ACTAS  
 
8/29/2013
“Intervir no social em tempos de crise”
 
Carlos Coelho

Muito bom dia. Antes de dar início à sessão formal e apresentar quem não precisa de ser apresentado, quando falamos do social falamos muitas vezes - provavelmente muito menos vezes do que devíamos - de como é que nós podemos fazer a diferença.

Vamos, portanto, abrir este nosso painel sobre "Intervir no social em tempos de crise” com um pequeno filme que produzimos para vós.

[VÍDEO]

"Intervir no social em tempos de crise” com o Dr. Santana Lopes que dispensa apresentações. Ele foi Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, foi Presidente do PSD, foi Primeiro-Ministro de Portugal e está agora a fazer um trabalho notável à frente da Santa Casa da Misericórdia em Lisboa. Foi o primeiro nome de que nos lembrámos quando pensámos num orador para este tema essencial. Exactamente pela história do Ryan, pois é necessário quem faça a diferença e o Dr. Santana Lopes, na Misericórdia de Lisboa, está a fazer a diferença.

O nosso convidado de hoje tem como hobbies a música, a leitura e o Alentejo. A comida preferida é bife com batatas fritas e ovo estrelado. O animal preferido é o cavalo. Sugere-nos os livros "O Fio da Navalha” e "Pecado Original”, e os filmes "Era uma Vez na América”, "As Pontes de Madison County” e "Inside Job”. A qualidade que mais aprecia para além da seriedade é a gratidão.

Connosco, nesta manhã, o Dr. Pedro Santana Lopes.

[APLAUSOS]

 
Pedro Santana Lopes

Quero agradecer o convite que me foi dirigido, saudando todos os 100 alunos da universidade, o magnífico reitor Carlos Coelho, o senhor Presidente da JSD Hugo Soares, os presidentes de concelhias e dirigentes da JSD que aqui estão, senhores deputados com grandes afinidades com a JSD e dizer-lhes que é naturalmente um gosto poder partilhar aqui estes dias desta iniciativa fantástica.

Tinha estado aqui em circunstâncias diferentes: uma vez como Primeiro-Ministro em 2004, outra vez em 2009, julgo que num sábado no jantar, quando era candidato à Câmara Municipal de Lisboa. Enfim, já lá volto a esse dia aqui.

Gostava de destacar a importância da formação e a longevidade deste modelo da Universidade de Verão a formar jovens como quadros da JSD, bem como independentes. Julgo que já existem mais de 1000 jovens com o carimbo Universidade de Verão. Gostava de destacar o papel da JSD que em aliança com o magnífico reitor, um JSD para sempre, tem demonstrado que não serve só de facto para abanar bandeiras, tem a capacidade de ajudar, de provocar o PSD, a sociedade portuguesa, o sistema político português, para novas formas de actuar e novas ideias que rasguem com o que está estabelecido.

[APLAUSOS]

Gostava de dirigir uma insistência aos jovens dirigentes para que não abandonem este hábito de adquirir formação, ao longo da vida toda, porque já vou um pouco mais à frente na vida do que os alunos que aqui estão, mas lembro-me bem dessa fase da vida. Devo dizer que é muito importante nas fases más e boas nós procurarmos sempre aprender. Aprender é a melhor fonte de juventude, termos sempre a capacidade de aprender, de estudar, de inovar. Seja aquilo que for, mas desde que nos enriqueça.

Gostava de, além dos cumprimentos que já fiz, saudar o Presidente da Câmara de Castelo de Vide e o actual vereador António Pita, dizendo que aprecio especialmente o facto desta iniciativa ter lugar no interior do país. É um dos temas que me é mais caro, o do combate à desertificação do território, há muito tempo. Para além do sistema do Governo, nas jornadas parlamentares em 2011, fui convidado para fazer uma intervenção lá e elas foram precisamente subordinadas a esse tema pelo grupo parlamentar liderado pelo Luís Montenegro que assumiu essa bandeira também, subordinando essas jornadas a esse tema.

É um dos temas óbvios que Portugal se esquece mas que com o passar do tempo a realidade se vai impondo e Portugal vai ter de tratar dele de uma maneira ou de outra, porque a realidade às vezes é mais forte do que as distracções.

A propósito de políticas sociais, sei que há vários oradores que entram aqui nesta área tão vasta, mas eu gostaria de abordar este tema da intervenção com políticas sociais em tempos de crise a partir daquele que é o exemplo da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, que é um mundo desconhecido. É desconhecido para a generalidade dos portugueses, devo dizer que até para mim próprio que já tinha exercido as funções de Primeiro-Ministro, Presidente da Câmara de Lisboa, em estreito contacto com a Misericórdia, mas depois de ter sido nomeado Provedor da Santa Casa descobri um mundo imenso que não conhecia na sua exacta dimensão.

Indo então ao papel da Santa Casa e ao que ela é, só lembrar que ela faz este ano 515 anos, procura fazer a diferença, agora num contexto difícil.

Gostava de vos falar um pouco aqui do universo Santa Casa. Neste momento, a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa enfrenta o seguinte desafio colocado por mim próprio, pela Mesa, mas também pelos tempos: alargar o seu âmbito de intervenção, ou seja, tem missões tradicionais, mas tem de as alargar. Tradicionalmente a Santa Casa é vista pelo lado social pelos lares de idosos, centros de dia, residências temporárias, o apoio domiciliário, e também pelo lado dos jogos. Normalmente é por onde se olha, quando há carências, as pessoas costumam dizer: "Pensas que isto é a Santa Casa da Misericórdia?”, pois as pessoas vêem a Santa Casa por esse lado de apoio aos mais desfavorecidos, aos mais desprotegidos e depois vêem por esse outro lado, o lado das receitas, o lado da concessão do direito que o Estado atribuiu de explorar em exclusivo os jogos sociais.

Mas existe um mundo para além desse, nomeadamente no património, nas benemerências da Misericórdias que, como muitas outras vive muito, por exemplo, dos seus 556 imóveis que a tornam uma das grandes proprietárias do país. Nomeadamente são aqui herdados no Alentejo, recebendo-os em doação. Portanto, na área do património e também na área da cultura, como a Igreja de S. Roque, um arquivo de 500 anos, que quando quiserem ir visitar está lá no Largo da Misericórdia, em frente ao Bairro Alto, para se situarem melhor é o Arquivo, Biblioteca e Centro Editorial.

E na área da Saúde, que muita gente não sabe e era aqui que eu tinha menos conhecimento do estatuto e da intervenção da Santa Casa: o Hospital de Sant’Ana na Parede que já se chamava assim antes de eu ser Provedor [RISOS] e que é ali na marginal. É um hospital essencialmente ortopédico, onde são operados grandes nomes do Desporto (Futebol, Atletismo, etc.) constantemente. E também o Centro de Recuperação de Alcoitão, onde vão parar as pessoas a quem acontecem situações complicadas na vida, muitos jovens infelizmente, pessoas de todas as idades, que ficam paraplégicas, ou tetraplégicas, ou que sofrem AVC. Este é o centro de excelência de reabilitação que foi construído em 1966 por um antecessor meu, Melo e Castro, também por causa dos vitimados pela então guerra nas ex-colónias.

Portanto, além destas áreas temos hoje dia também a área da investigação que lançámos, é um dos novos desafios em que entendi que a Santa Casa tinha obrigação de criar bolsas só para a comunidade nacional. São as maiores bolsas de apoio à investigação para a comunidade de investigadores portugueses, porque há grandes bolsas como a bolsa da Fundação Champalimaud, por exemplo, ou as bolsas dos laboratórios da Bial, que são ou de dois em dois anos e a outra anual, mas para a comunidade geral de investigadores.

Esta é para investigadores portugueses na área das lesões vertebro-modulares que causam a para e a quadraplegias, e depois noutra área que é a das neurodegenerativas, portanto, Alzheimer, Parkinson e outras.

São situações que estão no âmbito da intervenção da Santa Casa e por isso não me faziam sentido não lá estarem. Portanto, como dizia o Carlos Coelho, temos de procurar fazer a diferença, que eu tomo muitas vezes como adequar a instituição que dirigimos à realidade dos tempos e aos novos desafios. Estes desafios que se colocam, se nós tratamos e fazemos a reabilitação, depois de acontecerem as causas que levam a essas situações de enfermidade, temos obrigação, então nos tempos em que o país vive, de promover a investigação que possa conduzir - oxalá, tão depressa quanto possível - à cura, ou pelo menos à atenuação das consequências dessas situações.

Portanto, todos os anos damos duas bolsas, cada uma de 200 mil euros que é distribuída por três anos para o/a investigador/a chegar a cada uma das bolsas. Todos os anos atribuímos uma nova bolsa, isto é em colaboração com as universidades portuguesas, com os principais centros de investigação, a nível nacional. É um trabalho grande que estamos a fazer e que nos motiva imenso e que lá está, é uma nova área. Para mim não fazia sentido, hoje em dia, uma instituição como a Santa Casa da Misericórdia com os recursos que tem, as áreas que tem e a que se dedica, que não tenha uma frente de trabalho significativa na área da investigação. Tem que a liderar e nomeadamente na frente internacional que é um trabalho que estamos a desbravar com instituições na Europa e fora dela, nomeadamente nos Estados Unidos, por exemplo fazendo intercâmbio com os centros que em Houston tratam os que são vitimados em intervenções militares nos Estados Unidos. Estamos a trabalhar já com eles, é fundamental saber comparar para quem se quer formar como deve ser; lembro-me de ter sido ensinado a isso desde muito pequeno.

As receitas da Santa Casa é algo que me perguntam muitas vezes acerca: no ano passado, em 2012, tivemos 15,5 milhões de euros de resultado líquido, o que foi uma melhoria de 19,7% em relação ao ano anterior. Quando entrei, no final desse ano, o saldo do exercício foi negativo em 4,25%, mas em 2012, por razões várias quer como a contenção dos custos, da despesa com o pessoal, os fornecimentos, serviços e bens externos, quer pelo aumento das receitas. Tivemos esse resultado, muito melhor, de 15,5 milhões de euros. Diria e gostava de vos dar essa nota de que foi o ano em que os Jogos da Santa Casa tiveram mais receita, de sempre. Estão aí os números da receita bruta e atingimos um máximo que representa um máximo de 5,3% relativamente a 2011.

As pessoas dizem muito - e há muitas teorias para isto - que se joga mais em tempo de crise, mas os estudos que fazemos não levam propriamente a essa explicação. Fazemos estudos que procuram acompanhar as causas e motivações das apostas, mas também acompanhar o apostador e às vezes fenómenos de dependência, nomeadamente nas idades mais novas ou mais avançadas. O jogo que mais tem progredido nos últimos anos, de longe, é o da raspadinha, o da lotaria instantânea, que neste ano em relação ao ano anterior teve aumentos de 80% de receitas, o que é muito significativo.

Porque criámos entretanto o Pé de Meia, o Super Pé de Meia, o Mini Pé de Meia, que dão às pessoas 500, ou 1.000, ou 2.000 euros, por mês, ou durante dois anos, ou cinco anos. Portanto, na prática constitui um apoio àquilo que uma pessoa tenha por mês, principalmente como se calcula para gente que tem mais idade e menos recursos, às vezes todos encontraremos nas papelarias, ou tabacarias, pessoas de várias idades a pedir uma raspadinha. Foi um sucesso, em certa medida excedeu as expectativas que tínhamos.

Mas, como sabem, a carteira de jogos inclui também o Euromilhões, o Totoloto, o Totobola, o Joker, a Lotaria Clássica e nós estamos num processo de actualização e renovação da rede de jogos, nomeadamente com parceiros europeus: espanhóis, franceses, suíços. Estamos à espera que o Estado legisle sobre o jogo online, as apostas online, no âmbito que a Santa Casa o quer explorar, que os pode integrar nos jogos sociais, de fortuna ou de azar, os que são normalmente explorados pelos casinos.

O Tribunal Europeu tem dado razão e tem reconhecido a pertinência deste uso exclusivo da Santa Casa na exploração dos jogos sociais. É uma polémica que há por esse mundo fora: concentração, monopólio, ou liberalização? Os países que mais liberalizaram não tiveram grande resultado nos últimos anos e estão a voltar atrás. Os que têm mais reservado para o Estado como por a Suécia, por estranho que possa parecer, tem obtido melhores resultados nessa exploração.

Julgo que já está ali, a distribuição da receita dos jogos, só para saberem que esta vai 72,8% para várias entidades que estão ali, do Estado, da protecção civil, da juventude, da cultura, da saúde, a própria Segurança Social, o Desporto escolar, a Direcção Regional da Saúde e do Desporto da Madeira, o Instituto do Desporto dos Açores, para a causa da Igualdade entre homens e mulheres, para o policiamento de espectáculos desportivos, entre outros. Portanto tem toda esta distribuição, são 540.924.000 euros que foram distribuídos no ano passado e ficam 27,8% para a Santa Casa, ou seja, 150.160.000 euros que são distribuídos e aplicados da maneira que damos a indicação aí a seguir. Ou seja, principalmente na Acção Social e na Saúde, como é natural e as restantes receitas vêm daí, da área da Saúde pelo que é que pago pelos serviços do Estado, ou também pelos lares, ou rendas de imóveis pois a Santa Casa tem muitas casas arrendadas e para arrendar.

Portanto, isto é um pouco aquilo que é a realidade numa apresentação muito sumária da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. Qual é a realidade que a crise nos traz? Quais são os novos problemas com que nos debatemos? Aqueles que são gerados principalmente pela exclusão: pela falta de rendimentos das pessoas, ou por situações de desemprego, ou pela partida de um elemento do agregado familiar, ou pela desagregação da família, ou por algum acidente de saúde. Logo, estas situações de exclusão social e de carência são cada vez mais frequentes, como sabemos, e a Santa Casa vê reforçada a necessidade da sua intervenção e do seu papel, quer no apoio à formação, à criação de emprego, quer no número de refeições que fornece que, como veremos adiante, teve um aumento muito significativo em 2012 em relação a 2011.

Têm aí os números dos três centros de formação da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, nomeadamente os 2539 formandos jovens que procuramos preparar para a inserção profissional, combatendo o abandono escolar. Sabemos como o desemprego é a nossa principal preocupação - não única, mas muito grande - e a Santa Casa entende que tem uma responsabilidade grande nessa criação de emprego, procurando juntá-la com a inovação social.

Criámos um programa, lançámos o BIS - Banco de Inovação Social, recentemente, que mobilizou vários projectos do Norte a Sul do país, vários portugueses apresentaram projectos vários e acabámos de ganhar há dias na União Europeia, com um projecto que apresentámos de promover o empreendedorismo intergeracional fomos dos três escolhidos entre centenas de candidaturas com grande elogio exactamente a esta ideia de associarmos jovens e pessoas seniores em projectos de criação de novas oportunidades empresariais, ou de novos projectos de trabalho.

A Comissão Europeia considerou muito inovador esse facto de pegarmos na necessidade da criação do emprego pela perspectiva dessa convergência entre faixas geracionais.

Em termos de novos desafios e da realidade que a crise nos coloca nas zonas urbanas, o isolamento dos idosos e volto a salientar esta ideia da intergeracionalidade. O que é que procuramos fazer com todos os instrumentos que temos ao nosso dispor? Lembram-se aqui há dois anos, quando começaram a surgir principalmente na zona urbana da cidade de Lisboa casos de idosos que apareceram mortos em casa sozinhos e sem acompanhamento nenhum de qualquer tipo de autoridade. Nós, Santa Casa, sentimos que tínhamos essa obrigação de ir para o terreno. Um dia reuni com os serviços da Santa Casa e com as juntas de freguesia de Lisboa e disse que nós íamos à procura das pessoas de idade que estejam sozinhas por todo o território de Lisboa.

Sei, ainda dos meus tempos de Presidente da Câmara, que Lisboa tem cerca de 384 km2 de área e portanto é muito. Quando disse aos serviços da Santa Casa que então vamos procurar as pessoas, eles perguntaram se todos e eu respondi que eram todos. Perguntei porque é que me estavam a questionar se eram todos e eles disseram que trabalhavam principalmente com os que estão sinalizados e questionaram-me como é que poderiam trabalhar com os outros. Eu disse que o problema era precisamente com os outros, pois os que já estão sinalizados já sabemos os contactos deles, temos contacto frequente com eles, agora temos de ir bater às portas à procura dos outros e que era essa a nossa missão.

O que é que fizemos com o tal princípio e método de intergeracionalidade? Contratámos dezenas de pessoas recém-licenciadas, demos-lhes formação específica na Santa Casa, integrámos no trabalho conjunto das freguesias e pedimos-lhes para partirem à procura batendo porta à porta. Diziam que era muito grande o território, mas eu disse que dividindo o trabalho por todos iríamos chegar lá e chegamos. Hoje em dia, estão referenciados cerca de 541 casos graves que acompanhamos muito de perto com a colaboração das juntas de freguesias.

Estamos também com algo novo que quero salientar, que é uma boa colaboração com a Câmara Municipal de Lisboa, que é algo que às vezes não é fácil, conseguir a rede tripartida a funcionar como deve ser: Misericórdia, Segurança Social e Câmara. Espero que a partir das próximas eleições autárquicas, ganhe quem ganhar - isso são contas do rosário -, que essa colaboração continue e possa continuar, quer a Câmara continue nas mesmas mãos, quer mude como nós desejamos.

Portanto, temos estes idosos referenciados e como aqui se diz, estamos a preparar a cartografia da cidade de Lisboa sénior para até 1 de Outubro de 2014 estar pronta. Ou seja, fazemos a georreferenciação dos idosos isolados, em situação grave ou muito grave, ou necessitando de acompanhamento. Chamamos a este programa, de facto, Intergerações e é com gosto que cada vez mais vemos este lema e este método de trabalho adoptado por várias instâncias e várias entidades.

Não sei se foi o Carlos Coelho que disse uma vez esta frase, uma vez que a cito frequentemente: "Deus criou o mundo e não há nada de original”. Tenho ideia que foi ele que disse esta frase uma vez e eu cito-a já há uns anos. Mas, enfim. É bom que seja mesmo adoptada. Estão aqui 22.827 nomes e moradas escolhidos: 524 pessoas a precisarem de intervenção urgente, 500 em grupo de risco e 4256 em grupo de vigilância. Esta é a nossa obrigação.

É o mesmo espírito deste rapaz que de ano a ano que soube que houve gente com sede e foi à procura deles e quis descobrir como é que se resolvia.

Portanto, o que a Santa Casa não pode, ou quem trabalha na Acção Social, é estar sentado, ou instalar-se na rotina, ou responder que foi sempre assim, ou dizerem-me que é assim que costumamos fazer. Não, não. O mundo sempre, mas especialmente nos tempos de hoje, coloca-nos novos desafios constantemente, novas exigências e nós temos de estar à altura de estar sempre a adequar os serviços que dirigimos, as entidades pelas quais somos responsáveis, criando espírito de equipa, mobilizando vontades e dizendo que nós vamos conseguir. E conseguimos ir porta à porta todos os prédios e sítios de Lisboa. Porque é que não havíamos de conseguir? Nem que demorássemos dois anos. Chegámos a um ponto em que julgámos que já tínhamos ido a todas, mas depois confirmámos que ainda nos faltava ainda um canto ocidental de Lisboa e lá fomos outra vez.

Neste momento, estamos noutra fase, estamos a trabalhar no Intersituações que é ir à procura de situações de exclusão social, da pobreza que se esconde, independentemente da idade. Portanto, é um programa que assumimos e desenvolvemos a seguir. Esta questão do isolamento dos idosos levou-me a fazer o quê? Quando digo "levou-me”, eu trabalho em equipa, sou Provedor da Santa Casa, tenho mais de 5000 funcionários que fazem parte da equipa Santa Casa - como lhes digo sempre. Quando digo "eu” é "nós”, é a equipa da Santa Casa.

Mas o que é que entendi? Lá está, em tempo de crise, duas realidades que têm de ser trabalhadas juntas: uma é o isolamento dos idosos, os lares. Convençam-se de uma coisa: se a vida vos correr muito bem - e espero que sim -, um dia vão chegar a essa fase. É uma coisa que nos custa a convencer quando temos 20 ou 30 anos, mas aos 50 já se começa a pensar que está mais próximo.

Mas se correr bem, um dia a pessoa chega a uma situação em que vê a família a pensar o que é que fazem então com o pai, ou a mãe, ou o avô. Portanto, vocês vão ser avós e avôs e vão ter essa situação. Aqui fala-se no idoso, mas vou já a este ponto que está mais adiante e que é fundamental, que também levei para a Santa Casa, pelo qual luto muito, quero lutar muito na sociedade portuguesa e não só. Disse ao comissário europeu para as questões sociais que o senhor tinha de aumentar a idade a partir da qual uma pessoa é considerada idosa, pois hoje em dia já não faz sentido ser aos 65 anos já que as pessoas vivem até aos 85 anos ou mais. O Manuel Oliveira vai viver até aos 150 anos.

[RISOS]

Por isso, tem de se aumentar a idade para os 70 anos. Tenho várias pessoas na Santa Casa que vêm ter comigo todas tristes porque chegaram à idade da reforma e vão para casa. Não vão, se querem trabalhar ficam a trabalhar na Santa Casa, pois é horrível isso de parar de trabalhar. Se as pessoas podem ser úteis encontramos maneira de as integrar.

Pelo que é que luto? Um novo paradigma de envelhecimento. Vocês são ainda muito jovens e estão a fazer o caminho para idosos, mas tentem pensar um bocadinho naquele filme do Benjamin Button, ponham-se em velhinhos a andar para trás. Pensem nisto.

Temos de construir um novo paradigma de envelhecimento. Porque é que em Portugal as pessoas vão tanto para lares e estão lá prostradas, resignadas, sentadas, tristes, à espera de um dia? Porque aquilo que é o seu percurso de vida normalmente é muito diferente com os cuidados que se tem com o corpo, com a mente, em países do Norte, países escandinavos, que dão mais importância ao exercício físico, à disciplina mental. Fazem exercício muitas vezes em casal, caminhadas, correm, não chegam a velhos, a idosos, obesos, cheios de artroses, cheios de dificuldades na locomoção e mobilidade. Isso é fundamental.

Foi isso que eu pensei, que não quero as pessoas sentadas e paradas todos os dias. Portanto, onde é que fomos pegar? Noutra franja causada pela situação de crise, nos artistas portugueses que estão sem trabalho porque as câmaras municipais não têm dinheiro, muitas delas, e desde os mais antigos, essas pessoas vão aos nossos lares: Antónios Calvários , Artures Garcias , até aos Sérgios Godinhos e Pedros Pais , entre tantos outros que estão nos nossos equipamentos sociais a cantar. Também temos professores de dança e de ginástica, todas as semanas, vários dias por semana, temos ali os "encontros com vida” que é música e dança e o "viver melhor” que é ginástica aberta a todas as idades, fora, nos jardins de Lisboa ou então no interior dos seus equipamentos.

Depois, formação em diferentes áreas: música, lavores, entre outros. Para quê? Para combatermos este isolamento que eu considero também causado por um errado paradigma de envelhecimento. Isto tem que ver com a formação nos liceus, nas escolas, nas universidades, tal como em Portugal as pessoas não são formadas a aprender o gosto pelas Artes, nomeadamente pela música e a aprender que é uma vergonha um país não ter várias orquestras clássicas e ter uma que não funciona como devia, quando em Itália, por exemplo, temos dezenas de orquestras sinfónicas por todo o país. Cá as pessoas nem estranham, mas se tivéssemos a formação adequada nos diferentes graus de ensino, talvez estranhássemos. Também não estranham que não seja dada a devida importância ao valor do exercício enquanto se é novo, aos 40, aos 50, para quando se chega a essa idade as pessoas não estarem com dificuldades grandes de mobilidade.

Há de facto um novo paradigma a construir e a assumir de envelhecimento que quero aqui sublinhar, pois estamos a entrar naquela que é uma enormíssima exigência que se coloca às políticas sociais nos tempos de hoje. Como sabemos, cada vez mais o índice de envelhecimento sobe mais, neste momento está acima dos 127. O António Barreto esteve cá ontem, deve ter-vos dado esses números. O índice de sustentabilidade em termos de estrutura etária já vai em 3,5 na relação activos/idosos. Cada vez temos mais idosos e muitas vezes em situação muito complicada e que vão exigir um grande esforço financeiro à sociedade.

Não falei ainda no voluntariado que é uma componente muito importante da Santa Casa. Temos cerca de 700 voluntários que desempenham um trabalho extraordinário em tudo isto. Vou-vos dar um exemplo, vocês que serão provavelmente um dia ministros, secretários de Estado, Presidentes da República, gestores, médicos, pintores, pianistas, Robinson Crusoe, enfim, o que forem. Nós para estarmos bem na sociedade, no meio em que vivemos, temos de o conhecer. Vou-vos dar um exemplo do que é a vida, este exemplo que vos vou dar é em Lisboa, ali no Beato, perto de Santa Apolónia, há lá o Palácio da Mitra que era um palácio do arcebispado de Lisboa e depois passou para residência do Presidente da Câmara Municipal de Lisboa no séc. XIX. Ao lado, existe o centro social de Lisboa, que conheci depois de começar a exercer estas funções de Provedor da Santa Casa.

Fui lá e não queria acreditar no que estava a ver: muitas pessoas que estão lá ainda talvez com o estatuto da mendicidade do tempo do Salazar, pessoas que estão há décadas alheadas do mundo. Não são pessoas que estão em estado de loucura, embora algumas já ficaram, são pessoas que ficaram sem família, que se desligaram do mundo e estão ali. Aquilo era da Segurança Social, passou para a Misericórdia há 13 anos, eu comecei a andar pelos corredores e vi pessoas encostadas a pilares, quietas, outras a correr aos pulos nos pátios e nos pavilhões com algum toque nazi, vi pessoas deitadas nas camas, cheias de frio, lembro-me da primeira vez que lá fui foi no Inverno e não tinham cobertores que chegassem. Era um cenário dantesco.

Eu tinha sido Presidente da Câmara de Lisboa durante três anos e tal e nunca tinha entrado ali e é ao lado da residência do Presidente da Câmara. Isso fez-me pensar bastante, de facto como nós andamos na vida e temos ao lado algo para que não olhamos. Perguntei algumas vezes o que era aquilo e de quem era a responsabilidade, disseram-me que era do Ministério da Segurança Social e depois não entrei lá. O Dr. António Costa também nunca tinha entrado, é natural, não é mau, as portas estão fechadas e aquilo está escondido. Perguntei-me como é que aquelas pessoas estavam ali, mais de 100, naquela situação?

Resumindo e concluindo, hoje em dia mudou tudo como vêem nestas fotografias. Quando perguntei porque é que não tinham aquecedores instalados nas paredes, disseram que o quadro não aguenta. Perguntei quantos electricistas tínhamos na Santa Casa e responderam-me que eram 12 ou 14, e por isso perguntei o que é que faltava para fazerem isso. A resposta que me deram foi que aquilo antes não era nosso, era da Segurança Social. Enfim, não interessa, hoje em dia já têm isso tudo e até têm umas vezes por semana bolos com creme que eu lhes mando. Foram para o dentista, pois temos ali em frente uma unidade de Saúde que é a Domingos Barreiro que está a tratar dos dentes. Têm edredões para não terem frio, televisão nas diferentes salas - enfim, integrar as pessoas.

O problema de Portugal e das políticas sociais é isto também, é nós não fingirmos que os problemas não existem, ou não nos esforçarmos por os conhecer. Quem se responsabiliza por intervenções na área social tem de ter esta regra de andar à procura dos problemas, porque muitas vezes eles não vêm ter connosco. Portanto, procurar saber o que há por detrás da ostentação ou da pintura, pois às vezes está uma data de pessoas que precisa da nossa ajuda.

Já lá fizemos festas, já foram passear de barco, não param e não vão parar. Estavam ali pessoas - palavra de honra - que não saiam dali de dentro há trinta anos. Era como se tivessem feito votos religiosos e pronto, tivessem ido para o isolamento, para a clausura, mas não foi isso que eles fizeram. Portanto, isto foi a propósito do isolamento da população.

Este flagelo da pobreza, a pobreza escondida, era este número que eu vos queria dar, leva a que no campo da fome, das refeições que, por exemplo, uma instituição como a Santa Casa deve fornecer para as pessoas que não têm dinheiro para comer, tenham aumentado em 2012 cerca de 30% em relação a 2011, foram 150 mil refeições, mais de 50 mil do que em 2011. Foram cerca de 1266 pessoas. Mas, portanto, este é o trabalho normal de uma instituição como a Santa Casa.

Falava há pouco a propósito de políticas sociais em tempos de crise e gostava de dizer o seguinte: as políticas sociais, no sentido em que eu as entendo e não só eu, tenho lido muito sobre isso e felizmente há bons autores e mestres que têm um entendimento que eu humildemente partilho, não é a acção social, ou a política de saúde, ou de segurança social, tão só. A política fiscal é um instrumento da política social, de cultura, nomeadamente em tempos de crise e quando o Estado não tem dinheiro para fazer face às suas responsabilidades.

Se devia ter dinheiro ou não, é outra questão. Em minha opinião, é especialmente em tempos de crise que o Estado deve olhar de modo particular para aquelas que são as fontes, causas e componentes sociais da sua identidade nacional, o seu património e mesmo algumas formas de expressão artística.

É nas alturas de maior crise que o Estado tem obrigação de olhar de modo particular para os símbolos da identidade e cultura nacionais. Por isso, entendi que a Santa Casa que não tinha uma Direcção da Cultura apesar de ter muito património, de ter bens muitos significativos, quer património imóvel, quer móvel, devia ter essa Direcção da Cultura e intervir mais até pela situação de carência em que se encontra o sector. Por isso, ligado aqui também com a integração e formação dos jovens, passámos a apoiar através de vários tipos de apoios.

Um exemplo que foi muito anunciado: a Universidade de Lisboa que não tinha dinheiro para publicar as obras do Padre António Vieira que nunca tinham sido editadas. Nos estatutos da Santa Casa, no compromisso originário, estão as obras materiais e as obras espirituais também. Portanto, considero que esse apoio que demos integralmente para essa publicação está integrada nas obrigações espirituais da Santa Casa, na formação do espírito das pessoas, nomeadamente dos que têm menos acesso à Cultura.

E à Cultura, procurando essas fontes, valores e raízes máximos da História de Portugal, sendo que Padre António Vieira é um símbolo máximo do que é a nossa Literatura e a capacidade que tem a esse nível e vários em relação à nossa identidade. Outra componente desta aposta na Cultura como política social em tempo de crise é apoiar os jovens talentos. Esta jovem que está aqui é daqui perto, é de Portalegre. A história dela veio nos jornais nas últimas semanas, hoje em dia está nos Estados Unidos na Universidade Park, é violoncelista, fez o primeiro ano no ano passado e agora neste Verão, no concerto em que assinalámos os 515 anos da Santa Casa, ela tocou com a Ana Moura e com o Pedro Abrunhosa. Pronto, está aí lançada, foi a melhor aluna da Universidade Park nos Estados Unidos neste ano.

A universidade aumentou a sua participação na bolsa dela e a Santa Casa teve de diminuir a sua. Como muitos outros jovens que estamos a apoiar na sua formação no estrangeiro na área da Cultura, para já não falar na do Desporto que apoiamos também. Nos festivais de Verão passamos a fazer o quê? Não apoiamos só por apoiar. Ainda no outro dia o Luís Montez falou disto a propósito do Festival do Sudoeste, alguém perguntou porquê este palco da Cultura Portuguesa e respondeu-se que tinha sido uma exigência da Santa Casa de Lisboa. Adorei ouvir aquilo, porque foi mesmo. A nossa linha é essa: sim senhora, nós apoiamos mas com uma condição que é um palco de música portuguesa. Qual é a nossa linha de trabalho? Apoio à cultura nacional, aos artistas portugueses e em especial à formação e desenvolvimento de talentos.

É outra linha de trabalho que considero ma política social em tempo de crise: apoiar os criadores da riqueza nacional que é a nossa identidade cultural e as nossas formas mais sublimes de expressão artística. Nos festivais de Verão fazemos uma coisa: a Santa Casa é de Lisboa, mas entendo que sendo as apostas de cidadãos de todo o país, temos alguma obrigação de retribuir essa contribuição financeira que vem para a nossa causa por apostas de todo o país, por isso apoiámos o Marés Vivas, o Primavera Sound, o MEO Sudoeste, porque senão era só festivais em Lisboa como o Rock in Rio e o OptimusAlive.

Temos a obrigação de democratizar em termos territoriais este apoio.

No património é evidente também a política de reabilitação de prédios em Lisboa, ou nas cidades, ou nas urbes, é também uma política de cariz social, principalmente nas zonas mais desfavorecidas. Nós temos neste momento o programa Reparar, com empresas que apadrinham 26 casas cujas obras acabaram muito recentemente. O Dr. Paulo Calado é o administrador da Santa Casa responsável por este programa de reabilitar essas casas.

Lá está outra intervenção noutra zona do país, o restauro do painel de Júlio Resende da Ribeira Negra na marginal do Porto, e temos 16 prédios neste momento em Lisboa a serem reabilitados.

Agora há pequenas notícias de recuperação económica, mas aqui há dois anos quando estava tudo parado eu disse que quem podia tem de dar o testemunho de que a Economia não parou de todo, que há quem invista, há quem construa e quem dê trabalho. Por isso, para além da obrigação de reabilitar os prédios temos esta obrigação de intervenção social, que é criar esperança, dar às pessoas o direito de sonhar.

Não há nada que crie mais angústia e ansiedade nas pessoas do que pensarem que não há amanhã, como sabemos. Portanto, a Santa Casa ou quem o possa fazer, desde que o faça com equilíbrio, parcimónia, sentido de responsabilidade e sensatez, deve investir.

Fizemo-lo e estamos a fazer com bons resultados, cuidando do nosso património.

Outra política social em tempos de crise: as pessoas não têm dinheiro para ir às urgências, como sabemos os números da procura das urgências são cada vez menores e mesmo dos centros ambulatórios. Qual foi o programa que lançámos? O "Saúde Mais Próxima” em pequenas unidades móveis para irem aos bairros mais carenciados de Lisboa fazer rastreios, medem a tensão, fazem análises para ver o índice do colesterol, doenças respiratórias, infecções, tuberculose, entre outras. Porque as pessoas não têm dinheiro. Só quem não conheça a realidade social da cidade de Lisboa e arredores é que não sabe isto: as pessoas não têm dinheiro para pagar consultas, taxas moderadoras, por isso não vão.

Uma das razões da diminuição da procura é essa e portanto está aqui, o Saúde Mais Próxima fez só em 2012 13 mil rastreios por toda a cidade. Ou seja, mais uma vez é ir ter com as pessoas.

Se alguma vez dirigirem - e vão dirigir de certeza, ou câmaras, ou empresas, ou explorações agrícolas familiares, entre tantos outros - pensem sempre nisto: ter uma atitude proactiva e não ficar sentado, à espera que os problemas venham ter connosco, mas irem à procura de onde eles estiverem seja onde for. Está aqui o projecto da nova academia da saúde para Lisboa, estou à beira de conseguir chegar a conclusões, já veio nos jornais a intenção de a fazer na antiga Maternidade Alfredo da Costa, é uma possibilidade. Há outros espaços hospitalares ou de saúde em Lisboa, estou a trata com o Ministério da Saúde para instalar lá, de facto, essa academia da saúde.

Ou seja, receber desde o nascimento até aos cuidados continuados e paliativos, com outras componentes que agora não vou entrar em pormenores. Vou só ver as horas, porque não posso violar as normas aqui e vejo que o meu tempo está quase no fim, por isso vou acelerar para acabar.

Já falei aqui das bolsas, chamam sempre de prémios, mas gosto de chamar de bolsas pois são isso mesmo; mas é mais chamativo chamar de prémios.

Uma notazinha só a propósito do envelhecimento e para terminar: já sabemos que em qualquer país, numa empresa, numa família, uma questão fundamental é que recursos temos, geri-los bem, decidindo sobre a afectação dos mesmos em relação às diferentes exigências ou solicitações. Há um problema no país - não gosto de falar em problemas, prefiro falar em assuntos, mas este é um problema - que é isto de facto sobre o envelhecimento das pessoas e as exigências cada vez maiores de qualidade de vida, de cuidados continuados ou paliativos.

Recebo telefonemas quase todos os dias, ainda ontem à noite, de pessoas a pedirem porque têm um familiar que estava no hospital e o hospital já não quer mais essa pessoa velhinha e portanto a família tem que levar. Isto liga-se com certeza com os esforços de contenção, o dinheiro não chega para tudo e mesmo sendo uma prioridade, o Serviço Nacional de Saúde tem de ter regras de gestão, em todo o mundo tem. Agora, instituições como a Misericórdia têm a obrigação de fazer um complemento onde o Estado chega para trás e chegar-se à frente; as Misericórdias neste caso, pois a Santa Casa não faz parte da União das Misericórdias. Há muita gente que assim julga. Muitas vezes ligam-me a dizer que precisam de uma coisa para a Misericórdia de Viseu, ou outro sítio, e eu digo que não tem nada a ver.

O Provedor e a Mesa da Santa Casa de Lisboa são nomeados pelo Estado. O Provedor é nomeado pelo Rei, ou pelo Primeiro-Ministro desde há muito tempo e os outros são eleitos pelos sócios das Misericórdias que elegem a sua Mesa. Claro que sabemos quanto pagamos, a questão é esta: os 19 mil milhões de euros nas SCUT rodoviárias e há quem diga, hoje em dia, que as PPP nos vão custar 40 mil milhões de euros. Eu digo-vos assim: inaugurei no ano passado, ao pé de Cascais, uma unidade de cuidados paliativos, ou seja, cuidados terminais para quem já está muito mal. Não são cuidados continuados pois esses são para as pessoas que ainda podem ter recuperação e que são ou de muita idade ou para outros dependentes que podem ser muito mais jovens mas que tenham limitações físicas.

Com o envelhecimento da população - anotem isto quando forem pensar nos vossos projectos, nas vossas decisões e políticas - cada vez é mais necessário saber onde vamos buscar dinheiro para financiar a rede de cuidados continuados integrados, isto é cuidados que têm terapia.

Onde é que vamos buscar? Não podemos expulsar os velhinhos dos hospitais e dizer que precisam de apoio de higiene, de alimentação e de locomoção e dizer que não se sabe para onde é que eles vão. É o que os jovens ficam numa situação muito difícil, quando não têm emprego emigram. Quem já está nessa idade e já não pode emigrar fica no mesmo sítio, não sabe é qual e quem é que vai tratar dela. É essa questão que o país ainda ignora muito, apesar de haver uma unidade de missão para a rede de cuidados continuados desde 2006.

Este ano inaugurámos mais 300 camas, o ano passado mais 300, temos neste momento uma rede de cerca de 6100 camas. Depois, entre apoio domiciliário e cuidados de proximidade mais de 7000, por isso totalizamos cerca de 13 mil apoios.

Acho que é muito pouco, pois temos 2 milhões de pessoas com mais de 65 anos, 1 milhão de potenciais utilizadores da rede de cuidados continuados. Esta unidade que inaugurei em Cascais quantas camas tem? E é boa, muito boa. Tem 71 camas, custou cerca de 7 milhões de euros. Pensemos no dinheiro que gastamos nas outras opções, nos custos que isso representa e nestas exigências que vamos ter pela frente. Por isso, quem decide tem de ter isto presente. Muito bem, podemos cortar 4 mil milhões de euros, podemos fazer renegociações das PPP 300 milhões de euros este ano, mas vai ser preciso renegociar mais e reduzir mais nessas várias frentes que representam grandes encargos para o Estado. Porque não podemos fazer os velhinhos emigrar, pô-los num comboio sem destino e dizer que agora já não é connosco. É uma obrigação social e temos de fazer este trabalho sempre sob o tal lema da intergeracionalidade.

Nós transmitimos às pessoas de idade a nossa alegria, os nossos programas, desafiamos, eles trazem a história, as vivências e também a sua perspectiva da vida e do mundo, do momento em que o mundo vive em cada altura. Por isso, que futuro haja e haja o que houver, é de facto fundamental criar riqueza, crescimento económico, pois vivemos um tempo muito difícil conduzido com grande coragem pelo Dr. Pedro Passos Coelho, de ajustamento da Economia portuguesa.

Lembro-me que em 2004-2005, recebi o governador do Banco Central Europeu, o senhor Trichet e ele disse-me que a evolução que tivemos representava o seguinte: se houvesse escudo e marco ainda, era como se o escudo nestes últimos 15 anos tivesse valorizado 30% em relação ao marco. O que é que isto quer dizer? Ouvimos por aí que tínhamos de ajustar 30% o nosso nível de vida, é exactamente isso, valorizamos inicialmente com endividamento e outras causas sem sustentabilidade na realidade económica.

Agora, feito já algum ajustamento, embora falte ainda um bocado, temos de crescer. Porquê? Porque necessitamos, de facto, de disponibilidade de recursos face a exigências de estarmos integrados num certo padrão de civilização em que não retiramos o direito à vida e não atiramos pessoas para valas.

Aquilo que eu ensino aos meus alunos de Direito Constitucional a propósito de direitos fundamentais é que nunca se esqueçam da Constituição, pois às vezes dizem "o que é que me interessa?”. Sabem quem é que dá valor ao direito à vida? São as pessoas que estão encostadas à parede frente a um pelotão de fuzilamento e não se podem defender e são inocentes. Nós, como temos, graças a Deus, estes princípios e valores respeitamos quer os jovens quer os mais idosos. Para os jovens o crescimento económico também é uma questão importante para haver criação de emprego, investimento, mas para esta tarefa nacional, este desígnio nacional, do novo paradigma de envelhecimento e de fazermos face às exigências financeiras que isso acarreta também é essencial.

Depois temos outros desafios que seguramente também vamos falar adiante, que consomem recursos, estamos nesse tempo, os incêndios, as PPP que falámos, entre outros. Agora, aqui, para as políticas sociais não são as políticas velhas, as antigas. Dou-vos já uma certeza: comecem a trabalhar nos vossos planos de poupança-reforma. Não acredito que as vossas gerações vão beneficiar, nem pouco mais ou menos - vocês, seguramente, também não acreditam - do Estado Social, como nós beneficiámos durante estas décadas. Nos anos que temos de vida que esperamos que sejam muitos, também vamos ter menos assistência social da parte do Estado. Mas falarei disso depois nas perguntas e respostas, se as vossas perguntas forem para aí.

Estamos a viver um tempo fascinante. Quando se diz que o mundo está a viver tempos difíceis, sim, está, mas também é um tempo fascinante, de mudanças vertiginosas. Somos uns privilegiados: há 30 anos os telemóveis eram tijolos e hoje em dia não podemos estar sequer na casa-de-banho sem que o telemóvel toque. É preciso agarrar oportunidades e fazer bem a quem mais precisa. É por isso que este desafio, para quem já exerceu outro tipo de funções em níveis diferentes, para mim é particularmente fascinante, mais fascinante do que outros em que exerci. Porquê? Porque permite fazer o bem a quem precisa e isso é uma oportunidade extraordinária, ter meios para fazer bem a quem está a passar mal.

Estou ao vosso dispor agora.

[APLAUSOS]

 
Hugo Soares

Muito obrigado, Dr. Pedro Santana Lopes, em nome dos alunos da Universidade de Verão 2013. Queria prestar-lhe aqui o meu agradecimento, o nosso reconhecimento pela aula que nos deixou, pela paixão que colocou na sua exposição sobre a forma como funciona a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, mas ao mesmo tempo a forma como daí partiu para o resto.

O resto agora também é a sessão das perguntas colocadas pelos nossos alunos. Hoje começamos pelo grupo Roxo e daria a palavra ao Renato Gomes.

 
Renato Gomes

Muito bom dia. Dr. Pedro Santana Lopes gostaria de o congratular pela presença na Universidade de Verão, pelo seu percurso no partido e também nas tarefas políticas e públicas que foi tendo ao longo da sua vida e que se calhar, se não fosse um bocado original, poderia ter feito mais e melhor.

Em 2007, o Dr. Pedro Santana Lopes, na abertura do seu bloco pessoal que ainda hoje mantém, escreveu e se calhar sem pensar nas tarefas que viria a desempenhar um dia mais tarde, que estamos num tempo em que a velocidade de uma ideia faz parte do seu valor social. Sem dúvida que é útil, muitas vezes, nada dizer, mas também muitas vezes é inconveniente ou injusto manter silêncio. Estas palavras mostram, certamente, o trabalho que vi fazendo à frente da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. Às vezes é preciso só atenção, estar ao lado, dar uma mão, outras vezes é preciso realmente não se calar e não deixar que as coisas se mantenham como estão.

Em relação à nossa questão e quase que me assustei quando pensei que ia respondê-la antes de eu a colocar, quando falou das unidades de cuidados continuados. Mas parece que não e portanto vou tentar ser um pouco mais técnico para que possa ter essa resposta. Sabemos que na Saúde também podemos intervir de forma social e, como falou e muito bem, através de unidades de cuidados continuados, que mais perto, mais personalizadas e aproveitando os recursos que a comunidade pode disponibilizar, podem oferecer melhorar cuidados aos doentes e, não menos importante, fazer uma poupança em Saúde, que permita para já manter o nosso Estado Social nesta área.

Como observa então a estagnação do investimento nesta área, que só se percebe pelo simples facto de não querer criar uma guerra da opinião pública pelo desinvestimento, ou pelo fim do investimento hospital que não irá ter necessidade com abertura de mais cuidados continuados.

Obrigado.

 
Pedro Santana Lopes
Houve uma parte na sua pergunta que eu não entendi, quando disse que não é feito para evitar conflito com a opinião pública.
 
Renato Gomes
Não. A forma como nós interpretamos é que é mais fácil abrir hospitais, para a opinião pública, do que abrir unidades de cuidados continuados, porque as pessoas ainda não perceberam certamente que tendo mais unidades não vamos ter necessidade de um investimento hospitalar tão grande.
 
Pedro Santana Lopes

Sim, já percebi, tem razão. É quase um cliché, um erro de raciocínio, ou um preconceito, ou uma moda dos tempos, de facto investir em unidades hospitalares de dimensões exageradas, em respostas adequadas para muitas realidades, e não investir nas unidades de cuidados continuados.

Aliás, temos tido várias unidades de cuidados continuados quase concluídas, faltavam cerca de 10 milhões de euros para saldar as contas finais de seis unidades e elas estavam fechadas à espera dessa resolução de alguns pontos em aberto. Diria que não há ainda a devida sensibilização para o papel da rede de unidades de cuidados continuados. Espero que a Santa Casa - vamos investir muito aí - trabalhando articuladamente com a União das Misericórdias, visto estarmos já a fazer algum investimento fora de Lisboa: uma na zona do Centro e Vale do Tejo, outra no centro do país, quero também fazer no Sul e no Norte, colaborando com as Misericórdias locais, ou as autarquias, investimentos em unidades de cuidados continuados ou centros sociais, por exemplo, para deficientes profundos que é um dos casos que vai surgindo destas unidades.

Relativamente à sua pergunta, estou de acordo com ela, mas sei que é orientação do Governo, nomeadamente do Ministro da Saúde e também o da Solidariedade, fazer um esforço maior para este investimento nestas unidades de cuidados continuados. Vou-vos dizer uma coisa: será um alívio também para as pessoas e para o Estado. Acho que o Estado, durante muito tempo, não percebeu esse papel e não sei se já percebeu de todo, esse papel a que fez referência.


Para as pessoas que não sabem: as unidades de cuidados continuados visam tratar as pessoas que tiveram alguma razão de limitação, mas que podem ser recuperadas, podem melhorar, voltar a casa, saindo do hospital e de facto evitando o internamento hospitalar.

Hoje, a tendência é hospital, hospital, hospital. Estas unidades de cuidados continuados são um grau intermédio no tratamento e na prevenção. A vossa pergunta tem toda a razão de ser e o juízo que está nela implícito também.

[APLAUSOS]

 
Hugo Soares
Simão Pedro Santana do grupo Laranja.
 
Simão Pedro Santana

Bom dia a todos. Antes de mais, saudar a presença do Dr. Pedro Santana Lopes aqui em nome do grupo Laranja. A minha questão vem um bocadinho em sentido contrário, é portanto o verso da medalha: em tempos de crise, sabemos também que há várias pessoas que se aproveitam um bocadinho da boa vontade e da maior atenção que os órgãos locais têm para estas situações, para utilizarem isso como uma forma de emprego, digamos assim. Vão ando portanto de sistema em sistema, tal como um nómada de terra em terra, aproveitando essas a facilidade com que se calhar existem esses recursos para o apoio.

A pergunta era a seguinte: como é que se pode identificar esses casos de pessoas que se vão aproveitando disso e quando a freguesia, ou o órgão, se apercebe que aquela pessoa está apenas a aproveitar-se, não quer mudar a vida, não quer começar a vida de novo, mas aproveitar-se apenas desse modelos? Como é que podemos identificar esses casos e resolvê-los? Era essa a pergunta.

[APLAUSOS]

 
Pedro Santana Lopes

Identificar tinha de ser com argúcia e engenho. Os órgãos do poder local, se trabalharem bem, acompanham o trabalho das pessoas. Para já, devemos procurar sempre ver quem são aqueles a quem damos trabalho, de onde vêm e para onde podem ir, e se chegarmos de facto à conclusão de que estão no sistema de alguma parasitagem, sem necessidade de um emprego, mas andando a rodar de sítio para sítio, tomar a atitude correspondente, que é dar lugar a quem precisa e dispensar quem não precisa.

Não posso responder de outra maneira à sua pergunta que deve ter em mente alguns casos concretos que não estou a vislumbrar. Posso admitir um ou outro, mas não quero especular. Acho que a partir do momento em que se saiba que é assim há que despedir e dispensar essas entidades ou pessoas. Não se pode agir de outra maneira. Havia um prior de uma paróquia em Lisboa, o padre Álvaro Proença, quando eu era miúdo, que ser bom não era ser parvo, dizia ele nas homilias. Portanto, acho que é um lema bom para tomar decisões que às vezes até podem custar ou parecer injustas.

 
Hugo Soares
Grupo Castanho, Ana Carolina Almeida.
 
Ana Carolina Almeida

Bom dia a todos. Quero cumprimentar todos aqueles que estão na sala, em especial o Dr. Pedro Santana Lopes. Nós hoje sabemos que é cada vez mais importante intervir na sociedade portuguesa, uma sociedade que está com problemas sérios e que foram agravados com a crise económica.

A nossa pergunta, o Grupo Castanho, é saber a sua opinião em relação ao papel que as juventude partidárias podem ter no "intervir no social em tempos de crise”. Obrigada.

 
Pedro Santana Lopes

É uma boa pergunta. As juventudes partidárias, considero que sejam quem tem mais obrigação de estarem atentos aos novos problemas, desafios e exigências. Porque tal como falei há pouco na JSD e na necessidade de por vezes se romper com o estabelecido, aquilo que se nota na JSD e noutras juventudes partidárias, quer na prevenção social que fazem, quer na formação que fazem, é essa capacidade de constantemente saber o que está caduco, o que já não serve, o que já não corresponde à satisfação das pessoas e, por outro lado, saber onde está a inovação que é outra frente de que hoje aqui não falei tanto, mas também tem um cunho de política social.

Acho que as juventudes partidárias têm esse papel-chave.

Acho que tenho a obrigação de dizer isto: comecei, na altura em que era jovem, apanhei o 25 de Abril com 17 anos. O Carlos Coelho apanhou um pouco, também é dessa fornada, embora um pouco mais novo. Nós apanhámos as revoluções, as contra-revoluções, portanto, andámos sempre envolvidos nas frentes políticas, quando muitas vezes não tínhamos tempo para fazer outras coisas que gostaríamos ou devíamos de fazer. Às vezes tivemos depois que ter tempo para algumas formações, ou sermos auto-didactas, ou trabalhos universitários, ou abrir escritórios de advocacia, ou outros, mais adiante noutras fases da vida.

Por isso, não quero deixar de transmitir, a propósito de juventudes partidárias, o seguinte: fui membro do Governo, Secretário de Estado do Presidente de Conselho, antes de ter sido autarca, por exemplo. Nunca tinha pensado em ser autarca, confesso. Foi o Marcelo Rebelo de Sousa, que vai estar cá amanhã, num desafio que fez ao partido no Congresso de Lisboa no Coliseu aos mais ilustres para ser candidato às autárquicas. Eu achei que aquilo era um bocado para mim - não sendo ilustre - e pronto, lá fui parar a autarca. Depois de ter tido essa experiência extraordinária, hoje em dia digo em todo o lado que nunca se deve ser membro de um Governo - estou a excepcionar-nos, pois passámos tempos anómalos, mas agora que entrámos numa fase mais estabilizada de Democracia há uns anos -, sem passar pelo poder local.

Portanto, isto dos vários níveis, como primeiro a juventude partidária, é extraordinário. Isto que é feito aqui e que já germinou até estas sementes noutras instâncias político-partidárias, ou noutras entidades, é um exemplo do que se deve fazer sempre. Por isso, quando me pergunta qual o papel que as juventudes partidárias podem ter, acho que uma juventude partidária tem de estar atenta também aos problemas dos que menos têm, mais sofrem, nomeadamente nas camadas mais jovens. Por exemplo, uma JSD Lisboa tem de conhecer tão bem quanto eu que sou Provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, ou melhor daquilo que os jovens de Lisboa que estão em situações mais difíceis precisam. E municiar as entidades com poder de decisão dos elementos que recolham nesse trabalho de campo.

Por isso, tal como na Igreja Católica, ainda li há semanas, que o Bispo de Aveiro esteve numa discoteca até às três da manhã com os jovens da cidade, acho que também as juventudes partidárias não lhes ficava nada mal fazer comícios, acções, intervenções, nas zonas mais carenciadas das cidades onde vivem. Mas eu digo-lhe que para mim a mudança do sistema político e a revisão da Constituição nos tempos que correm é uma medida de política social, pois quanto mais eficaz for o sistema de governo mais possível é responder às necessidades das pessoas que estão em situação mais difícil. Quanto maior a instabilidade política, quanto mais a descrença no sistema político, quanto maior é a distância entre representantes e representados, maiores são as condições para problemas sociais individuais ou colectivos.

Portanto, as juventudes partidárias têm essa grande responsabilidade de intervir em todas essas frentes. Têm de conhecer os dossiers todos e estar nos sítios todos, nos mais chiques e nos mais pobres, para dizer aos mais chiques que há altos e baixos na vida e para dizer aos mais pobres que momentos maus mas também pode haver esperança e que estão dispostos a ajudá-los.

Fazer política em jovem é fantástico se soubermos e se nos convencermos sempre que a política é muito importante na vida, mas há muito mais vida para além da política.

[APLAUSOS]

 
Hugo Soares
João Cerejo do grupo Verde.
 
João Guilherme Cerejo

Bom dia, Dr. Pedro Santana Lopes. Desde já deixe-me cumprimentá-lo em nome do grupo Verde e em nome de todos aqui presentes. O facto de o termos aqui hoje, não é todos os dias que podemos estar com alguém que serviu o país tão bem em cerca de 36 anos de carreira política, como Primeiro-Ministro, Secretário de Estado da Cultura, e acho que só por esse facto merece uma salva de palmas de toda a audiência.

Dr. Santana Lopes, a minha questão é: num momento de crise agravada em que Portugal e mesmo o mundo estão a passar, há certas pessoas que tendem a esquecer os valores de apoio, cooperação, vizinhança e ajuda, e aquelas pessoas que sofrem de pobreza, de exclusão social e até mesmo de abandono, acabam até por ficarem excluídas da sociedade em que estamos inseridos. O senhor, em entrevista à SIC há alguns meses, disse que se cada um de nós portugueses fizer alguma coisa, tudo junto seria óptimo para o país.

Eu queria perguntar como é que acha que o Estado ou o Governo pode incutir na sociedade portuguesa valores em que a própria sociedade ache obrigatório ajudar o próximo, de modo a que Portugal marque a diferença perante a Europa e até perante o mundo.

Muito obrigado.

[APLAUSOS]

 
Pedro Santana Lopes

Sou personalista, humanista, não defendo um papel do Estado em todas as dimensões da vida. Existimos nós para além, independentemente e depois, do Estado. Portanto, quem tem obrigação de proporcionar essa formação são as famílias em primeiro lugar, somos nós próprios, mas é ao nível da formação na infância e na juventude que o Estado aí pode desempenhar um papel.

Esses bons valores aprendem-se, normalmente, em mais novo. Costuma-se dizer "burro velho não aprende línguas” e não é fácil mais para diante incutir nas pessoas valores que levem a que isso aconteça, embora passem a agir assim. Apesar disso devo dizer que a vida nos dá às vezes lições que seja em que idade for podemos mudar um pouco a nossa maneira de estar. Ninguém muda muito a partir de certa altura, mas podemos mudar um pouco a nossa maneira de estar. Gosto de dizer uma frase de um professor que tive no liceu em Religião e Moral quando tinha 10 e 11 anos, o Francisco Louçã era meu colega de turma e também o cita às vezes, que ele sendo um padre todo novo, progressista nos dizia assim sempre: o que é importante na vida é que se cada um de nós, naquilo que depende de si, quando se for embora tiver deixado o mundo um bocadinho melhor do que o encontrou já é bem bom.

Nós nunca esquecemos essa frase. Às vezes falo com o Francisco Louçã e digo: "lembras-te do que dizia o padre Armindo”, brincamos um com o outro, "vê lá que isso que estás a dizer não ajuda nada, temos é de deixar o mundo um bocadinho melhor que o encontrámos”. Acho que o que me fez apetecer entrar na vida política foi a partir do momento em que ouvi essa frase, é a ideia que eu tenho. Onde é que se pode? Não é só, mas a política, nomeadamente o poder local, instituições como a Misericórdia, é onde mais se pode ajudar a deixar o mundo um bocadinho melhor do que o encontrámos.

Agora, não é só. É nas empresas com a responsabilidade social, é na família, muitas vezes até na nossa própria família. Agora, se o Estado e o Governo podem fazer isso? Sim, podem. Tantas campanhas. A publicidade é o que é, mas publicidade sobre valores acho que é boa. Ajudar o próximo, colocarmo-nos sempre no lugar do próximo. A propósito de publicidade, aproveito para dizer uma coisa das receitas dos jogos, foi o ano em que tivemos mais receitas e diminuímos imenso as verbas gastas em publicidade, uns consideráveis milhões de euros a menos. Portanto, é assim, fazer o bem ao próximo, política de bairro, entre outros.

Há uma coisa que nos tempos que correm não está fácil: muitas pessoas vivem em prédios e não conhecem os vizinhos. Por exemplo, na Misericórdia se é coisa que afino é que se passo por alguém, às vezes têm mais timidez ou vergonha ou vão mais distraídos, mas é uma obrigação mínima dizer bom dia a toda a gente. E afino se não fazem o mesmo comigo. Também não me quero pôr a exercer a autoridade a dizer: "Oiça lá, você não disse bom dia?”. Mas é uma coisa que procuro dizer aos dirigentes da casa para dizerem aos funcionários que têm de dizer bom dia. Ou seja, olhar para a pessoa, olhar para o próximo.

Acho que sim, que a pergunta do João Cerejo é boa e espero que esse nome do grupo não tenha nenhuma cotação com a fase que vivemos, mas pronto, já vi que não. Mais outra pergunta.

 
Hugo Soares
Vamos a ela. Alexandra Ramalho do grupo Cinzento.
 
Alexandra Ramalho

Bom dia. Queria agradecer ao Dr. Santana Lopes a pertinência da sua intervenção.

A minha pergunta vai de encontro a que há dois anos foi apresentado o plano de emergência social e eu gostaria de saber, na sua opinião e experiência como Provedor da Santa Casa da Misericórdia, se foram dadas as respostas necessárias aos problemas sociais a que este plano foi proposto. Obrigada.

 
Pedro Santana Lopes

Oiça, como em todos os planos, em parte sim, mas tem permitido essencialmente articular melhor - como eu disse há pouco - o trabalho das diferentes entidades que devem levar para a frente esse plano de emergência social. Como eu lhe disse, nomeadamente entre a Câmara, o Instituto da Segurança Social e a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa temos trabalhado em harmonia, de um modo eficaz, julgo, para desenvolver as acções e utilizar os recursos previstos nesse plano de emergência.

Há muitos tipos de acções que desenvolvemos, por exemplo com refugiados que são pouco faladas. Temos de recorrer ao abrigo desse plano nas situações de emergência actuais, mas o que lhe posso dizer é que tem sido um plano positivo, agora não está nem pode estar integralmente cumprido. É um desafio diário, um desafio constante, mas principalmente tem funcionado bem na articulação das entidades que devem dar as respostas: o Estado central, o poder local e as instituições privadas de solidariedade social que são várias como sabemos e felizmente. Estão disponibilizados recursos significativos e o meu balanço, a minha opinião, a minha avaliação, é positiva.

 
Hugo Soares
Obrigado. Susana Reis do grupo Bege.
 
Susana Reis

Bom dia a todos. Em nome da equipa Bege, cumprimento o Dr. Santana Lopes, destacando nesta Universidade de Verão o relevante trabalho prestado na Santa Casa da Misericórdia. É o exemplo de alguém que todos os dias dá a cara pelos mais desprotegidos, sendo um privilégio para nós estarmos aqui com alguém que tem o poder de fazer bem a quem precisa e o faz de forma plena, efectiva e arrojada.

Centrando-me na acção social, esta tem como objectivos a prevenção de situações de carência, marginalização social, integração comunitária, assegurando a protecção aos grupos mais vulneráveis. É sem dúvida nenhuma um instrumento preventivo de exclusão e de desigualdades. Neste contexto, não deveríamos intervir e investir mais na prevenção do que na intervenção? E como estabelecer prioridades quando tantos pedem socorro?

[APLAUSOS]

 
Pedro Santana Lopes

Investir mais na prevenção, sim, prevenção de situações de exclusão, acho que sim. Se tivéssemos investido mais na prevenção em relação ao desconhecimento ou conhecimento do isolamento das pessoas de idade não se tinham passado situações como aquelas que aconteceram, se as entidades públicas e privadas que têm obrigações nesta área tivessem feito esse trabalho antecipadamente.

Agora posso dar-lhe outro caso: na formação das pessoas, investir mais, pois há vários tipos de exclusão por rendimento, por desemprego, etc. Há situações em que o investimento não evitava aquilo que está a acontecer. As pessoas, por exemplo, que estão desempregadas e perderam já o subsídio de desemprego. Casos com que lido muito na Misericórdia são de casais que perderam o emprego de repente, os dois ao mesmo tempo, ele profissional liberal, ela gerente numa empresa que fechou, não tinham subsídio de desemprego e ficaram sem nenhum recurso, com os filhos na escola, com as mensalidades do carro, entre outras. Não conseguiram vender o carro e não têm dinheiro. Por vezes lidamos com pessoas que não têm um tostão para o dia seguinte. Essas situações, dizer assim: "se tivéssemos investido na prevenção isso não teria acontecido”; não, isso são situações geradas pela dinâmica do funcionamento da Economia e das sociedades e portanto era difícil prevenir.

Agora, mudar o paradigma do envelhecimento, investir na formação nas escolas sobre a importância do exercício físico e da mens sana incorpore sano , com certeza que sim, evita essas situações. Hoje em dia, diz-se no país que é muito mais importante o combate aos incêndios investir mais na prevenção do que depois na intervenção para os tentar debelar e apagar. São 20 milhões de euros na prevenção e 80 milhões para o combate aos incêndios. Com certeza que sim, é sempre mais importante prevenir do que remediar, diz o povo na sua sabedoria.

Portanto, o grupo Bege tem naturalmente razão. Agora, aqui está um caso da Universidade de Verão dos incêndios em que eu gostava que os 100 alunos daqui nas terras para onde vão ajudassem a convencer os seus autarcas, os seus presidentes de juntas, câmaras e vereadores. Essa é a minha posição, de que são as câmaras e autarquias que podem dar o grande contributo para resolver, se o Estado central quiser, esta chaga dos incêndios.

[APLAUSOS]

Sem dúvida nenhuma. Porque nós temos, ano após ano, estas situações: as matas ardem, a riqueza arde, depois vem o da autoridade nacional, o da direcção geral das florestas, o da associação nacional dos bombeiros, todos em recriminações recíprocas e que "para o ano é que é” e que "tem de ser melhor”, e depois um demite-se, etc. Isto é muito simples, meus amigos e minhas amigas, pois todos os presidentes da câmara e da junta, e vereadores, sabem qual é o seu território. Eu quando estive como Presidente da Câmara da Figueira da Foz sabia que tinha 84 km2 que não podiam arder. Disse à pessoa que designei como responsável da protecção civil para irmos trabalhar e que não queria nem um hectare ardido.

Constituímos muitas equipas de gente da vossa idade, espalhados pelos pontos altos todos do concelho, na Serra da Boa Viagem e outros sítios, em vigilância 24h por dia. Portanto, muitas acções e os presidentes de câmara têm de obrigar as pessoas à limpeza das matas, alertar o poder central dizendo que a direcção geral tem a tal quinta ou mata ali naquele território e que não estão limpos, que já avisaram, já notificaram e continua por cumprir. Fica registada a responsabilização em termos contra-ordenacionais, mas também criminais, de quem não o faz.

Porque o somatório da acção é dizer assim a todo o país: quem são os presidentes de câmaras em que não arde nenhum hectare nos seus concelhos, ou quem é aquele a quem mais terra arde no seu concelho? Porque é impossível para quem está em Lisboa, seja na direcção das florestas, seja mesmo com as delegações nacionais, ou a autoridade da protecção civil, chegar a esses sítios todos do país - é uma impossibilidade. É revoltante, é motivo de raiva, pois Portugal não pode continuar a arder.

Portanto, isto é um desígnio nacional que a propósito das juventudes partidárias, acho que esta pode ser muito mais eficaz a fazer uma campanha destas do que qualquer um de nós isoladamente. Portugal não pode arder mais. Portanto, o Estado tem de se deixar de conversas. Escrevi no meu Facebook um post sobre isto e vem logo muita gente dizer que isso já está na lei, na Lei 6/2009 e que as câmaras podem pôr nos PDM; mas não é isso! Já há leis, planos e resoluções que cheguem! Já temos tudo, falta dizer: "Quem manda? Quem é o principal responsável?”. Dizem: "Ah, é o director geral.” Não pode ser, tem de ser quem está junto da terra e depois, de maneira organizada, prevenção. Prevenção, sem dúvida nenhuma.

[APLAUSOS]

 
Hugo Soares
Grupo Rosa, João Leite.
 
João Leite

Muito bom dia a todos. Antes de mais, em nome do grupo Rosa queríamos agradecer a presença do Dr. Santana Lopes que nos trouxe cá sobre as Misericórdias que é um tema que a todos nós tem cada vez mais que dizer e que bastante respeito.

Pegando por aí, a Santa Casa da Misericórdia tem como responsabilidade única e fundamental a assistência social a vários níveis, como cuidados hospitalares, educação e cultura, o que faz com que esta instituição que convive diariamente com realidades muito adversas, uma vez que geograficamente estas múltiplas realidades se encontram disseminadas por todo o território nacional, uma instituição que é um actor fundamental na sociedade portuguesa junto dos mais desprotegidos.

Considerando as múltiplas realidades e identificando os problemas a vários níveis, sendo a Santa Casa também detentora da responsabilidade social do Estado e/ou das autarquias locais - sendo a promotora do trabalho muitas das vezes realizado pelas IPSS -, como é que actualmente a Santa Casa, tendo em conta uma sociedade envelhecida e desprotegida suscitada pela crise, todas estas responsabilidades e o Estado Social actual, considera que os novos projectos de apoio ao empreendedorismo jovem, como é o caso do COOPJovem, poderão ser uma solução para os jovens? Não só para a criação do seu próprio emprego, mas de que forma poderão estes jovens articular com a Santa Casa tendo em conta uma nova Economia que é a Economia Social?

 
Pedro Santana Lopes

Obrigado. Este tema do empreendedorismo e da inovação social é muito importante. Temos um departamento de empreendedorismo, temos de aproveitar os ventos pois o que está na moda também é exactamente esta matéria. Está na moda cá e por exemplo na União Europeia, onde os prémios de empreendedorismo e inovação social contam no próximo quadro comunitário com recursos significativos. Portanto, é bom que tenham também isso em mente se quiserem desenvolver um projecto.

Aliás, é engraçadíssimo, falou no COOPJovem que se pode articular - e tomo boa nota - com o nosso departamento de empreendedorismo, com o BIS - Banco de Inovação Social que lhe falei, agora este projecto do Progress, programa que foi aprovado na União Europeia, irei dar instruções à directorado departamento de empreendedorismo, a Dr.ª Maria do Carmo Pinto, para fazer essa articulação. Trabalhamos com o Montepio, mas também com outras instituições financeiras - passo a publicidade - e temos todo o interesse de desenvolver essa frente de ajuda ao emprego ao nível da inclusão das camadas mais jovens mas não só. Como disse, o Progress articula os mais jovens e os menos jovens na criação de emprego.

Temos casos bem-sucedidos em Lisboa, vários, de que pessoas que desenvolveram os seus negócios ao abrigo destes programas com o microcrédito. Casos muito interessantes em que as pessoas desembaraçaram a sua vida. Aliás, acho que hoje em dia este sinais em relação à Economia portuguesa são muito isso: os portugueses fartaram-se da crise e viraram-se. Tenho uma empresa na área das Novas Tecnologias em que trabalho e tenho muita malta nova que sai das universidades de Aveiro e outras, em que trabalho com empresas spin-offs dessas universidades, desenvolvendo plataformas intercolaborativas umas mais conhecidas outras menos. Se há coisa com que tenho lidado pelo país todo, uma realidade extraordinária, são estas start-ups todas nesta área fundamentalmente em que as pessoas viram-se, viram-se também na questão geográfica territorial, saltam para fora do país, viram-se na forma organizativa, constituem a empresa, microempresas com duas ou três pessoas, vão à procura de financiamento nos vários programas da União Europeia e conseguem base para se lançarem.

À conta e à custa disso, dessa capacidade que os portugueses têm de facto de em alturas difíceis principalmente, começarem a surgir estes sinais de recuperação ou pelo menos de que parou a queda de modo tão significativo. Por isso, esta área que se chama de empreendedorismo acho uma palavra um bocadinho difícil, mas gosto da inovação social, da criatividade e essa é outra área em que a Santa Casa alargou responsabilidades. Porque, lá está, uma coisa é olhar para a Santa Casa como uma entidade que trata da acção social e dos jogos - eu não quero isso -, outra é, que a Santa Casa comigo é e vai ser cada vez mais um pilar importante da sociedade portuguesa em áreas em que até hoje não trabalhou.

Portanto, entendo que a Santa Casa tem essa responsabilidade que é muito importante. Se quiserem desenvolver projectos nas universidades, fora delas, ou até constituir empresas, nomeadamente nesta área da inovação e da criatividade, e da inovação social, é uma área que conta com imensos apoios no próximo quadro comunitário. Logo, ponham isso no vosso registo mental, está bem?

 
Hugo Soares
Obrigado. José Pinto do grupo Encarnado.
 
José Bastos Pinto

Muito bom dia. Senhor Provedor, muito obrigado por todos os seus esclarecimentos. Parabéns aos restantes colegas pelas excelentes intervenções e assuntos que vão ser para nós muito caros nos próximos tempos, especialmente na generalidade dos cuidados continuados. Merece se calhar ao fim uma reflexão mais alargada, mas estando nós aqui na área social temos sido constantemente atacados, na comissão nacional de justiça e paz até atacaram alguns órgãos do poder político dizendo que como é que é possível que homens com formação religiosa, moral e católica podem ser coniventes com certas atitudes e tomadas de decisão. Temos também o padre Lino Maia que há tempos disse que se o Estado não tiver força social não serve para mais nada.

Temos sido fortemente atacados, umas vezes justamente, outras injustamente, mas queria aqui deixar uma questão, estando aqui na Universidade de Verão com tantos colegas meus, jovens, muitos desempregados, com dificuldades e sem soluções. No outro dia, reuni com o Provedor da Santa Casa, fui-me lá fazer irmão para ver se tenho uma caminha quando for mais velho, não é? É melhor do que um PPR. Fui lá fazer-me irmão e dei a volta inteira à instituição. Houve algo que me deixou algo preocupado e esta é uma questão de sustentabilidade, queria saber a sua opinião franca sobre isto e dar-lhes ideia de como é que funciona lá em Lisboa.

Dos 384 funcionários só havia 38 licenciados. Ele confessou-me que era um grave problema, que havia lá pessoas que ainda vinham só com a 4ª classe e estavam lá a fazer serviços totalmente desenquadrados. Havia a questão dos maus tratos, coisas terríveis. Depois veio-me a questão de como é que vamos manter a sustentabilidade desta tão importante instituição portuguesa se não há esta renovação de quadros e dar oportunidades aos jovens formados, psicólogos, sociólogos, enfermeiros, médicos, de trabalhar nisso? Como é que podemos ter uma sustentabilidade para o futuro desta instituição se não dermos um olhar muito atento e preocupado sobre esta situação que se passa na minha zona e em tantas outras? Muito obrigado.

[APLAUSOS]

 
Pedro Santana Lopes

Estava a ouvir a vossa pergunta e estava ali a sorrir para o Dr. Paulo Calado que ele é administrador com o pelouro dos recursos humanos na Misericórdia de Lisboa e falamos muito sobre isso. As Misericórdias têm um pouco essa realidade, mas não só as Misericórdias. Nomeadamente fora dos centros urbanos certamente terão mais.

Acho que é preciso conciliar a inovação e a qualificação com a solidariedade e o sentido de justiça. As orientações que tenho dado ali ao administrador dos recursos humanos é para promover uma política de rescisão amigável de contratos de trabalho com trabalhadores indiferenciados mas também com outros que não demonstrem suficiente empenho sendo qualificados. Mas a sua substituição de facto com pessoas de nível de qualificação muito superior. Nós temos um pouco essa questão na Misericórdia de Lisboa, mas a esse propósito volto a dizer: combinar inovação e requalificação a estrutura dos funcionários, da estrutura laboral da instituição, com o sentido de justiça e solidariedade.

Há coisas que nós, principalmente sociais-democratas, devemos fazer. Esse sentido de justiça nunca pode desaparecer e portanto temos de ter cuidado na maneira como fazemos essa reconversão a propósito da requalificação dos recursos humanos. Nós, por exemplo, na Santa Casa temos outras notas em relação à responsabilidade social, damos alguma preferência a filhos de funcionários que em princípio são mais qualificados que os seus antecessores, os seus pais. São, se quiserem, "mimos”, a importância que damos a quem tem anos dedicados à casa. Ou seja, é conciliar a qualificação com essa responsabilidade social.

A esse propósito, vou-lhe dizer: tem nos aparecido às vezes na Santa Casa pessoas com 55, 57, 61 anos, com currículos extraordinários. Por exemplo as instituições financeiras, os bancos que despediram uma série de pessoas que ficam no desemprego, vão lá ter connosco e são pessoas com uma experiência fantástica e grande qualificação. Não se pode pegar só nelas senão não se dá emprego aos mais jovens que se não os tiverem vão para fora.

Como tudo na vida, é uma questão de equilíbrio que procuramos prosseguir. Mas acho que tem razão em relação à sustentabilidade. Mas a este propósito quero só dizer isto: já devem ter ido, mas se não foram vão à PORDATA e vejam os índices na evolução de Portugal nessa matéria de qualificações e outras desde os anos 60 até hoje. Ainda ontem à noite estive nessa página por causa desta intervenção e é impressionante, olhamos para aquilo e sentimos de facto um consolo com os resultados do trabalho e do investimento que foram feitos. É ou não é? É impressionante. Mesmo desde os anos 80, a propósito de qualificação, portanto, níveis de escolaridade, abandono escolar, entre outros. É impressionante; faz bem à alma.

Aliás, aproveito para saudar esse trabalho importante da PORDATA que tem sido desenvolvido pela Fundação Manuel Soares dos Santos e pelo António Barreto e pela sua equipa, é absolutamente notável. Tem lá umas coisas menos boas sobre o nosso país, mas tem outras que também faz falta ver de vez em quando.

 
Hugo Soares
Grupo Amarelo, Ana Carvalho.
 
Ana Carvalho

Bom dia. Antes de mais queria agradecer-lhe a sua presença nesta Universidade de Verão e a excelente aula que nos proporcionou.

A nossa pergunta é muito prática: vivemos num país em que intervir no social, por exemplo, no nosso concelho, às vezes torna-se numa completa aventura. Isto é, por exemplo, se quisermos ajudar os idosos no nosso concelho, enviamos uma carta à câmara, a câmara reenvia-nos a dizer que era melhor falar com a Segurança Social, esta última envia-nos para outra instituição qualquer. Ou seja, entramos aqui numa avalanche de problemas e não-soluções.

A nossa pergunta é: acha que as burocracias no nosso país são um entrave à intervenção social hoje em dia?

 
Pedro Santana Lopes

Acho. É uma grande luta, acho mesmo. O grande problema também das Misericórdias e das instituições que têm por obrigação desenvolverem políticas sociais é instalarem-se por cima das organizações. A minha maior luta lá na Misericórdia é exactamente contra isso que diz e nomeadamente, dou um exemplo, a desmaterialização tecnológica na realização de processos.

Algumas instituições com recursos, ou bons recursos, como a Santa Casa da Misericórdia em Lisboa, têm mais papel que muitas pequenas organizações que aí estão e que já fizeram a desmaterialização dos seus procedimentos e já trabalham em base digital constantemente. É burocracia, mas estou a entender, a burocracia no sentido de bloqueio à iniciativa. Lembra-se do que contei ao princípio sobre a procura dos idosos isolados? "Nós só trabalhamos com os sinalizados” é burocracia no seu melhor. Ou seja, é o burocrata que se habitua à rotina dos procedimentos e não é capaz de inovar para procurar mais eficácia.

Portanto, quando diz que querem ajudar e não vos deixam, oiça: não se fique pelas cartas, vão lá bater à porta e digam que não saiem dali e que querem ajudar. O MRPP tinha nos meus tempos de faculdade e não só, noutros antes, um lema que era: "ousar lutar, ousar vencer”. Nunca fui do MRPP mas sempre gostei desse lema: "ousar lutar, ousar vencer”. Às vezes é preciso ousar atitudes que não são muito convencionais, mas ir lá para vencer. Se há coisa bonita é alguém vir ter connosco e dizer: "Eu quero trabalhar, daqui não saio, desculpe mas tem de me arranjar uma oportunidade, sei fazer isto, isto e aquilo, portanto não me vou embora.”

Já houve pessoas que me convenceram pela persistência, pelo entusiasmo: "Eu quero ajudar, quero fazer bem, se não tiver ordenado eu fico cá, não saio daqui.” Já me disseram de tudo. Houve algumas pessoas a quem disse que vamos a isso então. "Ousar lutar, ousar vencer” é um bom lema. Todas as organizações têm coisas boas.

 
Hugo Soares
Até essa.
 
Pedro Santana Lopes

Essa tinha várias.

[RISOS]

 
Hugo Soares
Grupo Azul, Marta Quintino Boura.
 
Marta Quintino Boura

Bom dia a todos. Em nome do grupo Azul gostaria de agradecer a presença do Dr. Santana Lopes e felicitar pelo trabalho que tem desenvolvido enquanto Provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.

Num país cada vez mais envelhecido com cerca de 400 mil idosos a viver sozinhos, a intervenção social neste âmbito assume-se de forma imperativa. Note-se que um terço dos idosos se encontra nas regiões Norte, seguida pela região Centro e em Lisboa. Havendo já um controlo neste sentido na cidade de Lisboa por iniciativa da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa por meio das relações intergeracionais, de que forma é que este programa se pode estender de forma sustentável às restantes regiões do país?
Obrigada

 
Pedro Santana Lopes

Obrigado. Pode, se as entidades dessas regiões o quiserem. Já houve algumas que nos solicitaram, outras terras perto de Lisboa, no Sul em Faro, também uma no Centro e outra no Norte. Portanto, depende dessa vontade, mas nós no âmbito da União das Misericórdias estamos a procurar, mesmo independentemente da vontade das entidades de cada terra, criar as condições para apresentar uma proposta global para isso poder ser feito com iniciativa também em conjunto das Misericórdias com a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.

Obrigado.

 
Hugo Soares

Obrigado, Dr. Pedro Santana Lopes. Terminando a fase das perguntas previamente estabelecidas, entramos agora na parte do "CatchTheEye” e perguntava quem é que se inscreve para esta fase.

Fomos recebendo, como é normal, as inscrições que fizeram chegar aos vossos conselheiros. Pedia para manterem o braço no ar, ou o braço em pé - como ontem dizia -, por mais algum tempo. Dava a palavra ao Aníbal Cunha do grupo Rosa.

 
Aníbal Cunha
Dr. Pedro Santana Lopes, boa tarde. Referiu que as fontes de financiamento da Santa Casa provêm fundamentalmente dos jogos e dos arrendamentos. Mas tendo em conta o tão bom trabalho que a Santa Casa faz, para além destes financiamentos onde é que vão buscar mais verbas? Até porque hoje em dia, como o Ryan, o menino canadiano do vídeo, já há pessoas com boas intenções, tão boas quanto as vossas e não têm possibilidades de o fazer e também em termos burocráticos há essas barreiras. Mas depois há outro passo a pender que é como ter as verbas para o fazer, por isso queria saber para além dos jogos, os arrendamentos, como é que fazem?
 
Pedro Santana Lopes

Outra fonte importante dos rendimentos e dos activos da Santa Casa são as doações dos beneméritos. Portanto, para isso é fundamental conquistar credibilidade, quer pessoalmente quer institucionalmente. Uma fonte importante da receita da Santa Casa, ou de constituição dos seus activos, é de facto essa vontade que é constante. Ainda ontem estive a despachar mais dois processos com a Mesa em recebemos mais duas doações.

Portanto, as nossas receitas vêm dos jogos, das taxas pagas nos serviços de saúde, dos pagamentos feitos por aqueles que têm rendimentos para isso nos lares ou nas creches ou nos jardins de infância. Vêm fundamentalmente, em cerca de três quartos, dos jogos mas depois tem estas outras proveniências.

Algumas vezes também há receitas extra, excepcionais, de alguns projectos, mas a base é esta, não inventamos mais do que isto. Temos um orçamento de cerca de 200 milhões de euros e vamos gerindo tão bem quanto somos capazes, mas graças a Deus está a correr bem e espero que na síntese deste ano também tenha bom resultado já que tudo aponta para isso.

 
Hugo Soares
Obrigado. Grupo Bege, Liliana Baptista.
 
Liliana Batista

Bom dia. Antes de mais gostaria de agradecer em nome do grupo Bege a sua presença e dar-lhe os parabéns pelo excelente trabalho que tem feito como Provedor da Santa Casa.

Tal como referiu, é muito importante promover projectos de solidariedade intergeracional, mas nem sempre os jovens aderem a este tipo de projectos. Neste sentido, queria saber a sua opinião sobre o que tem impedido os jovens de participarem mais e se falta formação cívica.

Obrigada.

 
Pedro Santana Lopes

Não estou a dizer que não concordo convosco, mas acho que a principal responsabilidade é das instituições que não desafiam suficientemente os jovens para esses trabalhos. Eu não tenho razões de queixa quando lanço desafios. Uma coisa é trabalho remunerado, que as pessoas precisam de emprego, mas mesmo a base de voluntariado não temos razões de queixa quando lançamos desafios.

Agora, a vida de jovem hoje em dia não é fácil. Para quem estuda e trabalha, no campo ou seja onde for, é muito difícil, para quem estuda cada vez o estudo é maior e mais intenso. Nomeadamente com a reforma de Bolonha maior é o tempo necessário para a formação, há a licenciatura, há o mestrado, etc. Hoje em dia, sei bem, nomeadamente com os meus filhos, que a vida em termos de carga horária é muito intensa e muito exigente, não deixa muito tempo para isso.

Também é natural que a juventude..., mas lá está, tem a ver com os valores na formação. As instituições como a Santa Casa é que têm obrigação de desafiar os jovens. Nos desafios que colocamos e que dizemos que é para gente nova aparecer não tenho razão de queixa. Portanto, não me queixo, não posso testemunhar uma experiência que não tenho. Temos tido boa resposta sempre. Agora, sei lá, quando se é jovem talvez não se esteja consciente de alguns problemas que a vida vai mostrando só com o passar dos anos. Daí que seja evidente que nos voluntários, muitas vezes, a pirâmide etária é desequilibrada a favor dos mais velhos. Porquê? Ou porque já têm os filhos criados, ou porque não têm mais família, ou estão reformados, têm muito mais tempo livre e disponibilizam-se mais para o voluntariado.

Mas temos voluntários de todas idades e portanto não me queixo.

 
Hugo Soares
Obrigado. Cátia Coutinho do grupo Verde.
 
Cátia Coutinho

Bom dia. Antes de mais quero saudar e felicitar o Dr. Pedro Santana Lopes pela fantástica apresentação com que nos presenteou.

Durante esta aula disse que enquanto as pessoas forem úteis devem trabalhar e ao trabalhar estão a ser remuneradas. Não acha que devíamos abolir as reformas para as pessoas que ainda são úteis e fazem usufruto disso?

Obrigada.

 
Pedro Santana Lopes

Isso é um tema sensível, como sabe, hoje em dia. Vou-lhe dizer assim: nós quando já desempenhámos uma série de funções temos de ter autoridade moral para falar. Defendo isso que está implícito na sua pergunta. Não estou a dizer para se acabar com as reformas, estou a dizer o prolongamento da idade da reforma. Se me deixarem reformar só aos 80 não me importo nada - Deus me dê vida e saúde para isso.

Apesar de o exercício de décadas de determinadas funções me ter dado o direito a uma pensão da parte do Estado. Agora, como é que eu lhe hei-de dizer? Quando era Primeiro-Ministro, quando exerci essas funções, nomeadamente em 2005 na campanha com o Eng.º José Sócrates, defendi o aumento da idade da reforma. É isso que eu chamo de ter autoridade para falar, dizer o que é a nossa vida, o que temos conseguido, realizado e defendido. Ele foi contra. Entendo e sabemos que o esforço da Segurança Social hoje em dia dificilmente suportará nos termos actuais aquelas que são as responsabilidades sociais cada vez são maiores que terá.

Portanto, defendo o aumento da idade a partir da qual se é considerado sénior. Como sabe, os jovens agricultores na União Europeia, durante já há alguns anos, são até aos 45 anos, por isso acho que só se deve ser idoso a partir dos 70 e depois consoante a esperança média de vida que há. Até lá, por princípio, acho que se as pessoas estiverem em condições devem trabalhar. Agora, também há o reverso da medalha. Lembro-me do Eng.º Sócrates me dizer assim: "Se as pessoas se reformam mais tarde isso tira emprego aos mais jovens.”

Há aqui um equilíbrio fazer. Agora, por mim, considerando todos os valores defendo aquilo que está implícito na sua pergunta. É o que eu pratico na Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. Já agora, aproveito para dizer que tenho duas frentes de vida: Provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, onde estou pro bono e a minha actividade profissional como advogado, sendo que deixei-o de ser há mais de um ano. Digo-vos, vocês que estão agora na fase de lançamento para a vossa vida activa e que já passaram os anos da revolução, nunca deixem de fazer isso, mesmo que tenham funções públicas nunca deixem de ter a frente privada guarnecida. É fundamental. Meditem no meu exemplo: quando saí das funções de Primeiro-Ministro em 2005, tinha estado na Figueira e depois em Lisboa (tive deslocação de território), depois dos 40 anos tive de reabrir escritório.

Quando fui para a Figueira naturalmente os outros meus sócios fundiram-se com outro escritório e os meus clientes não podiam ir ter comigo à Figueira. O escritório fechou e em 2005 tive de começar de novo, o que não é fácil. Por isso, nunca desguarnecer a frente privada; é um sossego, é óptimo e nunca mais me apanham noutra.

[RISOS, APLAUSOS]

 
Hugo Soares
Carlos Miranda do grupo Azul.
 
Carlos Alberto Miranda

Bom dia a todos. Quero cumprimentar com particular ênfase o Dr. Santana Lopes e agradecer a sua presença nesta Universidade de Verão que também homenageia o Dr. Francisco Sá Carneiro, portanto é muito bom ter aqui um Sá Carneirista dos quatro costados, um homem que nunca cedeu ao politicamente correcto e que se manteve fiel aos valores do PPD/PSD.

[APLAUSOS]

O Dr. Pedro Santana Lopes sempre defendeu uma clarificação do sistema político em Portugal e a realidade foi lapidar, mostrando a razão que lhe assistia quando em 2004 assistimos em Portugal a um golpe de Estado constitucional, é caso único no sistema de direito democrático um Presidente da República dissolver um parlamento em que existe uma maioria parlamentar que suportava esse mesmo Governo. Mas, enfim, é o país que temos.

A minha questão é simples e directa: considera que o PPD/PSD deve propor ao Partido Socialista e ao CDS/PP uma nova Constituição para Portugal, que clarifique o sistema político.

[APLAUSOS]

 
Pedro Santana Lopes

Penso que a Assembleia da República deve assumir os poderes de revisão constitucional que tem nesta legislatura. A Assembleia tem poderes constituintes derivados, não o poder constituinte originário, mas tem e eu penso que é muito bom para Portugal se Portugal fizer isso.

Aliás, no meu artigo semanal no Jornal de Negócios hoje falo um pouco sobre isso, não só sobre isso mas também. Acho que é uma tarefa premente, porque - lá está - temos de ser consequentes.

Todas as pessoas dizem que o sistema político está caduco, que a política está velha, gasta, que não acreditam nela e depois quando se chega à altura das decisões pára-se e bloqueia-se. Portanto, a primeira razão é sermos consequentes com as palavras. Portanto, se estamos desadequados de muitos dos nossos representados temos de ter a noção de que com mais ou menos intensidade há esse sentimento da necessidade da reforma do sistema político.

Quando dizemos sistema político, dizemos sistema de governo, sistema eleitoral e mesmo algumas regras do sistema partidário. Aliás, isto é curioso em Portugal: por maior que seja a crise, apesar de tudo, o sistema partidário tem uma estabilidade muito significativa e vê-se que os partidos que contestam mais a acção do actual Governo não têm subidas eleitorais significativas nos estudos de opinião que são feitos.

Segunda razão para fazermos isso neste momento: ainda ontem o Dr. António Barreto disse aqui - ouvi à noite - que está quebrado o consenso entre os principais partidos e principais forças políticas. Acho que o despoletar de um processo de revisão constitucional pode ajudar a sentar à mesa e tratar dos principais problemas do país, quer os que se colocam num patamar constitucional, quer da legislação ordinária mais relevante, os principais partidos políticos.

Terceira razão: o país não pode viver só da agenda da Troika e da agenda da austeridade, tem de haver uma agenda política nacional dos nossos grandes desígnios, dos nossos grandes propósitos. E se há algo que está provado em Portugal em relação a sistemas de governo é que somos dos países, no espaço em que nos inserimos, com maior instabilidade governativa. O sistema tem muitos germes propiciadores de disfuncionalidade. Como sabem, em Espanha houve quatro primeiros-ministros e nós já vamos no 15º ou 16º.

Portanto, acho que há todas as razões para que isso aconteça. Falou numa nova Constituição, pode-se chamar assim, mas sou defensor de que não há necessidade de fazer rupturas mas sim reformas profundas. Depois os juristas podem decidir se configura uma ruptura constitucional ou não a eventual alteração que seja feita na Constituição. Só uma nota final: normalmente as pessoas dizem que isto importa pouco. Os economistas dizem muitas vezes que importa é que haja investimento e emprego. Ainda não entenderam que uma Constituição que seja neutra, independente e que crie um sistema político eficaz é uma grande ajuda para haver mais investimento, mais criação de emprego e mais desenvolvimento.

Logo, espero que também nos vossos espíritos fique forte esta componente da importância da reforma do sistema político. Às vezes não precisa de reformas, mas neste momento penso que é óbvio que precisa, nomeadamente para aproximarmos deputados. Acho que era bom haver menos deputados na câmara baixa. Sou defensor de uma câmara alta. Todos os sistemas democráticos aqui, nesta União Europeia, praticamente a têm. Temos lá na Assembleia a sala do senado que está desocupada.

Portanto, tirava um bom número de deputados e não criava tantos lugares de senador, menos na câmara alta quanto a redução de deputados. Criava círculos uninominais combinados com o círculo nacional, limitava fortemente o poder dos presidentes de dissolução do parlamento quando há uma maioria que quer continuar a sustentar o Governo e, portanto, também retirava aquela norma extraordinária que diz que o Presidente pode demitir o Governo para salvaguardar ou regular o funcionamento das instituições democráticas, que ninguém sabe o que é.

Assim, normalizava o nosso sistema de governo em termos democráticos. Somos, praticamente, o único país do mundo - fora a Ucrânia e outros parecidos - em que os presidentes e os primeiros-ministros divergem em público. Os chefes de Estado, sejam reis, sejam presidentes, não divergem em público dos primeiros-ministros e vice-versa. Nós temos cá esta criação original que vem do tal pecado original do segundo pacto MFA partidos. É a vida.

[APLAUSOS]

 
Hugo Soares
André Rodrigues do grupo Encarnado.
 
Pedro Santana Lopes

Jogam aqui neste Sábado, ou não? O grupo Encarnado e o grupo Verde.

[RISOS]

 
André Rodrigues
Bom dia, Dr. Pedro. Antes de mais obrigada pela sua intervenção. A minha pergunta é sobre o jogo e a lei do jogo. Em Portugal a Santa Casa da Misericórdia e os casinos portugueses têm o monopólio do jogo offline .
 
Pedro Santana Lopes
No jogo online sim, do que está licenciado.
 
André Rodrigues
Sim, exactamente. Sobre o qual Portugal não exerce qualquer tipo de taxação. A minha pergunta é: será que não seria benéfico para Portugal também poder taxar e regular esse tipo de actividade? Tínhamos os nossos casinos a poder exercer nesse mercado, ou mesmo a Santa Casa da Misericórdia, ou pelo menos criar condições para que empresas estrangeiras se insiram nesse mercado em Portugal, seria a Santa Casa naturalmente o mediador e o regulador dessa actividade.
 
Pedro Santana Lopes

Muito bem. Atenção, julgo que se está a referir às apostas à quota, as desportivas online e que se diz que vai ser atribuída uma parte aos casinos e outra à Santa Casa. Mas a legislação ainda não saiu. Estamos à espera dela ansiosamente mas ainda não saiu.

Os nossos prémios, hoje em dia, já são taxados. Já eram com o imposto de selo, etc., hoje em dia, uma medida de Vítor Gaspar ou deste Governo tornou os prémios acima de cinco mil euros taxados a 20%. Mas isso é um fruto da crise, em que nós até nem manifestámos uma grande discordância e compreendemos. Agora, para as apostas online que são aquelas à quota, desportivas, em que é saber a que minuto é que o jogador tal marca o golo, ou quem marca, ou se a equipa tal joga com o plantel tal, enfim, relativamente a essas apostas à quota online estamos à espera da legislação do Governo.

Mas a nossa proposta é que facto seja a Santa Casa a ter o direito exclusivo de exploração dessas apostas em Portugal. Havia empresas privadas que o faziam: a BetOnline e outras a que não vou fazer publicidade, são conhecidas, mas que nos tribunais interpusemos acções que ganhámos porque de facto não há legislação que autorize essas empresas a desenvolver essa actividade. Por isso, se reparar elas desapareceram dos patrocínios das ligas das equipas de futebol e cada vez que apareça o nome de cada uma delas tem de pagar uma indemnização significativa à Santa Casa.

Estamos há um ano à espera que saia a legislação do Governo, mas entretanto mudou o Ministro das Finanças e tinha mudado o Ministro Adjunto, Miguel Relvas, que tinha parte desse dossier. Pronto, temos de ser compreensivos.

 
Hugo Soares
Do grupo Amarelo o João Figueiredo.
 
João Figueiredo

Bom dia a todos. Caro Dr. Pedro Santana Lopes, em primeiro lugar agradecer a sua presença e na sua pessoa cumprimentar toda a mesa. Permita-me referir o seguinte: se há crítica ou ataque que jamais alguém lhe poderá fazer é que não é um homem de causas, com sensibilidade social e sobretudo responsabilidade, só ao nível da Santa Casa, na reabilitação urbana, no património e na cultura.

Intervir no social não é apenas combater carências financeiras, o isolamento da terceira idade, os cuidados continuados na saúde, como aqui demonstrou, a cultura e o património são também causas sociais. Porque a cultura é de todos e para todos, faz sentido que se faça com que esta chegue a todos. Porque ainda se assiste ao abandono dos centros históricos das cidades onde cada vez mais o património aparece ao abandono.

O apoio às fundações e causas é hoje mais reduzido. O sector de arquitectura e construção está parado ou quase parado, estando ainda o pouco espaço que resta reservado à intervenção e à reabilitação urbana. Acredita que a Santa Casa da Misericórdia, pelo que já realizou, pode ser um grande motor e impulsionar no acesso à cultura e o crescimento da reabilitação urbana em carência de outros motores?


Obrigado.

 
Pedro Santana Lopes

Acredito, dentro de uma gestão equilibrada e sensata das nossas disponibilidades financeiras. Mas como procurei demonstrar na minha exposição na reabilitação urbana temos uma forte aposta. Aliás, estivemos presentes no ano passado no Salão Expo Mobiliário de Lisboa na FIL, na Expo e tivemos uma presença grande e significativa, ao lado também do pavilhão da Câmara Municipal de Lisboa, onde pedimos meças - não tenho problema nenhum em dizê-lo - ao trabalho feito pela actual equipa da Câmara em Lisboa na área de reabilitação.

Portanto estou de acordo consigo obviamente, com esse desígnio de reabilitar. Vou-lhe dar um exemplo: a Santa Casa não tem praticamente edifícios nessas avenidas, mas a mim não me passa pela cabeça - não tive tempo suficiente para o fazer na Câmara de Lisboa, comecei mas depois foi suspenso, fui para o Governo, como sabe - que a avenida principal de uma cidade como Lisboa tenha tantos prédios por reabilitar. Sejam propriedade pública ou privada. Aquela Avenida Fontes Pereira de Melo é de bradar aos céus. A Avenida da República também é uma pequena parte.

Não conheço nenhuma capital europeia em que se corra a avenida principal e tenha vários prédios a degradarem-se, à espera de um dia; não me passa pela cabeça. Tinha começado na Avenida Fontes Pereira de Melo as intimações que são precisas, tomar posse administrativa e dizermos aos proprietários que ou reabilitam ou fazemos nós as obras. Porque senão não há hipótese nenhuma. Portanto, essa questão da reabilitação para mim é termos ali aquele património e não podermos deixá-lo cair, temos de cuidar dele e por isso foi das primeiras coisas que fiz quando entrei na Santa Casa.

Não costumo falar do passado na Santa Casa, mas estavam licenças na Câmara, 12 julgo eu, desde 2007. Licenças de construção por levantar destes prédios todos que temos em obra, caducaram e tivemos que renovar e para já as obras estão em curso na rua S. José, entre outras.

Sobre a cultura, sim, apoiamos muito espectáculos, entre outros. Agora com um protocolo com a Fundação Gulbenkian, enquanto estão as obras no grande auditório da Gulbenkian, actuam em muitos espaços da Santa Casa. Apoio, como vos disse também, aos vários talentos, aos artistas portugueses e agora vamos apoiar as noites de fado em Alfama nas eleições autárquicas, a 21 e 22 de Setembro. Portanto, estamos nas várias frentes: nos festivais, na literatura, no património, entre outras.

Às vezes gostava de fazer mais, mas também tem de se ter cuidado porque a Santa Casa não é o Estado nem pode ser o Estado. Portanto, não podemos ultrapassar fronteiras, mas quando vejo alguns símbolos do património nacional em mau estado, devo dizer que tenho de me segurar muito para não me "chegar à frente”, como se costuma dizer; no caso do Convento de Cristo em Tomar, por exemplo, entre outros.

 
Hugo Soares
Grupo Cinzento, Emília Pereira.
 
Emília Pereira

Muito bom dia, Dr. Pedro Santana Lopes.

Há bocadinho referiu a falta de espaços e de condições para criar postos de cuidados continuados e paliativos. O que eu vou dizer pode até não ter muito fundamento nem ser fácil de implementar. Mas lembrei-me da parte dos centros sociais privados que estão praticamente vazios e dado que os centros sociais quando são criados são exactamente para ajudar as pessoas e fazerem precisamente o trabalho social, não seria possível fazer um protocolo entre as Misericórdias ou até algum poder autárquico de modo a utilizar os espaços vazios? E desta maneira colmatar as falhas que existem nesses cuidados continuados e paliativos, dado que muitos idosos neste momento necessitam deles e não têm possibilidade de continuar nos hospitais por terem um prazo-limite para estarem lá internados, assim poderíamos colmatar um bocadinho essa falha e ajudaríamos realmente as pessoas que necessitam na parte social.

 
Pedro Santana Lopes

Penso que seria possível. Na Santa Casa de Lisboa investimos cerca de 11 milhões de euros em apoios a lugares em lares privados que alguns também ministram cuidados continuados. Por isso, acho que é possível. Contudo, é uma questão sensível, tem de ser analisada; o lucro na Economia Social tem de ser algo muito equilibrado e contido, com barreiras bem estabelecidas e por isso sou defensor de que os privados aí podem e devem entrar onde as instituições não têm capacidade para o fazer. Mas não me choca nada, colaboramos bem com privados, porém isso não pode fazer excluir a obrigação das entidades criarem as suas próprias unidades.

Nós, como lhe disse, praticamos isso mais em unidades hospitalares. O que a senhora falou, as unidades de cuidados continuados de facto é uma frente a desenvolver na colaboração com privados. Acho que é possível. Os cuidados continuados de curta duração são os cuidados mais caros, os paliativos custam menos do que esses. Os de média e longa duração já não têm um custo tão significativo. Portanto, financeiramente, são pesados os cuidados continuados de curta duração, mas acho que é possível e se temos sociais privados que estejam com vagas acho que essas vagas, desde que correspondam às necessidades, devem ser aproveitadas em protocolos estabelecidos.

Isso vai completamente de encontro àquela que são a nossa filosofia de vida, os nossos princípios e os nossos valores.

 
Hugo Soares
Muito obrigado. Jorge Aires Pereira do grupo Verde.
 
Jorge Ayres Pereira

Bom dia. A questão que eu tenho é baseada numa instituição que tenho vindo a acompanhar até que é a Instituição Bill Gates em que eles basicamente criaram uma série de condições para as associações de caridade poderem funcionar bem nos Estados Unidos. Por exemplo, forneceram meio informáticos, bases de dados, informações e sugestões relativamente a investimentos, neste caso em vacinas, para poderem trabalhar.

Cá em Portugal, eu pelo menos - espero não estar a colocar uma questão ignorante - em Aveiro tenho acompanhado uma associação juntamente com a associação de estudantes de Aveiro, é uma instituição de caridade que é uma organização mais pequena mas nunca tivemos acesso a esta informação que há online , que fique disponível para saber como é que devemos actuar.

A minha questão aqui é: que sugestões é que tem para poder em Portugal disponibilizar este tipo de ferramentas e se é viável cá em Portugal para ajudar a nossa comunidade em termos sociais para os mais carenciados.

Obrigado.

 
Pedro Santana Lopes
É uma boa pergunta. É de Aveiro?
 
Jorge Ayres Pereira
Não, sou do Porto, mas estudo em Aveiro na Universidade de Aveiro.
 
Pedro Santana Lopes

Então estuda numa terra que é uma das capitais da inovação e da criatividade em Portugal. É uma universidade extraordinária.

[APLAUSOS]

Quero dizer-lhe que é uma belíssima questão que pôs e é uma lacuna - não posso falar só de coisas boas - não termos devidamente desenvolvido o software desses programas de assistência que lhe permita ter acesso e eventualmente utilizar essas ferramentas para apoio ao trabalho que querem fazer. Mas espero que até ao final do ano isso esteja mais desenvolvido. De qualquer maneira vou pedir para ficarem com o seu contacto para lhe poder dar os endereços e links onde pode ter algum apoio para esse trabalho.

Mas a sua pergunta dá-me mais força para chatear quem tenho de chatear na publicidade e desenvolvimento desse software e dos programas que estão em curso. Está bem? Obrigado e parabéns por esse trabalho.

[APLAUSOS]

 
Hugo Soares
Pedro Ferreira do grupo Roxo.
 
Pedro Ferreira

Antes de mais, bom dia, Dr. Santana Lopes, queria agradecer-lhe o facto de estar aqui presente na Universidade de Verão.

A pergunta que lhe queria colocar era acerca do que falou na sua intervenção sobre a Santa Casa da Misericórdia fazer sobretudo formação. Essa formação também é feita ao nível do voluntariado, nomeadamente para além dos aspectos técnicos, mas sobretudo na parte humana, isto é, formar voluntários, especialistas não só na parte técnica mas também na parte humana, em particular no tratamento aos idosos e às causas sociais?

 
Pedro Santana Lopes

Fazemos, sim, e na área do voluntariado ainda ontem aprovámos um novo programa na Mesa, chamado Sustentabilidade Social e Cidadania Activa, não é Dr. Paulo Calado? Chama-se Cidadania Activa exactamente para cidadãos que não queiram ser voluntários permanentes mas possam contribuir com o seu esforço, da sua empresa, etc., para acções como as que referi como o projecto Reparar que é para reparação de casas de idosos, ou outros.

Mas fazemos preparação do voluntariado, nomeadamente do ponto de vista humano e técnico - se lhe quiser chamar - para o apoio simples domiciliário ou integrado que inclui a parte terapêutica e para os idosos em geral. Damos, sim senhor, se alguma vez quiser pode vir ter connosco.

 
Hugo Soares
Beatriz do grupo Laranja.
 
Ana Beatriz Sêco
Bom dia a todos. Queria saudar a sua presença, Dr. Santana Lopes e dia 28 de Junho estivemos juntos em Arganil num jantar de apresentação.
 
Pedro Santana Lopes
Muito bem. É a terra dos meus avós paternos.
 
Ana Beatriz Sêco

Nesse jantar foi apresentado o mandatário da juventude que é um jovem músico de referência nacional e ele teve de ir para o Canadá para desenvolver a sua arte e ter mais rendimento. Sei que já falou e gostei muito de saber que a Santa Casa da Misericórdia está a apoiar jovens músicos e jovens talentos. Mas entristece-me a mim que em três meses de Verão temos teatros esgotados em Lisboa, as academias de dança lotadas, mas os artistas não se alimentam com palmas durante o ano.

Que medidas é que adoptaria se tivesse num cargo de autarquia ou de Governo, para que os artistas tenham melhores rendimentos e possam ser mais apoiados?

[APLAUSOS]

 
Pedro Santana Lopes

Já disse há pouco o que pensava da política de cultura numa altura de crise como esta. Não cheguei à intervenção social só quando fui nomeado Provedor da Santa Casa. Quando, por exemplo, exerci durante cinco anos as funções de Secretário de Estado da Cultura soube algo que me impressionou muito quando assumi essas funções, que foi a maneira como o Estado tratava os artistas portugueses de mais idade.

Fui Secretário de Estado da Cultura de Janeiro de 1990 a Dezembro de 1994. Nessa altura ainda estavam vivas pessoas que já desapareceram e que eram grandes símbolos na nossa cultura e das nossas artes. Mas lembro-me da senhora D. Mariana Rey Monteiro e da sua mãe, a senhora D. Amélia Rey Colaço que dá o nome à sala do Teatro Nacional D. Maria, lembro-me do António Lopes Ribeiro que foi fundador da Cinemateca e que hoje em dia é muito falada, e vários outros: a mulher do António Silva que era um actor muito famoso, e que tinham subsídios de mérito cultural absolutamente inacreditáveis. Porquê? Porque os artistas não descontam para a Segurança Social, não têm um desconto regular. É um problema tratado a nível europeu e muito antigo, pois tratei várias vezes no Conselho de Ministros da Cultura da União Europeia.

Portanto, esta preocupação social com os artistas e com o seu trabalho, graças a Deus tenho sabido das coisas e há algo com que tenho contado para o resto da minha vida, nomeadamente sempre que tenho alguma intervenção política sempre apoio muitos artistas. Porque enquanto Secretário de Estado da Cultura procurei apoiá-los, reabilitei espaços de cineteatro por todo o país porque estou consciente da importância que isso tem para a vida das comunidades e para a entidade nacional.

Porquê? Quando um país está em crise acha que o seu futuro é complicado e se lhe dão machadadas nas componentes da sua identidade e nos símbolos e força cultural, ele acha que ainda menos futuro tem. Tem de ver é os artistas a darem voz ao que são esses símbolos de cultura, essas raízes de identidade: os teatros a falarem língua portuguesa, livros a serem publicados, se vê o Convento de Cristo, o Mosteiro dos Jerónimos, o Palácio da Ajuda, no Porto a Torre dos Clérigos, a Cadeia da Relação, o Museu Soares dos Reis, ou outros símbolos do patrimónios nacional bem cuidados.

O que é que lhe posso dizer mais? Fui Secretário de Estado da Cultura durante cinco anos e quando é sobre Cultura eu não me calo e falo sempre de política cultural. Agora, estou solidário com o actual Secretário de Estado da Cultura, de facto, porque lhe calha uma muito pequena fatia na distribuição das verbas do orçamento. Ele bem anda à procura de outras fontes de financiamento, mas não é fácil. Agora, já disse isso nas jornadas parlamentares e continuo a dizer: a política cultural ainda é mais importante em tempos de crise nacional.

Aquilo que me pergunta: "o que é que eu faria para dar trabalho aos artistas?”, aí sou defensor da presença do Estado na área da Cultura. Não me considero um liberal, considero-me mesmo um social-democrata, embora durante vários anos na minha vida tenha achado isso um pouco estranho, sempre achei que tinha mais propensão para ser liberal do que para ser social-democrata. Mas acho que sou verdadeiramente social-democrata. A Cultura num país como Portugal - sempre, mas num país como Portugal - exige uma forte presença do Estado, nomeadamente na criação de infraestruturas por todo o país.

Quando cheguei à Figueira e fui eleito Presidente da Câmara, a Figueira não tinha um teatro onde as pessoas pudessem ir. Eu pensava assim: então em Lisboa tenho 20 teatros entre óperas, teatros da câmara, teatros nacionais e aqui não há um? As pessoas quando queriam ver um filme iam à sala do casino.

 
Ana Beatriz Sêco
E agora é referência da região Centro, o CAI da Figueira.
 
Pedro Santana Lopes

Pronto, exactamente. É difícil manter e sustentar, é sempre, porque as estruturas culturais têm sempre pouco dinheiro, mas está lá a produção artística, a ligação às forças culturais da região e está integrado.

Se soubesse quanto eu gosto quando vejo artista tal que vem a Portugal ao Coliseu do Porto, à Casa da Música, CAI da Figueira, Centro Cultural de Belém em Lisboa ou Coliseu de Lisboa, para mim é um consolo. Porquê? Porque sei que aquelas pessoas pelo menos agora já têm onde ver um bom espectáculo, uma boa performance artística, e porque é que andam ter menos direito dos que moram em Lisboa? Quando pergunta por política cultural, eu disse há pouco que também tem de ter cariz social. Quando estava como Secretário de Estado da Cultura mudei a delegação cultural do Porto para Vila Real e acabei com a de Lisboa.

Quando formei Governo levei a Secretaria de Estado para vários pontos do país; brincaram e meteram-se. Também quando vim aqui à Universidade de Verão 2004 como Primeiro-Ministro anunciei as taxas moderadoras por escalões em função dos rendimentos; brincaram. Em Setembro, a seguir a estar aqui, fui à ONU à Assembleia Geral falar e tinha o Presidente da República a criticar-me nas minhas costas. Passado um ano, com Sócrates, o Ministro da Saúde era outro, que o Dr. Sampaio conhece bem e vai estar aqui, aprovaram a taxa moderadora em função dos rendimentos e o Presidente da República não disse nada, promulgou, deixou passar e até julgo que disse palavras de simpatia.

[APLAUSOS]

E quando saí disso anunciei isso, porque um Primeiro-Ministro tem direito a anunciar às vezes o que entende sem falar com os seus ministros se considera adequado. Dois dias depois tinha um jornal diário de Lisboa uma fonte não-identificada do Ministério da Saúde a dizer que o ministro da pasta ainda não conhece estes propósitos do Primeiro-Ministro e depois tive o Presidente a criticar. Brincaram muito, como brincaram muito quando eu em 2004 disse que era contra as SCUT porque o país não tinha dinheiro para pagar as PPP. Brincaram, brincaram e o senhor Eng.º Sócrates esteve anos sem SCUT.

Depois veio a crise, introduziram as portagens em altura de crise. Resultado: as pessoas têm de sair das auto-estradas, não podem pagar portagens, vão para as estradas nacionais onde aumentam a sinistralidade porque a insegurança é muito maior. É feito tudo ao contrário, sabe porquê? Porque brincam com coisas sérias. Fiz um Conselho de Ministros em Coimbra em 2004 e fiz Conselhos de Ministros, apesar de ter sido pouco tempo, por todo o país. Gostam muito de brincar com o que é sério.

O que é sério normalmente sai caro e na área da Cultura também sai.

[APLAUSOS]

 
Hugo Soares
Esta foi a última pergunta. Sei que o Dr. Santana Lopes quer-vos deixar uma mensagem final, no fim também para ser uma questão de cortesia ser o último a falar. Renovo aqui os nossos agradecimentos por ter vindo à Universidade de Verão.
 
Pedro Santana Lopes

Quero sublinhar o que disse no início. Felicitar por esta iniciativa. Acho que talvez o desafio, se fosse possível, era para além de uma Universidade de Verão fazer uma Universidade de Inverno, para não dizer que me apetecia fazer das quatro estações como Vivaldi, porque é isto que faz muita falta, de facto, nas sociedades todas, mas na portuguesa nomeadamente.

Dizer que gostei das vossas perguntas, de vir aqui falar do que faço e a mensagem final que vos quero transmitir é esta por estarem em formação, numa altura da vida em que contam com tudo. Há dias de céu de limpo e de céu nublado. Na vida, depois de céu nublado vem céu limpo e depois céu nublado de novo, por aí fora, e nós temos sempre de ter essa certeza. Às vezes estamos de pé, às vezes caímos, às vezes repousamos, às vezes lutamos, mas a vida é feita disto tudo.

Não se deixem vencer nunca nos maus momentos nem se deslumbrem com os bons momentos. Se há coisa que tenho procurado fazer e espero continuar a fazer nos bons momentos é lembrar-me sempre que um dia o céu vai nublar e portanto que a vida não dá só coisas boas. Nunca se impressionem nem com uma coisa nem com outra. Quando estiver toda a gente a cantar hossanas sorriem por dentro com respeito, mas guardem distância das hossanas. Quando toda a gente estiver a dizer mal de vocês olhem para o longe e deixem passar o mau tempo, porque depois do mau tempo bom tempo vem.

Portanto, ao fim e ao cabo tenham força sempre. Está bem? Obrigado.

[APLAUSOS]

FIM