorvar o progresso com receio do seu lugar no futuro.

 

O grupo rosa recorda que saiu hoje na nossa revista de imprensa a notícia da morte de mais um bombeiro no combate às chamas que lavram todo o país neste momento. Ele era colega e amigo de um membro do nosso grupo e faleceu esta madrugada. O Bernardo Figueiredo estudava no Instituto Superior Técnico no pólo do Tagus Park, era de engenharia de redes e telecomunicações e era bombeiro voluntário no corpo dos Bombeiros Voluntários do Estoril e não resistiu aos ferimentos na sequencia do combate ao incêndio na Serra do Caramulo. Queremos fazer esta homenagem a um rapaz com valores que é o que todos nós aqui tentamos adquirir um pouco mais. Obrigado Bernardo. Vamos ouvir o Amor a Portugal da Dulce Pontes na voz de Aníbal Cunha.

 

[Leitura dos poemas]

 

[Aplausos]

 

Depois de Jantar:

 

BRINDE:

 
Bruno Daniel Moreira

Boa noite. O grupo Verde, antes de mais, deseja-vos as boas noites e agradece a presença do Dr. José António Salcedo.

Nós propomos um brinde ao Dr. José António Salcedo, devido à sua imagem tão emblemática no Mundo e em Portugal. É um visionário e estudante eterno, fiel ao empenho e ao trabalho, um português multicultural empenhado e empreendedor, que levou muitas vezes a vida a deixar uma vida confortável e estável por uma ideia de sucesso que se traduziu em postos de trabalho e na promoção de Portugal.

 

Assim, pensamos que é um exemplo para todos nós que estamos aqui presentes e desejamos-lhe as maiores felicidades e sucesso para o futuro.

Muito obrigado.

 

[APLAUSOS]

 
Carlos Coelho

Senhor Professor, senhores deputados Hugo Soares, Nuno Matias, Duarte Marques e Simão Ribeiro, senhores avaliadores, senhores conselheiros, minhas senhoras e meus senhores, o nosso convidado de hoje tem comohobbya Fotografia, como comida preferida o peixe fresco grelhado e como animal preferido o tigre.

 

O livro que nos sugere é "The User Illusion” e o filme é um clássico, o "2001, Odisseia no Espaço”. A qualidade que mais aprecia é saber ouvir e explica porquê: porque saber ouvir faz sugerir que a pessoa que sabe ouvir quer genuinamente compreender o outro, aprendendo no processo. E considera que quem sabe ouvir analisa de forma inteligente a informação antes de formar uma opinião, ou de tomar uma decisão, e que provavelmente as pessoas que sabem ouvir são aquelas que têm atitudes menos preconizadas por dogmas, ou preconceitos, e que são mais inteligentes e mais eficazes.

 

O homem que nos dá a honra de partilhar o jantar connosco é um homem invulgar, um homem com perfil académico, mas também empreendedor, quando em Portugal geralmente são mundos que se detestam, isto não é verdade noutros países. O mundo dos professores olha normalmente com alguma desconfiança o mundo da economia real e o mundo dos empreendedores olha para os professores universitários e investigadores assim como aquelas pessoas que têm "macaquinhos no sótão”. Ver um professor universitário a fazer a fusão destas realidades: a fundar empresas, a ser empreendedor, a ajudar jovens a lançarem-se no mundo da investigação e do mundo do empreendedorismo não é muito comum em Portugal.

 

O Professor José António Salcedo é do Porto, mas é um cidadão do Mundo: vive no Porto, vive na Noruega, vai ao Japão, aos Estados Unidos, entre outros. Dedicou-se a uma área em que faz o melhor que há no Mundo e é, por isso, um homem com uma mundividência que faz dele um convidado ideal para o nosso primeiro jantar conferência nesta Universidade de Verão 2013.

 

Como se trata de um homem especial, merece um desafio especial. Senhor Professor, sei que um dos valores que lhe é mais caro é o valor da responsabilidade. Porque é que elegeu esse face a outros? O que considera que justifica essa sua opção pela responsabilidade? Em que linha é que isso tem a ver com o que o marcou mais na sua vida, quer académica, quer empresarialmente e em que medida é que acha que isso pode ser uma boa mensagem para os jovens que estão aqui esta noite?

 

Minhas senhoras e meus senhores, para responder à minha e às vossas perguntas, no primeiro jantar-conferência da Universidade de Verão 2013, o Professor Doutor José António Salcedo.

 

[APLAUSOS]

 
José António Salcedo

Muito obrigado. Caro Carlos Coelho, caro Duarte Marques, caros amigos e futuros amigos e amigas, espero, é um prazer estar aqui porque gosto de coisas novas e diferentes, pois oferecem as únicas e as melhores aprendizagens e gosto de me interrogar e me provocar a mim próprio continuamente. Portanto, vir aqui partilhar este momento convosco também é importante para mim.

 

Em segundo lugar, pedia-vos que me tratassem por Zé António, porque num país onde há mais professores, doutores e engenheiros do que Zé António para mim é uma honra que me tratam por Zé António. Como não sou ministro também não tenho os problemas que o Álvaro tinha. Nem quero ser.

 

[RISOS]

 

Para responder à pergunta que o Carlos Coelho fez a resposta vai ocupar aquilo que queria vos transmitir hoje e de uma maneira muito aberta e directa. Pedia que também fossem directos comigo, não sejam politicamente correctos, antes pelo contrário, que não gosto disso.

 

Gostaria de começar por vos contar três pequenas histórias e depois faria aquilo que o Steve Jobs falou no seu discurso aos alunos em Stanford em 2005, que é "connecting the dots”, ir um pouco atrás, desenvolver perspectiva e ver como é que as coisas se interligam.

É curioso que as histórias que vos vou contar ocorrem em três anos seguidos. A primeira história, em Setembro de 1970, portanto já lá vão 43 anos, eu estava com um problema: tinha 19 anos, era bom aluno, tinha média de 19, estava em Engenharia Electrotécnica, tinha os problemas típicos dos bons alunos que é haver uma série de coisas que gostam e outras que detestam e não saberem o que vão fazer da vida. Esse era o meu problema.

 

Certo dia, nessa época, entrei numa Bertrand e comprei uma revista que eu gostava, a Scientific American, que na secção Amateur Scientist tinha um estudante de uma escola secundária do sul da Califórnia, dos arredores de Los Angeles, que publicou um artigo sobre um laser que tinha construído na escola. Aquilo deixou-me perturbadíssimo, fiquei fascinado e encontrei ali a minha vocação. Decidi, em dois ou três dias, que a minha vida profissional ia ser ligada àquilo e foi. Também decidi construir um, já que a maneira de sabermos como as coisas funcionam é fazê-las.

 

Na universidade, abordei alguns professores que acharam a ideia absolutamente bizarra. Os lasers tinham sido inventados apenas dez anos antes. Depois, em casa, os meus avós foram muito gentis e cederam-me um galinheiro na parte de trás da casa, que converti num laboratório. Durante três anos, com o dinheiro que eu ganhava na Faculdade de Ciências, porque ao começar o 3º ano comecei a dar aulas de Matemática aos do 2º ano, construí o laser, publiquei o meu trabalho científico e ganhei uma bolsa de estudos para ir estudar para os Estados Unidos antes de acabar o meu curso. Assim foi. Curiosamente, faz hoje, dia 27 de Agosto, que cheguei à Califórnia em 1973, por isso faz exactamente 40 anos.

 

É interessante que no ano seguinte, o aluno da escola secundária que tinha construído aquele laser entrou também na Universidade de Stanford em Silicon Valley e foi meu aluno, porque nessa altura já estava a dar aulas lá. Portanto, ficámos bons amigos. Esta é pequena primeira história, a segunda é mais curta. Devo a minha vida, literalmente, e estou aqui porque um professor que não me conhecia, no ano seguinte, reparou que eu tinha faltado a uma aula teórica. As aulas em Stanford começavam às oito da manhã e eu ia sempre às aulas, havia normalmente sempre 30 alunos na aula e uma manhã eu não fui.

 

O professor achou estranho, porque numa universidade de topo, seja ela em Stanford, Moscovo, ou Tóquio, é absolutamente impensável faltar a uma aula teórica e já nem digo uma laboratorial onde as presenças são formalmente contadas. Pediu à sua secretária para me ir procurar e descobriram-me a dormir na cama desmaiado. Eu tinha tido uma hemorragia interna muito grande durante a noite, tinha perdido muito sangue, fui hospitalizado durante um mês e recuperei. Os professores levaram-me os apontamentos e obtive o meu grau de mestrado nesse tempo. Portanto, a segunda história é importante para mim porque devo literalmente a minha vida ao facto de um professor ter prestado atenção a um aluno.

 

A terceira história ocorreu em 1975. Já tinha construído uns lasers muito sofisticados em Stanford e apresentei o trabalho científico num congresso em São Francisco. Correu muito bem e o trabalho foi muito apreciado. O meu orientador de mestrado e o meu orientador de doutoramento disseram-me, nessa altura, que um dia no futuro em que viesse a construir uma empresa de alta tecnologia, possivelmente ligada àquelas áreas, podia contar com eles. O que aconteceu no ano 2000 e esses meus dois professores foram investidores.

 

Estas são as três pequenas histórias que vos queria contar. O interessante é olhar para trás e ver o que as liga, porque à medida em que vivemos vamos criando episódios mas não desenvolvemos, normalmente, a perspectiva de como é que eles se ligam, que é importante: onde é que está a cola, onde é que está o sentido? E para mim a cola, a articulação entre estes três pontos e muitos outros da minha vida, é a resposta à pergunta que o Carlos Coelho me fez. Para mim é a responsabilidade. Deixem-me explicar porquê. Na primeira história, chamei a mim próprio a responsabilidade de construir um futuro em que acreditava e queria ter.

 

Aliás, essa é a definição que costumo dar de empreendedor. Um empreendedor é uma pessoa que chama a si a responsabilidade de construir o futuro em que acredita e quer ter, depois aplica os recursos que consegue ter e arranjar à volta para construí-lo. Portanto, a primeira história ilustra uma faceta que acaba por ser minha, uma característica minha, que é não ter medo de chamar responsabilidades e lidar com elas.

A segunda história também tem que ver com responsabilidade, pois quando perguntei um dia ao meu professor porque é que reparou em mim se só me conhecia da disciplina do trimestre anterior, vinha da outra ponta do mundo. Ele disse: "É responsabilidade dos melhores professores prestarem atenção aos alunos”. Portanto, devo a minha vida ao facto de outra pessoa ter cumprido com uma responsabilidade que era sua de uma forma até surpreendente para mim. Logo, a responsabilidade também está por detrás da segunda história.

 

Aliás, quando regressei a Portugal e comecei a dar aulas na Faculdade de Ciências e na Faculdade de Engenharia, como costumava ter 200 alunos nas aulas teóricas e em Portugal não qualquer controlo de presenças nas aulas teóricas e com 200 alunos é impossível memorizar sequer quem está lá ou quem não está lá, contava logo esta história da minha vida na primeira aula. Dizia: se algum de vocês estiver doente, desaparecer e faltar a uma aula, não vos posso ajudar, pois são muitos, são 200, a minha cabeça não dá para isso; mas se forem responsáveis, cumprem a vossa parte do contrato. Isso normalmente mexia com os alunos e geralmente tinha as aulas cheias, ou quase.

 

A terceira história também tem que ver com responsabilidade, porque decorreram 25 anos até os meus professores se oferecerem para serem investidores e de facto eu ter criado uma oportunidade para eles o serem. Aí, o que joga não é propriamente a responsabilidade, mas o cumprimento regular da responsabilidade ao longo da vida, neste caso ao longo de 25 anos, e que eles foram apreciando. Estávamos em contacto, eu estava noutras partes do mundo, estava a fazer outras coisas, mas três ou quatro vezes por ano estava na Califórnia, ou viajávamos juntos. Portanto, eles foram vendo que fazia parte da minha filosofia de vida cumprir regular e sistematicamente com as minhas responsabilidades.

 

Em inglês, isso chama-se "earn trust”, o que numa tradução minha diz "confiança provada”. Quando eu digo "confio em ti”, isso não é uma forma capital, isso é uma promessa, um voto de confiança é uma espécie de adoração a um santo algures a dizer "espero que este, ou esta, façam o que prometeu”. Agora, quando ao longo de determinado tempo sei que aquela pessoa cumpriu regularmente com as suas responsabilidades em momentos fáceis e momentos difíceis, já não dou só um voto de confiança. Para mim, o comportamento daquela pessoa é uma forma de capital. Aliás, é a melhor forma de capital pois não paga impostos.

Por isso é que chamo de "capital de confiança provada” e num dos textos que distribuí têm lá umas ideias sobre o assunto.

 

Portanto, o elemento aglutinador destas três histórias é responsabilidade. Mas a maior parte das pessoas não consulta dicionários e tem um domínio da língua razoavelmente deficiente e em Portugal, da minha experiência, há muitas palavras que vão sendo adulteradas e seu significado vai variando conforme as conveniências. Nem sequer é conforme os acordos ortográficos, é conforme as conveniências. E deixem-me contar-vos um pormenor que achei interessantíssimo quando dei por mim a tentar entender o que significa a palavra responsabilidade em inglês e noutras culturas.

 

Gosto muito de me mexer em várias culturas. Gosto e sinto-me muito bem no Japão, em Taiwan, na Coreia, em Singapura, na Califórnia, na Noruega e noutros sítios. Gosto muito de perceber como é que as outras culturas funcionam e por detrás desse esforço estou muitas vezes a compreender o que é muitas palavras significam. Quando fui recentemente ao dicionário da Porto Editora ver o que significa responsabilidade fiquei muito surpreendido, porque em português tem um significado muito limitado. Responsabilidade em português significa estar disponível para prestar contas das acções e não significa mais nada. Depois fui aos bons dicionários da Larousse, francês, espanhol, italiano e é tudo igual. Nos países latinos, a definição de responsabilidade está associada unica e exclusivamente ao estar disponível para prestar contas.

 

Portanto, responsabilidade nas línguas latinas, de certa maneira pode-se chamar "accountability” em inglês, mas não é nada, é prestar contas. Pensando um pouco, achei graça, porque isso fez-me compreender melhor porque é que em Portugal as pessoas não falam normalmente de responsabilidade mas falam de culpa e fogem dela a sete pés. Porque confundem. Pois quanto a prestar contas dizem que se tiverem culpa levam em cima e portanto esquecem da responsabilidade e só falam em culpa e "está quieto, não tem nada a ver comigo, não tenho culpa, foi aquele”, não é?

 

É o que dizem os autarcas: "Nós não temos culpa, foi o Parlamento que fez uma limitação de mandatos e por aí fora.” Em Portugal, ninguém tem culpa. Agora, esquecem-se de uma coisa: é que isso é estúpido, pois o que importa é quem é que tem a responsabilidade. Agora vou pôr os pés em terreno movediço, mas eu suponho que deve estar ligado à tradição católica das sociedades do Sul da Europa, porque o acto da confissão que não existe nos países do Norte da Europa é muito conveniente. E, noutras sociedades, a questão da culpa é uma questão de prender a pessoa e metê-la na cadeia, é uma questão trivial e o que importa é a questão da responsabilidade.

 

Contrariamente às definições de responsabilidade nos dicionários de Português e de outros países do Sul da Europa, o dicionário Merriam-Webster ou o Oxford apresentam-nos uma definição de responsabilidade é completamente diferente, é mais abrangente. Responsabilidade está associada a três componentes que são independentes e que têm de coexistir para que se possa falar em responsabilidade. O primeiro componente é "facing reality”: é a pessoa ter uma tarefa em relação à qual tem de agir, ou decidir, ou pronunciar-se; ter uma realidade à frente, ser confrontado com uma realidade.

A segunda componente de responsabilidade no sentido anglo-saxónico é "autonomous decision”. Tenho de ser suficiente formado sobre essa realidade, gerir e analisar as situações, para tomar uma decisão autónoma, sem pedir autorização. Isso faz parte integrante de responsabilidade, é o segundo elemento.

O terceiro é aquele que existe nas nossas culturas: quando ajo dessa forma, tomo decisão, executo uma acção, estou automaticamente exposto às eventuais consequências e julgamentos dessa acção.

 

Ou seja, há uma diferença radical de significado na Língua Portuguesa, na cultura nacional portuguesa e nas culturas anglo-saxónicas. É que nestas últimas há dois ingredientes que têm de estar presentes: o primeiro é ser capaz de olhar a realidade, analisá-la e tomar uma decisão autónoma e isso obriga a educação; uma pessoa que não seja educada não sabe fazer isso (refiro-me não a instruída, mas a educada). A segunda é de dimensão ética que não existe na cultura nacional. Responsabilidade, na cultura anglo-saxónica, tem uma dimensão ética e é nesta cultura que situo a resposta ao Carlos Coelho. Responsabilidade, para mim, tal como é definida na cultura nacional sãopeanuts, não conta; o que conta é a responsabilidade tal como é definida na cultura anglo-saxónica em que obriga à educação. Só uma pessoa educada é que pode assumir verdadeiramente responsabilidades e obriga ao cumprimento de uma dimensão ética.

 

Aliás, o interessante é ver qual o oposto de responsabilidade. E qual é oposto? É a irresponsabilidade. Mas há dois tipos de irresponsabilidade. Primeiro, há uma irresponsabilidade sem ganhos privados e isso para mim é estupidez. Um irresponsável que não produz ganhos privados com a sua irresponsabilidade é um estúpido. Devo dizer para não interpretarem esta palavra "estúpido” como um insulto pessoal. O professor Carlo Cipolla da Universidade da Califórnia em Berkeley tem um livro muito interessante, escrito há muitos anos, sobre as leis básicas da estupidez humana e classifica uma acção como sendo estúpida quando ela prejudica simultaneamente o seu autor e todos os outros.

Portanto, uma irresponsabilidade que não produz ganhos é estúpido, logo, deve-se evitar. Mas pior ainda é uma irresponsabilidade que produz ganhos: isso é corrupção.

 

Onde é que isto leva? Leva à seguinte questão: como é que seria um país como Portugal se a responsabilidade fosse assumida como um valor central da cultura? Vivo e trabalho agora na Noruega e a responsabilidade sem dúvida que é assumida como um valor central da cultura. Aliás, não só na Noruega como nos países nórdicos, no Japão e noutras culturas muito diferentes dos países nórdicos.

 

Há outra pergunta que vos gostava de colocar como tema de reflexão e avanço algumas ideias: se responsabilidade em Portugal fosse no sentido anglo-saxónico, como um valor central da cultura, o país era muito diferente do que de facto é, quer ao nível das pessoas, como das entidades e o próprio Estado.

Um pequeno pormenor: um português não sabe o que é ser português, pela mesma razão que um francês não sabe o que é ser francês, pela mesma exacta razão por que um peixe não sabe o que é a água. Não sabe mesmo, aliás, aposto que se perguntarem a um peixe o que é a água ele não responde. Mas nós temos vantagens em relação aos peixes, é que os peixes que queiram perceber o que é a água têm de sair da água e morrem; um português basta sair de Portugal, integrar-se noutras culturas o tempo suficiente para depois perceber o que é ser português.

 

É muito importante este salto para fora para ganhar perspectiva. Não estou a valorizar diferentes culturas de maneiras diferentes, estou a dizer que elas são diferentes. Isto é algo que estudo imenso e dedico muito esforço para estudar isso para criar uma empresa internacional e as únicas que tenho criado, assim como os meus projectos, são exclusivamente internacionais, daí que tenho de perceber essas culturas. Tenho de saber participar numa cerimónia do chá no Japão, tenho de perceber como é se pedem enguias na cidade de Hamamatsu no norte do Japão, tenho de perceber como lidar com um sul-coreano e perceber que ao meio-dia e cinco segundos está tudo a sair porta-fora para almoçar, na Califórnia tenho de perceber que as reuniões mais importantes de trabalho ocorrem entre as 06h30 e as 07h da manhã todos os dias; tenho de perceber isso e saber viver nesses contextos.

 

Portanto, agora vamos pensar um bocadinho em Portugal. Como é que seria o país se a responsabilidade fosse um elemento central da nossa cultura. Primeiro, em relação às pessoas: bom, acho que a primeira consequência é que as pessoas passariam a ser muito mais produtivas e menos stressadas. As relações entre as pessoas provavelmente teriam uma qualidade média superior, pois a partir do momento em que cumpro as minhas responsabilidades e o meu parceiro da frente também as dele, sei que cada um de nós está a procurar fazer o melhor. Sei que não terei de cumprir as minhas e depois as dele.

 

Em relação às entidades, instituições, não distinguindo empresas, entidades públicas ou privadas, apenas organizações de pessoas, várias coisas aconteciam. Primeiro: uma entidade tinha de saber muito claramente quais são as suas responsabilidades, isto é, o que deve fazer e o que não deve fazer. É tão importante saber o que não se deve fazer quanto saber o que se deve fazer. Às vezes, é mais importante ainda. Segundo: uma entidade que funciona nessa definição de responsabilidade já estudou o seu modelo organizativo e dotou-se do meios adequados, quer de pessoas, quer de recursos sejam de que tipo, para executar essas suas responsabilidades.

Terceiro: a produtividade da sociedade melhora incomparavelmente porque quando me dirijo a uma entidade para ver um problema equacionado, ou resolvido, sei que se esta entidade estiver a cumprir as suas responsabilidades o faz de uma forma profissional, impecável, expedita e sem grandes problemas. Garanto-vos que nos países nórdicos e no Japão é assim.

 

Em relação ao Estado, vocês que estão numa carreira política, digamos assim, ou já são políticos, que lições ou ilações podemos retirar sobre o que seria o Estado se este assumisse a responsabilidade como um valor central? Isto é interessante. A primeira consequência é a mesma se aplicassem de modo geral. O Estado sabia muito bem que responsabilidades tinha de cumprir e quais as que não devia cumprir. Logo aí era uma revolução grande.

Segundo: o Estado já tinha optado por um determinado modelo organizativo das suas instituições, da articulação entre elas e do controlo delas, por forma a executar as suas responsabilidades da melhor maneira possível. Mais, se essas funções são de serviço público, pois algumas poderão não ser, têm sempre um custo associado e o Estado tem obrigação/responsabilidade de saber que custo é que a sociedade está preparada para aceitar.

 

Portanto, logo à partida as primeiras consequências que se aplicariam ao Estado são as mesmas que se aplicariam a quaisquer outras instituições imersas na mesma cultura. Segunda ideia: a partir do momento em que responsabilidade é um valor central do Estado, este só contrata as melhores pessoas, os mais competentes. O Estado não pode contratar incompetentes, ou menos competentes, se tiver a oportunidade de contratar os mais competentes. Porque com os mais competentes consegue realizar a sua responsabilidade com mais eficácia.

 

Terceiro: serviço público, quando se assume uma responsabilidade nesta perspectiva mais educacional, ou de educação e ética por trás, é um privilégio. O que significa que um Estado que tem a responsabilidade no seu centro não atribui privilégios aos seus agentes, aos políticos, aos gestores públicos, que a generalidade da população não tenha acesso. Só um Estado irresponsável é que o faz. Agora, se o faz por estupidez ou por corrupção isso varia. Regra geral, faz pelas duas razões simultâneamente, em circunstâncias diferentes.

 

Portanto, onde é que quero chegar para concluir? O que eu vos queria chamar à atenção é que nós só conseguimos criar um Portugal melhor quando assumirmos e lutarmos para que a responsabilidade seja um valor central da nossa cultura. Até lá, nada de particularmente importante vai acontecer para que o país melhore, vai ser tudo obra de fachada. Os grandes problemas do país têm origem cultural, enfim, além daquelas coisas que sabemos, "que a Justiça não funciona”, entre outras; lá está: irresponsabilidade.

 

Faço-vos um apelo: lutem, lutem de forma inteligente por instituir a responsabilidade como um valor central da cultura nacional e sejam exemplos vivos e vividos desse princípio. Porque garanto-vos que só assim é que vale a pena. No curto-prazo, se não fizerem isso, podem ter ganhos de vários tipos: estúpidos, ou irresponsáveis, ou corruptos, está bem, isso é o que toda a gente faz. Mas como escrevi num poema há anos atrás, chamado "O Fácil e o Difícil”, a última estrofe dizia assim: "O fácil é sermos como muitos, o difícil é sermos únicos.”

O desafio que vos lanço é: sejam únicos. Obrigado.

 

[APLAUSOS]

 
Carlos Coelho

Agora percebem por que vos disse que íamos começar da melhor maneira o primeiro jantar-conferência. Entre um erudito e um sábio prefiro sempre um sábio. O erudito impressiona-nos pela sua erudição, o sábio geralmente leva-nos a pensar e nós temos necessidade de pensar.

 

Vamos, portanto, começar a parte das perguntas e respostas em grupos de dois. Primeiro o grupo Rosa e o grupo Encarnado, com a Inês Silva e o José Bastos Pinto respectivamente.

 
Inês Silva

Em nome do grupo Rosa, gostaria de começar por saudar o Professor Doutor José António Salcedo, ou melhor dizendo, o Zé António.

Sendo o professor um empreendedor que defende a responsabilização dos cidadãos pelos seus actos, de modo a conferir autonomia e liberdade aos mesmos, gostaríamos de saber de que modo transpõe essa mesma responsabilização para outros âmbitos da nossa sociedade, nomeadamente para o exercício de cargos associados ao poder público.

 

Ao exercermos o nosso direito ou dever de votar estamos a depositar confiança naqueles em que votamos, acreditando na sua actuação enquanto exemplo e em prol do interesse geral. Verificamos, muitas vezes, que essa confiança acaba por ser traída. Sabemos que existe legislação no sentido de responsabilizar o Estado e os titulares dos órgãos públicos, porém consideramos que esta responsabilização não ocorre com a frequência expectável.

 

Pretendíamos saber a sua opinião sobre este assunto, nomeadamente se devia recorrer mais frequentemente ao instituto da responsabilidade do Estado e das demais entidades públicas de modo a podermos ver condenados actos praticados sem ética e com os olhos fechados para a realidade, ou seja, actos irresponsáveis.

Obrigada.

 

[APLAUSOS]

 
José Bastos Pinto

Boa noite a todos. Boa noite, Zé. Uma pessoa assim tão grande só se podia chamar Zé realmente.

 

[RISOS]

 

Quando disse: "tratem-me por Zé António”, eu já estava à espera disso, honestamente, porque uma pessoa com esta efectividade em inspirar a equipas multiculturais a trabalhar não podia tratar de outra maneira e duvido que haja aqui alguém que não tenha ficado inspirado com estas maravilhosas palavras. Portanto, muito, muito, muito obrigado pelo testemunho impressionante que deixou aqui, foi muito impressionante mesmo, não é frequentemente que encontramos pessoas como o senhor, obrigado por este grande testemunho, inspirador e motivador.

 

[APLAUSOS]

 

Responsabilidade é um tema muito caro a todos nós em Portugal e que nos envergonha lá fora, pois infelizmente a maioria tem essa imagem de nós. Se culturalmente o conceito de responsabilidade é um em que é muito limitado para nós e por essa lógica limita a produtividade, uma vez que esta é um tema recorrente e como grandehandicapna nossa cultura, podemos seguir em frente e fiéis à nossa cultura sempre e melhorar a produtividade, ou estamos mesmo condenados a sermos um dos povos menos produtivos da Europa?

 

[APLAUSOS]

 
José António Salcedo

Muito obrigado. Vou responder à primeira questão sobre a responsabilização. Eu gostaria que a casa da responsabilização fosse o Parlamento e que lá as pessoas fossem cidadãos, ou profissionais, exemplares nessa matéria. Na minha opinião pessoal estão muito longe disso e temos um Parlamento frequentemente medíocre. Sugiro que, como tudo, as transformações conseguem-se, ou vão-se conseguindo ao longo do tempo, seja na política, seja numa empresa ou numa escola.

 

Quando alguém inicia um processo e consegue catalizar em seu redor uma massa crítica de pessoas que pensam de forma semelhante. Não acredito em dons sebastiães, de forma alguma; é preciso uma massa crítica para operar transformações e transformações comportamentais são as mais difíceis de operar. Comprar uma máquina muito sofisticada para uma empresa é fácil, é trivial; arranjar dinheiro para um projecto é trivial, pode não ser em Portugal mas a nível global é; alterar comportamentos de uma sociedade é muito difícil.

 

Se lerem os livros de Eça de Queirós escritos há cem anos, vão ver que um número surpreendente de características culturais nacionais não se alteraram assim tanto. Há uma diferença grande: é que no tempo de Eça de Queirós ir do Porto a Lisboa era uma aventura de grande risco pois demorava muito tempo, os cavalos tinham de ser de boa qualidade, já hoje em dia vivemos num mundo completamente diferente. Aqui, a resposta à responsabilização ao nível político prende-se também um pouco com a resposta à sua pergunta, que é: se estamos condenados ou não a determinados comportamentos futuros. A minha resposta, claramente, é que não, só estamos se formos estúpidos ao ponto de não fazermos aquilo que temos de fazer.

 

É um risco que existe sempre, mas acredito que Portugal tem oportunidades fantásticas à sua frente. Habituei-me a terramotos na Califórnia, em São Francisco, ter umkitde emergência à porta de casa e sair de casa disparado quando havia terramotos. Na Noruega habituei-me a viver com 25 e 30 graus negativos. Noutros sítios, por exemplo em Taiwan, habituei-me a fugir de tufões quando eles vêm. Portanto, Portugal é abençoado de muitas maneiras diferentes.

Não sou religioso, sou ateu, por isso este "abençoado” não é de inspiração divina, é "blessed by nature”.

 

Portanto, temos tudo nas nossas mãos e parte da resposta às duas perguntas é a mesma. Diria que o futuro não acontece simplesmente, constrói-se dia-a-dia com as nossas acções e decisões. O futuro não acontece simplesmente, somos nós quem tem a responsabilidade, em primeiro lugar, de construir o futuro. Por que diabo hei-de viver num futuro imaginado e criado por outras pessoas? Não. Quero é viver num futuro em que sinta que contribuí para a sua construção e onde me sinta bem.

 

Logo, as transformações mais importantes têm de começar por nós e depois estenderem-se às nossas famílias, aos nossos amigos, aos nossos colegas e colaboradores e vão-se construindo massas críticas de mudança. Portanto, gostaria que o Parlamento escrevesse leis competentes, claras, em vez de ambíguas; de ver políticos responsabilizados por uma desbunda gigantesca de recursos que ocorreram nestes últimos 25 anos. Não tenho dúvida nenhuma, não tenho dúvida nenhuma acerca disto e não ficaria espantado que se a responsabilidade fosse um valor central da nossa cultura e das instituições em particular, por exemplo se a Justiça se funcionasse como devia que houvesse uma série de políticos presos. Não ficava nada surpreendido, provavelmente até ficaria satisfeito e diria "até que enfim!”.

 

Estas transformações têm de começar por nós e depois começar por grupos. Permitam-me um comentário. Nunca pertenci a nenhum partido político, mas em várias vezes, até por afinidades culturais já colaborei com o PSD. Colaborei uma vez com o Bloco de Esquerda, porque aqui há anos, não sei se lembram, houve uns bombardeamentos na Bósnia com munições de urânio empobrecido e eu escrevi uma série de artigos na altura no Público a bater em governantes nossos e no Presidente da República da altura por considerar que as afirmações que tinham feito estavam incorrectas.

 

O Bloco de Esquerda teve a gentileza de me convidar para um debate público a explicar o que era isso do urânio empobrecido e portanto fui com muito gosto. Mas, com isto, queria chegar ao seguinte: o futuro não acontece simplesmente, ele constrói-se dia-a-dia, não desistam disso, sejam rigorosos, cumpram as vossas responsabilidades e utilizando o exemplo das vossas responsabilidades exijam o cumprimento das responsabilidades à vossa volta.

 

Passo a vida nas repartições públicas a escrever nos livros de reclamações, porque considero que isso é a minha responsabilidade e faço-o, não de uma forma deselegante ou insultuosa, mas faço-a apresentando normalmente uma ou duas sugestões que possam contribuir para a melhoria do atendimento e dos serviços. Se tivermos esse tipo de atitude construtiva e dissermos "o país é nosso, o futuro será aquilo que nós nos empenhamos para que venha a ser”, estou convencido que não estamos de forma nenhuma condenados. Se viermos a estar condenados, essa é a maior prova de estupidez social que poderíamos imaginar.

Espero que isso não ocorra pois há todas as condições para isso não ocorrer.

 

[APLAUSOS]

 
Carlos Coelho
Passamos aos grupos Amarelo e Azul com a Cristiana Gonçalves e o Carlos Tadeu Paula, respectivamente.
 
Cristiana Gonçalves

Boa noite. Em nome do grupo Amarelo, quero antes de mais agradecer a presença do Professor Doutor José António Salcedo e cumprimentar todos os restantes. Há alguns dias fez uma publicação no seu facebook que foi a seguinte: "Partidos políticos são socialmente importantes enquanto contextos que são e planeamento de modelos político-sociais alternativos e desejáveis para o bem de todos os cidadãos. No entanto, grande parte das pessoas que os têm integrado têm-se organizado em quadrilhas de malfeitores a tudo dispostos para aceder e desbundar do nosso rico dinheirinho.”

 

O que acha que se pode fazer para acabar com essas quadrilhas de malfeitores?

 
Carlos Tadeu Paula

Boa noite a todos. Antes de mais, queria agradecer em nome do grupo Azul ao José pela excelente palestra que nos concedeu, dizendo mesmo que é por oradores e por momentos como estes que estamos na melhor escola de formação política do país.

 

[APLAUSOS]

 

Passo então à pergunta que o nosso grupo preparou: tendo a nossa sociedade evoluído para a existência de um Estado protector e paternalista, em que medida considera que esta evolução terá conduzido a uma diminuição da responsabilidade individual?

 
José António Salcedo

Óptimas perguntas. Às vezes, escrevo umas coisas no Facebook.

 

[RISOS]

 

Mas só escrevo em inglês, portanto se passarem por lá têm de ter paciência. Por vezes escrevo em português e começo com "for my portuguese friends”.

 

Ora bem, sobre quadrilhas suponho que elas começam a acabar quando manifestamos a nossa posição quanto à sua existência e funcionamento. E acabam quando a Justiça as apanha. Isso não vai acontecer com rapidez, vão ser fenómenos lentos que espero que com uma melhor educação, formação e consciencialização da sociedade se concretizem. Acho que esta crise que temos vivido é uma oportunidade fantástica para começar a despertar consciências.

 

Obviamente, preocupa-me a fragilidade de outras pessoas que de repente ficaram "descalças”, digamos assim, pois ainda tenho os sapatos. Mas acho que a primeira coisa que temos de fazer para acabar com essas quadrilhas é fazer-lhes frente, mostrar a essa gente que há cidadãos que não têm medo, que não estão comprometidos com jogos de poder de bastidores, para poder usar um discurso educado, certamente, mas frontal e claro "olhos nos olhos” seja com quem for. E se vocês não estiverem individualmente em posição para o fazer chamem quem está.

Há muita gente de qualidade magnífica neste país, do melhor que há no Mundo, em qualquer parte do Mundo, assim como há muitos portugueses radicados lá fora que estão acima de tudo e de todos. Portanto, a minha sugestão é que criem massas críticas e quando houver pontos, situações, acontecimentos, ocorrências, afirmações, em relação às quais não concordam levantem a vossa voz de uma forma educada, profissional e responsável, mas "olhos nos olhos”. Dizer: senhor Presidente da República, o senhor está errado e na minha opinião está errada por isto, isto e aquilo; ou senhor Primeiro-Ministro, ou senhor Ministro ou Secretário de Estado, ou quem for.

 

Primeiro passo: eliminem os professores doutores e engenheiros. Na semana passada, vi uma nomeação de um doutor qualquer no Diário da República para uma fundação dos Caminhos de Ferro e depois fui ver a nota curricular que fazia parte do despacho do Diário da República e o senhor tinha o 3º ciclo liceal. Isto é um exemplo de algo que nós, por respeito do trabalho das pessoas, não devemos permitir socialmente e devemos contribuir. O importante não é ser Dr., ou Eng.º, ou ser isto ou aquilo, o importante é sermos quem somos.

E claro, pressionar a Justiça continuamente. Aliás, há dias estive com uma senhora juíza que ilibou um cavalheiro de uma situação de violência doméstica por considerar que bater cinco vezes na mulher não constitui violência doméstica. Além de submeter ao Tribunal um protesto perguntei à senhora juíza se ela se importava que eu experimentasse nela.

 

[APLAUSOS]

 

Portanto, há muitas maneiras de lutarmos. Há uma que não pode falhar que é levantar a nossa voz de uma forma correcta, educada, profissional, mas não podemos estar calados, está bem?

Bom, a questão que levantaste é muito interessante que tinha pensado em abordar mas depois com o diálogo e a improvisação não abordei. Sim, um Estado que assuma a responsabilidade como um valor central nunca pode ser um Estado protector. Tem de ser um Estado que delega responsabilidade e o correspondente nível de autoridade às entidades adequadas.

 

Isto significa que nenhum Estado que tenha responsabilidade no sentido em que usei o termo, pode ser ser centralizado. Os modelos centrais de governação são modelos que foram concebidos há anos atrás, ou por estupidez, ou por corrupção, mais nada. O modelo de governação que temos em Portugal é incomparavelmente mais centralizado do que o modelo que existe nos países nórdicos ou em muitos outros países, é que não tem comparação nenhuma.

 

Por exemplo, vi ontem um despacho que saiu do Ministério da Educação a impedir as universidades de utilizarem as receitas próprias. Isto para mim é um exemplo de uma centralização do Estado, que não devia existir. O Estado devia responsabilizar e autonomizar, dando autoridade e responsabilidade às escolas para elas escolherem o seu modelo de gestão, os alunos que querem, as propinas que vão cobrar e os cursos que vão dar. É por isso que há muito tempo defendo que nenhum professor em Portugal devia ser funcionário público, nenhum, zero, porque misturar a origem do financiamento das escolas com o contrato de trabalho cria aqui um triângulo amoroso que só pode dar maus resultados. Desresponsabiliza as escolas e as pessoas, porque quando há problemas o professor diz: "A escola não me pode despedir, porque dependo do ministro.”

 

Porque é que uma escola que queira criar um departamento novo, ou um instituto novo de investigação não há-de poder lançar livremente um concurso internacional e pagar um milhão de dólares por ano a uma pequena equipa de cientistas brilhantes que se mudem do Japão para cá? Porquê? E se essa unidade prestar serviços à indústria que gera dez milhões de euros por ano, porque é que não há-de ter a autoridade e responsabilidade de reinvestir nas suas operações ou fazer o que melhor entender, prestando contas e expondo-se, lá está, às consequências?

 

Portanto, a resposta à tua pergunta é sim. Um Estado centralizador, que não delega autoridade e responsabilidades em estruturas locais é um Estado, a meu ver, condenado. E esse é um problema sério em Portugal, porque essa é a verdadeira reforma do Estado que não foi feita. Ter 308 municípios não é resposta, antes pelo contrário, é parte do problema. Portanto, aquilo que defendo é que o Estado e as responsabilidades que ele deve cumprir deve ser actuar nos extremos, basicamente.

Num extremo deve legislar a concorrência, no fundo estabelecer as regras do jogo, dizer "meninos, em Portugal isto é assim”, leis com qualidade, claras, estabelecendo as regras do jogo. No outro extremo é fiscalizar com eficácia, dizendo ”meninos, fizeram esta vigarice, por isso cadeia”, ou "fugiram a estes impostos, logo, está aqui a multa”. No meio, tanto quanto possível, deve deixar a sociedade funcionar.

 

O Estado não cria riqueza, as empresas é que criam. A intervenção do Estado na Economia é tecnicamente estúpida, segundo o conceito de estupidez do Professor Cipolla de Berkeley, porque umas vezes actua com irresponsabilidade, ou estupidez, e outras por corrupção. A protecção que o Estado tem dado a determinados sectores e empresas ao longo destes 20/30 anos é inadmissível e é um tampão enorme à criatividade e à iniciativa de quem de facto cria emprego em todos os países, que são as pequenas e médias empresas.

O Estado deve ser um catalisador para a liberdade das pessoas e nunca dizer-lhes: "Agora vamos investir em energias renováveis do grupo A, B ou C.” Quem sabe isso são as empresas, não é o Estado. O que é que o Estado sabe? O Estado faz que sabe, o que é diferente, mas não sabe nem tem de saber, pois não faz parte da responsabilidade do Estado dizer se em Portugal se vão fabricar automóveis ou navios. O Estado deve é criar as condições para fertilidade do solo para que os melhores agarrem essas oportunidades e lancem as iniciativas.

 

Portanto, a resposta à tua pergunta é: um Estado centralizador certamente desresponsabiliza as pessoas e esse é um problema sério em Portugal. Quando o Rendimento Social de Inserção consegue ser maior que o subsídio de desemprego há aqui qualquer coisa de errado, não é?

 

[APLAUSOS]

 
Carlos Coelho
De seguida, os grupos Roxo e Laranja com Pedro Ferreira e Jorge Freitas, respectivamente.
 
Pedro Ferreira

Boa noite, professor José António Salcedo. Antes de mais, em nome do meu grupo, queria agradecer o facto de estar aqui presente na Universidade de Verão.

 

Tendo em conta o seu currículo e toda a sua vida profissional, visto ser um homem empreendedor e também empresário, qual é a sua opinião sobre as diferenças entre ser empreendedor e ser empresário? Queria também perguntar se hoje em dia um empreendedor pode ser um empresário e se um empresário também pode ser considerado um empreendedor.

 

[APLAUSOS]

 
Jorge Bica Freitas

Boa noite a todos. Cumprimento o Professor Doutor José António Salcedo pela sua disponibilidade em estar aqui connosco. Cito uma sua intervenção: "Para saber o que é ser português é preciso ter vivência no estrangeiro”, como é o seu caso e de muitos outros portugueses. O facto é que nem todos temos essa oportunidade, por diversos motivos, ou por que estudamos cá, ou porque trabalhamos cá, entre outros.

 

Como é que, então, combatemos esta crise de valores que resulta na falta da responsabilidade, ou na responsabilidade curta, que como diz é cultural e que está enraizada, sem ter essa vivência?

Obrigado.

 

[APLAUSOS]

 
José António Salcedo

Obrigado, são perguntas muito interessantes, por isso vamos lá ver se consigo dar uma resposta à altura delas. Há uma diferença muito grande entre ser empreendedor e ser empresário. Não me considero empresário, não sou empresário, sou empreendedor. Um empresário é alguém que complementa um empreendedor e vice-versa. Um empresário e um empreendedor complementam-se e as melhores organizações fazem-nos coexistir, ou se quiseres, pessoas com características mais empreendedoras com pessoas de características de gestão e de desenvolvimento de uma empresa.

 

Por definição, um empreendedor é alguém que imagina o futuro e depois o constrói, normalmente com muitas dificuldades, mas nunca desiste. Para mim, ele nunca desiste por uma razão muito clara: um empreendedor faz aquilo que o apaixona. Só deve fazer aquilo que o apaixona, porque senão nunca conseguirá encontrar a resiliência necessária para vencer as dificuldades. Quando aparecer pela frente uma dificuldade mais séria, como não está a fazer aquilo que de facto o apaixona, esmorece com mais facilidade do que uma pessoa que sabe o que quer fazer e adora o que faz.

 

Um empresário faz como seu foco o desenvolvimento da empresa e, portanto, tem uma componente mais intensa, mais forte, mais educada, mais treinada, de gestão, seja em economia, gestão empresarial ou gestão de negócios, entre outros. Há alguns empreendedores que deram grandes empresários, como o Steve Jobs, por exemplo, e há muitos outros em Portugal e fora. É mais fácil um empreendedor tornar-se um empresário do que ao contrário, por causa doskills set, do conjunto de atitudes e comportamentos que são necessários para cada um deles ter.

Um empresário, normalmente, por estar focado no desenvolvimento dos negócios e não na consideração de alterações radicais, tem mais dificuldades em empreender do que um empreendedor com um treino adicional se tornar um empresário.

 

Essa era a primeira observação que eu faria, a segunda é que não se formam empreendedores, formam-se empresários. A minha família é quase toda de origem espanhola, metade da minha família é basca e metade é catalã, por isso isto é uma combinação esquisita de genes. Os meus avós tinham uma afirmação que acho muito interessante: en las mamas con las manos no mamas más. Isso é uma maneira de dizer que há um conjunto de aspectos que nascem connosco e que depois sabemos nutri-los e desenvolvê-los ou senão nunca mais teremos. Portanto, a resposta à pergunta é: um empreendedor é alguém que as disrupções fazem parte da sua forma de ser, de pensar e de ver o Mundo. Aliás, frequentemente, um empreendedor imagina as disrupções que vai ter de criar para ter sucesso.

 

O Steve Jobs é talvez o exemplo mais claro que conheço, tive a sorte de interactuar com ele uma série de vezes e até trabalhar numa fase com ele e isso era muito nítido. Um empresário é diferente. Portugal tem empresários magníficos como o Belmiro de Azevedo e muitas outras pessoas que ao longo de muitos anos foram criando empresas pequenas, médias e grandes com mais ou menos sucesso, pessoas de grande valia. Normalmente, um empreendedor é alguém que está no início da cadeia de criação e de desenvolvimento de uma empresa, portanto é mais fácil um empreendedor vir a ser um bom empresário se quiser, se se aplicar, se aprender, já o oposto, para mim, é quase impossível.

 

Aliás, isso prende-se com outro aspecto: hoje em dia há muitas universidades a estimular empreendedorismo e não se apercebem de uma característica muito importante que é a diferença entre Pesquisa & Desenvolvimento, e Inovação. Pesquisa & Desenvolvimento parte de uma pesquisa inicial para criar conhecimento que é feito através da publicação de artigos, teses, algumas patentes, por aí fora, mas Inovação é precisamente o processo oposto: é partir de conhecimento e criar riqueza. Portanto, oskills set, os comportamentos, que é preciso para ser bem-sucedido no ambiente científico de Investigação & Desenvolvimento são exactamente opostos àquele que é necessário para ser bem-sucedido num ambiente empresarial destart-ups.

 

Portanto, imaginar que um bom cientista facilmente dá um bom empreendedor é um erro crasso. Embora, haja bons cientistas que no fundo queriam ser bons empreendedores, isso é diferente e esses devem ser apoiados.

 

A outra pergunta: como é que combatemos a crise de valores sem ter essa vivência? Não gosto muito da expressão crise de valores, porque não creio que haja uma crise de valores, ou melhor, creio que o Mundo está permanentemente numa crise de valores. As crises são diferentes, os valores são diferentes, está tudo a mudar ao mesmo tempo. Educação tem de ser levada a sério e penso que esse é o ponto mais importante. Deixem-me dar-vos um exemplo: na Finlândia, ou na Noruega, para ser professor primário, ou do Ensino Secundário, é preciso ser uma pessoa muito especial. Porque em primeiro lugar é preciso ter um Mestrado na área em que se vai ensinar, dado por uma das universidades nacionais acreditadas no sistema científico e tecnológico nórdico e em segundo lugar é preciso estar nos 10% de melhores alunos que acabaram o Mestrado naquele ano. Só os 10% melhores que acabaram Mestrado é que são admitidos a serem professores.

 

Portanto, um professor é alguém altamente respeitado e conceituado na sociedade. Aqui temos escolas superiores de educação, que em vez de serem fechadas estão a formar professores de matemáticas. Elas deviam ser fechadas, não deviam existir. Aliás, até já deram duas Ministras da Educação.

 

[APLAUSOS]

 

Logo, essa transformação que é necessária só se faz, a meu ver, desde pequenino e isso significa, ou obriga, a elevar significativamente osstandardsem que a sociedade está habituada a funcionar. Isto sem chegar aos extremos em que por exemplo chegam na Coreia. Na Coreia, quando um miúdo da escola primária fica doente com uma gripe e não pode ir às aulas durante um dia ou dois, um dos pais vai substituí-lo à escola. A Coreia do Sul, neste momento, tem brigadas do Ministério da Educação que andam pela cidade de Seoul a tirar os miúdos de estudar à noite de pequenas escolas onde eles têm lições regulares, intensíssimas todos os dias e não os deixam estudar depois das onze da noite. É uma sociedade que chegou ao outro exagero. Pois claro, neste momento tem a maior taxa de suicídio juvenil. Porque há muitos miúdos que quando não conseguem entrar na Universidade de Seoul que é a de topo na Coreia suicidam-se.

 

Não defendo obviamente esse extremo de maneira nenhuma, mas defendo levarmos Educação desde pequeninos a sério. Para isso temos de elevar muito, muito, o nível no qual operamos como pessoas, como famílias e como sociedade. Mas integro isso no tal conceito de responsabilidade. Se quero que o meu filho/a seja bem instruído para um futuro em que tenha mais opções e mais liberdade, devo exigir que quem ensina o meu filho seja as melhores pessoas do país e não uns "badamecos”. Não é? Assim como têm direito de exigir que um professor ou professora que falte à terceira aula seja despedido, a não ser claro que haja uma justificação maior.

 

Portanto, nós como cidadãos temos de ter um nível de responsabilidade muito superior ao nível do exercício da nossa cidadania e das duas, uma: ou estamos dispostos a assumir isso e a praticar isso ou não. O futuro depende da resposta desta pergunta. Respondendo, por fim, à tua pergunta: há maneiras de compensar o facto de não sairmos daqui, por exemplo, lendo, vendo filmes, consultando a Internet, estabelecendo pontos de diálogo com pessoas interessantes noutros países, frequentando cursos online, Stanford, MIT, Harvard, têm cursos de tudo e mais alguma coisa gratuitos.

 

A Universidade de Stanford está de tal maneira preocupada com a qualidade da Educação ao nível do High School nos Estados Unidos que criou um programa especial online, gratuito, para o Ensino Secundário. Há imensas escolas em todo o mundo que seguem aquelas lições, não para substituir integralmente as aulas locais, mas em complemento às mesmas. Participar, saber utilizar essa ferramenta fantástica que hoje em dia é a Internet para simular as viagens, com a vantagem que fica mais barato, é o conselho que eu daria. Ler, conhecer outras culturas, confrontar as nossas ideias e opiniões com outras muito diferentes. Se somos muçulmanos vamos falar com um israelita para perceber o que é um judeu, se somos cristãos vamos falar com um budista para entender o que é o Budismo que nem sequer é uma religião mas uma filosofia de vida.

 

Se somos ateus vamos falar com todos para perceber as perspectivas deles. Se somos físicos vamos falar com biólogos para ver como é que podemos trabalhar juntos. Portanto, a resposta à tua pergunta é: quebrar barreiras e construir pontes.

 

[APLAUSOS]

 
Carlos Coelho
Grupo Castanho e Verde com a Maria Nascimento e a Marlene Lopes, respectivamente.
 
Maria Nascimento

Desde já, muito boa noite, muito obrigada pela palestra e pelas ideias, mas acima de tudo muito obrigada pelo exemplo, em nome do grupo Castanho, por provar que é possível e não é errado pensar mais além. Quanto à nossa pergunta, notámos de facto uma diferença muito grande de conceitos e gostávamos de focar a nossa questão na responsabilidade social empresarial. Porque ser ético na área empresarial quer dizer conhecer e considerar as partes interessadas objectivando um canal de diálogo sendo responsabilidade social definida como uma forma ética, ou seja, nenhum dos conceitos nos disse nada.

 

Entretanto, estivemos a debater a questão em que várias empresas, durante o mês de Fevereiro, fizeram greves dos transportes em metade dos seus dias úteis, acabando por prejudicar imensas vidas e acabar com imensos empregos. Então, a nossa pergunta é: devemos de facto enquanto Estado positivar o maior número de directivas que levem a uma maior responsabilidade social por parte do sector empresarial, quer público, quer privado, ou tal cuidado iria levar a um proteccionismo estadual que seria castrador à inovação no sector privado? Onde é que traçamos a linha, ou até onde é que nos deixam traçar a linha?

Muito obrigada.

 

[APLAUSOS]

 
Marlene Lopes

Boa noite. Em primeiro lugar, queria cumprimentar o Professor José António Salcedo e agradecer a sua presença aqui, em nome do grupo Verde. O tema é bastante vasto e nós tínhamos preparado diversas perguntas, mas optámos por pegar numa frase que disse: "O Estado deve contratar os mais competentes, pois só eles conseguem assumir responsabilidade com maior eficácia”. Visto isto, na sua opinião, como é que podemos, ou incentivaria, a meritocracia quer no sector público, quer no privado, já que vivemos num "país de cunhas”, o chamado factor "C”?

 

Como é que se podia acabar de uma vez por todas com os conflitos de interesses político-partidários, visto que são eles que têm o poder nas mãos e dar lugar a pessoas competentes, tendo em conta que esses valores de responsabilidade e seriedade caíram em desuso após o 25 de Abril?

 

[APLAUSOS]

 
José António Salcedo

Obrigado. Aqui começamos a entrar em áreas que não domino e, portanto, não me sinto com competência particular para o fazer, mas farei um esforço bem-intencionado. Onde traçamos a linha? Suponho que como cidadão - agora falo como cidadão - que uma das razões pelas quais há tantas greves em empresas, em particular por exemplo na área dos transportes, é que muitas dessas pessoas são pessoas com privilégios inadmissíveis e estão a lutar pela manutenção desses privilégios numa altura em que vêem desaparecer uma parte desses privilégios à sua volta.

 

Para mim, isso é uma consequência de o Estado estar a cumprir uma responsabilidade que não lhe cabe. Não me faz qualquer sentido o Estado ter qualquer empresa. Nenhuma. Assim como não faz sentido um presidente regional dos Açores rejeitar um navio encomendado para uma velocidade de 20 nós e afinal o navio apenas realiza 18,5 nós e depois alugaram um que só dá 14 nós.

Acho que o problema destes sectores empresariais do Estado que foram crescendo com privilégios inadmissíveis é estarem debaixo da alçada do Estado. O Estado deve dar regras de funcionamento e estas devem-se cingir à definição da qualidade do serviço. Mas a prestação de serviço não deve ser feita pelo Estado e muito menos por funcionários públicos ou que pertençam a empresas do sector empresarial do Estado.

 

Portanto, a meu ver, a única forma de resolver esses problemas é as pessoas que fazem essas greves sentirem também na pele que quando as fazem também se estão a prejudicar a si próprios e aí perceberem que não há os que estão dentro e os que estão fora, são todos cidadãos. Somos todos cidadãos de um país e quando não conseguimos cumprir as nossas responsabilidades estamos também a afectar negativamente os outros.

 

Quando algumas pessoas sentem que não cumprindo as suas responsabilidades são impunes, não há consequências, as acções não acarretam consequências, então tudo é permitido. Acho que isso só se resolve quando o Estado definir com clareza quais são as responsabilidades que deve cumprir e quais são aquelas que não deve cumprir. Essa, para mim, é a verdadeira reforma do Estado que ainda não foi feita. Já devia ter sido feito. Sei que é muito difícil, com muitos interesses instalados, mas é preciso mexer nessas coisas, porque o mundo não espera por nós. A Coreia do Sul não espera por nós, a Califórnia não espera por nós, ninguém espera por nós e depois o nosso futuro será a servir cafés a turistas, ou então sermos conhecidos como a Suíça deste cantinho que é abençoado pelo clima, pelo peixe fresco, pela natureza, pelas pessoas afáveis e simpáticas, e que portanto é rico porque as pessoas são educadas e responsáveis.

 

Em relação ao "país de cunhas”, como acabar com os interesses e dar lugar aos competentes? Suponho que isso se resolva com um misto de iniciativas. Uma iniciativa que recomendo sempre que tenhamos conhecimento de uma situação dessas é desmascará-la, escrever, lavrar num livro vermelho em protesto, escrever ao ministro, programar um e-mail automático para mandar dez e-mails por dia a todos os membros do Parlamento, enfim, uma série de iniciativas. A outra é: sensibilizando os melhores, porque há pessoas muito boas em Portugal, não tenham dúvida nenhuma, na política e nas empresas.

 

Porque é essencial elevar os padrões, não só de responsabilidade como de qualidade das pessoas. O serviço público é um privilégio e tem de ser assumido como um privilégio. Só os melhores é que devem estar no serviço público e os melhores não significa os mais responsáveis, os mais filósofos, entre outros, mas sim os mais adequados profissionalmente, tecnicamente, para desempenhar as tarefas com eficácia. Sejam economistas, juristas, escritores, ou outros, devemos existir na elevação do padrão de qualidade de serviço dentro do mundo dos serviços públicos.

 

Não podemos é nos demitir dessa responsabilidade. Eu sei que é árduo, termos de fazer isso uma vez ou dez por dia, mas faça-se, porque o futuro é aquilo que quisermos que seja, é nosso para construirmos e não dos outros. O futuro não deve ser dos outros, mas sim nosso para o construirmos. Mais do que isto não sei dizer.

 

[APLAUSOS]

 
Carlos Coelho

Há uma tradição que não conhecem e com certeza também o nosso convidado, que é deixar-lhe por cortesia a última palavra. Depois de passar a palavra aos grupos, esgoto as oportunidades de usar este microfone, pelo que tiro partido dessa circunstância para convocar uma reunião com os coordenadores lá em baixo na sala de aula às cinco para as onze.

 

Dito isto, senhor Professor, meu caro José António foi entrar com pé direito no ciclo das cinco conferências nesta universidade. Agradeço muito a intervenção inicial de resposta à minha pergunta e as respostas que já foram dadas e ainda as respostas aos últimos grupos Cinzento e Bege.

 

Dando a palavra ao grupo Bege, quero agradecer por terem-nos recebido e o convívio simpático que tivemos ao longo da noite na vossa mesa.

Emília Pereira e Henrique Pessoa dos grupos Cinzento e Bege, respectivamente.

 
Emília Pereira

Boa noite, Professor Doutor José António Salcedo, tendo em conta o seu historial no empreendedorismo o grupo Cinzento gostaria de saber qual o conselho que dá aos jovens que querem arriscar e criar as suas empresas, tendo em conta a situação actual do país e se possível, dizer-nos a sua opinião sobre a diferença entre ser empreendedor em Portugal e no estrangeiro.

Obrigada.

 

[APLAUSOS]

 
Henrique Pessoa

Cumprimentos ao Professor em nome do grupo Bege. A minha pergunta é simples, uma pessoa que gostaria de estudar lá fora no estrangeiro, procurar conhecer melhor outras culturas, aprender algo que não aprendeu aqui, certamente encontrará alguns desafios.

 

Gostaria de saber quais são para si os mais difíceis e que o tocaram mais. Obrigado.

 

[APLAUSOS]

 
José António Salcedo

É curioso que da lista de perguntas que me apresentaram por escrito essa foi uma das que escolhi porque achei que era uma contribuição particularmente útil que vos podia dar. Já não recordo o que é que escrevi.

 

[APLAUSOS]

 

Mas vou tentar reconstruir. Em primeiro lugar, conheçam-se a vós próprios, saibam quem são, o que é que vos faz mexer, o que é querem, que futuro desejam, o que vos torna únicos, o que têm a mais que outros não são, porque é conhecendo muito bem quem são que conseguem com mais facilidade encontrar aquilo que de facto vos faz correr. Só devem empreender naquilo que vos faz correr.

Por outras palavras, se não sentirem um gozo sublime, mágico, com aquilo que estão a fazer mudem de vida. Porque aí estão a ser tecnicamente irresponsáveis, mas sem ganhos e isso é estúpido.

 

[APLAUSOS]

 

Portanto, esse é o primeiro conselho que vos dou, conheçam-se e vejam o que vos faz ferver. Se é fazer surf, dediquem-se ao surf; se é dançar tango, montem uma escola de dança; se é inventar lasers, vêm falar comigo; e se é outra coisa qualquer descubram-na.

O segundo conselho que vos dou é uma área em que a maioria das pessoas comete um erro e só aprende mais tarde, é não trabalhem com os vossos amigos, trabalhem com as melhores pessoas para levar o vosso projecto em diante. Se as melhores pessoas por acaso forem vossos amigos tanto melhor, mas não se deixem influenciar por questões de amizade para levar um projecto para a frente.

Terceira sugestão: aprendam com quem já fez, não necessariamente a mesma coisa, mas já passou por esse mesmo ciclo. Falem, oiçam, façam perguntam, procurem, vão a clubes de empreendedorismo, mandem e-mails a empreendedores bem-sucedidos. Não importa que não os conheçam, pois um empreendedor bem-sucedido responde sempre a um e-mail, um empresário já não.

 

Não tenham medo de falar com as pessoas. Nunca conheci o Guy Kawasaki, mas um dia soube que ele deu uma palestra em Singapura, achei interessante, mandei-lhe um e-mail, era um jovem estranho mas ele respondeu imediatamente no dia seguinte. Uns anos depois, quando estava na Califórnia, conheci-o. Portanto, não se limitem ao vosso círculo de conhecimentos, pois hoje com a Internet podem sempre ver quem está a fazer o quê. Podem estar a fazer coisas parecidas com aquilo que gostavam de fazer, se calhar não em Portugal, se calhar encontram noutro país. Descubram, contactem, falem, façam perguntas, aprendam, está bem?

 

Identifiquem com a cabeça muito frio os recursos que precisam para encaminhar o projecto e recursos ultrapassam largamente o capital, podem ser pessoas, competências, espaço, isto ou aquilo. Mas comecem, salvo raras excepções, do mercado para a vossa iniciativa, ou seja, nunca procurem levar para o mercado uma coisa que têm na cabeça, procurem identificar ummatchingentre o que têm na cabeça e alguma necessidade no mercado. Se conhecerem uma cidade em Portugal que está desesperada por comprar frascos de compota de figo, então montem um negócio de compota de figo.

Se tiverem uma receita de figo especial da avó é mais arriscado pôr essa receita no mercado sem saber quem é que pode comprar, se calhar até deviam vender para a Noruega. Se for para a Noruega posso ajudar.

 

Resumindo, a primeira sugestão é só empreenderem numa área em que estão apaixonados pelo que estão a fazer, pois só assim é que têm resiliência para sobreviver no que estão a fazer. Segundo: rodeiem-se das melhores pessoas que consigam convencer para trabalhar convosco. Terceiro: façamnetworkingpara aprenderem com pessoas lá fora e de cá dentro, para saberem como é que se faz, o que pode acontecer, quais são as dificuldades e tudo mais. Quarto: inventariem os recursos que são necessários. Não caiam na asneira de ser emocionais em relação a isso, pois construir uma companhia é um acto nada emocional, é o acto de de grande racionalidade com consequências.

 

Em relação aos desafios, a minha experiência mais desafiante é a integração na cultura local, porque isso determina a eficácia da pessoa naquela cultura. Conheço muitas pessoas que foram estudar lá fora e estavam desesperadas porque têm saudades do bacalhau, vinho verde e rabanadas no Natal. Andaram sempre em estado de desespero. Enquanto estiveram lá sofreram e não aproveitaram a cultura local para evoluir. Acabaram o Mestrado, o Doutoramento e regressaram iguaizinhos, aliás regressaram piores. Portanto, da minha experiência a maior dificuldade é isso: chegarmos a uma cultura nova e dizermos que agora é que temos uma oportunidade de conhecer uma cultura nova, entender os mesmos problemas e adquirir ferramentas que me dão uma vantagem competitiva face aos que lá ficaram.

 

Logo, a integração na nova cultura é a maior dificuldade. Obviamente, partindo do princípio que a pessoa não tem dificuldades como pagar a conta de electricidade e assegurou os recursos para ficar lá onde está a estudar. A partir desse momento, a grande dificuldade é não aproveitar, não aceitar nem fazer a conveniência de integrar na cultura local. Isso é um erro grave.

 

[APLAUSOS]

FIM