ACTAS  
 
8/30/2013
“Co-adopção: Sim ou Não ?”
 
Carlos Coelho

Temos hoje um debate entre pessoas muito diferentes. Procuramos sempre buscar temas da actualidade e com isso não apenas introduzir na estrutura temática do programa da Universidade de Verão um assunto quente, mas proporcionar-vos a oportunidade de verem como é que dois protagonistas políticos de primeiro plano fazem um debate, como é que esgrimem pontos de vista.

A escolha do tema da co-adopção foi, aliás, muito comentada por alguns órgãos da Comunicação Social, pode parecer polémica, mas acho que ela traduz uma superioridade moral. Porque aqueles que olham para a questão da co-adopção a pensar não em causas partidárias, ou em causas de identidade sexual, mas a pensar no que é melhor para a criança vêem na co-adopção um debate de cidadania. É uma questão que levanta a questões de princípios e de convicções pessoais portanto, tenho alguma dificuldade em aceitar que haja partidos que façam disso bandeira.

No PSD há pessoas com posições diferentes e é esse debate livre, que é um debate de cidadania, que nós trazemos à Universidade de Verão. Não é o primeiro debate dentro desse género, também já trouxemos a debate a temática do aborto, onde no nosso partido há opiniões diferentes e creio que isso enobrece o PSD. Não instrumentalizamos estas questões como sendo partidárias, pois elas são questões que relevam da opinião de cada um e, portanto, são fundamentalmente pessoais.

À minha direita está José Manuel Canavarro, à minha esquerda está Mónica Ferro - são ambos deputados à Assembleia da República no nosso grupo parlamentar. Quisemos deliberadamente trazer dois sociais-democratas exactamente para não partidarizar este debate. Houve alguns jornalistas que me perguntaram porque é que não trouxemos para este debate pessoas de partidos diferentes. Precisamente porque esta não é uma questão de partidos, é uma questão de pessoas, de pontos de vista e de filosofias.

Nos hobbies : à minha direita, o Surf há 33 anos; e à minha esquerda, ler, "sou uma leitora compulsiva”, diz Mónica Ferro. Comida preferida: massa com peixe, à minha direita; sushi, "levava para uma ilha deserta”, diz Mónica Ferro. Isso, aliás, é útil pois numa ilha deserta não precisava mesmo de cozinhar. (RISOS)

Animal preferido: um gato, "tive um e sempre tive gatos”, diz José Manuel Canavarro. Comento: são muito amigos, mas muito autónomos. Mónica Ferro diz "todos os que voam”. Portanto, não gosta de coelhos.


[RISOS]

Não é por mim, é por causa do senhor Primeiro-Ministro.

[RISOS]

Os livros que nos sugerem: "Gaspar, Belchior e Baltazar” de Michel Tournier, diz-nos José Manuel Canavarro e "Viagem até ao fim do Mundo” de Mário Vargas Llosa, indica-nos Mónica Ferro. Os filmes que nos sugerem: à minha direita, "Os Suspeitos do Costume” e à minha esquerda, "Ágora”.

Qualidade que mais aprecia: diz José Manuel Canavarro, "o bom senso, seja lá o que for, mas a sensação de que a pessoa sabe ponderar, decidir, manifesta equilíbrio nas diferentes fases e circunstâncias da sua vida” e a Mónica Ferro "a perseverança, desde que não se confunda com teimosia”.

Agradeço muito aos dois o facto de se terem disponibilizado para colaborar connosco e estarem presentes neste debate. As regras são simples, vamos ter uma intervenção inicial de cada um com a duração de 15 minutos e depois entraremos na fase de debate como estamos habituados. Faremos as perguntas obrigatórias em blocos de duas e se houver tempo entraremos no "Catch The Eye” também em blocos de dois.

Para iniciar as hostilidades convido José Manuel Canavarro a usar da palavra.

[APLAUSOS]

 
José Manuel Canavarro

Muito bom dia a todos. Tenho a certeza que estão a aproveitar este tempo na Universidade de Verão da melhor maneira, seja lá o que for. Tal como o bom senso, a melhor maneira também é seguramente muito diversa no modo como estão a aproveitar o tempo que aqui estão a passar.

Cumprimento o Carlos Coelho, o Hugo Soares, a minha opositora neste debate. É uma felicidade tê-la como opositora, não poderia ter uma melhor que a Mónica Ferro, até porque muitas vezes temos conversado sobre este tema e em boa verdade não temos visões radicalmente muito contrárias. Portanto, queria baixar um bocadinho as expectativas, pois não vamos seguramente debatermo-nos, nem qualquer coisa do género, porque já temos muito treino nisto, designadamente treino cognitivo e muito treino de opinião.

Queria em primeiro lugar dizer-vos que sou um contra muito moderado e muito cauteloso. Não sou contra a co-adopção, nomeadamente sobre o projecto de lei nº 278/12 que seguramente conhecem, por motivos de consciência boa ou má. Sou e votei contra este projecto tal como nos foi apresentada pelo Parlamento. Não conheço ainda a versão modificada, porque houve audições. Haverá certamente em Comissão discussões, propostas de melhoria e de alteração do projecto de lei e, portanto não conheço a versão finalizada.

Mas votei contra e vou tentar explicar-vos o porquê. O meu primeiro ponto é de fundamento, defendo que se discuta em profundidade a adopção em Portugal como base de qualquer discussão sobre a co-adopção. Acho que é a adopção que antecede a co-adopção e que seria importante que, numa discussão global, sobre a adopção nós a posteriori discutíssemos a co-adopção e também a adopção por casais do mesmo sexo.

Isto é, eu até pessoalmente - manifestando aqui uma opinião pessoal - gostaria que na próxima sessão legislativa se fizesse uma discussão com calma e profundidade das questões da adopção em geral e depois derivássemos, nessa mesma discussão, para aspectos que têm a ver com a co-adopção seja por casais de sexo diferente, ou do mesmo sexo.

Creio que assim conseguiríamos uma iniciativa legislativa e posteriormente uma lei mais objectiva, mais debatida e também as pessoas que iriam votar essa lei estariam seguramente muito mais esclarecidas.

Não quero com isto prolongar a discussão, acho que as discussões devem ter princípio (além de também terem de ter princípios) meio e fim. Mas, portanto, que se fizesse um calendário, que houvesse um compromisso político, e se discutisse em primeiro lugar a adopção e só posteriormente a co-adopção. Por isso, quando olho para esta iniciativa, não querendo fazer qualquer juízo sobre intenções políticas, mas alguns podem fazer esse juízo de que há aqui uma forma muito apressada e eventualmente menos elegante de chegar a determinados resultados políticos, aos resultados que satisfaçam partes do eleitorado, sem ter uma discussão fundamental e essencial sobre a adopção.

Por isso, preferia que discutíssemos a adopção de forma geral e depois chegássemos a uma discussão sobre a co-adopção, englobando evidentemente a adopção heterossexual - digamos assim -, e a adopção homossexual, ou por casais de sexo diferente e por casais do mesmo sexo, ou género. Portanto, este era um primeiro ponto, um ponto prévio: gostaria que discutíssemos a adopção e posteriormente a co-adopção.

Custa-me começar pela co-adopção.

Um segundo ponto pessoal: olho para esta discussão de forma emocionalmente neutra, isto é, nada me move pessoalmente a favor ou contra, é um tema que não me desperta afectividade ou paixão. Pretendo, em primeiro lugar, que seja justo, ponderado, equilibrado e que defenda os interesses da criança - isto é evidentemente claro e óbvio -, e pretendo que no actual quadro técnico e legislativo - e por isso mesmo entendo que deve haver uma discussão muito forte e alargada - se esgotem as soluções e depois se ponderem as alterações.

Prefiro uma lei boa e um pouco menos rápida a uma lei apressada que pode eventualmente ter pontos positivos, mas que possa também ter pontos pouco ponderados. Devo dizer que do ponto de vista pessoal, tenho amigos homossexuais que, como os heterossexuais, vêem a parentalidade como um projecto de vida. Uns vêem-na como um projecto de vida, outros não, alguns vêem a adopção como uma possibilidade e outros não.

E também, finalizando a questão pessoal, este não é para mim um tema fracturante porque a mim não me fractura. Tenho uma visão una sobre isto, não me sinto fracturado por ter de discutir este tema. Admito que socialmente e para outras pessoas o seja, para mim não é um tema fracturante.

O primeiro ponto era de fundamentos: a adopção primeiro, a co-adopção depois. O segundo ponto era pessoal: não em fractura, não tenho relativamente a isto nenhuma paixão nem nenhuma emotividade exacerbada, pretendo analisar, discutir e depois decidir de forma ponderada, racional e equilibrada. O terceiro ponto é sócio-político, digamos assim.

Nos termos do debate sobre os direitos dos homossexuais gera-se muitas vezes a ideia de que quem não tiver sobre isto um olhar equalizador - falando em Surf que é o meu hobby, se ao chegar à praia esta estiver sem ondas, estiver com o mar flat - , isto é, se não se "flatizar” o debate, se não for alguém que defenda a inexistência de diferenças nos direitos por vezes levando essa inexistência a mais que os direitos, pode não ser vista como uma pessoa moderna, actual e intelectualmente a considerar.

Num período que muitos defendem como um período pós-moderno, ser intelectualmente válido pode passar por reconhecer e por defender os direitos da minorias, as minorias no sentido social do termo. Isso é verdade, mas quem levar ao extremo a defesa desses direitos passa a ter como atributo a modernidade e a intelectualidade e os que não o fazem passam a ser vistos como menos modernos, ou como intelectualmente menos aptos. Não estou a dizer que é esta a minha visão, estou a dizer a que entendo que do ponto de vista de algum estereótipo sobre quem, quanto a estas matérias, não é tão moderno e tão actual e tem posições conservadoras, ou posições de não-mudança é por vezes visto como uma pessoa intelectualmente menos moderna, ou menos capaz.

Aliás, conto-vos uma história que ainda há pouco tempo me relataram em que se debatia na Suécia que todos, homens e mulheres, deviam urinar sentados nos espaços públicos. O que é que isto quer dizer? Quer dizer precisamente levar ao limite aquilo que são as não-diferenças. Isto é, já não estamos a falar de direitos, mas em questões de normalização e equalização dos comportamentos. Portanto, diria que esta ruptura com a diferença, esta equalização da diferença, leva a meu ver a posições, ou a decisões, que se podem extremar e não encaixarem naquilo que referi que entendo ser uma qualidade das pessoas, que é algum bom senso e alguma ponderação.

Respeito da mesma forma todas as orientações sexuais e digo-vos que o argumentário "contra-natura” que muitas vezes é utilizado relativamente aos homossexuais merece a minha discordância frontal. Nem sequer concebo que haja um argumento desse género sob o ponto de vista de discussão. Acho que a orientação sexual das pessoas é ética da pessoa, é uma expressão da liberdade e a diferença é exactamente essa liberdade.

Socio-politicamente sou pelo reconhecimento da diferença e pela activação de direitos e políticas públicas de que quando essa diferença é substancialmente penalizadora para alguém, ou para algum grupo social, as decisões políticas e as políticas públicas devem defender quem é diferente. Sou a favor da diferença, mas infelizmente, ou felizmente, não sou um extremista da diferença. Aliás, não sou um extremista de nada, ou no limite sou um extremista do amor pelos meus filhos, mas apesar de tudo um amor cauteloso e cuidadoso porque gosto que eles cumpram aquilo que eles têm de fazer na vida para que eu possa gostar cada vez mais deles.

Este seria um ponto socio-político, terminou com esta referência aos meus filhos, que é um bocadinho para baralhar, mas para vos mostrar que não sou um extremista na defesa das posições e procuro que essas posições sejam equilibradas. Um quarto ponto e até podia estar aqui mais tempo, pois este quarto ponto é técnico e do ponto de vista jurídico não tenho muito a dizer, pois não tenho formação jurídica. Mas procurei informar-me e, sobretudo, conversar com vários juristas e magistrados sobre esta situação da co-adopção, designadamente porque como vos falei no início, penso que temos de esgotar as possibilidades que o actual ordenamento jurídico nos oferece para resolver determinados problemas para depois passarmos a modificações e alterações.

Embora aqui não haja um consenso, há alguns juristas e magistrados que nos dizem que o actual quadro legal permite resolver o problema que a co-adopção transporta, que é o facto de uma pessoa ter adoptado uma criança, acontecer alguma coisa a essa pessoa que é o pai ou mãe da criança e a pessoa que vive em união de facto, ou maritalmente, com essa pessoa, tenha também direito a cuidar dessa criança e educá-la como pai ou mãe.

Há figuras jurídicas que não correspondem à parentalidade, ao facto de ser pai ou mãe, que segundo alguns juristas podem resolver o problema, a criança fica protegida, fica ao cuidado dessa pessoa, enfim, a figura do tutor, por exemplo.

Por isso, acho que podemos discutir as questões jurídicas. Não sou uma pessoa com formação jurídica, portanto, queria dizer-vos que não me sinto intranquilo quanto às questões jurídicas como elas estão actualmente, mas também é uma área que não domino, embora tenha procurado estudar um pouco e questionar pessoas sobre isso. Mas sobre outro plano técnico, que é o plano psicológico, aí tenho formação em Psicologia, sou professor de Psicologia Social e aqui há várias questões que se colocam com razoável complexidade. Devo-vos dizer o seguinte: a Ordem dos Psicólogos portugueses apresentou no Parlamento, em audição sobre este tema, um trabalho de recensão muito bem feito, que no geral diz que a co-adopção, ou adopção homossexual não traz, segundo os estudos que foram realizados, nem acarreta perigos ou dificuldades para a criança.

Isto é, a maior parte da investigação que tem sido realizada sobre este tema, investigação com algumas limitações por causa da amostragem e recência, pois digamos que este fenómeno social é algo recente, embora em alguns países já tenha alguns anos, inclusivamente algumas décadas, vêm dizer que apesar das amostras de dimensão reduzida os estudos parecem indicar não existir grande diferença entre os cuidados e a educação que pode ser dada por um casal homossexual relativamente a um casal heterossexual.

Mas é evidente que embora a maior parte dos estudos nos digam isso não há também aqui consensos e há outros estudos que nos dizem exactamente o contrário. A Ciência também se faz por pluralidade e é isso que também encontramos naquilo que a ciência psicológica tem a dizer sobre este tema. Particularizando as minhas dúvidas enquanto pessoa que tem formação nesta área, embora tendo realizado investigação mas não em concreto sobre esta temática, devo dizer-vos o seguinte: estou plenamente convencido de que do ponto de vista dos cuidados a uma criança um casal homossexual, ou um pessoa homossexual, é tão capaz e até pode ser mais capaz de cuidar de uma criança do que uma pessoa heterossexual ou um casal heterossexual.

Portanto, a questão que está em causa não é a da prestação de cuidados, ou que estará em causa. Agora, cuidar não é a mesma coisa que educar, ou desenvolver, e naquilo que podemos entender como educação ou como desenvolvimento os estudos aí não são tão afirmativos quanto aquilo que vos acabei de referir e pode haver aqui dificuldades em transpor aquilo que são bons cuidados para uma boa educação e para um bom desenvolvimento.

Enfim, o meu tempo aproxima-se do fim. Depois, seguramente, no debate poderemos discutir melhor estas questões técnicas relativamente à psicologia, pois são questões fundamentais. Porque aqui, na questão da adopção, trata-se sobretudo também de adoptar o vínculo que aquele que pretende ser o co-adoptante tem relativamente à criança e esse é um aspecto fundamental e que uma futura lei deve cuidar. É saber até que ponto há uma boa vinculação entre a pessoa que quer adoptar, ou co-adoptar, e a criança que será co-adoptada e esse é um aspecto fundamental.

Terminaria com um quinto ponto que tem a ver com a intervenção do Estado. Num processo de adopção, ou de co-adopção é ao Estado que cabe resolver se uma pessoa tem capacidades para ser um pai ou uma mãe adoptiva, ou se uma pessoa tem capacidades para ser pai ou mãe co-adoptiva. Portanto, num processo de co-adopção assumir um papel de um pai ou de uma mãe. Logo, o Estado tem aqui uma enormíssima responsabilidade.


Muitas vezes, não querendo fazer uma analogia com outros aspectos onde o Estado intervém, porque aqui acho que o papel do Estado é inalienável, o Estado tem de ter todo o cuidado e as leis têm de ser muito bem elaboradas, muito bem ponderadas, nada apressadas, não querendo eu inverter aqui aquilo que é uma tendência na maior parte dos países que têm caminhado para soluções deste tipo, adopção homossexual e co-adopção homossexual. Mas exactamente por ser uma tendência acho que não temos de remar contra a tendência mas fazer o melhor possível para que se isto se vier a concretizar, se concretize de forma ponderada, séria, equilibrada, com calma, estudando e melhorando tudo o que foi feito nos outros países.

É por isso - e para concluir - um argumentário muito calmo e muito sensato - espero eu - e pouco modesto na questão da sensatez que vos apresento sobre este tema colocando-me à vossa disposição agora e depois para o debatermos com maior profundidade.

Muito obrigado.

(APLAUSOS)

 
Carlos Coelho
Muito obrigado, deputado José Manuel Canavarro. Deputada Mónica Ferro, a sua primeira intervenção.
 
Mónica Ferro

Tinha dito que o dossier era só para intimidar, que não o ia usar, trouxe um dossier grande. Muito bom dia a todos e a todas. Queria começar por vos dizer o enorme privilégio que é para mim estar aqui perante vós, não só pela qualidade que sei que cada um de vós tem e que é demonstrada nas vossas várias intervenções, mas também porque acho que este debate é fundamental dentro do PSD e, portanto, é um privilégio a Universidade de Verão ter escolhido fazê-lo e me ter convidado para aqui estar.

Portanto, se não me levassem a mal, agradecia a todos e à organização da Universidade de Verão na pessoa do Carlos Coelho, mas é exactamente para vos dar conta da honra que é estar aqui. Acho que este debate é fundamental e antes de começar a esgrimir os meus argumentos a favor da co-adopção gostava de vos dizer uma frase que eu podia ter bordada lá em casa nas almofadas, ou noutra coisa qualquer, se eu soubesse bordar, que é uma frase do Martin Luther King quando ele diz: "Um direito adiado é um direito negado”.

Já vos digo por que comecei por aqui, porque é que para mim esta ideia é tão importante. Outra declaração de interesses que vos queria fazer é que sou social-democrata desde sempre, nunca me conheci de outra forma, nunca conheci o Mundo de acordo com outro prisma. Sinto-me profundamente uma mista personalista, reformista, mesmo quando defendo temas que para mim compreensivelmente têm a rotulagem imediata por outros como sendo de Esquerda.

Eu sou uma daquelas pessoas que tem defendido e debatido no Parlamento português uma série de temas que alguns, não sei porquê, consideram temas de Esquerda. Eu nunca fui de Esquerda, não tenho nenhum osso em mim que me leve a pensar que algum dia fui de Esquerda. Sempre fui social-democrata, sempre vi a Social-Democracia a lente pela qual eu olhava o Mundo e o interpretava. Acho isto importante porque este debate não se trata nem de Esquerda nem de Direita, é um debate de cidadania, que diz respeito a pessoas, a crianças e aos seus pais e às suas mães, e que diz respeito a todos nós que estamos aqui.

Não sei qual é o vosso grande objectivo de estar na política, mas o meu grande objectivo de estar na política define-se numa frase, ou numa expressão, que é mudar o Mundo. Portanto, quem quer mudar o Mundo e construir uma sociedade melhor tem a sua perspectiva sobre a sociedade e a minha é social-democrata.

Falando do tema concreto deste debate, como sabem, uma razão das mais próximas para este debate foi a votação na generalidade, aprovação e agora a discussão em especialidade do projecto de lei que visa agora a co-adopção por casais do mesmo sexo, sendo esses casados ou unidos de facto.

Foi isso que desencadeou muito deste debate. Portanto, o que estamos aqui a discutir é a possibilidade de consagrar o instituto da co-adopção pelo membro do casal do mesmo sexo casado, ou em união de facto, relativamente ao filho de apenas um dos membros do casal, seja essa filiação biológica ou adoptiva. É disso que estamos a falar na co-adopção, não estamos a falar na co-adopção conjunta que é a adopção levada a cabo por um casal homossexual.

O que estamos a falar é de uma família em que já existe um vínculo de um dos pais, ou de uma das mães, da criança, seja um vínculo biológico ou afectivo e, portanto, estamos a falar da possibilidade do outro elemento da família poder co-adoptar a criança.

Neste projecto que desencadeou esta questão foi logo posta uma condição: tem que já existir um vínculo. Ou seja, esta proposta de lei que tem para mim uma limitação mas que considerei que essa limitação seria de uma espécie de mínimo denominador comum, só se pretende aplicar a casos que já existem agora, crianças que já existem nesta situação.
E de facto, como sabem, Portugal admite o casamento de pessoas do mesmo sexo, adopções individuais e portanto, embora não haja números nós sabemos que existem em Portugal umas centenas largas de famílias que vivem exactamente nesta situação. São família homossexuais com um ou mais filhos a seu cargo, mas nos quais apenas um tem um vínculo jurídico com a criança.

Não sei se sabem que este mês se realizou o milésimo casamento homossexual em Portugal. Lembram-se quando é que foi a aprovação? Em 2010 e realizou-se este mês o milésimo casamento. Quando falamos de co-adopção trata-se no fundo de estender a parentalidade de um dos progenitores ao outro que com ele é casado, ou unido de facto, mediante recurso a um mecanismo adoptivo. Ou seja, não se trata de uma adopção conjunta. Como sabem, a lei portuguesa apenas admite adopção conjunta a casais heterossexuais e um acórdão de 9 de Fevereiro do Tribunal dos Direitos Humanos que foi muito discutido em Portugal nestes últimos tempos sobre um caso austríaco em que o Tribunal veio dizer que a lei austríaca era discriminatória porque não permitia a um casal homossexual de lésbicas adoptarem nas mesmas condições em que permitia a um casal heterossexual.

Portanto, enquanto que nesta questão da adopção conjunta um casal constituído que queira adoptar uma criança, o ónus da discriminação - na minha leitura - está no casal, pois é ele que não pode aceder aos mecanismos de adopção, sinto - e leio desta forma - que na co-adopção, o que estamos a fazer é uma grande discriminação contra as crianças que vivem com dois pais, ou com duas mães, e que na realidade não podem chamar de pai ou mãe juridicamente.

Em todas estas circunstâncias, como o professor José Manuel aqui tratou, podem ficar desprotegidas no caso do falecimento de uma delas e nós podemos falar mais sobre isso: acho que a figura da tutoria, do tutor, ou da adopção restrita não resolve, quero que os meus filhos me chamem mãe e não lhes admite qualquer outra coisa. Embora há três anos de vez em quando arrisque a chamar Mónica, mas a verdade é que é um direito das crianças chamarem mãe e pai àqueles que são suas mães e seus pais.

Eu sou de Relações Internacionais, portanto tenho sempre a necessidade de fazer um quadro internacional para estas matérias. Qual é o estado mundial? A adopção homoparental é legal em 14 países e várias jurisdições, ou seja, tem oito países europeus, o primeiro país do mundo a permitir a adopção homossexual foi a Holanda, em 2001. Além dos oito países europeus, separei o Reino Unido não tem adopção em todas as partes do território apenas em Inglaterra, no País de Gales desde 2005 e na Escócia desde 2009. Depois têm dois estados na Austrália, onde isso é permitido, nove estados do Canadá, 13 estados dos Estados Unidos e no distrito federal do México também é permitido.

Além destes países, a co-adopção é legal na Alemanha e na Finlândia, mas com uma nuance interessante: é apenas permitido ao filho biológico do companheiro, enquanto que o que estamos a debater em Portugal neste momento é que a co-adopção pode ser para o filho biológico ou para o filho adoptivo. Temos ainda mais um estado na Austrália, outro no Canadá, outro na Dinamarca (a Gronelândia que sendo um estado faz parte do Reino da Dinamarca) e 11 estados nos Estados Unidos da América.

Deixem-me só dar-vos mais uma nota sobre esta matéria, embora se tiverem curiosidade específica sobre estas questões poderemos falar mais sobre isso. A adopção singular homossexual é legal em vários países. Na maior parte dos casos - isto é a minha leitura um bocadinho talvez perversa da situação - porque a lei não tem uma norma discriminatória. Percebem o que quero dizer? Na lei da adopção, em muitos países, não é permitido discriminar o adoptante singular em função da sua orientação sexual porque não diz na lei, porque não diz o seguinte: "Não se pode discriminar com base na orientação sexual”.

Portanto, não há uma proibição expressa da discriminação, mas como não há referência a que a orientação sexual do adoptante pode ser tida em consideração, acho que em muitos países, mesmo quando as pessoas singulares homossexuais começaram a adoptar, mesmo quem tinha ideia ou achava que podia ser boa ideia impedir os homossexuais de adoptar, não o fez talvez também com receio que fosse visto como um certo retrocesso, além de que seria uma violação das normas internacionais. Como sabem, a discriminação com base na orientação sexual é proibida.

Uma nota curiosa para, se quiserem, pensarem um pouco nisto: há mais países a permitirem a adopção homossexual do que o casamento. É muito engraçado, porque se pensarem que temos dez países com o casamento permitido em todas as jurisdições e temos 14 países e mais algumas jurisdições a permitirem a adopção. Portanto, o debate que estamos a fazer em Portugal, em muitos países foi ao contrário; em muitos países primeiro debateu-se a adopção e depois o casamento. Num país agora, as we speak , está a ser debatido em simultâneo a adopção e o casamento, mas na maior parte dos países começou-se pela adopção e depois pelo casamento.

Dizem as más línguas - o Carlos Coelho saberá melhor do que eu, tal como outras pessoas que aqui estão, pois eu não estava na política activa nessa altura - que na altura a lei do casamento homossexual terá tido esta limitação, é a própria lei que contém uma limitação à adopção, o que terá sido uma espécie de trade-off que o Governo do PS teve de fazer para que alguns dos próprios deputados do PS considerassem que a lei era aceitável. Não sei, não lá estava, não assisti às discussões, não conheço os protagonistas, mas vocês sabem que nos corredores do Parlamento se comenta tudo e portanto este comentário também me chegou aos ouvidos.

O que é que está em causa neste debate é debatermos ao que é que as crianças têm direito, as crianças têm direito à preservação das suas relações psicológicas e vínculos afectivos com ambos os elementos da família. Reconhecer a existência destas famílias, reconhecer estas crianças e - se quiserem e isto não é a minha opinião - que é outro tema que gostava de abordar, que isto vai contribuir de uma certa forma para a densificação do que é o superior interesse da criança, que é disso que estamos a falar.

Tinha imensa coisa aqui para vos falar mas não vou conseguir, vou ter que andar adiante. Quando falamos nestas questões e abordamos os grandes receios, posso dizer-vos sem grande hesitação que os receios que me têm transmitido à adopção desta lei e deste instituto da co-adopção em casais do mesmo sexo, o que as pessoas me dizem é que não há dados. Não é verdade, há desde 1970 muitos estudos feitos, são estudos com algumas limitações metodológicas e sobretudo de amostra como o professor dizia, mas são estudos sérios.

Nós temos uma lista extensíssima de entidades muito reputadas e muito credíveis que têm dado o seu parecer positivo a estas matérias. Posso dizer-vos que, por exemplo, a Ordem dos Psicólogos que aqui já foi referida, fez um parecer bastante positivo em relação a esta matéria. A Associação Americana de Psicologia que é a maior do mundo nestas matérias, diz claramente que o ajustamento, desenvolvimento e bem-estar psicológico das crianças não está relacionado com a orientação sexual dos pais, que esta está mais relacionada com o apoio, a convivência, a envolvência social do que propriamente com a orientação dos pais. A Academia Americana de Pediatria, cá em Portugal o professor Mário Cordeiro, o professor Daniel Sampaio, pronunciaram-se muito favoravelmente em relação à co-adopção e uma das entidades mais respeitadas nesta matéria e sobretudo com grande experiência nesta matéria, o Instituto de Apoio à Criança que no dia em que a lei é votada na generalidade do Parlamento, emite um comunicado congratulando e dizendo que isto vai trazer grande vantagem para estas crianças. São crianças que passam a ter o reconhecimento simbólico e jurídico daquela família que já existe.

Quando pensamos no impacto desta lei preocupamo-nos com o impacto da lei nesta questão do desenvolvimento da criança, na questão da orientação sexual da criança, é uma das perguntas que me colocam muitas vezes: se o facto de uma criança ser criada por um casal homossexual pode condicionar a orientação sexual da criança. Em relação a esta matéria posso resumidamente dizer que sabemos neste momento que a orientação sexual de um indivíduo é genética, não é socializada e, portanto, se pensassem que os indivíduos eram socializados para a sua orientação sexual, nós neste momento não podíamos ter homossexuais pela simples razão que todas as pessoas foram criadas em famílias heterossexuais.

Isto faz-vos algum sentido, ou não, é um delírio meu de manhã por ter dormido pouco? Este é um dos problemas. Se de facto fosse possível socializar alguém para uma determinada orientação sexual não tínhamos pessoas cuja orientação sexual seria homossexual, porque fomos todos criados por famílias heterossexuais.

Outra das questões que é colocada: será que as crianças que são criadas em casais homossexuais não são mais discriminadas do que as outras? É provável que haja alguma discriminação social. O que está hoje cientificamente suportado é que as crianças criadas em casais homossexuais têm a mesma capacidade de resiliência, adaptação e ajustamento psicológicos que todas as outras, enfrentam um grau acrescido de discriminação social como enfrentavam os filhos de casais divorciados alguns anos atrás, ou os filhos de casais mistos.

Portanto, o que estamos aqui a falar hoje é qual é a vossa visão sobre a atitude que o Estado deve ter ou não em relação a estas famílias e o que é nós podemos fazer no sentido de eliminar mais esta discriminação. Para mim é disso que se trata. Como diz o Martin Luther King, é um direito que estamos a adiar e para mim um direito adiado é um direito negado.

Estou à vossa disposição para perguntas e provocações que me queiram fazer.

Muito obrigada.

[APLAUSOS]

 
Carlos Coelho

Muito obrigado, deputada Mónica Ferro. Vamos iniciar a fase de debate, vamos fazer em bloco de duas perguntas a que teremos duas resposta alternadas. Isto é, cada um dos convidados muda a posição nas respostas em cada bloco de perguntas para não ser sempre o mesmo a terminar.

Para as respostas, cada um dos nossos oradores terá quatro minutos. Peço a todos que façam apenas uma pergunta e façam-na de forma breve para que possamos ainda ter tempo para o "Catch The Eye”.

O primeiro bloco são os grupos Verde e Cinzento, Marlene Lopes e depois Susana Coito.

 
Marlene Lopes

Bom dia. Antes de mais, queria agradecer a presença da deputada Mónica Ferro e do deputado José Manuel Canavarro pela sua presença aqui.

O projecto de lei prevê que duas pessoas do mesmo sexo casadas, ou em união de facto, em que uma delas exerce responsabilidades parentais em relação a um menor possam por via de filiação ou adopção co-adoptar um menor. O cônjuge ou unido de facto é considerado para todos os efeitos legais como pai ou mãe da criança. Sendo assim, este co-adoptante não fica diminuído nos seus direitos legais em relação à criança. Um casal em que haja um divórcio prematuro, qual é a vossa opinião em relação à guarda da criança?

Deveria ou não haver uma excepção que permita o retrocesso da situação, tendo em conta sempre o projecto de lei que tem como ponto máximo prevenir o colapso emocional da criança.

[APLAUSOS]

 
Susana Coito

Muito bom a todos. Agradeço em nome do grupo Cinzento a vossa presença aqui e também as primeiras intervenções realizadas. A nossa questão prende-se com o assunto do superior interesse da criança. Presidindo este superior interesse da criança como espírito legislativo no que concerne ao direito dos menores, nomeadamente à definição dos direitos parentais e também neste caso à adopção e também necessariamente assim à co-adopção, não será que em determinados momentos colocámos os interesses e a defesa dos direitos destes candidatos a adoptantes ou co-adoptantes à frente deste superior interesse das nossas crianças?

Muito obrigada.

 
Carlos Coelho
Muito obrigado, Marlene. Peço desculpa, houve aqui na mesa uma controvérsia com a ordenação e no meio da nossa discussão, sobretudo entre mim e o Hugo, não ficou claro para os nossos dois convidados a sua pergunta. Importa-se de repetir a pergunta, ou a parte final?
 
Marlene Lopes
Havendo um divórcio prematuro num casal, qual é a opinião das duas partes em relação à guarda da criança? Deve haver uma excepção que permita o retrocesso da situação?
 
José Manuel Canavarro
Desculpe perguntar, mas é um casal de adoptantes que adoptou uma criança e divorcia-se prematuramente? É isso?
 
Marlene Lopes
Sim.
 
Mónica Ferro
São heterossexuais ou homossexuais?
 
Marlene Lopes
São homossexuais.
 
Carlos Coelho
Muito obrigado. Mónica Ferro, quatro minutos.
 
Mónica Ferro

Obrigada, Carlos. Em relação à pergunta da Marlene, está bem posta, é ardilosa e tem ali um "twistzinho”. Eu acho que tal como na adopção por casais heterossexuais a adopção plena é definitiva, não pode ser revogada, não há maneira jurídica de revogar uma adopção. Sabe que essa foi uma questão que nos foi colocada nas audições, porque houve algumas pessoas que foram à audição e que nos disseram que se fosse uma adopção restrita, ou se fosse a figura do tutor que aceitariam, e que a adopção não aceitavam precisamente por isso, por ser definitiva e portanto não há maneira de quebrar esse vínculo.

Acho que temos de estar preparados para acontecer como acontece nos casais heterossexuais em que a separação de um casal homossexual dá origem a um processo de partilha de guarda e de responsabilidades sobre a criança. Aliás, houve um professor a quem eu perguntei se ele era contra a adopção plena em todos os casos, ou apenas dos casais homossexuais e ele era em todos os casos. Ou seja, não era uma questão apenas relativa aos casais homossexuais, era o cortar os laços biológicos que na realidade estava ali em causa, mas acho que já estamos um bocadinho mais à frente disso e a maternidade e a paternidade são biologia mas são outra coisa.

Nós somos animais, mas somos animais que construirmos sociedade e portanto vermo-nos apenas como animais ainda me custa em termos de raciocínio.

A pergunta da Susana Coito quanto aos interesses superiores da criança, veja se percebi bem: pergunta-me se nós ao trabalharmos estas matérias não estamos por vezes a centrarmo-nos em algo que no ordenamento jurídico português não existe que é o direito do adoptante porque quem tem direito é a criança a ser adoptada. Dir-lhe-ia que quando olho para dois temas, um deles não está aqui sobre a mesa, ainda gera mais polémica, mas eu trago-o, não tenho problema nenhum, que é a Procriação Medicamente Assistida. Como sabem, pela lei portuguesa, a Procriação Medicamente Assistida apenas está aberta a casais heterossexuais.

Portanto, os homossexuais não podem recorrer à procriação medicamente assistida. O que a comunidade LGBT reivindica, ou denuncia, é que eles reconhecem que quer na adopção conjunta, quer no acesso à Procriação Medicamente Assistida a discriminação está em cima deles, são eles que não podem aceder, mas no caso da co-adopção do que estamos a falar é claramente dos direitos da criança, é claramente do superior interesse de uma criança que vive numa família e que tem como referentes duas mães e dois pais. Sei que isto é muito novo, até a linguagem é difícil. Sei que isto é um exercício difícil, até para quem está treinado nele. Não escondo. A linguagem tem de ser nova porque a realidade é nova e a linguagem, sendo a maneira como lemos o mundo e o abordamos, também é difícil.

Eu própria, às vezes as frases não me saem naturais e peço-vos desculpa por alguma hesitação, pois sou eu a tentar construir a frase como vejo-a na minha cabeça e como a quero. Quando não estamos a falar nestas famílias em que há dois pais e duas mães, do que estamos a tratar é dizer que aquelas crianças têm todos os direitos que têm as crianças que têm vínculos jurídicos com ambos elementos da família, que aquelas crianças têm direito à protecção por ambos, têm o direito de reivindicar o direito de assistência, o direito de assistência médica, e toda a panóplia de direitos que as crianças têm e a possibilidade de os reivindicar a ambos.

É claro que isto também é visto do ponto de vista dos pais e das mães, mas eu diria que aí há uma diferença muito clara. Nesta matéria é o interesse superior da criança.

 
José Manuel Canavarro

Muito bem. Começaria por tentar responder a pergunta da Marlene e, se bem entendi, é uma pergunta um bocadinho colocada já à frente, isto é, o casal homossexual pode co-adoptar, a seguir à co-adopção divorcia-se e o que é que acontece à criança, como é que ela fica protegida? Eu, aí, tenho de fazer praticamente minhas as palavras da Mónica. Se isso acontecer, evidentemente que aqui se aplicaria, julgo eu, aquilo que se aplicaria para outro tipo de situação em que estariam envolvidas pessoas heterossexuais, não vejo que seja diferente.

Teríamos de assumir que se isso acontecer, a pergunta é se a pessoa que co-adoptou perderia ou não o direito, havendo um divórcio dois ou três meses depois de ter sido terminado o processo de co-adopção e tendo-se essa pessoa tornado mãe ou pai da criança. Do ponto vista jurídico tenho muita dificuldade em responder. Do ponto de vista pessoal acho que se ficar consagrada essa possibilidade a pessoa não perde esse direito, continuará a ser mãe ou pai da criança e terá que haver aqui um equilíbrio como existiria numa outra qualquer situação.

Portanto, a minha resposta vai um bocado no sentido daquilo que a Dr.ª Mónica Ferro lhe referiu. Agora, se há aqui mais ou menos riscos, também julgo que a investigação e evidência científica sobre isto não nos permite dar uma resposta cabal, isto é, não nos permite dizer que há mais riscos nesta situação do que noutra situação em que estamos a falar em casais heterossexuais. Por isso mesmo, não havendo evidência, não consigo dar-lhe uma resposta peremptória.

Fugindo um bocadinho à sua pergunta, mas voltando ao meu argumento do bom senso e do equilíbrio na decisão: a Dr.ª Mónica Ferro fez uma revisão internacional sobre isto apresentando diferentes modelos. Se nós procurarmos dar um passo neste sentido temos de tentar aprender com essas diferentes experiências e, aprovando qualquer coisa que vá no sentido da adopção ou da adopção plena por casais homossexuais, temos de exactamente ponderar toda a experiência que tem vindo a ser desenvolvida e estas diferenças que existem ao nível internacional.

Por isso mesmo, fazendo qualquer coisa sobre isto acho que se tem de fazer com alguma calma. Não a questão do direito adiado e da frase de Martin Luther King que a Dr.ª Mónica Ferro escolheu, mas acho que um bom direito é um direito que é bem trabalhado, bem ponderado e equilibrado. Às vezes, esperar mais um bocadinho, mas estabelecer um limite para que seja tomada uma decisão é mais assisado e mais de acordo com o interesse da criança.

A pergunta que a Susana fez, curiosamente tenho a mesma posição que ela se entendi a pergunta pela afirmativa. Isto é, quando olhamos para a proposta que nos é apresentada sobre a co-adopção fica muitas vezes a ideia de que os interesses dos co-adoptantes, ou da pessoa que já adoptou e da pessoa que quer co-adoptar, parecem sobrelevar-se ao interesse da criança. Acho que é uma proposta - e disse isso ao Pedro Alves e à Isabel Moreira que são os principais protagonistas deste projecto - que ao olharmos para ela parece muito pensada, ou demasiadamente pensada, no interesse do adulto e menos pensada no interesse da criança.

Vou tentar dar-lhe um exemplo: um adoptante, ou qualquer pessoa que procure ou queira ser um pai por adopção é avaliado nesse sentido. Um co-adoptante tem de ser avaliado de um modo bastante diferente. Bem sei que isso está previsto, mas tem de ser muito cuidadoso do ponto de vista técnico, pois o que importa é perceber se o vínculo dessa pessoa que pretende ser pai e mãe de uma criança com a qual convive é um vínculo bem estabelecido. Porque conviver não significa qualidade do convívio, estar ligado não significa estar vinculado e ser cônjuge ou a conjugalidade não significa parentalidade.

Portanto, há que ter inúmeros cuidados técnicos para que este processo seja bem conseguido. E para isso mesmo, para haver inúmeros cuidados técnicos e bons cuidados técnicos, às vezes é preciso ter um bocadinho de calma para lá chegar.

 
Hugo Soares
Obrigado. Grupo Bege, Liliana Baptista e Sara Ramos do grupo Rosa. Começa o professor José Manuel Canavarro.
 
Liliana Batista

Bom dia, antes de mais gostaria de agradecer a presença dos senhores deputados em nome do grupo Bege.

A nossa pergunta é: sendo a adopção aprovada o que é que nós enquanto cidadãos, o que é que a sociedade, pode fazer para proteger a criança da possível discriminação que ela irá sofrer? O que podemos fazer para salvaguardar a criança? Obrigada.

 
Sara Ramos

Olá, bom dia. Antes de mais, eu tinha discordado da Dr.ª Mónica Ferro, até porque eu acho que as crianças são crianças e são más e vão discriminar tendo os pais homossexuais, discriminam porque são magras, porque são gordas, porque são bonitas, ou feias e acho que não devíamos ir por aí. A minha pergunta passa por se acham que este projecto de lei e o debate à volta da co-adopção poderá ser o primeiro passo para mudar a mentalidade dos portugueses contra os homossexuais, sendo que o principal foco deveria ser as crianças.

Obrigada.

 
José Manuel Canavarro

Passo então a tentar responder. A Liliana e o grupo Bege perguntam-nos o que é que nós podemos fazer para prevenir a discriminação das crianças que já eram filhos só de um pai, ou só de uma mãe, e passam a ser de dois pais ou de duas mães, designadamente se a co-adopção por casais homossexuais for aprovada.

Do ponto de vista da discriminação social é um bocadinho um lugar comum dizer que tudo isto passa pela educação das pessoas e por acções preventivas, designadamente na escola, ou desenvolvidas por outro tipo de associações. A acontecer, não devemos ter uma política específica para prevenir a discriminação neste sentido. Acho que a discriminação quando levada ao limite, porque muitas vezes temos de diferenciar as pessoas, há diferenças e diferenciar é também a meu ver a essência de uma visão clara e esclarecedora sobre o mundo, porque não somos todos iguais, temos diferenças, o que importa é respeitar, conviver e até tornar essas diferenças potencialidades na interacção social dos indivíduos.

Por isso mesmo, acho que uma política de prevenção genérica da discriminação faz sentido, faz sentido associá-la às actividades educativas e às actividades escolares. Não vejo que tenha de haver uma chamada de atenção em demasia sobre esta situação, porque até temo que uma chamada de atenção em demasia possa até ter o efeito contrário. Evidentemente que num ambiente mais restrito, nomeadamente partindo do princípio que a criança já está escolarizada e seguramente que já estará, tem de haver uma atenção por parte da escola, da direcção de turma e por parte dos espaços onde a criança está em maior interacção e maior convívio com outros, ainda que essa criança já provavelmente na escola ou nos sítios onde interagia socialmente o pai e o companheiro do pai o iam buscar, a mãe e a companheira da mãe o iam buscar, porque se existe um bom vínculo existe uma interacção social e uma prática quotidiana.

Portanto, acho que essa é a condição fundamental para que a co-adopção se realize, que se não existir um bom vínculo entre a criança e o companheiro do pai, ou companheira da mãe, então não faz nenhum sentido isto, porque tem de haver uma vinculação devidamente avaliada e positiva. Neste caso acho que é mais macro, uma prevenção genérica, mais micro um cuidado mas não chamar demasiadamente a atenção, não ter uma política que previna a discriminação neste caso em concreto muito delimitada, não defenderia isso. Partindo do princípio que esse é um cenário que pode vir a acontecer.

Quanto à questão que a Sara colocou: se a sociedade portuguesa é, ou não, homofóbica, penso que mais ou menos era isso que nos queria perguntar. Volto a dizer que em minha opinião não considero que os portugueses sejam homofóbicos. Evidentemente, é a minha opinião e concordo com o que a Sara disse, há muita discriminação porque muitas vezes há um exaltar das diferenças entre as pessoas. O que nós temos de aprender é a lidar com essas diferenças, conviver com elas e a potenciá-las.

Nesse aspecto, não sou contra a discriminação quando ela é feita no sentido positivo e potenciador. Sou evidentemente contra e causa-me alguma estranheza determinados argumentos que ainda oiço esgrimir, às vezes até nesta discussão que estamos a ter, quanto a questões contra-natura da parentalidade homossexual, quanto a questões até da orientação sexual dirigida para pessoas do mesmo sexo. Isso sou frontalmente contra, não concebo esse tipo de argumentos. Agora, também não nos considero uma sociedade mais homofóbica do que outras e inclusivamente as cidades do Norte da Europa são vistas como menos homofóbicas, tendo um conjunto de leis muito mais protectoras deste tipo de discriminação, mas acho que na interacção os portugueses não são homofóbicos. É a minha opinião.

 
Mónica Ferro

Em relação à questão da discriminação da criança, estou a dizer isto com alguma hesitação, pois sei que os debates mais controversos são mais animados, mas de facto nesta matéria eu subscrevo as palavras do professor José Manuel Canavarro. Como já estou livre de dizer o que acho sobre esta matéria porque ele já o disse, aproveito para dizer outra coisa em relação a isto sobre a discriminação da criança que foram as perguntas da Liliana e da Sara.

O que estamos aqui a viver e a discutir é algo que reproduzindo alguns debates e algumas discussões que temos tido quando se aprovou o casamento de pessoas entre o mesmo sexo, houve rapidamente uma série de pessoas que vieram dizer que era o fim da ordem social, o fim da civilização ocidental e que Portugal estava condenado às trevas. Reparem, temos casamento homossexual há dois anos, celebrou-se o milésimo casamento, estimam-se que neste momento haja umas centenas, a caminho do milhar, de famílias que estão neste momento, enquanto debatemos isto, muito interessadas neste debate porque vivem estas realidades. A verdade é que a ordem pública não foi posta em causa, o nosso modo de vida e a nossa maneira de encarar o mundo continua intacta.

Portanto, é natural que esta discussão cause algum receio, que cause alguma estranheza, mas a verdade é que não nos podemos demitir dela apenas porque não temos uma resposta completa, ou só porque não nos sentimos confortáveis a discutir todos os temas. Por isso é que este debate é muito importante. Esperava e gostava que saíssem daqui activistas desta causa, mas se saírem daqui com a sensação de que pensaram em abordagens e em análises que nunca tinham pensado, ouviram contributos que nunca tinham ouvido, já me sinto feliz.

Mas gostava de vos saber todos muito empenhados nesta questão porque na realidade é este empenho e estes debates de cidadania, que podem resolver a montante a questão da discriminação. Há-de haver sempre discriminação. Como eu vos dizia, os estudos mostram que esta discriminação é bastante semelhante àquela que sentiam os filhos de casais divorciados, os filhos dos casais mistos, entre outros.

Acho que os exemplos pessoais não se devem usar muito, mas eu não cito nomes: comentava há dias com um casal homossexual que não vive em Portugal e que são dois homens e que adoptaram uma menina, se um desses meus amigos sentia que a filha do casal era discriminada. Ele dizia que sim, é verdade, e eu fiquei muito chocada até quando ele me disse isto: sim, é negra. Portanto, a discriminação que se sentia era o facto de ser negra e não ser filha de um casal homossexual. O que provocava o bullying e alguma ansiedade que a menina sente na escola é o facto de ela andar numa escola onde é na sala dela a única negra.

Portanto, são estes preconceitos que temos de deitar por terra. Não há prova ou sustentação científica para o preconceito da homofobia. Isso sim é uma opinião, a homofobia. O que nós estamos aqui a falar é de ciência, baseada em estudos e em factos. Isso não são estados de alma, não são opiniões, são estudos e dão trabalho. Dá mais trabalho ter um estudo científico e fundamentar a nossa percepção nele do que ter uma opinião. Sei também que contra opiniões não há factos, mas gosto mais de ter factos.

Por isso, aqui na discriminação começaria por estes temas também. Isto é um passo para acabarmos com a discriminação em relação a estas crianças. Estou perfeitamente convencida disto.

 
Hugo Soares
Obrigado, Drª Mónica Ferro. Grupo Encarnado e grupo Amarelo, o André Rodrigues e a Filipa Portela. Começa o André Rodrigues.
 
André Rodrigues

Muito bom dia, senhores deputados. Antes de mais, gostaria de vos agradecer e dizer que têm deveras coragem e a nossa organização por trazerem um assunto tão quente e tão debatido aqui a este fórum, principalmente nesta altura.

A nossa questão, numa primeira forma, ia muito ao encontro da questão do grupo Verde sobre se os dois co-adoptantes deveriam ter plena igualdade de direitos no que respeita à co-adopção da criança, ou não. No entanto, na minha opinião, consoante as vossas respostas acho que estaremos a ser demasiado liberais e também a desvalorizar demasiadamente o vínculo biológico.

Uma vez que a nossa questão já foi respondida e em jeito também de crítica ao grupo Rosa, este tipo de famílias co-adoptivas com dois pais do mesmo sexo já existem, já funcionam e as crianças que têm de ser alvo de chacota e se preparar para falar sobre este assunto estas situações já acontecem neste momento. No entanto, a nossa questão é que se ao legitimarmos e legalizarmos o casamento homossexual, ao reconhecermos que existe plena igualdade de direitos em casais homossexuais como entre casais heterossexuais, ao estarmos agora a não aceitar a co-adopção, como disse o grupo Cinzento, cujo fim é o superior interesse da criança, ou seja, esta decisão deve ser tomada consoante o benefício da criança, não estamos perante um contra-senso? Quero dizer, uma restrição ou mesmo um condicionamento dos direitos que reconhecemos há pouco tempo? Não estamos a cortar pela metade um caminho que nos propusemos há pouco tempo começar a fazê-lo?

Muito obrigado.

 
Filipa Portela

Muito bom dia. Quero agradecer a vossa presença aqui pela excelente apresentação que nos proporcionaram. A minha questão prende-se um pouco com a questão de existir a possibilidade da adopção monoparental. Existem alguns argumentos de que o facto de ser um casal homossexual a educar uma criança não proporciona a estrutura normal de uma família, não é essa a estrutura natural e que tem de existir um pai e uma mãe. Mas é essa a minha questão precisamente: se existe a adopção monoparental só existe uma figura, como é que se podem aceitar esses argumentos? Como é que se pode aceitar que nuns casos pode existir apenas uma figura e noutros já têm de existir um pai e uma mãe?

Obrigada.

 
Mónica Ferro

Obrigada. Apetecia-me dizer: concordo com ambos e ficava com a tarefa resolvida, porque de facto acabaram ambos por tocar numa questão muito importante. O André começou pela questão da biologia. O vínculo biológico é muito importante: para criar um ser humano ainda é preciso um espermatozoide e um óvulo. Ainda são precisos. Este ainda não significa que vamos dispensar, é apenas uma constatação da realidade.

A verdade é que sabemos que a biologia não é condição para uma boa parentalidade e aprendemos a separar os dois conceitos. Não vou aqui cantar a nossa Simone de Oliveira em que diz "quem faz um filho, fá-lo por gosto”, não vou cantar, dispenso-vos dessa tortura, mas também é disso que estamos a falar. Esta libertação da biologia permite-nos olhar para a parentalidade como aquilo que é efectivamente: valorativa.

Peço desculpa falar-vos sobre a minha experiência, pois sei que nunca devíamos extrapolar os nossos casos pessoais e usá-los como generalizações. Eu tenho duas filhas e sou mãe biológica delas, mas o processo de criar uma criança - isso é que eu acho muito interessante - mostra-nos que é um processo de amor e que o laço biológico é muito importante, mas se alguém me viesse dizer agora que ambas as minhas filhas tinham sido trocadas na maternidade continuavam a ser minhas filhas, não tenho dúvidas disso. São minhas, fui eu que as criei, elas definem-se com referência àquilo que eu lhes mostrei que eram os valores da sociedade: o respeito, a justiça, a solidariedade, entre outros.

Portanto, criar uma criança é isto. O laço biológico com uma criança é fundamental, claro que é, é o primeiro, o fundador de todos, mas também construimos a nossa sociedade libertando-nos de uma certa falácia naturalista. Reparem, as crianças que estão institucionalizadas à espera de serem adoptadas foram institucionalizadas pelos seus pais biológicos. Portanto, a biologia não é a resposta para tudo.

Estava a reflectir com o André sobre estas matérias porque em suscitou exactamente isto.

Em relação à adopção singular, Filipa, subscrevo as suas palavras e publico-as num sítio qualquer porque de facto o que estamos a assistir neste momento é: a partir do momento em que temos duas leis, a da lei da adopção singular em que os indivíduos podem adoptar sem que lhes seja sequer perguntada a sua orientação sexual e a partir do momento que tenha previsão de que os indivíduos homossexuais se podem casar, têm criadas famílias homossexuais, não há dúvida nenhuma. Criou-as na prática.

Estou a dizer-vos isto com uma grande tranquilidade, mas como sabem esta posição é minoritária no PSD. Têm a noção disso, não têm? Quando estou aqui a falar não estou a transmitir aquelas que são as posição maioritárias no PSD. Nunca me senti discriminada por isso, às vezes olhada com um certo sorriso, mas discriminada não, de todo. Aliás, é uma coisa que deixo sempre muito claro. Acho que o PSD é um partido de cidadania, de grande liberdade, porque permite a pessoas que pensam de maneira diferente e que lêem o tempo social de maneira completamente distinta conviverem dentro do partido e partilhando as outras causas.

O professor Adriano Moreira utilizou uma frase que eu uso sempre quando repenso nestas matérias, que é o eixo da roda. Se repararem numa roda há um eixo que se mantém fixo mas que permite que a roda avance. Para mim a Social-Democracia é isso, é o meu eixo da roda, é aquilo que se mantém fixo quando o mundo avança e quando vou lendo as novas realidades.

 
Carlos Coelho
Só uma nota para os dois oradores: nós não incentivamos a interrupção, mas às vezes faz muito sentido e por exemplo a do Dr. José Manuel Canavarro teve muita piada, mas para que ela depois possa ser apreciada por aqueles que vão ler as actas têm de carregar no botão porque senão não fica registado.
 
José Manuel Canavarro

Então aparte há pouco foi quando a Mónica falou em discriminação a dizer que embora a posição dela seja minoritária nunca foi discriminada no PSD, muito pelo contrário se for discriminada é pelo brilhantismo das intervenções dela. Muitas vezes a discriminação pode ser feita pela positiva.

[APLAUSOS]

Muito bem. Vou tentar responder às perguntas do André e da Filipa com perguntas, o que é realmente um exercício difícil. Em primeiro lugar, não acho em rigor que haja aqui nenhum atavismo biológico quando se falam nestas questões. Vou tentar demonstrar-vos porque é que não existem. O André faz uma questão dizendo assim: aprovámos o casamento homossexual, definimos para casais homossexuais um conjunto de direitos e porque é que agora restringimos a adopção e a co-adopção? E faz uma pergunta que é pertinente.

A Filipa faz a seguinte pergunta: se é possível a adopção parental porque é que não é possível a adopção por um casal de pessoas do mesmo sexo? Relativamente à Filipa, dizia o seguinte: a adopção monoparental é tecnicamente mais difícil do que a adopção por um casal. Mas nunca ninguém veio referir sobre isto que aqui há uma discriminação. Tecnicamente é mais difícil, é mais exigente uma pessoa adoptar uma criança sozinha do que adoptar por um casal, porque se entende que há aspectos que têm de ser ponderados e o Estado que é quem "entrega” a criança a esse pai ou essa mãe faz exigências diferentes.

Ora, não estamos perante um adoptante singular que é diferente de um adoptante em casal. A questão que então se pode reverter é a seguinte: ninguém coloca nenhuma objecção relativamente a esta situação. Se nós tivermos um casal de dois homens, ou de duas mulheres, que querem adoptar uma criança a pergunta que aqui se coloca é se estamos perante uma mesma realidade do que se tivermos um casal de um homem e de uma mulher que querem adoptar uma criança, se do ponto de vista técnico estamos a falar exactamente da mesma coisa e se do ponto de vista da avaliação temos de avaliar exactamente da mesma maneira.

Eu, francamente, relativamente a isto acho que temos de ter alguns cuidados técnicos, porque não é exactamente a mesma coisa. Do ponto de vista dos direitos eu não os discuto. Do ponto de vista da vontade que as pessoas têm, também nem sequer isso é discutível. Do ponto de vista da capacidade que as pessoas demonstram para adoptar, isso também tem que ser avaliado e verificado. Provavelmente terá de ser feito de maneira diferente. Aí acho que se fizermos de maneira diferente, aqui d’el rei que vamos estar a discriminar, a utilizar meios que não são lícitos e que não respeitam os direitos das pessoas.

Essa a forma errada, a meu ver, de lidar com a diferença porque estamos a lidar com aspectos que podem ter diferenças e se podem ter diferenças há aqui uma intervenção do Estado. Aqui há uma diferença quando há pouco o André referia a questão do casamento, é que na adopção, ou na co-adopção o Estado está a decidir sobre uma terceira pessoa que é menor, que não é adulta e, portanto, o Estado tem de salvaguardar ao limite do ponto vista jurídico e do ponto de vista técnico as condições e o equilíbrio de vida dessa pessoa.

Para dizer com isto que não há aqui nenhuma questão biológica, muito pelo contrário, há uma questão de olhar de maneira diferente para aquilo que é diferente, ainda que na essência possa terminar no mesmo ponto do ponto de vista dos direitos. Mas estamos a olhar para pessoas diferentes. A Mónica dizia que a orientação sexual não é um factor que deva discriminar o direito à adopção. Eu não estou a dizer isso. Se utilizarmos a palavra discriminação como ímpeto de tornar mais difícil, não, mas deve discriminar no sentido em que estamos a lidar com pessoas diferentes. Porque apesar de tudo pode não ser relevante para o processo, a orientação sexual pode não ser relevante, mas um conjunto de comportamentos associados a isso, ou um conjunto de aspectos associados a isso pode ter alguma relevância.

Do ponto de visa técnico é importante peritar isso. Designadamente porque o Estado aqui tem de intervir. Não foram condições de circunstâncias de vida que "entregaram” aquela criança a um casal do mesmo sexo, é o Estado que tem de decidir sobre isso e do ponto de vista técnico tem de se munir de todos os instrumentos, de todas as ferramentas e de todas as práticas para garantir que aquelas criança fica bem entregue àquele casal homossexual como a um casal heterossexual.

Mas pode implicar práticas diferentes e estou convencido que, contra-argumentando, se isso se fizer vai ser altamente penalizador e altamente discutido por aqueles que são activistas por um regime favorável quase de uma via-verde para a adopção homoparental. E aqui não estamos a lidar com aspectos diferentes e temos de ter práticas diferenciadoras.

 
Hugo Soares
Muito obrigado aos dois. Grupo Azul, a Filipa Rafael e pelo grupo Roxo a Paula Rocha.
 
Filipa Rafael

Muito bom dia. Em nome do grupo Azul, quero agradecer aos nossos ilustres deputados a presença aqui hoje para falar acerca de um tema que é tão controverso.

Sendo da minha opinião que esta é uma questão que deve ser tratada a montante, coloco a seguinte questão: existindo já a figura do tutor que em caso de morte de um dos progenitores acaba por desempenhar um papel bastante semelhante ao do progenitor em regime de co-adopção, em que medida julgam que a figura do tutor não é já suficiente para responder ao superior interesse da criança, não tendo para isso de recorrer à co-adopção?

Não é essa uma questão meramente terminológica e por que não recorrer directamente a um processo de adopção por casais homossexuais?

 
Paula Rocha

Bom dia. Agradeço os esclarecimentos apresentados e em nome do grupo Roxo questiono se seremos nós uma sociedade culturalmente preparada para receber os filhos dos homossexuais. Questões burocráticas como o preenchimento da filiação individual têm ainda a forma heterossexual. Quanto tempo necessitaríamos para preparar uma sociedade para receber essas crianças?

Obrigada.

 
José Manuel Canavarro

Muito bem. Como todas as outras perguntas até agora estas são excelentes perguntas. Procurando responder à pergunta da Filipa é dizer-lhe o seguinte: para mim, no ordenamento actual, a figura do tutor é suficiente, mas não me oponho - como disse na minha alocução inicial - que tudo isto seja discutido e que possa haver outras funções do ponto de vista jurídico, inclusivamente a figura da co-adopção e da adopção por casais homossexuais possa ser uma realidade.

No entanto, acho que no ordenamento jurídico actual a figura do tutor é suficiente do ponto de vista formal. Claro que há aqui um argumento que muitas vezes é suprimido pelas pessoas que são a favor desta iniciativa legislativa, que é o seguinte: bom, mas o tutor não é pai nem é mãe. É verdade, mas pode ser chamado de pai ou mãe. Todos nós conhecemos situações deste género em que chamam pai e mãe a pessoas que não são pai e mãe, exactamente porque há uma vinculação extremamente positiva estabelecida, porque há afecto, responsabilidade, amor e tudo isso.

Agora, não queria esconder nesses argumentos duas realidades que são diferentes: uma coisa é ser tutor e a outra coisa é ser pai ou mãe. Nesse aspecto acho que são coisas diferentes, porque se entendo que são coisas diferentes para indivíduos que fazem parte de um agregado de um casal heterossexual o mesmo se aplica para um casal homossexual. De qualquer modo, acho que numa ponderação de uma lei melhor e de uma lei mais geral e aí a Filipa colocou bem a questão, porque é que nós não passamos para a adopção e a co-adopção passa a ser subsequente.

Ainda que a Dr.ª Mónica Ferro referiu que esta é uma lei que se aplica a casos já existentes. Não sou jurista. Há quem diga que se a lei for aprovada nos termos em que está prevista aplicar-se-á a casos já existentes, mas depois não sabemos até que ponto não abrirá portas para que outras coisas aconteçam e por isso mesmo preferiria não correr esse risco e discutir tudo. Nós com tempo podíamos ter uma coisa devidamente formatada, ponderada e equilibrada e portanto sinto-me tentado a concordar que a figura do tutor é para já suficiente mas podemos abrir portas para outras soluções e também ir ao encontro de uma opinião em que deveríamos discutir a adopção e depois a co-adopção.

Quanto à questão da Paula Rocha e à questão de se a sociedade está ou não preparada para este tipo de questões, pois é verdade que a sociedade só prepara para a mudança, muitas vezes, quando a mudança acontece. Portanto, quando a mudança acontecer a sociedade dará alguma resposta, quer do ponto de vista burocrático, quer do ponto de vista institucional, quer do ponto de vista daquilo que para mim é mais marcante numa sociedade. Não sou um estruturalista, sou uma pessoa que defende mas as dinâmicas sociais e menos as estruturas sociais - isso também não faz de mim uma pessoa de Esquerda -, entendo que a interacção social é muito mais relevante do que as estruturas.

Percebo a pergunta, acho que haveria dificuldades se esta lei fosse aprovada, decididamente se a adopção homossexual fosse também aprovada, mas evidentemente que a dinâmica da sociedade com o apoio das estruturas permitiria resolver alguns problemas que aqui subsistissem. De qualquer modo, há um aspecto a que volto aqui a chamar a atenção: o Estado aqui decide sobre a vida de terceiros e esse é um aspecto muito importante. É um aspecto que vos peço que reflictam quando tomarem a vossa decisão sobre isto e quando procurarem informação.

O Estado está aqui a decidir sobre a vida de um terceiro e esse terceiro é uma criança. Essa tomada de decisão o Estado não a pode alienar, o Estado tem mesmo de tomá-la, portanto tem que se munir de todos os argumentos e de todas as ferramentas técnicas para decidir bem. Permitam-me só ocupar um minuto do tempo que tenho para uma coisa que a Dr.ª Mónica Ferro referiu e que tem a ver com a orientação sexual, com a questões biológicas, etc. Há um conceito fundamental em psicologia que é o conceito de identidade. Não é um conceito apenas psicológico, é também sociológico, mas tem que ver com a forma como eu me vejo relativamente aos outros. Isto é - costumo dar esse exemplo aos meus alunos pouco -, eu tenho 1,70m e sou objectivamente uma pessoa baixa, contudo a minha mãe media 1,52m e achava que eu era uma pessoa alta.

Porquê? Primeiro porque todas as mães acham que os seus filhos são altos. Aliás, a minha mãe achava que eu aos 27 ou 28 anos ainda crescia, mas isso é um olhar de mãe e ela acha sempre que nós estamos a crescer. Era impossível, biologicamente eu já não podia crescer. Portanto, eu não desenvolvi a minha identidade como uma pessoa alta, vejo-me como uma pessoa baixa. Aqui há um aspecto que é: a questão da identidade sexual de um indivíduo tem que ver exactamente com a informação que lhe é dada e com a interacção que ele estabelece.

O Estado quando resolve confiar uma criança a alguém deve à partida, tanto quanto possível, proporcionar a essa criança uma interacção equilibrada com um homem e com uma mulher. Porquê? Porque há homens e porque há mulheres. Tanto quanto possível deve proporcionar uma interacção equilibrada. Evidentemente que me poderão argumentar de todas as formas que isso não acontece em circunstâncias naturais, etc. Sim, mas aqui é o Estado que tem de decidir.

Orientações sexuais é uma coisa e existência de homens e mulheres é outra e tanto quanto possível a criança devia estar entregue a uma interacção preferencial com um homem e com uma mulher.

 
Mónica Ferro

Em relação à questão do tutor não concordo. As crianças devem ter um pai e devem ter uma mãe e ter dois pais e duas mães, e se a figura se comporta com esses vínculos as crianças têm o direito de chamar mãe, de chamar pai e todo o peso simbólico que isso acarreta.

Faz lembrar uma discussão que houve na altura do casamento homossexual em que alguém dizia: "mas se o problema é chamarem-lhe casamento chamem-lhe marquise, ou outra coisa qualquer”. Não é a mesma coisa, não é chamar-lhe qualquer coisa, as palavras têm um peso e uma carga simbólica muito grande. Aqui o que está em causa é que quer os pais, quer as mães homossexuais, quer as crianças, querem que a palavra pai e mãe seja dita e que a mesma seja registada.

É claro que isto nos leva à pergunta da Paula: será que a sociedade está pronta para isto? Não está, seria preciso em termos por exemplo dos formulários a revolução que isso implica. Mas nós estamos em constantes adaptações. Continuo a preencher uma data de formulários em que sou tratada por homem e preencho-os. Há uma data de sítios em que me tratam por tu ou você masculino, em que sou o encarregado de educação, não, sou a encarregada de educação; em que sou o deputado, não, sou a deputada. A verdade é que à medida em que nos vamos consciencializando para isto e não sei se reparam, espero que sim, a Assembleia da República adoptou uma recomendação no dia 8 de Março em que recomenda à sociedade no seu geral que deixe de usar a expressão direitos dos homens, porque os direitos são humanos, são de homens e mulheres.

Portanto, não há a necessidade de usar a palavra homem referindo-se à espécie humana quando temos a palavra humano e pessoas para assim se referirem. Às vezes os meus alunos dizem - e está ali a Sara que foi minha aluna -, os direitos dos homens e eu digo: dos homens? Eles dizem: com "h” grande. Eu digo: com "h” grande é dos homens altos. Não, é direitos humanos. A palavra existe, é tranquila e é fácil. Estou a derivar mas estou a falar de direitos humanos à mesma. Sabem que não há explicação filosófica para o facto de se dizer isso, tem única e exclusivamente a ver com a fonte linguística de onde nos vem. Se nos vier da fonte inglesa chama-se human rights e portanto usamos direitos humanos, se vier da fonte francesa chama-se droits de l’homme e nós usamos direitos do homem.

Mas acho que tem a ver com isto, com uma construção de sociedade cada vez mais igualitária do que estas discriminações que são linguísticas. Ao usar este tipo de linguagem construímos a diferença, enquanto que temos palavras que constroem igualdade, como humano, pessoa, família e casamento. Acho que há aqui uma tentativa de construir a inclusão e remover a exclusão.

Portanto, nesta questão do tutor concordo com a abordagem que diz que embora a figura jurídica pudesse superar alguns dos obstáculos relativos à vida quotidiana das crianças, também não permitiria que me substituíssem o papel que tenho que é de mãe por qualquer outra figura. Há um livro fabuloso sobre isto, sobre a Irene que não podia chamar a mãe de mãe e todos os problemas que aquilo lhe provocou.

Em relação à adopção por casais homossexuais, ui, se isto fosse então o tema em questão seria muito mais fracturante porque nós neste momento estamos só a falar da co-adopção. O Duarte Marques usou uma expressão muito engraçada numa conversa que estávamos a ter - desculpe estar a citá-lo Duarte -, que foi que muitas vezes alguém sentia que estávamos a fazer entrar pela janela aquilo que não entrou pela porta.

Não sei se sabem, mas quando votamos a lei da co-adopção votamos no mesmo dia diplomas sobre a adopção conjunta e esses foram afastados. Aliás, há menos deputados do PSD a votar a adopção conjunta do que a co-adopção, porque se achou que como a adopção era a legitimação que já existem de facto que iam causar menos dissensão e assim foi. Mas o que muitos deputados disseram foi que a co-adopção na prática ia resultar na co-adopção conjunta, porque adopta um e depois o outro co-adopta.

Portanto, desse ponto de vista acho que esta lei é até hipócrita e discriminatória, mas é um primeiro passo. Mas essa é a minha leitura.

 
Hugo Soares
Grupo Laranja, o Jorge Bica Freitas e pelo grupo Castanho a Ana Carolina Almeida. Tem a palavra o Jorge Bica Freitas.
 
Jorge Bica Freitas

Bom dia a todos. Cumprimento os convidados, a deputada Mónica Ferro e o deputado José Manuel Canavarro.

Acho que é comum a todos que o que realmente importa é o interesse da criança e a sua vida harmoniosa, saudável, o direito à educação e direito à vida. Existem vários estudos em que são vistos vários ângulos de várias áreas, mas não há nenhum estudo que nos diz realmente o que quer esta criança.

A minha pergunta prende-se com o facto do que fazer quando a criança ao crescer não concorde com a sua situação de adopção.

[APLAUSOS]

 
Ana Carolina Almeida

Antes de mais, muito bom dia a todos. Quero cumprimentar em especial a Dr.ª Mónica Ferro e o Dr. José Manuel Canavarro.

Como já foi aqui dito, este tema é fracturante, vimos que dentro do PSD temos aqui várias visões. A pergunta do grupo Castanho é: será que a co-adopção representa mesmo a vontade dos portugueses.

 
Mónica Ferro

Posso começar por fim, essa é uma pergunta muito interessante porque tivemos algumas conversas com pessoas que nos disseram, a mim e a outros colegas, que achavam que o ideal era haver um referendo sobre esta matéria. Nas audições que fiz e assisti foi uma das perguntas que eu coloquei.

Também não sou jurista e às vezes meto a foice em seara alheia e peço desculpa aos juristas que aqui estão por alguma incorrecção que eu vá cometer. Mas alguns argumentos são usados neste sentido: temos uma família que é considerada a célula basilar da sociedade portuguesa, essa família e a protecção da família está prevista na Constituição e portanto a densificação do conceito de família é feita quer pela prática, quer pelas leis. Isso era um dos argumentos que era usado. Para começar, não acho que haja uma família, há famílias, há tantos modelos, tantas estruturas, que acho que o que existe na realidade são famílias, espaços de autonomia emocional, de convivência e não uma família.

Até porque - ainda há pouco dizia a alguém - aquela família que consideramos tradicional e nuclear na História da Humanidade não é mais do que um apontamento. Essa ideia de um pai e de uma mãe e de um filho a viver na mesma é um apontamento na História da Humanidade. Vejam há quanto tempo é que a Humanidade vive assim. Há muito pouco tempo.

Portanto, fazer desta é uma referência de família, fazer deste um modelo acabado perfeito de sociedade, vejam em Portugal há quanto tempo é que se vive assim.

Em Portugal, até há bem pouco tempo atrás vivia-se num conceito de família alargada: vivia-se com os avós e com os tios. Porque é que estou a dizer isto? Esses avós, esses tios, esses parentes mais próximos ou afastados que viviam naquela família todos eles tinham um impacto na educação da criança. Todos. Quem vive num espaço de uma família tem impacto na educação da criança.

Portanto, cingir a discussão a este modelo de homem, mulher e filhos, é um apontamento na História da Humanidade. Discutir o que é esta família e como é que nós densificamos o conceito de família, alguns acreditam que isto devia ser feito num referendo. Vamos lá debater isto num referendo. Posso dizer-vos que as pessoas a quem eu perguntei se eram favoráveis a um referendo me disseram terminantemente que não, que acham que um referendo iria exacerbar opiniões, iria acalorar posições e dar origem a que os tais estados de alma e opiniões serem confrontados com uma ciência que nunca é tão sexy porque os estudos são grandes, as fórmulas complexas e portanto é muito mais fácil ter uma opinião.

Mas reconheço que há algumas pessoas que acham que esta matéria não é uma matéria fundamental. Aliás, estou a receber notificações do meu facebook porque pus que estava aqui neste debate, de pessoas que me estão a dizer que este debate é perfeitamente inoportuno porque há pessoas que estão com fome e há uma grande taxa de desemprego, entre outros. Percebem? Sei que alguns portugueses não estão atentos para o facto deste tema ser fundamental para centenas de famílias e de que nós de facto não podemos parar a construção de uma sociedade mais igualitária em todas as suas vertentes, porque nós podemos trabalhar tudo. Não temos de parar de trabalhar os direitos humanos e estes temas para depois ir trabalhar os outros. Não há direitos de primeira qualidade e de segunda qualidade, os direitos são todos direitos humanos, são universais e indivisíveis.

A proposta do PS diz que as crianças com mais de 12 anos têm de ser consultadas no caso da co-adopção, mas posso falar disso mais à frente.

 
José Manuel Canavarro

Muito bem. Só para fazer uma precisão: há pouco a Dr.ª Mónica referiu que esta proposta sobre a qual estamos a discutir foi aprovada na generalidade, umas foram aprovadas, outras rejeitadas e algumas dessas propostas versavam a adopção por casais homossexuais. O que foi rejeitado foram aquelas propostas, porque o conceito em si não foi rejeitado e podíamos estar a discutir a adopção e não a co-adopção.

Há pouco referi esse aspecto. Enfim, não citei o Duarte Marques mas podia tê-lo feito. Realmente, do ponto de vista jurídico, há que precisar se a aprovação final deste projecto de lei da co-adopção não abrirá depois portas a uma adopção que não seguiu os passos que deveria ter seguido. Esse é uma aspecto em que também devemos pensar, embora não tenha certezas quanto a isso, mas na dúvida normalmente sou um bocadinho mais conservador e menos voluntarista.

Quanto às perguntas que fizeram, começando pela Carolina: se a co-adopção é a vontade dos portugueses. Acho que de alguns é e também é a urgência de alguns: a urgência política de alguns, a urgência cidadã de alguns e a urgência afectiva de alguns, mas estamos a falar de alguns. O facto de ser de alguns não lhes retira a importância, porque nós não legislamos sempre para todos e portanto isso não retira importância. Agora, concordo com o que a Mónica referiu, seria complicado referendar este tema pelas razões que a Dr.ª Mónica expôs e por outras. Se me perguntarem a minha opinião, acho que esta é uma matéria que pode ser decidida por aqueles que foram eleitos para representar os portugueses, portanto, pode ser decidida no Parlamento.

Como vos disse no início, deve ser decidida e ponderada com muito cuidado e com mais tempo de discussão do que aquilo que está a acontecer. Também a proposta deve ser bastante melhorada, na minha opinião, para que possa da minha parte merecer uma inversão do meu sentido de voto. Quanto à questão que o Jorge colocou, essa é uma questão extremamente relevante. Do ponto de vista jurídico não me vou pronunciar, sei que a Dr.ª Mónica Ferro referiu que as crianças a partir dos 12 anos são ouvidas sobre esta matéria, eu vou repetir alguns dos argumentos, mas acho importante repeti-los.

Primeiro ponto: conjugalidade não é igual a parentalidade, isso é válido para qualquer tipo de casal. O facto de eu ser casado, ou ter uma união de facto com alguém e de partilhar o meu espaço de convívio e de interacção preferencial com uma criança não significa que eu seja um bom pai ou uma boa mãe. Isso tem de ser muito bem avaliado e muito bem ponderado e isso é que é proteger o interesse da criança e às vezes até pode ser proteger o interesse da criança não a tornar filho ou filha de uma determinada pessoa.

Portanto, não podemos ser demasiado voluntaristas em relação a isto porque a parentalidade não é igual à conjugalidade.

Depois, repetir-vos o argumento que há pouco vos referi. Aquilo que a Dr.ª Mónica Ferro refere, se formos ver a estrutura tradicional de família que aliás está em permanente transformação, se formos ver uma norma no sentido estatístico já não sabemos muito bem qual é a família que estamos a considerar. Depende muito da perspectiva e do tempo que estamos a considerar para isso e nesse aspecto a Dr.ª Mónica Ferro tem razão, isto é um pequeno período na História da Humanidade em que há um pai, uma mãe e as crianças que vivem com um pai e com uma mãe.

Mas há algo que ainda não se alterou ainda, que é que há pessoas do sexo masculino e pessoas do sexo feminino. A orientação sexual de cada uma delas é irrelevante, mas o facto de que há homens e de que há mulheres e de que o Estado tem de decidir a quem confia uma criança, o Estado deve ponderar nessa sua decisão de que havendo homens e mulheres deve dar à criança a possibilidade de ela interagir de forma preferencial com um homem e com uma mulher.

Poder-me-ão dizer que a mulher, ou o homem, pode não ligar nada à criança, sim, mas isso é uma decisão que o Estado não pode controlar. O Estado só controla a entrega e havendo um homem e uma mulher e para a criança, nomeadamente para a identidade sexual da criança, é relevante a sua interacção com homens e com mulheres. Pode ser filha de dois homens, ou filha de duas mulheres e interagir com outros homens e outras mulheres, mas isso vem da própria dinâmica da família. Quando o Estado decide, ele não decide sobre a dinâmica de uma família, decide sobre o facto de existirem homens e existirem mulheres. Ponderada e assisadamente deve, a meu ver, ter isso em consideração.

 
Hugo Soares

Obrigado a todos. Vamos entrar agora na fase de perguntas que chamamos de "Catch The Eye” e perguntava quem se quer inscrever e ia pedindo para estarem um pouco - como naquela frase da Universidade de Verão - com o braço em pé, para irmos anotando. Pedia ajuda ao Nuno.

Enquanto vos pedia que mantivessem os braços para que o deputado Nuno Matias faça o favor de recolher os nomes, começávamos com duas primeiras perguntas com o Jorge Pereira do grupo Verde e o Bruno Vieira do grupo Amarelo. Tem a palavra o Jorge Pereira do grupo Verde.

 
Jorge Ayres Pereira

Muito bom dia, senhores deputados. Relativamente a esta questão foi algo que investiguei muito, porque sou muito conservador em relação a estas ideias e esta foi uma das questões em que realmente pus em causa muitas coisas do meu pensamento. Aquilo que mais me custa ver hoje em dia é que, se formos ver os dados e notícias dos orfanatos o número de órfãos tem vindo a aumentar de ano a ano.

Depois, estive a pensar como é que será viver sem família, como é que será não ter um pai e uma mãe. Na escola, quando era mais novo, tive muitas vezes problemas de bullying e acho que muitos de nós tivemos esse problema também pois é uma coisa que é normal. As crianças nem sempre são justas, muitas das vezes apanhamos outras crianças com outro tipo de educação, que normalmente não pensam naquilo que vão fazer. Quem nos defendeu foram os nossos pais, não fomos nós, nem os professores muitas das vezes. Foram os nossos pais que foram lá?

Quem é que defende estas crianças? É esta questão que eu coloco, porque acho que toda a gente tem direito a uma família e se nós não estivermos com alguma urgência para olhar para estes aspectos da nossa sociedade acho que estamos a cometer um grande erro e uma grande falha para com todas as crianças e uma grande injustiça cá em Portugal.

Na lei na Constituição, diz o seguinte: todos têm direito a constituir família, a contrair casamento em condições de plena igualdade. As crianças também têm direito a pais. Isto também devia estar lá.


Obrigado.

[APLAUSOS]

 
Bruno Vieira

Cumprimento em primeiro lugar o deputado José Manuel Canavarro e a deputada Mónica Ferro por estarem hoje presentes aqui connosco. A deputada Mónica Ferro dizia na sua primeira intervenção que um direito adiado é um direito negado, mas sabemos também hoje aqui que o nosso sistema democrático todos os direitos que temos, os direitos fundamentais, os direitos humanos - como a deputada Mónica Ferro também dizia -, não se devem sobrepor sobre os outros. Devemos tentar que seja todos respeitados, que não se atropelem uns aos outros.

Portanto, sabemos que todas as crianças têm direito a uma educação, a crescerem em igualdade com todas as outras e a minha pergunta vai exactamente nesse sentido. Se é um direito dos casais homossexuais e neste caso ainda não porque ainda falamos na co-adopção de terem um filho, não será também um direito dessas crianças terem uma educação em pé de igualdade com as outras? Digo isto porque tenho 17 anos, saí agora de uma escola secundária e sei bem que não é fácil com todos os comentários existentes e com toda a mentalidade ainda existente na sociedade civil e na opinião pública, crescer nestas situações. Não existe ainda nenhum caso, mas não seria muito difícil prever qual seria a receptividade no sistema público de ensino e no contacto social com os colegas dessas crianças.


Obrigado.

 
José Manuel Canavarro

Vou responder mais rapidamente também para vos dar oportunidade de fazerem mais perguntas. Aquilo que o Jorge Pereira referiu eu subscrevo na totalidade. A institucionalização é uma solução temporária, ou deve ser vista como uma solução temporária. Portanto, acho que realmente todas as crianças têm direito a viver com uma família.

O problema que aqui se coloca é a responsabilidade que o Estado tem ao entregar a guarda da criança a uma família potencialmente boa e adequada. Essa é que é a questão que estamos a discutir. Estamos a discutir isso precisamente na salvaguarda do interesse da própria criança. Concordo em absoluto com aquilo que referiu.

O tema é até que ponto é que nós conseguimos salvaguardar o Estado no modo em que este tem de tomar a decisão de confiar aquela criança a uma família potencialmente boa para o desenvolvimento dela. É isso que do ponto de vista jurídico e também do ponto de vista técnico e de operacionalização, ou de regulamentação de uma futura lei que permita a adopção ou a co-adopção homossexual, tudo isso tem de estar muito bem ponderado.

Mas concordo em absoluto consigo. As crianças têm direito. Ele quer interromper, pode?

 
Hugo Soares
Se for muito breve.
 
Jorge Ayres Pereira
Tinha referido que há estudos que demonstram que não afecta a decisão de uma criança em relação à sua sexualidade. Eu mesmo também li esses estudos. Há pais que tratam também mal as crianças e é uma situação comum. Porque é que um casal homossexual seria diferente? É aí que não encontro diferenças.
 
Carlos Coelho
Muito bem. Ficou claro, Jorge, obrigado.
 
José Manuel Canavarro

O Jorge diz que não encontra diferenças. Aquilo que eu acho é que tem de se ter a certeza que não há diferenças. Tem de se ter essa certeza, isso tem de ser feito com todo o rigor. Mas por que tem de ser feito de uma maneira mais rigorosa para uns do que para outros? Não estou a dizer que tem de ser feito. É uma situação nova, pode ter características diferentes, portanto temos de ter todo o cuidado se vier a ser aprovado, se esse for o caminho, acho que todo o cuidado é pouco. Desculpe a expressão que é um adágio popular, mas todo o cuidado é pouco. Porquê? Porque há uma diferença, porque é uma alteração substancial, porque tem problemas a jusante e, portanto, todo o cuidado é pouco.


É apenas nesse sentido. Mas concordo absolutamente consigo: todas as crianças têm direito a uma família. O Estado intervém no processo, tem que fazer a sua intervenção com a maior das cautelas e portanto eu acho que esse é um aspecto que é relevante.

A questão que o Bruno colocou e que de alguma forma recupera algumas discussões que aqui já tivemos, designadamente como é que é feito o "acolhimento” de crianças filhas de casais homossexuais em contextos sociais, nomeadamente em contexto escolar e a forma como elas poderão vir a ser discriminadas. Evidentemente que aqui é muito difícil dar respostas e do ponto de vista do bullying há estudos que demonstram que estas crianças são afectadas do mesmo modo que outras crianças, tal como há pouco a Dr.ª Mónica Ferro referiu, por serem de etnia diferente, ou por terem determinadas características diferentes, etc.


E portanto há aqui um risco de discriminação que é um risco que não é potencialmente maior, mas também é relevante verificarmos que nos estudos que existem, em regra, as amostragens são curtas e as crianças que são estudadas são crianças provenientes de extractos socioeconómicos elevados.

Portanto, frequentam escolas onde eventualmente há uma maior protecção e um maior cuidado por parte dos professores. Por isso mesmo, temos de ter muitas garantias e muitos cuidados no processo porque este é um processo em que o Estado intervém, não um processo que está confiado à dinâmica da sociedade e da interacção social. Há uma intervenção directa do Estado e portanto este tem de ter muitos cuidados quando intervém sobre isto. Este é um ponto que a meu ver é decisivo na ponderação da aprovação desta lei e numa discussão que deve ser mais alargada e deve começar pela adopção para chegar depois à co-adopção.

 
Mónica Ferro

Em relação à questão do Jorge Pereira, não lhe posso dar mais razão, acho que vou pedir emprestadas as palavras do professor Daniel Sampaio numa audição que ele fez na Assembleia da República quando ele dizia que é verdade que há estudos, que estes estão a ser melhorados e de facto por se tratar de uma novidade os estudos ainda não têm a profundidade e a transversalidade que gostaríamos de ter. Mas ele dizia uma coisa: mas há com certeza uma prova científica que é que o pior e o que realmente prejudica o crescimento harmonioso de uma criança é estar institucionalizada. Isso ele afirmou sem dúvidas e creio que estamos todos de acordo com isso, que as crianças precisam de crescer no seio de uma família.

Se precisam de um homem e de uma mulher para referência tenho cada vez mais dúvidas, ou se precisam de um pai e de uma mãe, homem e mulher. As crianças precisam seguramente dentro de casa e das suas famílias de alguém que lhe ensine um certo equilíbrio entre aquilo o que o professor Mário Cordeiro chama de acção e de segurança, sendo que a mãe e o seu papel maternal é mais de segurança e o do pai é mais o da acção. Mas isso muda tudo radicalmente, estes puzzles são radicalmente alterados pela evolução das sociedades e mais uma vez dou-lhe um exemplo meu, Jorge, que é o facto de num período da minha vida eu trabalhei fora de Portugal e a minha filha de três anos ficou com o meu marido cá.

Portanto, isso era visto por muitos como uma espécie de revolução, porque o normal é que o pai vai trabalhar para fora e a criança fica com a mãe. Houve muitas dúvidas e muitas questões sobre o que é que levaria a quebrar com essa naturalidade. Resultou muito bem. Digo-lhe só como nota de pé de página. Tenho uma criança muito feliz, muito equilibrada, que tem uma relação absolutamente estupenda com o pai. Mas, pronto, isto é um desabafo pessoal.

Em relação à pergunta do Bruno, ele acabou por nos dar um exemplo de como afinal a discriminação em relação às crianças filhas de casais homossexuais não é assim tão forte, porque o Bruno não deu por elas na escola, mas elas andam na escola. Porque o Bruno pergunta: o que vai acontecer quando estas crianças forem para a escola? Ela andam na escola, elas existem, vivem cá, os pais vão levá-las, vão buscá-las e estas crianças estão todas no sistema educativo. A verdade é que se os nossos alunos conseguem estar na escola sem se aperceberem que têm colegas que vêm destas famílias é sinal que a discriminação afinal não é tão forte quanto aquela que estamos a pensar.

Percebe o que estou a tentar dizer? Estou a provocá-lo claramente para ver se provoco alguma reacção daí, mas é claramente o que eu lhe estou a dizer. Estas crianças estão na escola, estas crianças existem, portanto o que esta lei com todas as fragilidades que ela tem trata e a discussão aqui é reconhecer que estas crianças existem, que têm famílias, que são iguais às outras e diferentes de todas as outras, mas que são famílias e que são crianças que estão a fazer o seu percurso igual ao de qualquer outra criança.

 
Hugo Soares
Maria Desidério do grupo Azul e Gonçalo Melo do grupo Castanho.
 
Maria Desidério

Bom dia a todos. Agora vou pedir desculpa à deputada Mónica Ferro, mas a pergunta vai ter de ser mais direccionada para si. É com a questão da adopção e aqui faço um pequeno caso que pode acontecer perfeitamente na actualidade. Quem conhece um pouco o processo da adopção sabe que o ponto fulcral é o superior interesse da criança. Vamos supor que um homossexual individualmente decide adoptar uma criança, essa criança vai ter de passar por toda uma avaliação e toda uma adaptação a uma nova pessoa, a uma nova figura.

Através da co-adopção vamos ter de voltar a colocar a criança nesse novo processo, ou seja, a criança foi adoptada por aquele primeiro indivíduo, depois quando aquele indivíduo junta-se com o seu companheiro e esse companheiro quer co-adoptar, a criança passa pelo mesmo processo. Quando referimos "por que não passar logo para o processo da adopção?”, quando há deputados que admitem que há aqui uma janela aberta para adopção por casais homossexuais como aconteceu com o processo de união de facto que depois passou para o casamento dos homossexuais, temos de ter em conta o seguinte: quando deixámos a janela aberta da união de facto por casais homossexuais para o casamento dos mesmos estávamos a tratar de adultos e não de crianças que são muito mais permeáveis a sentimentos de insegurança, de exclusão e de solidão.

Era a pergunta.

[APLAUSOS]

 
Gonçalo Melo
Bom dia. A minha pergunta era dirigida aos senhores deputados e não no sentido do conteúdo mas sim da origem. Era perguntar-vos uma opinião sincera sobre se esta proposta surgiu por genuíno interesse na protecção e defesa do bem-estar e melhor ambiente de desenvolvimento das nossas crianças, ou por um interesse de apenas de um grupo de cidadãos.
 
Mónica Ferro

Há pouco disse, mas acho que não desenvolvi a frase toda, que na legislação portuguesa quem tem direitos no processo de adopção é a criança, ela é que tem o direito de ser adoptada e portanto não se fala propriamente no direito dos adoptantes.

O que eu aqui enfatizei é que mesmo numa processo de adopção em que temos esta preocupação do superior interesse da criança e a criança é que tem o direito de ser adoptada, a verdade é que não nos podemos esquecer que os indivíduos têm o direito de não serem discriminados com base na sua orientação sexual. Foi só isto que quis dizer há pouco.

A trama que esta questão tece claro que faz sentido. A realidade, aquilo que nós assistimos são processos de adopção singular que depois se traduzem em adopções conjuntas. Ou melhor, vou mostrar as duas coisas. Não me importava de começar o debate pela adopção. Aliás, acho que o caminho deste debate é exactamente o da adopção pois é isso que estamos a tratar. O que estamos a falar é de facto de alguém que já tem um vínculo jurídico com uma criança e que o seu companheiro, ou a sua companheira, ou marido, ou esposa, poderá depois vir a co-adoptar aquela criança e tornarem-se ambos pais ou mães daquela criança.

Há algumas legislações em que se requer um tempo mínimo de união ou de casamento para que possa haver esta co-adopção, como se fosse preciso um tempo mínimo para verificar a tal qualidade dos laços afectivos. Porque de facto conjugalidade não é parentalidade e, portanto, aqui um tempo de espera parece indicar que se pode ir nesse caminho. A verdade é que se tivéssemos começado e acho que as votações na Assembleia da República traduziram isso que há muito mais rejeição à adopção conjunta, a um processo iniciado por um casal homossexual, do que um processo de adopção individual que depois possam resultar em co-adopções.

Nesse caso, acaba por ter o mesmo resultado final, que é uma ou várias crianças que têm dois pais ou duas mães. O caminho foi diferente mas chegou exactamente ao mesmo sítio. Reivindicando para a generalidade da população portuguesa a qualidade que o professor José Manuel mais aprecia que é o bom senso, é claro que o bom senso nos diz que é isto que vai acontecer. Portanto, seria muito mais honesto e muito mais frontal admitirmos todos uma discussão muito aberta sobre adopção independentemente de quem são os adoptantes, se são um casal homossexual ou heterossexual, com a devida triagem.

Logo, há aqui diversas questões que têm de ser resolvidas, mas nenhuma delas me afasta da ideia de urgência de nós tratarmos deste processo da co-adopção, pois são famílias que já existem neste momento e se defrontam no seu quotidiano com problemas corriqueiros como as decisões de escola, de saúde, e que vivem com algum receio de que possa acontecer a morte de um deles e não têm vínculo jurídico com a criança. A criança nesse caso ficaria desprotegida. Bem sei e comentava isso há pouco, que os juízes em Portugal não têm tido uma prática de retirar essas crianças ao parente ou à pessoa sobrevivente ao cônjuge. Mas não quero confiar na capacidade discricionária de cada juiz, quero isto numa norma expressa.

É a minha abordagem ao assunto.

Em relação à pergunta do Gonçalo, acho que houve um genuíno interesse nestas matérias. Esta ideia de que este é um problema promovido por determinados sectores muito restritos da sociedade não traduz a minha leitura deste assunto. Acho que houve realmente uma intenção de fazer avançar este tema e a iniciativa parte toda de partidos situados no nosso espectro esquerdo do Parlamento.

 
José Manuel Canavarro

Rapidamente, começando pela pergunta do Gonçalo, penso que efectivamente se trata de uma iniciativa política e foi feito com convicções que são muito respeitáveis por parte destes protagonistas. Nesse aspecto, longe de mim objectar, acho que a política é isso mesmo e mesmo que fosse de um grupo restrito de cidadãos teria a mesma legitimidade, seria uma iniciativa legítima mas que parte de convicções respeitáveis.

Nas oportunidades que tenho tido para discutir com os principais promotores desse projecto tenho sempre assinalado isso e parece-me que é assim mesmo. Tinha perguntado ao Hugo se era possível eu inscrever-me, sei lá, no grupo Verde e Castanho, para não ser só uma pergunta e fazer uma pergunta do vosso lado porque é uma pergunta que eu não deveria fazer.

Mas imaginem, por exemplo, que um processo de co-adopção ele é aprovado mas o co-adoptante chumba, não lhe é confiada a maternidade ou a paternidade da criança. Como é que fica o casal? Como é que fica a criança? É determinado tecnicamente que aquela pessoa não tem condições para ser pai, ou ser mãe da criança. Imaginem.

Não sei. Estamos a partir de um princípio muito voluntarista de que o facto de as pessoas viverem juntas e de viverem há muito tempo com a criança está tudo bem, que tudo corre bem, que a vinculação está bem estabelecida, que a interacção é extraordinária. Vamos imaginar que corria mal, que a peritagem dizia que não, que a senhora não tem condições para ser mãe, ou que o senhor não tem condições para ser pai. O que é que aconteceria?

Por acaso, é engraçado, nunca tinha pensado nisto, mas pensei agora, provavelmente estimulado por vós, pela vossa capacidade de fazer perguntas lembrei-me disto. E se isto acontecer como é que fica a dinâmica daquela família e do casal? Dir-me-ão: "Isto é impossível”. Então se é impossível não vale a pena legislar, é um direito adquirido, se vive fica com a criança automaticamente. Então e se isto acontecer?

Eu não sou um conservador, não sou um reaccionário, longe disso, não me tomem por isso. A Drª Mónica pode assinar por baixo a dizer que eu não sou assim. Mas há uma questão que a mim coloca e eu preferia que esta lei tivesse o mínimo de fragilidade e me suscitasse poucas dúvidas para eu votar favoravelmente. Estou a dizer é que não noto que não tenha algumas fragilidades e continua a suscitar-me dúvidas, por isso mesmo preferia uma discussão mais alargada e mais ponderada.

 
Hugo Soares
No próximo bloco de perguntas temos o Guilherme Duarte do grupo Roxo e o José Miguel Rebolho do grupo Amarelo.
 
Guilherme Duarte

Bom dia. Permitam-me que cumprimente o professor José Manuel Canavarro e Dr.ª Mónica Ferro e também que faça uma correcção à doutora. Disse, há pouco, quase no início que não se justificava a homossexualidade quando os filhos eram educados por pais normais, com o argumento de que sendo educados por um casal homossexual isso não era garantia. Obviamente que não, o processo da homossexualidade é complicado, mas também acho que é importante referir que faltam referências formativas para as crianças. Mas, pronto, era só esse o caso.

Queria perguntar um bocadinho fora do tema, mais sobre estes temas todos que nos assaltam. Vi que o professor fez questão de dizer várias vezes e até de justificar dizendo que não é um reaccionário. Às vezes há o sentimento de que estas questões "ou é sim, ou é sopas” e uma pessoa parece que já nasce com uma opinião e não pode mudar. Se mudar é considerado, nem sei, há isto dentro de nós.

Queria perguntar: entre os vossos pares qual a dificuldade que sentem? Acham que existe de facto um preconceito e uma desinformação que as pessoas não querem ver? Acham que depois, vendo de facto os argumentos trocados, que as pessoas têm a facilidade de trocar e dizer: obrigado por esse ponto.


Era só isto, muito obrigado.

 
José Miguel Rebolho

Muito bom dia. Segundo Bowlby e Harlow uma vinculação segura é essencial para o crescimento equilibrado de uma criança. Contudo, esta vinculação segura não é necessariamente estabelecida com a mãe como muitas vezes é visto. A questão é que é necessário um agente maternal, seja a mãe, o pai, um tutor, desde que seja uma figura com que a criança se identifique e com a qual possa ter uma relação segura, firme, onde haja confiança.

Deste modo, gostava de saber qual é que é o papel da sociedade e de nós jovens que estamos activos na política que é o que estamos aqui a fazer? Qual é o nosso papel em poder ajudar as pessoas que muitas vezes são desprezadas e que vivem no meio de um estereótipo enorme? Qual é o nosso papel para fazer mudar isto, para evitar que estas famílias sejam desprezadas e que estas crianças sejam marginalizadas?

 
José Manuel Canavarro
Se bem entendi a pergunta e as reflexões que o Guilherme nos deixou foi tentar perceber o modo como se encara esta discussão e se a pessoa é favorável ou não como é que é encarada pelos seus pares e a dinâmica que resulta dessa discussão. Foi isso?
 
Guilherme Duarte
Sim, um pouco nestes temas que parecem que são de "vestir a camisola”, não é só este, é o aborto e outros fracturantes.
 
José Manuel Canavarro

Como o Guilherme compreenderá, também até pela sua formação e experiência organizacional, em todos os contextos há pessoas que defendem os seus pontos de vista de forma mais emotiva e mais acelerada do que os outros. Mas nunca me sinto diminuído, ou discriminado, ou maltratado no Parlamento por pensar de modo diferente de outra pessoa.

Neste contexto, como vos disse, até admito alterar a minha posição de princípio desde que a discussão seja mais profunda e alargada. Para mim não é. Não estou aqui a afirmar uma posição dogmática e irredutível relativamente à adopção ou à co-adopção por casais do mesmo sexo. Não é isso de que se trata, estou a dizer que a discussão que está em cima da mesa não inibe que eu tenha dúvidas e ao não inibir que eu tenha dúvidas prefiro ter uma atitude conservadora no sentido de prudencial e portanto não alterar.

Não tenho uma posição dogmática e é isso que manifesto às pessoas. Para mim isto não é uma questão de vida ou de morte, ou se quiserem, de Benfica-Sporting pois Benfica ou Sporting é melhor do que viver ou morrer, porque nem um nem outro vão morrer se perderem no próximo Sábado. Portanto, não estou amarrado a esta posição até ao limite, não estou, não me sinto amarrado e no contexto actual a proposta que está a ser apresentada faz com que eu seja contra. Encaro isto com naturalidade, que o meu pensamento pode evoluir e alterar e até posso dar contributos. Enfim, tenho conversado tanto com o Pedro Delgado Alves sobretudo, mas também com a Isabel Moreira sobre estes temas. Tenho conversado com a Mónica e com colegas deputados que votaram favoravelmente.

Noto que não houve entre nós qualquer cisão sobre isto e nem certamente haverá por causa destes temas. Há pessoas diferentes, elas responderão por elas, eu posso apenas responder por fim. Enfim, o Hugo nestas coisas, como vocês já sabem, é um bocadinho mais ultra e radical. Estou a brincar, não é nada, é um rapaz extremamente ponderado, equilibrado e decide muitíssimo bem e é um indivíduo brilhante.

Muito bem. Quanto à questão que o José Miguel coloca é das teorias da vinculação do Harlow, é a minha área, eu sou de Psicologia, evidentemente que tem toda a razão, o que importa é que tenha uma vinculação e uma figura de vinculação tanto quanto possível, que seja segura .

Depois do Bowlby e do Harlow há vários que se têm pronunciado e esses são estudos fundamentais e o que nos exactamente importa na co-adopção é verificar qual é o tipo de vinculação que é estabelecido entre o pretenso co-adoptante e a criança em causa.

Esse é um aspecto tecnicamente relevante e há pouco aquela pergunta um pouco provocatória que fiz: e se se verifica que o adoptante não tem condições para ser pai ou mãe, como é que a situação se resolve? Por isso é que se calhar a sua colega há pouco disse que então era melhor termos começado pela adopção e por um processo mais abrangente talvez.

Essa é a maneira também como eu penso. Agora, é evidente que num processo em que Estado fica com ele próprio a capacidade de avaliar ou não as qualidades e competências para ser pai e ser mãe, há riscos que aqui corremos. Não é por existir esse tipo de riscos que o processo não deve avançar, mas devemos reflectir sobre isto.

Mais uma vez, repetindo-me, pois já disse isto imensas vezes: a parentalidade é diferente de conjugalidade e esse aspecto deve ser nortear as decisões sobre estes temas.

 
Mónica Ferro
Vou tentar ser rápida. Há pouco o professor levantou a questão de num processo de co-adopção o co-adoptante chumbe, eu levo a pergunta mais longe: será que a criança pode continuar naquela família? Num casal heterossexual em que a co-adopção é praticamente automaticamente...
 
José Manuel Canavarro
Levando ao limite o que está a dizer então a co-adopção seria altamente virtuosa porque permitiria identificar uma criança que está inserida numa família. Não é? Estou a colocar-me ao seu lado, aliás gosto muito de estar a seu lado e é exactamente nesse sentido.
 
Mónica Ferro

Mas é verdade, reparem, a vantagem de fazermos estes debates em família é que podemos de facto trabalhar com esta franqueza e com esta naturalidade porque temos todos o mesmo objectivo que é debater o assunto e promover o esclarecimento sobre esta matéria. A verdade é que todos estes processos de adopção heterossexual e homossexual estão todos eivados de fragilidades.

Basta verem - e não digo sem algum arrepio - a quantidade de crianças que são devolvidas às instituições de onde foram retiradas por processos de adopção, porque os adoptantes de repente descobriram que queriam crianças perfeitas e exemplares na escola e que determinados comportamentos não são aceitáveis. Portanto, são sempre processos complexos, daí concordar e subscrever totalmente que tudo isto tem de ser feito com extremo bom senso, cuidado e com todas as cautelas.

Ó Guilherme, há pouco quando falava da homossexualidade e da orientação sexual ser genética e não socializada era uma maneira um pouco ligeira de dizer que este ainda é um conceito que não entrou na cabeça de toda a gente. Aposto que todos nós conhecemos pessoas e alguns de vós que acreditam que a homossexualidade é uma escolha e que é um comportamento socializado, quando na realidade hoje sabemos que é genético: nasce-se, não se está homossexual, é-se homossexual.

Portanto, acho que há aqui ainda um preconceito, há. Nos nossos debates, se temos encontrado preconceito homofóbico? De quando em quando. Não digo que nos debates na Assembleia da República, mas nos debates que vamos tendo com amigos e colegas. Porque as pessoas como sabem que vamos trabalhando estas matérias vão-nos interpelando sobre elas. Há algum preconceito homofóbico, que também vou-vos dizer negando aquilo em que acredito que acho que também resulta de uma certa falta de prática de convívio inclusivo.

Logo, penso que seja também uma questão de naturalização destes fenómenos e acho que isso demora algum tempo.

 
Hugo Soares

Muito obrigado aos dois, agradeço-vos terem poupado tempo porque isso proporciona maior participação dos nossos alunos.

Dava a palavra ao grupo Rosa e ao grupo Bege nas pessoas do Aníbal Cunha e da Susana Reis.

 
Aníbal Cunha

Senhora deputada Mónica Ferro, senhor deputado José Manuel Canavarro, queria perguntar uma coisa, ou melhor, lançar o debate rapidamente sobre uma coisa que acho que se falou mas temos um exemplo na nossa sociedade e ainda não estamos a usar ainda, ou pelo menos aqui. Portanto, numa família de heterossexuais em que temos a parte do pai e da mãe, diria-se equilibrada, já se falou aqui de um casal homossexual ter também esse equilíbrio, embora possa ser diferente ter dois pais ou duas mães, mas que esse equilíbrio se pode dar na mesma.

Pelo menos foi o que se debateu aqui. O que eu queria lançar à discussão é que temos o exemplo de a falta de uma mãe ou de um pai gera o desequilíbrio. É o exemplo dos filhos de pais divorciados. Quando falta um elemento da família, mãe ou pai, existe esse desequilíbrio. Nesse caso também estamos a ter esse exemplo, falta o pai ou falta a mãe. Queria saber, tendo em conta estes exemplos, se podemos aplicá-los aqui.
Obrigado

 
Susana Reis

Bom dia, também começo por cumprimentar o Dr. José Canavarro e a Dr.ª Mónica Ferro.

Supondo que a proposta de co-adopção é aceite no futuro e conhecendo os inúmeros juízos formulados em torno da homossexualidade e que a escola é um elemento central na vida das crianças, como é que pensam fazer - se é que isso já foi pensado -, como é que projectaram essa prevenção em termos escolares, de todos os agentes educativos e aqui refiro-me a directores, a professores, a pais de outras crianças, de forma a salvaguardar o interesse superior da criança, não sofrendo esta discriminação social na própria escola.

Dei por mim a pensar em alguns exemplos muito concretos nos programas das disciplinas, vamos por exemplo ao primeiro ciclo do Ensino Básico e começamos logo a trabalhar o conceito da família. E aqui ele está lá, ele existe e como é que vamos alterar tudo isto? Nos manuais escolares, como é que isto vai ser retratado? O que é que isto traria de intervenção também com as editoras? A comemoração do Dia da Mãe e do Dia do Pai, como é que faríamos estas alterações todas?

[APLAUSOS]

 
Mónica Ferro

Aníbal, não me leve a mal, vou começar pelo fim. Num colégio de Lisboa a direcção escolhe livros para as crianças estudarem num trimestre, acho que isto é prática em todos os colégios, como podem calcular estou a falar de um colégio que eu conheço e onde as minhas filhas andaram. O livro que a minha filha teve com quatro anos era de um cartoonista e era sobre famílias, dizia que há famílias com uma mãe, um pai e uma criança, ou duas mães e dois pais, ou com uma mãe e um pai e duas crianças adoptadas. É tão simples como isto. A minha filha perguntou-me: "Ó mãe, é verdade que os homens podem casar com homens e as mulheres com mulheres?” Eu só lhe perguntei: porque é que a mãe casou com o pai? "Por amor.” Então podem, desde que se ama uma pessoa do mesmo sexo pode-se casar com uma pessoa do mesmo sexo.

Nós complicamos muito as coisas, mas eu partilho totalmente o diagnóstico da Susana que olhar para um manual escolar é ler um Portugal de outra época. Onde se ensina a palavra casa e sabem qual é a imagem da palavra "casa”? É a criança à porta de casa com a mãe a despedirem-se do pai que vai trabalhar. É esta a imagem nos manuais escolares do que é a casa. Portanto, é um sítio onde a mãe fica com a criança enquanto o pai vai trabalhar.

Os nossos manuais escolares estão carregados de estereótipos em relação aos papéis de género e é um trabalho que se está a tentar fazer. Eu pertenço à subcomissão de igualdade e este é um tema que já lá temos trabalhado. Mas de facto esse é um dos grandes problemas, já para não falar da pergunta que a Paula há pouco falava sobre os formulários. Vamos ter de arranjar um espaço para pôr mãe e mãe, pai e pai. Na prática é isto, é por isso que este projecto implica também a revisão do Código Civil, porque nos papéis da filiação terão de passar a estar dois pais e duas mães.

Portanto, isto não é fácil. Está pensado e diagnosticado, mas não é fácil. É claro que o que é fundamental nisto tudo é aquela palavra que o Aníbal usou que é o equilíbrio. O ideal é que dentro de uma família, quer tenha dois pais ou duas mães consiga transmitir à criança os referentes. Há estudos que dizem que o referente materno pode ser dado pelo próprio pai quando o pai desempenha tarefas que nós consideramos na nossa tipologia clássica tarefas maternas. Por exemplo, lanço-vos uma questão: quem é que dá banho às crianças em casa? Quem é que muda as fraldas?

Estes últimos anos os homens assumiram crescentemente um papel na execução destas tarefas, mas não eram tarefas masculinas, não eram. Portanto, a verdade é que estes referentes são dados cada vez mais indiferenciadamente pelo pai e pela mãe, pelas mães e pelos pais. O importante é, como diz, que haja equilíbrio e que esse papel possa ser desempenhado até num âmbito de uma família mais alargada. Temos de perder estas baias que temos de olhar para a família como um homem, uma mulher e uma criança.

A família é um homem, uma mulher e uma criança, mas é outras coisas também. É nisto que acredito profundamente.

 
José Manuel Canavarro

Começando pelo Aníbal, o que vos vou dizer até parece um argumento em contrário, mas muitas vezes pode existir pai e mãe, no plano formal, podem até coabitar, estar na mesma casa e em boa verdade faltar o pai, ou a mãe, ou até os dois. Quero dizer, aí a existência formal e física de um pai e de uma mãe não tem que corresponder a uma existência afectiva, ou virtuosa.

Portanto, diria que este parece ser um argumento mais utilizado por quem é favorável à co-adopção, mas aqui este argumento não tem lado, aplica-se em qualquer circunstância. O que temos de fazer quando avaliamos a pretensão de adoptar, ou co-adoptar, é verificar se essas pessoas que querem adoptar, ou co-adoptar, têm capacidade e competência parental.

Esse é um aspecto que gostava mais uma vez de salientar. Inclusive num protocolo de avaliação, tendo-o por exemplo para avaliar a competência de dois homens que pretendem adoptar uma criança de idade ainda muito precoce. Há aspectos que têm de ser diferenciados, porque há apesar de tudo comportamentos diferenciados entre homens e mulheres.

Os homens e as mulheres distinguem-se no seu repertório comportamental e portanto, se vamos avaliar, designadamente um casal que pretende adoptar uma criança de idade muito precoce, temos de ter em conta esse comportamentos diferenciados. Por exemplo, a prestação de cuidados os estudos dizem-nos que não diferenças, certo, mas não é pelos estudos nos dizerem que não há diferenças pois isso é uma questão estatística. Mas não podemos ligar apenas à estatística, temos de ligar a cada caso.

Aqui, verdadeiramente, aquela máxima de senso comum de que "cada caso é um caso” aplica-se. Temos de ser muito cuidadosos e rigorosos na avaliação.

Na questão que a Susana colocou e muito bem, aquilo que a Mónica referiu também merece a minha concordância e até retiro daqui algumas ideias. Faço parte de duas instituições que premeiam boas práticas escolares, faço isso pro bono , generosamente, e acho que as boas práticas de inclusão também é algo que temos de começar a premiar quando se passa na escola. Temos que, como há pouco vos referi, alguma exacerbação sobre esta questão possa ter um efeito negativo.

Como há pouco a Susana dizia, estas crianças existem nas escolas e pelos vistos não se dá muito por elas, não é? Se chamarmos muito a atenção, então vai haver um foco mais direccionado para essas crianças e, por isso, isso é algo que tem de ser prevenido e reparado se houver problema. Mas creio que todas as práticas de inclusão devem ser objecto de prémio de escolas que apresentem bons projectos, não exactamente deste tema, mas da inclusão de uma forma geral. Porque evidentemente as coisas depois têm algum efeito de arrastamento e acredito que nesse efeito o respeito pela diferença, pelas pessoas que têm estruturas familiares diferentes, que têm comportamentos diferentes, pode manifestar-se.

Mas acho que a questão que a Susana colocou e os actores que indicou como actores que devem participar activamente numa política e em práticas de não-discriminação e de inclusão nas escolas foi muito oportuno e felicito-a por isso.

 
Carlos Coelho

Muito obrigado. Vou dar a palavra aos nossos dois convidados por três minutos, cada um, para fazerem uma declaração final.

Mas antes queria fazer um comentário. Gostei muito deste debate e não estou nada arrependido de termos tomado a decisão de incluir este tema na agenda da Universidade de Verão, ainda que isso não tenha sido compreendido por todos a avaliar por alguns comentários que vi nalguma Comunicação Social.

Devo dizer-vos que acho muito mais relevante que estejamos a discutir aqui a co-adopção e como é que se protege o interesse das crianças do que o Bloco de Esquerda que pelos vistos está a discutir o piropo na sua iniciativa de fim-de-semana. Fiquei a pensar o seguinte: seria possível este debate há dez anos atrás nesta Universidade de Verão? Possível era, mas no registo que vocês deram, gostei muito da generalidade das vossas intervenções, acho que puseram questões com muita autenticidade e sem preconceito. Diria que discutiram o tema de forma adulta.

Não sei se há dez anos, num tema que tem a ver com a percepção da organização social e com opções sexuais, se não haveria algum embaraço ou até risinhos e atitudes menos adultas. Portanto, aquilo que retiro deste debate, independentemente da substância que fica à reflexão de cada um e acho que ele foi rico também sob esse ponto de vista, foi a qualidade da vossa intervenção e a seriedade como colocaram as questões.

Queria agradecer-vos também por isso.

[APLAUSOS]

Convido o Dr. José Manuel Canavarro e a Dr.ª Mónica Ferro a fazerem as suas declarações finais por três minutos cada um.

 
José Manuel Canavarro

Depois do que o deputado Carlos Coelho referiu torna-se difícil dizer mais qualquer coisa, porque - não vou dizer que me tirou as palavras da boca - eu ia não utilizar estes três minutos para refundar e repisar aquilo que vos quis aqui trazer, porque como vos disse eu tenho uma abertura em relação a esta temática, o que não significa que o meu voto não se vá manter contra. Não conheço ainda as propostas de alteração sobre aquilo que vai ser apresentado na Assembleia da República.

Mas sobretudo o que eu queria era, enaltecendo e sublinhando as palavras do Carlos Coelho, dizer que foi a vossa participação, a qualidade da mesma, tendo eu percebido que entre vós há posições divergentes e salutarmente e isso é altamente positivo. Se há coisa que enferme (no sentido médico) a Democracia, isto é, se há alguma coisa que faz mal à Democracia são posições demasiado unanimistas. Por isso, percebeu-se que há posições diferentes e que entre vós há pessoas que pensam de maneira diferente sobre isto.

Seguramente que discutindo e conversando sobre estes temas cada um de vós poderá aprofundar melhor a vossa posição, fundamentar melhor e quando a discutirem politicamente, ou quando a discutirem civicamente, ou quando a discutirem na vossa universidade - que não a de Verão -, ou no vosso local de trabalho, ou mesmo nesta universidade, estarão muito mais informados e mais fundamentados. Não apenas por aquilo que perguntaram - não direi por aquilo que ouviram porque isso seria imodesto da minha parte, mas sobretudo por aquilo que ouviram da Dr.ª Mónica Ferro, aí já posso fazer esse elogio -, mas sobretudo se isto vos suscitar mais procura e se isto suscitar mais informação penso que já terá cumprido suscitar em vós esta reflexão.

Há um aspecto positivo sempre quando se discutem estes temas, que é exactamente discuti-los e sobre eles as pessoas manifestarem posições e evoluírem nas suas posições. Por isso mesmo é fundamental não ter receio na arena ou no contexto políticos, nem aqui como o deputado Carlos Coelho referiu. Acho que não ter tido receio de colocar este tema em discussão foi extremamente importante exactamente porque se verificou que há posições divergentes sobre este tema, há posições adultas e informadas, há dúvidas pertinentes e tudo isso é aquilo que pode fazer com que no futuro, se a adopção homossexual ou a co-adopção homossexual vierem a aprovadas que essa aprovação decorra de uma lei fortemente ponderada, equilibrada e que reflicta exactamente todo o amadurecimento das posições que existiam relativamente a este tópico.

Agradeço-vos. Suspendi as minhas actividades como professor e portanto deixei de aprender há dois anos e três meses como aprendia, mas tive esta oportunidade de Verão que me foi possibilitada de aprender convosco e portanto não sei se vou voltar a dar aulas para o ano.

[APLAUSOS]

 
Mónica Ferro

Obrigada. Vou roubar aqui também as palavras do Carlos Coelho quando ele usou a palavra "adulta”. Eu sei que a palavra "adultês” não se usa, é brasileira, mas agora com o Acordo Ortográfico tudo é intercambiável. Acho que isto não só traduz a adultês da Universidade de Verão como também traduz a adultês da nossa Democracia. Este é um tema que há dez anos atrás não passava sequer pelo crivo da possibilidade de um escrutínio público sobre estas matérias e, portanto, congratular-me com este debate.

Desde o primeiro momento, quando me foi dito que o meu parceiro de mesa e de combate, meu antagonista neste caso, seria o professor José Manuel Canavarro, disse imediatamente a mesma coisa que é um privilégio debater com uma pessoa que eu muito respeito, cuja opinião oiço sempre com muita atenção e ao que parece não fui capaz de alterar nestas duas horas que aqui passei. Mas tentei, tentei.

Para mim, desde o primeiro momento, tenho esta garantia de me ter dito que era um debate que me obrigava a me esforçar e o dossier está todo lido e comentado. Obrigava-me também a arranjar o maior número de argumentos para esgrimir aqui neste debate, mas só há um argumento que vos quero deixar em tom final que é exactamente o argumento da dignidade e dos direitos destas crianças. Se quando nós estamos a falar de adopção conjunta, ou de Procriação Medicamente Assistida, acredito que a discriminação incide sobretudo em cima dos casais homossexuais que estão vedados de aceder aos seus projectos de parentalidade através da adopção ou de técnicas de Procriação Medicamente Assistida, acredito que neste caso a discriminação incide nas crianças, são elas que não têm o direito de ver os seus afectos securizados, não através da benevolência de um juiz que vai interpretar mas através de uma norma expressa que lhes consagre estes direitos.

A minha última palavra era - e de uma forma insuspeita, dado o cenário em que estou - dizer em que este é um dos dias em que me volto a orgulhar muito em pertencer ao Partido Social democrata. Não só pelas boas notícias que estão a aparecer acerca do impacto que a nossa e do CDS/PP está a ter na alteração do rumo do país, mas por ser possível fazer um debate destes aqui dentro.

Digo isto à sociedade: o PSD é um partido humanista, progressista, é um partido conservador e isto significa única e exclusivamente que colocamos a pessoa no centro da tomada de decisão e preferimos reformas a revoluções. Na prática, não se traduz em muito mais do que isto e, portanto, o PSD é este partido que permite à mesma mesa dois deputados com opiniões distintas perante uma audiência tão diversificada afirmarem-se social-democratas a debater este tema. Muito obrigada.

[APLAUSOS]

FIM