ACTAS  
 
8/30/2013
“A Consolidação da Democracia e o PSD”
 
Carlos Coelho

Sei que ainda falta tempo para a hora e não estamos todos, faltam só dois ou três, portanto não vamos começar sem estar na hora. Mas tenho uma coisa para vos mostrar, que o Professor Marcelo não conhece mas foi ele que sugeriu e como foi ele que sugeriu é justo que nós vejamos à frente dele.

[VÍDEO DOS 10 ANOS DA UV, APLAUSOS]

Como o nosso orador dispensa apresentações e já estamos em cima da hora, agradecendo-lhe de forma especial a presença novamente na Universidade de Verão - o Professor Marcelo Rebelo de Sousa é o orador mais constante nas nossas iniciativas. Quando ele não pode sentimos logo a sua ausência - passo-lhe imediatamente a palavra.

Obrigado.

 
Marcelo Rebelo de Sousa

Muito boa tarde. Vamos dividir isto em três partes: a primeira é de cumprimentos, há-os sempre e naturalmente o meu cumprimento vai para o filme, para a iniciativa que foi concretizada, está óptimo o filme e é um bom retrato. Estava a ouvir as várias palavras que definiam esta Universidade de Verão e estava a pensar como é que eu definiria. Ocorreram-me duas palavras: uma era "Portugal” e outra era "Carlos Coelho”. "Portugal” porque esta universidade foi uma magnífica iniciativa do Carlos Coelho, mas apadrinhada pelo José Manuel Durão Barroso, então líder do partido e Primeiro-Ministro e foi feita a pensar em Portugal. Não foi feita a pensar no PSD nem nas pessoas que cá vinham. A segunda palavra, "Carlos Coelho”, porque ela não existia nem existe se não for pelo Carlos Coelho.

[APLAUSOS]

A terceira evocação, que já sei que também já fizeram, é alguém que já morreu e foi recentemente, o António Borges. Penso que mais nenhum ainda morreu, graças a Deus, "batam na madeira”. Mas, naturalmente, vale a pena evocar pois dentro da pluralidade de opiniões que temos no nosso partido - é um partido livre e plural -, o António Borges foi sempre muito corajoso, muito frontal, muito defensor das suas ideias e foi desde que entrou no partido no início até ao momento em que morreu continuando a trabalhar para defender o partido e o Governo.

A segunda parte, que terei de explicar brevemente, é a seguinte: é feita a pensar naqueles senhores que estão ali ao fundo mas que mandam imenso, que é a Comunicação Social. Eles, normalmente, "cravam” à entrada umas declarações que não têm nada a ver com o que se diz cá dentro. É a função deles, estão aqui para perguntar coisas e depois até passam uma ou outra frase que editam, mas querem ouvir é comentários sobre a conjuntura. Entendi que era dois em um, em vez de ser lá fora antes ou lá fora depois, vou rapidamente dizer o que penso sobre três questões que eles naturalmente me levantariam e assim ficam respondidas. Se quiserem sair ou mandar imediatamente para Lisboa para os respectivos serviços mandam e nós estamos mais à vontade para falarmos do que é suposto falar.

[RISOS]

A primeira questão é a seguinte: estamos em período eleitoral, como é que eu vejo o resultado destas eleições? À partida, estas eleições são as mais difíceis eleições que o PSD jamais travou porque é a mais difícil crise que um Governo liderado pelo PSD teve de enfrentar. Portanto, até há uns meses, até há umas semanas, a minha perspectiva era pessimista quanto ao resultado das eleições do ponto de vista do PSD. Achava que António José Seguro e o PS iriam ter uma vitória com mais de 40% dos votos e com 30 a 40 câmaras de vantagem do PSD.

Não é uma tragédia, não são eleições nacionais, mas seria naturalmente uma vitória esmagadora do PS e, portanto, uma derrota apreciável do PSD.

Neste momento, feitas as contas todas, acho que está largamente em aberto o resultado das eleições e que pode bem acontecer que o PS que teve 37,67% nas últimas eleições não tenha tanto mais do que teve nessas eleições e que a diferença de sete câmaras que existem a favor do PSD possa dar origem a uma situação relativamente equilibrada que não seja a vantagem esmagadora do PS. O que, na minha opinião, tem a ver não apenas com eventuais pequenos sinais económicos positivos, mas sobretudo com a capacidade de mobilização do PSD e com a capacidade de realização dos seus autarcas. É esse basismo e esse trabalho autárquico que porventura justificarão um resultado diferente daquele que se esperava há umas semanas atrás.

A segunda questão que eles provavelmente me colocariam e em qualquer caso antecipo-a, que é sobre a crise: o que é que eu penso da crise, nomeadamente pensando na Troika que chega daqui por duas semanas. Nos últimos dias, inclusive hoje, conhecemos bons resultados que foram no meio de muito más notícias que têm caracterizado a vida portuguesa nos últimos dois anos; hoje foi a notícia da ligeira diminuição da taxa de desemprego para 16,5%. Mas todos temos a noção de que a evolução da nossa Economia vai depender do que fizermos, mas em muito do que se passar lá fora. Em primeiro lugar, o que se passar na situação que está em suspenso pela intervenção ou não-intervenção na Síria. Os mercados já mostraram que uma situação prolongada implica inevitavelmente subidas no petróleo e perturbações nos mercados.

Em segundo lugar, vai depender do que se viver na Europa.

Não queria esconder-vos a minha preocupação por assistir na campanha eleitoral alemã a duas coisas que não considero bonitas: a primeira, os socialistas alemães a usarem como argumento de campanha eleitoral a ameaça do contribuinte alemão ter de pagar mais dinheiro para os países com um programa de ajuda, como quem diz que estão a pagar aquilo que não deviam. Em segundo lugar, a intervenção também não-feliz da Chancelerina Merkel ao dizer que por sua vontade a Grécia não tinha entrado no Euro e que lamenta que lá estejam.

Acho que uns e outros, por razões de política interna, tiveram frases que não ajudam à construção do espírito solidário europeu.

Finalmente, aquela verdadeira pergunta que me querem fazer sobre a decisão do Tribunal Constitucional. Sobre isso queria dizer três coisas. A primeira coisa é a seguinte: não é nada de anormal que o Governo envie para o Tribunal Constitucional, ou o Presidente da República envie para o Tribunal Constitucional, para apreciação diplomas polémicos. Porque estamos a viver uma crise, porque há um programa de ajustamento, porque noutros países decisões polémicas como na Grécia onde houve 100 mil funcionários públicos despedidos têm sido tomadas, portanto é normal que o Tribunal Constitucional seja chamado a intervir mais vezes para apreciar leis que numa situação normal porventura não teriam existido, ou não teriam sido como são estas leis e que permitem várias interpretações.

Recordo-me que um grande constitucionalista, que muito prezo, Vital Moreira, considerou ontem que esta lei era claramente inconstitucional, mas ao contrário, relativamente ao Orçamento de 2013 considerou que o Tribunal Constitucional tinha sido injusto ao apreciar a lei. E também ao contrário, considerou que o PS não devia pôr em causa o respeito da Constituição pela lei das 48 horas. Vejam como um bom constitucionalista tem posições diferentes sobre três leis diferentes essenciais neste momento político.

A segunda observação é para dizer que o Tribunal Constitucional considerou que era inconstitucional uma regra respeitante aos trabalhadores da Função Pública com um vínculo definitivo à Administração Pública e, ao mesmo tempo, pronunciou-se sobre a questão da possibilidade de, por um processo de requalificação, haver despedimentos na Função Pública. Não disse que considerava impossível perante a Constituição haver despedimentos na Funão Pública, disse mesmo o contrário, disse que era possível, tal como há com os trabalhadores dos privados, haver despedimentos colectivos e haver despedimento por extinção de posto de trabalho.

O que disse é que nas outras situações que vinham na lei e que a lei introduzia, considerava que aí é que não era possível haver os despedimentos. Portanto, o Tribunal Constitucional admite em princípio que haja despedimentos na Função Pública, tem uma interpretação que na prática - na minha opinião - torna mais difícil despedir na Função Pública do que no sector privado. Uma vez que no sector privado a extinção do posto de trabalho é possível ligada a situações de mercado e económicas e financeiras que não jogam para a Administração Pública.

A terceira observação que eu queria fazer é que não há nada na vida irreparável, senão a morte, e mesmo assim para aqueles que não são crentes na vida eterna. Portanto, não há na vida política nada de irreparável. Há problemas que se levantam e obstáculos que surgem pelo funcionamento das instituições mas isso faz parte das regras do jogo democrático e portanto há aqui um campo em aberto relativamente à mobilidade especial, em que, como sabem, o Governo de Sócrates permitiu, com a cobertura do Tribunal Constitucional, que vários milhares de trabalhadores da Função Pública pudessem ser colocados sem tarefa nenhuma a ganhar 50%.
Há aqui um campo de manobra que permite a utilização da mobilidade especial ao abrigo dessa lei de Sócrates, com trabalhadores que não têm actividade, ou ficam sem actividade na Administração Pública, e têm quebras ou cortes de vencimento relativamente aos quais o debate é saber até onde eles poderão ir. Sem haver uma cessação de vínculo à Administração Pública, mas podendo discutir se pode ir mais longe ou não no vencimento pago pela Administração Pública, desde que lhe permita que eles exerçam outra actividade qualquer.

Isto é, pela posição do Tribunal não seria inconstitucional, necessariamente, pagar 5%, 10%, 15%, 20%, a quem continuando com o vínculo à Função Pública no entanto é autorizado a fazer outras actividades, nomeadamente privadas.

Esclarecidos estes pontos, acho que estamos à-vontade para poder falar do nosso tema fundamental, libertando os nossos amigos da Comunicação Social, que já levam aquilo que querem, ou pelo menos aquilo uma parte daquilo que quereriam.

O tema é exactamente o oposto deste, embora tenha a ver com todos estes, porque a consolidação da Democracia e o papel do PSD tem a ver com tudo, como é natural. Classicamente, definia-se a Democracia - definia eu a Democracia, para simplificar - com base em quatro características fundamentais: o pluralismo ideológico, não haver uma ideologia exclusiva ou dominante imposta ou objecto de pressão por parte do poder ou dos poderes. Segundo: o pluralismo da organização política, não haver um partido, uma organização, uma associação única, ou liderante, que tornasse más, inaceitáveis, todas as outras. Terceiro: a existência de eleições como forma de designação de escolha dos governantes, periodicamente, permitindo a sua avaliação no final do mandato. Quarto lugar: a garantia dos direitos fundamentais da pessoas, compreendendo nesses direitos quer os direitos pessoais, quer os de participação política, quer os económicos, quer os sociais e os culturais.

Com base nesta definição, perceberão que há graus de Democracia. Como há graus de ditaduras, há umas mais totalitárias, outras mais autoritárias. Há democracias mais completas ou menos completas - a isso se chama a qualidade da Democracia. É mais completa se o pluralismo da organização e de ideias for mais garantido; se o processo eleitoral for mais fidedigno; se houver mais capacidade de garantir, não apenas no papel, mas na prática, os direitos dos cidadãos. Não há democracias perfeitas porque não há obra humana perfeita; há democracias mais imperfeitas e outras menos imperfeitas.

O que se passou nas últimas décadas é que esta definição clássica foi enriquecida em todos os seus elementos. Primeiro, quanto ao pluralismo de ideias, houve um tempo em que se entendia que as ideias contra o sistema não deviam ser toleradas e nalguns países não o eram; quem fosse contra o modelo democrático vigente não podia, para além de um certo limite, exprimir as suas ideias. Isso passou. Entende-se que a Democracia é tão abrangente e tão inclusiva que nela cabem até os que a contestam.

Depois, houve um tempo em que no pluralismo da organização política pesavam sobretudo os partidos, eles tinham um monopólio do poder. Já lá vai esse tempo. Os partidos têm uma posição fundamental, ainda, no acesso e no exercício do poder em muitos casos, mas há associações políticas, movimentos de cidadãos, organizações de base e realidades das mais diversas, que enriquecem a democracia representativa.

Mais, mediaticamente a multiplicação de meios de intervenção e de participação, começando pelos meios de comunicação clássicos, com peso para a televisão, mas depois com o peso ainda mais participativo da Internet, criando para muitos a vertente da democracia electrónica, permitiram fenómenos a que assistimos em todas as sociedades, inclusive na portuguesa, que cabem na definição de Democracia e enriquecem-na. Colocam também desafios aos protagonistas clássicos da Democracia.

Quanto às eleições, é simples dizer que basta haver eleições; mas quais eleições? Com que sistemas eleitorais? Quem pode apresentar candidaturas? Quem pode ser candidato? Como devem ser as campanhas? Tudo isso tem mudado ao longo do tempo, está aberto a reflexão constante para enriquecer a Democracia. Não há modelos fechados, universais, há modelos que têm muito a ver com a história de cada sociedade.

Finalmente, quanto à garantia dos direitos: os direitos têm-se multiplicado no tempo; o rol de direitos que havia no Estado liberal era um, no Estado social era outro, no Estado providência que é o Estado social levado à sua máxima expressão era outro, no Estado regulador estrutural promotor ou garante, de hoje, apesar da satisfação dos direitos ser diferente, o rol aumentou. Um dos problemas que se coloca é que há mais direitos mas cada um deles hoje vale menos, porque se pega num direito que existia e divide-se nos subdireitos que o integravam. A preocupação de garantir esses subdireitos, nuns casos é positiva, noutros casos enfraquece aquilo que era a garantia dos direitos existentes.

Portanto, o problema da consolidação da democracia não é um problema português, é um problema de todas as democracias e as elas consolidam-se todos os dias, não é só de quatro em quatro anos, de seis em seis anos, porque todos somos políticos, não são só aqueles que estão lá naqueles que consideramos os poleiros, no poder clássico. Todos temos uma fatia do poder porque todos somos cidadãos accionistas desta realidade em que há depois uns gestores, mas há o serviço dos accionistas. Não somos sequer clientes, somos accionistas, temos a última palavra. Portanto, os accionistas não se podem desinteressar do destino da sua instituição, como os sócios de uma associação; isso significa que a Democracia se constrói todos os dias, ou se desconstrói por acções ou omissões.

Vamos a Portugal. A Democracia em Portugal é um fenómeno muito recente, temo-la há muito menos tempo do que outros países na Europa e temos uma Democracia inscrita numa História. A História é o que é, já não podemos reescrever a História; podemos lê-la de várias maneiras, mas não podemos reescrevê-la. A nossa História tem grandes características, positivas e tem grandes questões, ou grandes problemas, que naturalmente nos condicionaram ao longo dos tempos. Somos um país feito e caracterizado pela crise. Nasceu de uma crise, por sinal entre um filho e uma mãe, prosseguiu em crise na expansão na I Dinastia, conheceu antes disso a crise da disputa da independência com um único grande vizinho que foi emergindo a partir de vários reinos no continente europeu. Tivemos as crises da expansão que foram várias: no Norte de África e ao longo dos vários continentes. Tivemos a crise da quase perda da independência logo ao fim da I Dinastia, depois a crise da perda da independência durante os reinados dos Filipes. Pelo meio tivemos crises financeiras. Sabe-se hoje que mesmo nos momentos áureos dos nossos reis mais poderosos como D. João II ou D. Manuel, ou em menor escala, D. João III, nos respectivos testamentos já se falava na situação, não direi falida, mas financeiramente difícil do país, e por aí adiante.

Concentro-me apenas naquilo que antecedeu a construção da Democracia, que foram os séculos XIX e XX. Enquanto que outros países tinham já estruturas representativas e tiveram processos liberais fortes e começaram a avançar para futuras democracias mais cedo, nós tivemos uma monarquia absoluta, pelo meio, despotismo esclarecido, mas tivemos uma monarquia absoluta até meados do séc. XIX. O séc. XIX foi para nós um século riquíssimo onde não fora o século onde criámos condições para essa potência mundial que se chama Brasil, mas em que a corte esteve fora da capital do império - caso único de um império europeu ocidental com a capital fora da capital. Tivemos as invasões francesas e as contra-invasões britânicas, tivemos uma guerra civil entre liberais e absolutistas, tivemos as divisões com intervenção militar entre liberais terminada a guerra civil e o curto período em que importámos o sistema inglês de funcionamento político fizemo-lo sem termos nem a burguesia económica e social, nem a experiência representativa, nem a vivência de liberdades do país de onde importávamos essa experiência.

Portanto, foi um bipartidarismo artificial, um rotativismo negociado, uma ficção positiva para o país, que durou umas décadas, mas que terminou porque era artificial na pulverização partidária, na grande crise financeira no final do séc. XIX acabada de pagar 100 anos depois e que no fundo marca um antecedente muito pesado no atraso da construção da nossa Democracia.

Não tínhamos feito a revolução industrial, não tínhamos feito a revolução verde, chegávamos económica, educativa e politicamente atrasados ao séc. XX. Apesar da muito boa vontade da I República em domínios sociais e educativos, assim continuou com a instabilidade política até à Ditadura. Apesar do esforço de saneamento financeiro da Ditadura, assim continuou em atraso económico. Primeiro a grande siderurgia em meados dos anos 50. Ao nível educativo: as mulheres só tiveram escolaridade obrigatória de quatro anos em 1957 e a escolaridade só passa na letra da lei para seis anos em meados dos anos 60. E naturalmente em termos sociais, pensar nomeadamente nos índices de mortalidade infantil ao longo dos anos 60 e até aos anos 70.

Portanto, isto para dizer que quando se olha para o que é hoje Portugal e o desafio da consolidação da Democracia em Portugal, estamos perante uma herança que teve aspectos positivos e aspectos negativos, mas em muitos aspectos pesada, que culmina nos anos 70 com a emigração de um milhão de portugueses, muitos deles os mais jovens e dinâmicos. Também com três guerras em África, com migrações internas, com desertificação do interior do continente. Isto domina os anos 60 e até o começo dos anos 70, acompanhado de uma situação financeira que já não era a situação financeira do saneamento de outros tempos mas sim de instabilidade financeira das guerras suportadas.

Se somarmos a isso aquilo que abrevio - porque todos os anos repito, embora para audiências diferentes -, que é o que enfrentámos como nenhum outro império ocidental, quatro desafios em simultâneo: descolonização, fim de um ciclo imperial de 500 anos em dois anos (74-76) com o regresso de cerca de 700 mil portugueses e africanos lusófonos; com a criação de uma democracia que não tinha tido antecedentes - a ditadura, por definição, não era democrática e o liberalismo monárquico e republicanos não eram democráticos, nem no exercício de direito de voto, nem na garantia efectiva de muitos direitos fundamentais, nem mesmo no alargamento do pluralismo ideológico e organizativo para além de um determinado leque relativamente limitado.

Se, finalmente, juntarmos a isso o processo de integração europeia e de mudança de regime económico, que o próprio tinha sido mudado substancialmente durante o período revolucionário - tudo isto ocorrendo quando olhamos para trás parece que no mesmo momento, mas não, a descolonização em dois anos; a Democracia em oito anos, pois só em 1982 passámos a ter uma Democracia civil plena; a integração europeia em três anos, dia 1 de Janeiro de 1986 entra em vigor a nossa adesão às comunidades europeias, em regime económico até hoje, porque começou em rigor depois da revisão constitucional em 1989 com as reprivatizações em 1992 e perdurou 20 anos.

Percebemos porque é que quando falamos na consolidação da Democracia, nós que pensamos um bocadinho mais e sabemos um bocadinho mais, temos a noção exacta de que não é uma coisa simples e tão fácil que se reduza a gostarmos ou não deste Primeiro-Ministro, deste Presidente da República, deste líder partidário, destes partidos ou destas medidas políticas ou legislativas - um processo muito mais complicado do que isso.

Temos trunfos? Temos; enumero apenas alguns: a língua, a unidade cultural, a capacidade de resistir e de adaptar, a experiência multi-secular, a nossa integração europeia, as nossas ligações em termos de comunidades lusófonas, os portugueses espalhados pelo mundo - o que classicamente chamavam de comunidades emigrantes -, o Euro, que foi um trunfo pesado no sentido de implicar modificações na nossa vida, mas permitiu-nos enfrentar certas crises que doutra maneira não enfrentaríamos com algumas ajudas externas. Temos o nível educativo a subir, os níveis sanitários a subir; modificações de comportamento social, maior abertura da sociedade portuguesa que é profundamente conservadora, mesmo quando é ecuménica e capaz de se adaptar a outros contextos.

Temos problemas e são esses que sentimos quando se fala na questão da consolidação da Democracia. O problema é que é uma Democracia muito jovem. Uma Democracia que tem menos de 30 anos, plena, é muito jovem para um país que vai a caminho dos nove séculos, é um período muito curto de tempo, não são muitas gerações.

Em segundo lugar, verdadeiramente, para muita gente nasceu quando nasceu a descoberta do Liberalismo. Não houve a descoberta da liberdade e depois a construção da Democracia, foi tudo ao mesmo tempo. Depois, que implicou vertentes económicas e sociais muito ambiciosas, ao mesmo tempo que havia saltos na democracia pessoal, nas liberdades pessoais e na democracia política. Depois, que era feita com partidos jovens - jovens é uma força de expressão -, acabados de criar. O Partido Socialista tinha um ano quando foi o 25 de Abril; o Partido Comunista tinha umas décadas, mas umas décadas; o PPD não existia, tinha antecedentes históricos; o CDS não existia; os partidos de extrema-esquerda era outra coisa diferente do que hoje é o Bloco de Esquerda. Tudo isto ou nasceu, ou se reformulou, se fez, em poucas décadas. Os mais velhos, nós, assistimos a isso, ainda somos do tempo em que não havia e passou a haver.

Portanto, não foi tão antigo assim.

Depois, temos um problema que já é antigo, de organização social. Os portugueses têm uma capacidade de adaptação e de afirmação em vários pontos do mundo. Há problemas de organização social que não são só do Estado, é das empresas, das universidades, das associações, que são problemas em que estamos a melhorar mas, como em todos os processos culturais, é lento. É fácil mudar uma Constituição, uma lei - ainda mais fácil -, uma portaria, umas instruções internas, mas é mais difícil mudar uma cultura, é mais lento.

Depois temos vivido isto tudo num contexto de crises sucessivas, já tivemos várias de reincidência internacional, mas importámos outras lá de fora e que se acumularam, como aconteceu agora com a crise mundial mais a crise europeia que tinha acabado de existir e com a crise estrutural portuguesa - é obra!

Neste momento, temos depois tropismos - uns antigos, ou situações mais recentes - que normalmente também são citadas quando se fala dos problemas da Democracia. Por exemplo, o juridicismo, a ideia de resolver problemas com leis, que é fundamental, eu sou professor de Direito e é evidente que tem de haver regras e devem ser acatadas. Mas a vida vai - como dizia Jorge Sampaio a certa altura sobre o défice - muitas vezes para além da lei. Dou um exemplo: a Constituição diz como são os poderes do Presidente da República. Houve vários Presidentes e cada um deles viveu e interpretou de forma completamente diversa. A Constituição italiana dá muito menos poderes ao Presidente italiano e este com quase 100 anos acabou por ter uma intervenção que normalmente não haveria num sistema parlamentar.

Portanto, quer dizer que é muito interessante discutir o que vai na letra da lei, mas mais interessante é discutir a realidade.

Outro aspecto: economicismo e financismo como reacção ao juridicismo excessivo. Nós, como um pouco outros países e outras sociedades, entrámos na moda do economicismo e tivemos de entrar na moda do financismo por falta de dinheiro. Mas a vida também não se faz só de números, faz-se de pessoas, embora os números sejam fundamentais para as pessoas poderem viver, mas não são tudo. A inércia: queremos muito mudanças, mas somos uma sociedade com muita inércia, fomos sempre. Os mais jovens têm menos, os mais velhos necessariamente têm mais. É um processo próprio de uma sociedade muito envelhecida como a nossa. A inércia é muito pesada.

As expectativas excessivas: o português é um sonhador e portanto tem expectativas excessivas, parte para os desafios tendo uma auto-estima que não é muito grande mas gosta de vez em quando sonhar com o Euromilhões e jogando todas as semanas no Euromilhões acha mesmo que ele vai sair. O que é fundamental, senão não jogava no Euromilhões e não contribuía para tanta causa social. Mas falta-nos por vezes o "pôr o pé no chão” e baixar as expectativas para depois não termos desilusões excessivas. As expectativas excessivas criam também desilusões excessivas. Mas temos estruturas políticas que são ao mesmo tempo muito velhas e muito novas. Porque não se esqueçam que - abreviando - a descolonização deu um país diferente: já não tem grande território e grande poder, tem grande gente cá dentro e lá fora. E a Educação, a Cultura e a Língua são fundamentais, mais a integração daqueles que imigraram, mais as relações com os que emigraram e mais a comunidade lusófona.

A construção da democracia é um desafio de todos os dias e a nossa Democracia tem coisas - é verdade - em que está muito velha, prematuramente velha. O poder local, em muitos aspectos, ficou muito velho; o poder central ficou muito velho, em pouco tempo, porque a Democracia é jovem. Na prática, no discurso político, a renovação às vezes é difícil nas estruturas. É verdade que em termos europeus integrámo-nos e foi uma grande sucesso a nossa integração, mas a Europa já não é a mesma. Integrámos numa Europa que tinha muito menos gente, eram 12 e depois enquanto foram para 15 não mudou muito porque os três que entraram de fora eram mais a norte eram ricos e não colocavam problemas, mas a 27 é outro mundo, com novos aliados e novos competidores em termos económicos e financeiros, e novas solidariedades.

Claro que do ponto de vista de construção do regime económico ainda andamos à procura de princípios e de definições. Somem a isto dois pequenos problemas: temos em Portugal dois países em termos de apoio comunitário europeu, o país que ainda pode receber e o país que já não pode receber. A Grande Lisboa já não pode receber apoio comunitário, a Madeira e o Algarve também não, mas os outros podem, menos o que já receberam mas podem. No entanto, há zonas complicadas, todas elas que podem e não podem receber e a Grande Lisboa nomeadamente.

Depois, não se esqueçam que é um país dividido em dois países: um jovem e um velho. Vocês são o país jovem, mas há um país mais velho que tende a ser mais numeroso que o país jovem.

Os dados que nos chegam de projecções para 2030 dão que provavelmente os de mais de 65 anos serão mais do que os jovens na sociedade portuguesa. Isto cria um problema complicado, porque são países que vivem em ritmos diferentes, têm meios de conhecer a realidade de maneira diferente: o país mais velho sobretudo a televisão generalista, o país mais novo sobretudo a Internet. Têm formas de responder aos desafios diferentes, de procurar - naqueles que ainda podem procurar nos mais velhos - saídas profissionais, que é cada vez mais difícil. Os mais novos podem, apesar de tudo, procurar lá fora e cá dentro, têm outro jogo de cintura. E o não deixar deslaçar o tecido, o fazer pontes entre estes dois países, é essencial.

Ouvi o Alexandre Relvas a dizer aqui ontem e tem toda a razão, ou não fosse um homem muito inteligente como é, um homem que conhece a realidade de ser um grande empresário, um grande gestor e um grande proprietário de empresas, é empresário mesmo, não é só gestor por conta de outrem. Ele lança empresas, cria riqueza. Ele dizia que o endividamento que temos hoje é um endividamento que vai, no fundo, pesar em cima dos vossos ombros e dos ombros dos vossos filhos e netos. É verdade, mas eu sei que ele não quis dizer com isso que se abra uma guerra entre gerações, era aquilo que de pior podia haver neste momento em Portugal.

Pelo contrário, os mais jovens ao fazerem o seu caminho, difícil nestes anos que vivemos, têm de ter a sensação de que há outros que vivem ainda pior: os mais velhos vivem pior. Porque a vossa desilusão são as expectativas iniciais de vida, mas a desilusão deles é em relação a décadas em que sonharam e acharam que estiveram a construir um país que pensam hoje que estão a descobrir que já não existe nem pode existir.

Todos estes problemas, uns têm a ver com o sistema político, com o sermos uma Democracia jovem, outros têm a ver com a gestão de uma nova Economia e acumulam-se no tempo. Por isso é que é mais complicado do que em outros países em que alguns dos problemas existem mas outros não existem da mesma maneira; também existem muitos mas não existem estes. Isto quer dizer que é o fim do regime, que estamos bloqueados? A História portuguesa recente demonstrou que cada vez que se pensou que se estava à espera da beira do fim do regime foi possível encontrar soluções, as pessoas souberam encontraram soluções e os próprios partidos foram obrigados a encontrar soluções.

Por exemplo, logo no início da Democracia, feita a experiência de um Governo socialista minoritário, embora quase maioritário, e depois de uma solução de compromisso com o CDS, que era periclitante, houve três governos presidenciais. Porque houve uma grande crise nos partidos, houve cisões no PSD, cisões no PS, surgiram novos partidos e movimentos. Dir-se-ia que os partidos que acabaram de nascer e de se afirmar já estão velhos e surgiu a AD que foi uma solução concebida, entre outros, por Francisco Sá Carneiro para, no fundo, pegar nos partidos que estavam a sangrar internamente e fazer um esforço de convergência para resolver problemas nacionais considerados urgentes. Isto numa altura em que havia Conselho de Revolução e ainda não havia Democracia civil plena; foi encontrada uma porta de saída.

Esgotada essa solução, dir-se-ia com o aparecimento da segunda crise com intervenção do FMI - a primeira tinha sido durante a governação socialista -, pensou-se que não havia saída e houve: foi a coligação dos dois maiores partidos contra aquilo que era o interesse de cada um deles, que era disputar o espaço do outro; juntaram-se. Estou à vontade, porque eu era contra essa fórmula do bloco central; liderava então a Nova Esperança e eu era uma sensibilidade interna contrária ao bloco central, mas foi a solução possível para sair do que parecia um impasse, isto é, um caminho sem saída. Mas esgotou-se e quando esgotou se disse: "Não há saída?” Houve. Curiosamente, foi a formação de um novo partido que durou um instante, chamado PRD, mas cumpriu uma missão fundamental que foi desbloquear o sistema eleitoral, permitindo a transferência de voto da Esquerda para a Direita e da Direita para a Esquerda.

Gente que até então só tinha votado claramente à esquerda passou a votar no Centro-Direita e provavelmente vice-versa. Surge a experiência do primeiro Governo de um partido com maioria, com Cavaco Silva. Mas surge porquê? Porque o PSD foi buscar as novas bandeiras de contestação ao sistema. Que era o quê? A insatisfação da juventude, a Ecologia, a reforma dos partidos, a proximidade dos cidadãos, a viragem para a democracia mediática. O primeiro a perceber foi o PSD, como o PS tinha sido o primeiro a perceber no início da Democracia o que fazer a seguir à revolução e o primeiro a perceber é quem assume a liderança. Porque os cidadãos entendem que está ali o que pode ser o portador de mudança.

Mas o Cavaquismo também se esgotou, obviamente, ao fim de dez anos, o mundo tinha mudado, a Europa tinha mudado e por muito que tivesse mudado o Cavaquismo não dava para acompanhar essa mudança. E surge o Guterrismo, que é à sua maneira uma saída e uma tentativa de resposta a um problema novo à Esquerda que é: como é que a Esquerda vai para o centro? O Partido Socialista tinha ficado muito confinado à Esquerda porque Cavaco Silva tinha alargado até ao Centro-Esquerda e o PS tinha de recuperar o centro e Guterres serviu para isso e para culminar o processo aberto por Cavaco Silva da entrada de Portugal no Euro. Cumpriu essas missões. Podemos depois discutir se não podia ter cumprido outras e por que não as cumpriu e qual foi o preço que teve o cumprimento dessas missões, que o teve, mas o que é facto é que o sistema encontrou uma fórmula de centrizar a Esquerda portuguesa em termos de Governo com quase maioria absoluta e não teve porque Guterres não pediu, se tivesse pedido tinha tido. Pela primeira vez, pois coisa que o próprio Mário Soares, saído triunfador da revolução, não tinha tido.

Desde então, tirando um pequeno lapso de governação de Durão Barroso, que foi muito curto, tivemos depois a governação de José Sócrates, que é no fundo um Guterrismo 2, mas é-o marcado a partir de certa altura muito pela crise e pelo desafio de responder à crise. Sabem qual é a posição do PSD, é de achar que ele percebeu tarde e respondeu tarde a muitos dos desafios da crise, mas o que é facto é que era a tentativa de continuar sem Guterres uma linha de centrização do PS, o que tinha um preço. Qual era o preço? É subir à Esquerda a própria Esquerda do PS. A centrização do PS tem esse preço: a subida do PC e do Bloco de Esquerda para valores de intenção eleitoral ou valores eleitorais, que fazem lembrar o pós-revolução em termos de afirmação das forças que têm uma posição crítica em relação a aspectos fundamentais do funcionamento do Governo que se têm sucedido.

Quando agora se pergunta: "E agora?” Agora, em termos da consolidação da Democracia; agora, em termos de saída para o regime; há saída? Eu digo: há saída, há sempre saídas e temos demonstrado que há saídas. Não achar isso é pensar que a saída só podia ser ditatorial, à margem da Democracia, qualquer que fosse, encapotada que fosse, menos democrática. Isso não nos entra na cabeça. Portanto, há saídas. As saídas são em dois planos diferentes. Há aspectos que implicam consensos amplos de regime, que são difíceis porque em período de crise as forças políticas estão muito radicalizadas e não querem fazer consensos.

É estranho, mas é assim; poderia não ser, mas é. Sobretudo quando agora há eleições todos os anos.

Por exemplo, em matéria de Língua, de Educação, de CPLP, de política externa, de política europeia, de política de defesa, mas também de organização das instituições, de sistema eleitoral, de eleição e de funcionamento do poder autárquico, de reforma do Estado no que é crucial, nesses domínios, a minha visão é a mesma que já era na altura em que era líder da oposição e que o disse no discurso de Santa Maria da Feira e fiz isso mesmo, viabilizando orçamentos, a lei de bases do sistema educativo, da autonomia das universidades, confluindo na política externa, na defesa e construção do Euro, entre outros, que eram essenciais então para a política financeira em termos de projecção europeia. A minha visão nestes domínios tem a ver com o mercado fundamental no regime económico do sistema político, da reforma dos grandes protagonistas políticos, para se habituarem, para se adaptarem às novas realidades. Os partidos todos, os chamados do arco da governação, mas todos em geral, devem estar despertos para a realidade e é uma obra de todos, não é só de um, não é obra de uma pessoa, ou de um grupo, ou de um partido.

Este é um desafio, mas depois há outro desafio noutro plano que é mais o da governação. Naturalmente, que o problema que hoje é muitas vezes colocado é: mas aí como é que vai ser? E também é a segunda parte do meu tema: Qual é o contributo que deve dar o PSD naquilo em que não é possível haver consenso, nem é desejável que haja pois trata-se de opções governativas e de vivências diversas. Que desafio tem o PSD? Sintetizaria desta maneira: o PSD é um dos partidos estruturantes da Democracia portuguesa e quando digo estruturantes da Democracia portuguesa, por definição todos os partidos são importantes para a Democracia, mas há partidos que têm tido um papel mais destacado na experiência democrática que temos vivido.

O PSD tem sido um partido desses. Não é pelo tempo de Governo que teve, não é por ter tido um papel protagonista em todas as propostas constitucionais que houve, não é por ter desencadeado processos referendários, não é por ter sido liderante no poder local mais tempo que todos os outros, não é por ter sido liderante nas Regiões Autónomas mais tempo que todos os outros, não é por ter a juventude mais dinâmica, ao ponto desta Universidade de Verão ter servido de modelo de inspiração para a universidade socialista e para a do Bloco de Esquerda. O que é uma razão de alegria. Quer dizer, eu fico feliz quando vejo nos jornais noticiosos não apenas a Universidade de Verão da JSD, mas a Universidade - embora em período mais curto de duração - de Verão do PS e a partir de amanhã, ou hoje, salvo erro, a Universidade de Verão do Bloco de Esquerda. Acho isso muito positivo.

Porque nós não queremos ter o exclusivo da Democracia. O PSD não quer ser dono na Democracia, é servidor da Democracia e não dono. Porque é que temos trunfos especiais, mas também responsabilidades especiais? Primeiro, porque somos um partido muito estranho, simultaneamente de militantes, eleitores e de contestação. Durante muito tempo dizia só as duas primeiras coisas. Começámos por ser um partido de militantes - o que era estranho porque um partido central nunca é de militantes. Por isso, muita gente disse, quando nascemos, que não tinha espaço para se meter; partidos militantes eram partidos radicais, eram o Partido Comunista e os partidos de Extrema-Esquerda, seriam partidos radicais à direita que não existem. Mas nós éramos um partido de militantes, que nos fizemos contra o vento e porque a resistência durante o PREC nos fez partido militante, sempre à beira da ilegalização e de problemas para podermos afirmar o nosso programa e o nosso espaço vital.

Depois passámos a partido de eleitores, esse foi o salto de Francisco Sá Carneiro, quando ele compreende com a AD que tínhamos de dar o salto de partido de militantes para de eleitores. Ficámos uma mistura complicada em que alguns barões têm peso, como é próprio de partidos de militantes, em determinadas estruturas mas em que os eleitores têm uma palavra fundamental a dizer pela amplitude, pelo acesso ao Governo, pelo exercício de funções governativas. Mas somos também um partido de contestação: se virem bem, não há um líder partidário que não tenha, antes de o ser, sido um contestatário de um ou vários líderes seus antecessores e um contestatário às vezes virulento. Não foi um, foram todos, até o Francisco Sá Carneiro na fase em que esteve na oposição a quem lhe sucedeu, primeiro Emídio Guerreiro, depois Sousa Franco, foi particularmente contundente.

Esse pluralismo interno, que naturalmente conhece limitações em período eleitoral, pois não podemos levar o pluralismo ao ponto de promovermos, apoiarmos, ou integrarmos, iniciativas que têm como objectivo derrotar o partido. O pluralismo interno visa enriquecer o partido e criar alternativas para o futuro, mas não em momentos cruciais de voto popular à custa da derrota partidária. Bom, mas esta tripla faceta nenhum outro tem: o PS é partido de eleitores, até foi primeiro do que nós e nunca conseguiu ser um partido de militantes como nós. Partido de contestação sim, mas curiosamente mais do pai fundador e dos históricos, do que dos mais jovens, embora também haja jovens com algum espaço de contestação no PS.

Depois, o PSD tem uma capacidade de renovação etária brutal. Em termos de liderança foi o primeiro a fazer a mudança de geração, com o Durão Barroso e Santana Lopes fizemos a mudança de geração quando ainda as alternativas eram da geração anterior. No PS - já não digo no PC que era ainda mais anterior -, mesmo no Bloco de Esquerda Francisco Louçã ficava acima em termos etários quer de Durão Barroso, quer de Santana Lopes.

O que significa que fizemos essa viragem que depois continuou com Marques Mendes, integrando sempre os novos num diálogo intergeracional como a experiência de termos líderes um bocadinho menos jovens como foi a nossa jovem à sua maneira, Manuela Ferreira Leite.

Temos essa característica, como temos a do interclassismo, o que não é muito fácil num partido na nossa localização partidária, como tivemos sempre uma forte implantação sindical laboral. Os desafios que nos colocam é de pegarmos estas características e potenciá-las: acentuar a renovação etária; o interclassismo; a penetração no mundo do trabalho com novas estruturas e novas práticas, reformando aquelas que existem naquilo que estejam obsoletas; manter este equilíbrio entre militantismo, eleitores e contestação; manter a ligação entre a CPLP na qual Sá Carneiro foi precursor com a sua carta a Samora Machel; manter o carácter precursor da nossa ligação à Europa e sermos europeístas descomplexados, independentemente de discordarmos de muita coisa que é feita na Europa em determinado momento, mas sermos europeístas descomplexados, sem esquecer o Mundo, sem esquecer que somos atlantistas também, mas também descomplexados e que temos ligação com todo o Mundo.

Depois, resistir àquilo que é uma tentação terrível dos partidos de poder que é serem partidos de cartel, partidos de aparelho, que para muitos é uma quase inevitabilidade, porque o poder cria aparelhos, ou cria clientelas pois elas existem. Como é que se combate isso e como é que se trava isso? Primeiro, tendo a noção de que esse é um risco e depois, tentando travá-lo, circunscrevê-lo, moderar e combater esses ímpetos permanentemente. E depois virarmo-nos para o novo mundo que está a nascer, porque este mundo é muito diferente daquele em que nasceu o PSD e muito diferente daquele de há três, ou quatro, ou cinco anos. O mundo pós-Obama vai ser muito diferente, como o mundo pós-Merkel, ou como o mundo pós-Dilma; é outro mundo e nós temos de estar nesse outro mundo antes dos outros.

Quer isto dizer atirar pela janela os valores? Não. Essa foi uma das nossas riquezas. Quando nos declarámos personalistas, humanistas, e fizemo-lo com radicalidade, nós estivemos a dizer que para nós não há relativismos que favoreçam oportunismos. Termos esses valores presentes, agora com novos hábitos políticos e culturais. Dir-me-ão: mas é difícil fazer isso quando temos um Governo que está a levar pancada, temos de gerir uma crise e temos problemas que vão até dia 31 de Junho com a Troika e depois até 2015 e até às legislativas. É verdade, não é fácil, mas esse é o grande desafio.

O grande desafio é que enquanto há uma parte do PSD que está naturalmente envolvida na tarefa imediata destes dois anos, há outra parte do PSD que está a pensar no futuro, está a construir o futuro. Eu acho - sou optimista - que se não perdermos tempo, pois ele não espera por nós, ganhamos este desafio.

Com isto quero dizer o seguinte: acho que é muito importante enfrentar esta crise dois anos que faltam ou até estarmos a viver plenamente outra fase, mas já temos de estar a trabalhar nessa fase, porque dois anos não é nada. Na vossa vida então não é rigorosamente nada e a daqui a dois anos é outro mundo e nesse outro mundo tem de haver outras respostas do PSD, muito diferentes daquelas que foram encontradas para esta situação de crise. Olhando para o PS, nós temos essa oportunidade; pode ser que o PS mude, mas o PS que existe hoje é um PS que não conseguiu autonomizar-se da última encarnação - e podia, António José Seguro podia distanciar-se de Sócrates, mas não vejo no discurso que vai fazer amanhã. António José Seguro achou que devia reunir com Sócrates e com figuras do pessoal político socrático para debater a situação política, o que eu acho bem, porque ao Pedro Passos Coelho também é bom que às vezes encontre os ex-líderes do partido.

Mas não é isso o problema que se coloca. O problema que se coloca é que eu esperaria de António José Seguro alternativas substanciais - não digo tanto para os próximos dois anos, em que está tão preso quanto o PSD ao memorando da Troika, mas para depois desses dois anos -, o que é que irá fazer de diferente, de muito diferente. Aquilo que eu acho é que o PSD tem a obrigação de começar a pensar o que vai fazer de muito diferente depois de 2015. Não é apenas porque tenho a sensação de que António José Seguro ainda não conseguiu apresentar o que quer fazer de muito diferente, mas é porque acho que é a nossa obrigação.

A nossa obrigação é essa: antecipar a viragem que vai haver em 2016, até 2019. Anteciparem, vocês, que estão na vossa idade e estão precisamente no horizonte em que isso faz todo o sentido, mas antecipar o partido todo.

Uma coisa é certa: as eleições fazem-se, entre outras coisas, para encontrar saídas políticas. Obrigam a que os protagonistas pensem nisso, mas não podemos pensar apenas em eleições. Deve-se procurar pensar, à margem de eleições, resposta para novos problemas que se colocam no Mundo, na Europa e em Portugal.

Essa capacidade de antevisão que o PSD mostrou em muitos momentos da sua história, acho que tem obrigação de mostrar também, provavelmente com muita gente nova. Não é que os mais velhos não consigam encontrar fórmulas novas, mas é mais fácil os mais novos encontrarem fórmulas novas do que os mais velhos. Mas em clima intergeracional esse é o grande desafio. Essa é, a meu ver, a maneira rica de ver a política, que é não dizer que estamos no fim do regime, não é aquele discurso céptico ou pessimismo do pessimista clássico de muitos portugueses.

É: o que é que vamos fazer para apontar para novas saídas, tendo a noção exacta daquilo que existe, como existe, cumpre uma missão no quadro de um tempo muito limitado, de uma crise limitada - esperemos - e o país tem direito a olhar para além de 2015.

Agora é a vossa vez de colocarem as perguntas, não é Carlos? Como é que se começa?

[APLAUSOS]

 
Hugo Soares
Começa-se, Professor, por lhe agradecer em nome de todos os alunos, estou certo, a brilhante exposição que aqui nos trouxe e nos deixou. Seguem-se as perguntas dos nossos alunos, começando pelo Diogo Fagundes do grupo Cinzento.
 
Diogo Fagundes

Boa tarde, Prof. Dr. Marcelo Rebelo de Sousa. Sou o Diogo Fagundes do grupo Cinzento, queria agradecer-lhe a sua presença na Universidade de Verão. A minha primeira pergunta é relacionada com o impacto económico do chumbo do Tribunal Constitucional, mas como já foi respondida ia para outra.

É dos mais importantes opinion makers do país. O que sente em relação a isso e principalmente como é que gere a responsabilidade dessa posição? Acha que fazem falta ao país mais opinion makers de qualidade?
Obrigado.

 
Marcelo Rebelo de Sousa

Quatro pontos rápidos: primeiro, uma sugestão para o futuro é que não devia haver um grupo cinzento na JSD. Para o ano escolham outra cor que não o cinzento. Não é menos consideração, enfim, é uma visão atávica que tenho do cinzento.

Segundo, em relação ainda sobre o Tribunal Constitucional, queria dizer algo que ainda não disse. Tenho visto em muitos jornais dizerem que isto vale 900 milhões de euros ao longo de três anos e que seriam 50 milhões este ano, 400 milhões para o ano e depois o resto faseado por mais um a dois anos. Na prática não exactamente assim. Quando se fala em 900 milhões é pensar apenas nos mobilizados especiais mas também nas rescisões unilaterais.

Portanto, para sermos precisos, o custo financeiro da decisão é um custo que é inferior a esse valor global que é dado, porque tem de se descontar naquilo que possa haver de rescisões unilaterais. Outra coisa é discutirmos se é mais fácil ou mais difícil fazermos rescisões unilaterais, sendo mais fácil ou mais difícil haver "despedimentos” na Função Pública.

A terceira questão é esta: eu tenho, sobre os chamados líderes de opinião, uma opinião que resulta de ser o mais velhinho de todos, tirando José Carlos Vasconcelos que continua a escrever mas ainda aparece menos na televisão. Aqueles que têm menos influência do que as pessoas pensam e do que provavelmente eles pensam, primeiro, não são protagonistas políticos efectivos. Os grandes protagonistas são os cidadãos e depois, noutro plano - se quiserem - são os parlamentares, os dirigentes partidários, os autarcas e por aí adiante.

Sou muito moderado e muito humilde depois de ter visto o que vi e acho que é muito menor a influência. A multiplicação de opiniões pela Internet, a multiplicação de líderes de opinião, em que a última análise cada cidadão pode ser um líder de opinião à sua maneira num determinado espaço reduz a ideia que havia noutro tempo e noutro tipo de comunicação que era de grandes líderes de opinião.

Não tenho ilusões sobre o peso excessivo das suas intervenções. Como é que eu giro, apesar de tudo, o peso pequeno que tenha? Como sempre geri tudo na vida, como respiro, eu sou como sou e portanto cada qual tem a sua biografia. Eu nasci num determinado ano, tive uma certa formação, tive uma certa história, pesa-me como elemento decisivo a minha fé cristã, depois pesa-me ser português, pesa-me o ser lusófono, o ser europeu, ser social-democrata, entre outras coisas como ser do Clube Sporting de Braga, coisa que não é muito boa depois da figura feita ontem, mas merece-se um aplauso.

[APLAUSOS]

Eles não merecem, mas enfim, ser-se do Braga hoje merece, porque é preciso gostar muito para hoje estar bem-disposto ao pensar no Braga.

[RISOS]

Portanto, é a minha biografia, as pessoas já sabem quem eu sou, que sou um rebelde, irreverente, que digo o que penso - é uma maçada porque arranjo muitos inimigos e muitos adversários dentro e fora dos sítios onde me movo. Como é que eu giro isso? Giro, dizendo aquilo que acho, que é verdadeiro e que é importante de uma perspectiva pedagógica que é aquela que deve ser do comentador, que é explicar, ajudar a chamar a atenção, despertar o debate, suscitar concordâncias ou discordâncias, dar a sua opinião, se quiser formar aceitando aquilo que é próprio de uma sociedade plural, que é o pluralismo.

 
Hugo Soares
Obrigado, Professor. Grupo Bege, Joana de Carvalho.
 
Joana de Carvalho

Boa tarde, queríamos desde já agradecer a sua presença na Universidade de Verão. É evidente que hoje existe um afastamento dos jovens da política. Nos primeiros anos após a Revolução era comum os secretários de Estado e pessoal dos gabinetes governamentais terem menos de 30 anos. Actualmente há menos e até é mal visto, pois é considerado que abaixo dos 30 anos existe uma falta de experiência.

Gostaríamos de saber a sua opinião acerca desta evolução.

Obrigada.

[APLAUSOS]

 
Marcelo Rebelo de Sousa

Encurtando razões, diria o seguinte: o que se passou com os jovens, com o papel deles e o envelhecimento do sistema partidário e outros parceiros económicos sociais, teve a ver com a génese da nossa Democracia. Quando a nossa Democracia nasceu ela cortou gerações mais velhas e portanto gerações muito jovens como a minha que estava nos 20 anos e acima, a dos 30, foram sugadas porque a política tem horror ao vazio e desempenharam funções que normalmente só desempenhariam mais tarde. Portanto, nós fomos tudo, excepto líderes partidários, mas quase: vice-líderes, quase-líderes, para-líderes, membros do Governo, deputados, constituintes, etc.

Como apesar de tudo a minha geração continuava a ser jovem para a média europeia essa geração foi continuando nos anos 70, 80, 90. Isso levou a que nos anos 90 houvesse uma reacção dos mais novos, esmagámos a geração anos 70 em parte, provocámos a reacção da geração anos 80, levámos a um desinteresse da política em muitos casos na geração dos 90 e de uma parte da geração depois da viragem de século. Até que tardiamente se deu a mudança. Ainda hoje o líder do PCP é alguém que foi meu colega na Constituinte, que eu conheço, numa bancada discreta mas simpática da Constituinte, volvidos estes anos todos. Para mostrar como a viragem etária não é um problema só de um partido, até de um partido mais antigo e mais experimentado em lutas políticas.

Portanto, isso começou a ser corrigido tardiamente, mas demorou muito tempo a ser corrigido. Chegaram depois outros mais novos, mas não tão novos assim, que acharam que deviam ficar mais um tempo. Não se pode dizer que o PSD seja, nesse particular, do pior que houve, não, pelo contrário. A renovação etária no PSD foi até mais rápida, dentro da lentidão que se aponte, do que noutros partidos, mas foi assim porque a Democracia se fez assim e é uma Democracia muito recente. Agora, é evidente que estes ciclos vão sendo cada vez mais curtos. Portanto, o que é mais natural no futuro é que se assista a uma intensificação desta renovação etária. Não para reconduzir todos os velhinhos, ou muito velhinhos, ou para-velhinhos, a cidadãos ostracizados metidos numa reserva, afastados da participação política, porque isso vai contra o que deve ser, primeiro, o encontro intergeracional e a riqueza intergeracional na sociedade portuguesa e, segundo, contra o realismo político.

Pois se eles são mais pesados em termos eleitorais, no futuro os de mais de 65 anos serão mais do que aqueles que têm menos, não parece muito inteligente marginalizá-los da vida política. Tenho mesmo a ideia de que em futuros confrontos políticos e eleitorais a posição que tomar o país mais velho pode ser decisiva, pode decidir o que se vai passar. Portanto, há aqui um equilíbrio. Percebo as vossas legítimas queixas, acho que vão ter com o decurso do tempo uma resposta favorável de modo crescente, mas vão ter de ter cuidado nisto que é o gerir uma coisa muito sensível numa sociedade envelhecida, que é o relacionamento com aquela parte da sociedade e que é muito grande e um bocadinho mais velha do que vocês são.

 
Hugo Soares
Muito obrigado, Professor. Valter Vieira do grupo Rosa.
 
Valter Costa Vieira

Se não fosse o meu grupo também me causaria urticária, portanto.

[RISOS]

Antes de mais, muito boa tarde Professor Marcelo Rebelo de Sousa. Apenas dizer-lhe que o grupo Rosa espera o seu comentário no domingo à noite, no seu comentário semanal habitual. A pergunta que lhe trazemos aqui hoje é também relacionada com uma expressão dita pelo Professor que disse que a Democracia portuguesa tinha tiques de muito jovem e de muito velho. Queríamos saber, na sua opinião, o que tinha de ser feito para mudar esta situação e qual é nisto o papel da Social-Democracia portuguesa e perguntarmos-lhe também se este conflito intergeracional não terá também pontos positivos.

Muito obrigado.

[APLAUSOS]

 
Marcelo Rebelo de Sousa

Acho que a JSD é um exemplo, foi sempre, de como os mais jovens foram muito importantes na dinamização do partido. O ter sido uma organização muito forte e em vários aspectos e momentos decisiva na vida do partido e portanto no país, foi bom para o partido e para o país. E deve continuar a ser assim, a ser irreverente, rebelde, a ter posições que não são só sobre os problemas dos jovens - problemas dos jovens são todos -, mas problemas do país em geral.

Eu colaborei na feitura de um projecto de revisão constitucional da JSD de Pedro Passos Coelho, no tempo em que era líder do partido Cavaco Silva e este não adorou a ideia de haver um projecto autónomo, independente, na JSD. E tivemos reuniões em discotecas, nas mais variadas de Lisboa, um bocadinho contra o feitio do Pedro Passos Coelho que não era dado a esses devaneios nocturnos, ao contrário de mim.

[RISOS]

Parecia muito meu pai, do ponto de vista comportamental, era mais velho e mais clássico de costumes do que eu próprio, mas o que é facto é que tem razão quando diz que a dialéctica intergeracional é fundamental no partido e no país. Não sei se lhe chamaria conflito. Dialéctica é uma coisa que é haver aqui ideias novas, propostas novas, protagonismos novos, fórmulas novas, mas não agredindo aqueles que estão noutra posição. Não estou a dizer isso por ir fazer 65 anos, antigamente dava passe social e outras coisas, mas é porque de facto são gerações, as mais velhas, que ficaram um bocadinho trucidadas pela História em Portugal por expectativas excessivas num determinado momento por pensarem que o futuro ia ser uma coisa e é outra completamente diferente; porque a sociedade mudou e tecnologicamente já não emprego fácil para muitos deles por várias razões económicas e sociais.

Pensem de vez em quando, quando pensarem com a fúria dos políticos mais velhos, pensem nos familiares mais velhos e atenuem essa fúria e pensarão que vários deles foram atropelados pela História. Um avô, uma avó, às vezes um tio, um pai ou uma mãe que ficaram atropelados nas suas expectativas e há que gerir alguma sensibilidade. Esse é um aspecto muito importante de fazer política: a sensibilidade social, que não vem nos números, os números nisso são frios, mas que é essencial, faz toda a diferença em termos de empatia. A palavra dita a tempo e não três semanas depois, o gesto que se diz e não a omissão que é ruidosa.

Portanto, com isto volta-se aos tiques da Democracia. Primeiro, há medida que ela vai fazendo o seu percurso é inevitável. Os tiques de juventude vão passando, mas em relação aos tiques de prematuramente envelhecida, aí é preciso reformar as instituições e mudar os comportamentos.

Os partidos têm muito de prematuramente envelhecidos, como também têm os parceiros sociais, patronais e sindicais. De vez em quando façam essa experiência que eu faço com a CGTP que é: se virem os discursos ou os cartazes da CGTP, independentemente do líder do momento, as palavras de ordem são as mesmas. Se de repente abrirem a televisão e ouvirem, abstraindo do momento, aquilo valia há três anos, há cinco, há sete ou mais. Há qualquer coisa errada. Deviam mudar em alguma coisa. É que já não é uma questão de coerência, não, é um problema de dificuldade de ajustamento aos novos desafios e isso acontece com todos. Estou a dizer a CGTP para ser mais simpático do que dar um exemplo na nossa própria casa.

Mas é evidente que permanentemente temos de nos adaptar. É uma prova de inteligência, a adaptação. Dou um exemplo na nossa casa de inteligência de adaptação: o terem parado os briefings governamentais durante o período de Agosto. Foi uma prova de inteligência. Para quê darmos um tiro no pé todas as semanas, para além dos tiros que recebemos dos adversários? Não vale a pena. Bem-intencionadamente já que a ideia era responder às dúvidas dos adversários, mas na refrega alguma das nossas balas acertaram no nosso corpo. Estão a ver como se pode ir aprendendo e ir modificando comportamentos. Há muita coisa, por exemplo no discurso político, no politiquês, na forma de comunicação, que é completamente diferente.

Recordo o que era a Universidade de Verão há 11 anos. Era outro mundo em termos de Comunicação. Os jovens que aqui estavam era vê-los, alguns deles, eram outros, vestiam de outra maneira. Não é? Não diria que eram "caretas”, comparados com aquilo que vocês são, porque vocês vão ser "caretas” em relação à Universidade daqui a quatro ou cinco anos. E os partidos ficaram, em muitos aspectos, "caretas” quando de repente surgem convocatórias por sms ou pela Internet e movimentos que despertam de um dia para o outro, iniciativas de opinião pública, jovens ou não-jovens, que eram impensáveis há cinco ou seis anos.

Isto vai ser assim, mas cada vez mais acelerado. A constante vai ser a mudança.

Outra questão.

 
Hugo Soares
Vamos a ela. Grupo Encarnado, o Jorge Ribeiro.
 
Marcelo Rebelo de Sousa
Apesar de tudo, você prefere o encarnado ao rosa.
 
Jorge Ribeiro
Também me causa algum engulho.
 
Marcelo Rebelo de Sousa
Eu prefiro, que é a cor do Braga. E você não é do Benfica?
 
Hugo Soares

Não, não. Sou de Braga mas sou do Porto.

[APLAUSOS]

Mas fiquei triste por ontem o Braga ter perdido.

 
Jorge Ribeiro

Boa tarde, Professor. Em nome do grupo Encarnado quero cumprimentá-lo e agradecer-lhe pela sua presença, pois é sempre muito interessante e produtivo ouvir a sua opinião. Obrigado.

A questão que tenho para colocar é a seguinte: hoje em dia na situação do país quem manda principalmente é a Troika, independentemente do Governo, seja PS, seja PSD, temos de fazer o que a Troika manda. A questão é: até que ponto a Democracia fica em causa por programas impostos por países estrangeiros, que não tem a ver com a vontade expressa pelo povo em eleições?

Obrigado.

 
Marcelo Rebelo de Sousa

Primeiro deixem-me fazer uma rectificação sobre o que eu disse há bocadinho, que é a prova que a Comunicação Social flui a um ritmo assustador. Porque eu tinha tido uma informação via Internet, vinha no carro a ver, de que António José Seguro estava a encontrar-se com vários vultos, entre os quais José Sócrates, mas afinal não se encontrou com ele e, portanto, fica feita a rectificação antes que qualquer um dos dois venha dizer que eu com má vontade disse que eles se encontravam.

Isto não quer dizer que eu ache que Seguro tenha mais ideias pelo facto de não se ter encontrado com Sócrates - tem exactamente as mesmas, ou a mesma falta de ideias -, mas não se encontrou com Sócrates.

[APLAUSOS]

Vamos à Troika, não vale a pena evitarmos esse problema. Ontem um jornalista de um jornal Económico estava a fazer o ranking dos poderosos em Portugal e eu disse-lhe: "Tem lá a senhora Merkel, não?” e ele olhou para mim e tal, não sabia se eu estava a falar a sério. Mas é verdade, é um facto. Como o Presidente Obama tem influência se pensarmos neste Mundo em que tem influência em várias sociedades. Há protagonistas internacionais que têm um peso, em muitos casos, decisivo, pelo menos em alguns momentos é deveras decisivo.

É evidente que entre haver o memorando da Troika e haver Troika e condicionamentos levou a que membros do actual Governo tenham dito que estamos num protectorado financeiro. O que quer dizer que a nossa soberania é condicionada por ajustamentos e negociações com a Comissão Europeia, com o Banco Central Europeu e com o Fundo Monetário Internacional.

Dir-me-ão: "Isto é democrático?”. No que respeita ao Banco Central Europeu e à Comissão Europeia acho que há raízes democráticas ainda, porque há - se quiserem - um processo democrático paralelo ao processo democrático de cada Estado que conduza a eleição de parlamentos europeus e que leva os Estados, através dos seus governantes devidamente legitimados, a contribuírem também para a escolha do Presidente da Comissão Europeia, dos membros da Comissão para além da intervenção que tem o Parlamento Europeu legitimado democraticamente.

Na medida em que o Banco Central Europeu, apesar da sua forma de independência, funciona no quadro da instituições europeias, podemos encontrar aí um contexto democrático. No caso do Fundo Monetário Internacional temos de ter alguma generosidade adicional porque temos de pensar nas Nações Unidas, onde estão praticamente todos os Estados do Mundo e na medida em que é uma organização para-universal das Nações Unidas, dizer que ela acaba por reportar na escolha dos seus responsáveis à realidade que são as Nações Unidas.

Mas, sendo claro, é evidente que há um sacrifício temporário, relativo, dos mecanismos ou do funcionamento normal dos mecanismos democráticos internos dos Estados com programa de assistência por força do mesmo. É nesse sentido que se fala em limitações de soberania adicionais, para além daquelas que decorrem da partilha da soberania no quadro europeu, e nesse sentido há de facto o peso acrescido de protagonistas, nomeadamente europeus ou mundiais na vida económica e financeira portuguesa.

 
Hugo Soares
Obrigado, Professor. João Figueiredo do grupo Amarelo.
 
João Figueiredo

Boa tarde, Professor Marcelo Rebelo de Sousa. Em primeiro lugar, cumprimentá-lo em nome da equipa amarela e agradecer-lhe a presença, mais um ano, nesta Universidade de Verão.

Esta tarde falou-nos de Democracia e da consolidação da mesma em Portugal. A minha questão vai de encontro ao tema, pois refere-se à concretização do princípio democrático junto dos partidos, em especial o Partido Social Democrata, como pela implantação de primárias nas autárquicas e legislativas, embora saiba que o PS já recorre a primárias. Depois, o eleitorado sente cada vez mais um afastamento dos partidos e exige cada vez mais um critério na selecção dos candidatos de forma a aproximar os candidatos. Acha e acredita que o recurso a uma primeira prova eleitoral seria um claro sinal de proximidade, de abertura e por que não de renovação dos partidos?


Muito obrigado.

 
Marcelo Rebelo de Sousa

Gosto da ideia, mas de verdadeiras primárias, não é aquilo que tenho ouvido chamar de primárias. Verdadeiras primárias é o que há na América, que é qualquer eleitor num determinado dia e não apenas os militantes inscritos no partido. Se a ideia é sentir o que pensam os eleitores, que não é necessariamente o que pensam os militantes do partido, acho que sim, que num determinado dia devia haver para autárquicas, legislativas e mesmo presidenciais, um dia em que estavam urnas abertas e quem entendesse que naquele momento estava virado para votar num candidato do PSD, ou apoiado pelo PSD, escolhia dos vários candidatos possíveis, dizendo qual é que acha que deve ser candidato em segundo lugar.

Agora, isto são as verdadeiras primárias. Outra coisa é haver a substituição de deliberações em assembleias de concelhias, ou assembleias distritais, pelo voto dos militantes. Acho isso pobre para conhecer a vontade dos eleitores. Se a ideia é de dar um salto corajoso, jovem, determinado, vamos para as primárias. Acho que é uma ideia e acho que se o PSD fosse o primeiro a fazê-lo num mesmo dia, vamos imaginar antes das próximas autárquicas, à distância de uns meses razoáveis, para não ser em cima da hora porque depois há que montar campanhas e fazer escolhas de equipas, etc. Quem entende que está em condições, submete-se candidato a candidato e com uma mini-campanha eleitoral havia hipótese.

É muito simples. Até pode ser virtuosa do ponto de vista de estabilização da opinião pública ao culminar num dia em que se vota. É evidente que isto nas autárquicas é fácil, nas presidenciais é fácil, nas legislativas é um bocadinho mais difícil, mas também é possível. É que aí pode ser uma lista infinda, os círculos que têm não-sei-quantos candidatos aparecerem 200 para 30 lugares. Está bem, as pessoas escolhem para não ser muito complicado senão tinham de ordenar e depois fazer os somatórios é um problema, mas pelo menos aqueles que achavam que deviam ser.

A certa altura trabalhei num código eleitoral em que houve uma ideia do já falecido conselheiro Luís Nunes de Almeida, que era boa, era dividir os círculos eleitorais que existem em circunscrições de voto e em cada era eleito o mais votado naquela circunscrição de voto. Isso era uma coisa interessante, porque aí as pessoas tinham o seu eleito, o seu candidato aí. Depois entrava na lista a candidato aquele que tinha maior percentagem, por ordem decrescente, comparados com os demais membros da lista.

Claro que se está mesmo a ver que isto implicava usar o mesmo sistema de círculo nacional, se não muito notável nacional não punha os pés no Parlamento, não é? Havia esse risco, ia ser um problema, efectivo. Portanto, admito que nas legislativas seria um bocado mais complicado, mas não é impossível.

 
Hugo Soares
Obrigado, Professor. Carlos Alberto Miranda do grupo Azul.
 
Carlos Alberto Miranda

Muito boa tarde a todos. Quero cumprimentar o Professor Marcelo Rebelo de Sousa em meu nome pessoal e do grupo Azul. É uma honra receber nesta Universidade de Verão o mais popular dos militantes do PPD/PSD e aquele que estou absolutamente convicto que será, com o apoio entusiástico do povo português, o próximo Presidente da República.

[APLAUSOS]

O brilhantismo da sua intervenção foi muito importante para compreendermos a evolução histórica da nossa Democracia e do nosso partido. As circunstâncias históricas depois do 25 de Abril fizeram com que todos os partidos viessem um bocado mais para a Esquerda para terem capacidade para combaterem aquela conotação que muita gente dava com o anterior regime, com o Estado Novo e para assim terem força para combaterem a ameaça da instauração em Portugal do regime totalitário de natureza comunista.

De facto conseguimos evitar essa ameaça e hoje derrotámos a ameaça da instauração do regime comunista e hoje somos um Estado de direito democrático. Portanto, a opção do nosso partido de assumir a ideologia Social-Democrata revelou-se positiva. Chegámos inclusivamente a tentar aderir à Internacional Socialista, não é? Hoje sabemos perfeitamente que a Social-Democracia é uma ideologia de Esquerda, o Partido Socialista é que pertence à Internacional Socialista, sempre pertenceu e o PPD/PSD desde que o senhor Professor foi Presidente do Partido pertence ao Partido Popular Europeu que agrupa as famílias do Centro-Direita: a Democracia Cristã, o Liberalismo, o Conservadorismo.

Professor Marcelo Rebelo de Sousa, em termos de ideologia quem é o verdadeiro Partido Social Democrata em Portugal?

Obrigado.

 
Marcelo Rebelo de Sousa

Tirando talvez o Partido Comunista que é um debate mais difícil de fazer, todos os partidos, incluindo o Bloco de Esquerda, são frentes partidárias. O Bloco de Esquerda é, obviamente, uma frente de muitas sensibilidades, de muitos partidos, de muitos movimentos. O CDS é uma frente partidária, como se viu, teve líderes tão diferentes com um social-cristão tradicional, Adriano Moreira; um centrista, Freitas do Amaral; um populista euro-céptico Manuel Monteiro; o actual líder, Paulo Portas.

O PS como é patente também uma frente; quando falei na centrização do PS em termos de Governo tive presente que o PS teve e tem muitas sensibilidades e nós sabemos que são muito diversas, que vão do Social-Liberal à Social-Democracia ao Socialismo mais radical e com tonalidades diferentes, mais frentrista de Esquerda, menos frentista de Esquerda e o PSD não foge a isso. Temos uma génese em que entraram movimentos sociais católicos, portanto há sociais-cristãos, temos sociais-liberais, antigos membros de antigos partidos da I República que ainda entraram e republicanos liberais, ou sociais-liberais, temos sociais-democratas de graus diferentes e com um discurso mais ou menos radical.

Tivemos mais ou menos ao longo da nossa História, mas não podemos esquecer que também temos áreas, ou zonas sociais, populistas, como temos também zonas mais conservadoras e menos conservadoras. Portanto, olhar para um partido e dizer: "aquele partido é”, olhando apenas à sua posição relativa, porque de facto em termos relativos o PSD é um partido de Centro-Direita comparando com outros, olhando para aquela escala Direita-Esquerda e para outros partidos situados ou à nossa Direita ou à nossa Esquerda, é verdade.

No início esteve situado entre o Centro-Esquerda e o Centro-Direita e hoje é um partido de Centro-Direita claramente, mas que tem gente mais à Direita e gente claramente mais à Esquerda, por exemplo Cavaco Silva. Essa foi uma das suas virtualidades que lhe deu maiorias absolutas e lhe deu duas vitórias presidenciais. Eu acho que nunca foi um homem de Direita, mais depressa é um homem de Centro-Esquerda do que sequer de Centro-Direita ou Direita.

Portanto, isto para dizer que o PSD tem essa riqueza, como têm outros partidos, que é útil do ponto de vista interno. Agora, perguntará: "Está bem, mas enquanto partido?”. Enquanto partido a afirmação vai sendo feita em momentos diversos tendo maior tonalidade para um lado ou para o outro. Logo, há momentos em que o acento tónico foi mais social-democrata, momentos em que foi mais social-cristão, momentos em que foi mais social-liberal.

Até por uma razão que disse pertinentemente na sua pergunta, é que a Constituição e o arranque da nossa Democracia ficou muito à Esquerda. Isso levou a que posições que eram pacificamente sociais-democratas noutros países do Centro, do Norte ou mesmo do Sul da Europa, aparecessem como sendo muito à Direita pelo simples facto de ser à Direita os revisionistas daquilo que existia e que era muito radical para a época.

Portanto, neste momento discute-se muito sobre se não há um Liberalismo ou um Ultra-Liberalismo em muitas das medidas que são adoptadas e como são e como não são. eu costumo responder o seguinte, que há no partido, como sempre houve, sectores liberais e sectores sociais-liberais, que o partido não se resume a eles, tem uma riqueza amplíssima e que há uma componente social fortíssima no nosso partido.

É essa dialéctica entre a defesa das liberdades e a defesa de preocupações sociais - se quiserem, de direitos sociais e políticos de um lado e de direitos económicos sociais e culturais do outro lado -, que faz com que haja no nosso partido gente que é muito militante da redução do Estado a um Estado, não direi mínimo, mas um Estado limitado e há outros nos quais eu me encontro, que são defensores de uma reforma do Estado mas não de um Estado minimalista na sociedade que temos, no momento que temos, com as contradições e problemas sociais que temos.

Portanto, não vejo problema nenhum actual no programa que foi revisto, já não o programa, obviamente, que eu votei no primeiro congresso do partido, mas o programa revisto no tempo em que, salvo erro, Cavaco Silva era líder. Não é que ele já não possa ser revisto para introduzir novas componentes de futuro que lá faltam, mas não este equilíbrio e esta dialéctica interna, que permite dizer que sendo embora colocado no Centro-Direita é um Partido Social Democrata português. Aliás, Sá Carneiro tem um livro sobre a Social-Democracia portuguesa, em que explica como é que o Partido Social Democrata é como é, sendo um partido que não nasce essencialmente de movimentos operários, não nasce essencialmente como partido socialista ou social-democrata nórdicos, que são partidos revisionistas que resultam de partidos revolucionários na sua origem.

Pelo facto de não haver um movimento operário em Portugal, nem ter havido a revolução industrial que houve e haver uma componente, portanto, de pequenos e médios empresários, de país agrícola que existia na génese, que esteve presente na formação do partido, lhe deu uma coloração, uma génese e um processo de afirmação diferentes daquilo que foram partidos socialistas ou sociais-democratas em muitos países da Europa. Isso não impede que eu continuo a admitir e estou muito à-vontade porque na minha formação a minha componente mais importante é social-cristã, mas mais depressa assume-se social-democrata do que social-liberal. Isto é, se há coisa que não sou é efectivamente demasiado liberal anti-social, não sou. Mas como há assim imensa gente no partido, há outros que estão preocupados com desafios de liberdade e são mais verdadeiramente sociais-liberais do que sociais-democratas ou sociais-cristãos.

 
Hugo Soares
Obrigado, Professor.
 
Marcelo Rebelo de Sousa
É verdade Carlos Coelho, tem razão. A revisão do programa já não é de Cavaco Silva, é de Pedro Passos Coelho. Tem toda a razão. Afinal, estão a ver como a renovação etária é mais rápida.
 
Hugo Soares
Patrícia Fernandes do Grupo Roxo.
 
Patrícia Fernandes

Antes de mais, não poderia deixar de saudar o senhor Professor Marcelo Rebelo de Sousa e congratulá-lo pela excelente aula que nos prestou até ao momento.

[RISOS]

Porque a cada questão aprendemos sempre qualquer coisa consigo.

Tanto na controvérsia da lei da limitação dos mandatos como na requalificação da Função Pública, não lhe parece que está a ser criada uma imagem do Tribunal Constitucional de legislador alternativo, violando assim de alguma forma o princípio de separação do poder judicial e do poder legislativos, passando a imagem de constante divergência e de falta de comunicação entre o Tribunal e o Governo?

Obrigada.

[APLAUSOS]

 
Marcelo Rebelo de Sousa

Agora vou ser politicamente incorrecto. Porquê? Aquilo que apeteceria dizer hoje, foram as reaçcões que senti em muitos sectores de Centro e de Direita, as pessoas ficaram muito indignadas porque a leitura que fizeram foi a seguinte: cá está o Tribunal Constitucional a dizer que não é possível o despedimento na Função Pública, é possível nos privados; cá está outra vez o Tribunal a ser um obstáculo, a bloquear e a travar aquilo que é preciso que o Governo faça para pôr o país fora desta crise; cá estão os juízes a serem mais do que juízes e a serem verdadeiros legisladores negativos - não é fazerem leis, mas travarem leis.

Depois, um ou outro mais atento até acrescentou: "que diabos, ainda por cima o Presidente da República teria facilitado a tarefa porque enviou a argumentação toda e depois o Tribunal praticamente subscreveu ao chumbar o diploma”. Bom, eu tenho uma leitura um bocadinho diferente disto. Primeiro, porque sou professor de Direito, têm de descontar esse pequeno facto. Em segundo lugar, porque ando nisto há imenso tempo. Cá está, a velhice tem alguns inconvenientes mas tem algumas vantagens. Acho que faz parte das regras, "é a vida”, como dizia o outro.

Em Democracia há instituições que existem para funcionar. Umas vezes funcionam como nós gostamos, outras vezes como não gostamos e há regras para a escolha da composição daquele Tribunal. Foram escolhidos os juízes da maneira prevista pelas regras, são livres, pensam pela sua cabeça, têm uma Constituição que é o que é. Podíamos discutir se podia ser diferente do que é, mas isso já é um problema da revisão constitucional, que implica sempre que o PS concorde e não vai ser fácil num período de muitas eleições haver um processo de revisão constitucional.

Portanto, já houve coisas que quando eu era mais novo pensava que era possível fazer de um momento para o outro e depois outras que me acomodei à ideia que demora um bocadinho mais de tempo. O Tribunal Constitucional tem, é verdade, tido em vários pontos uma leitura da Constituição que é uma leitura muito clássica, se quiserem, mais ortodoxa da Constituição.

Este acórdão, que eu já li, cita vários acórdãos anteriores para explicar por que na linha do que foi decidido estão certos os limites que não vai ultrapassar, não deve e não pode. Não quer dizer que não maleabilize aqui e ali, que não vá mudando a sua posição, mas é uma mudança mais lenta do que aquela que tem havido ao nível das medidas dos Governos. Não falo só deste Governo, mas também dos anteriores.

Isto quer dizer que é uma força de bloqueio, que é um obstáculo. Eu ontem ouvi, salvo erro, o Marco António Costa usar uma expressão que achei inteligente, que era um "contratempo político”. Isso é um contratempo político. Vamos por determinada estrada e de repente não é possível, tem de haver um desvio que nos obriga a gastar mais tempo, mais gasolina e porventura mais dinheiro, é um contratempo. Mas é um contratempo que faz parte da vida.

Não gosto da ideia da força do bloqueio. Não gostei desde o momento em que ela apareceu pela primeira vez. O insuspeito José Pacheco Pereira achava que havia forças de bloqueio, naquela altura do Cavaquismo, que era o Tribunal Constitucional, que ele hoje não achará que são forças de bloqueio deste Governo.

Eu nunca gostei muito da expressão forças de bloqueio, porque dá a sensação de um lado patológico, politiza as relações entre o Governo e Parlamento de um lado e o Tribunal Constitucional, dá a sensação de rigidificação de posições, de uma guerra que está ali, e isso não é bom para ninguém: não é bom para a Democracia, não é bom para a normalidade da vivência democrática. Às tantas começam-se a ouvir apelos deste género: como o Tribunal Constitucional já deu dois, três, cartões vermelhos é altura de ir para a rua o Governo. Como se pudesse ser o Tribunal Constitucional a substituir o Governo.

Portanto, faz parte da luta política por vezes usar essas expressões, mas acho que o país agora está a precisar de outro tipo de discurso e esse tipo de discurso é pegar nos sinais que existem, que são muito ténues, muito fracos, mas são positivos e construir com eles a esperança dos portugueses. O discurso das forças de bloqueio não constrói esperança, constrói afrontamento.

Para quem quer ser Governo plausível daqui a poucos anos e para quem já é Governo, além do mais, isso não é bom. É bom para quem quer ser oposição radical. Para quem não está na expectativa de ser Governo tão depressa, então esse discurso faz sentido.

Por isso é que terá notado que eu, ao falar especificamente sobre o Tribunal Constitucional, expliquei que não há nada de insolúvel na vida, nem mesmo a morte para os crentes na vida eterna. Pode ser mais complicado, é mais caro, levanta problemas, isso não se pode omitir, mas mesmo aí deve ser encarado pela positiva, "vamos encontrar soluções, foi um problema, mas vamos encontrar soluções”. Esta é a minha visão, sei que há quem tenha posição diferente, nomeadamente a pensar em leis que vêm aí e que são porventura mais importantes e mais pesadas, e que se deve cobrar agora alguma responsabilização e tal.

Mas eu não acho isso bom. Eu estive a ocasião de comentar, a propósito da outra questão que foi o limite de mandatos, as férias dos juízes, mas comentei de passagem, disse até que era um direito que tinham, que tinham poucas férias para o que trabalham e tal. Hoje, vim para cá e vi um comunicado dos juízes do Tribunal Constitucional a explicar que estão disponíveis para rever as férias, mas então que se reveja de uma forma que se reconsidere realmente as férias que eles têm e que a lei tem de ser votada como a lei do Tribunal Constitucional.

Acho que não vale a pena entrar nesse debate sobre a lei. Vinha no jornal já hoje uma picardia a dizer que o PSD quer mudar as férias dos juízes. Isto é desviar do essencial. O essencial agora é resolver os problemas sociais, económicos e financeiros. Temos todo o tempo do mundo. Uma coisa é uma nota sobre as férias dos juízes, outra coisa é transformar as férias dos juízes num assunto de comunicado ou de posições de partidos e de órgãos de soberania. Não vale a pena, não é essencial nem fundamental, é uma distracção, é um ruído. O ruído pode ser bom para quem quer provocar ruídos.

Pronto, já percebeu? Por isso é que eu fui politicamente incorrecto.

[APLAUSOS]

 
Hugo Soares

Ana Sofia Silva, laranjinha.

[RISOS]

 
Ana Sofia Silva

Senhor Professor, muito obrigado. Antes de lhe agradecer por estar aqui, queria agradecer uma entrevista que me deu há três anos atrás e que me fez decidir pelo curso de Direito.

[APLAUSOS]

A minha questão agora e depois de lhe agradecer tudo isto, é se acha que a consolidação da Democracia em Portugal e na Europa passará pelo federalismo europeu e que riscos podem-se trazer para as nossas democracias.

Obrigada.

[APLAUSOS]

 
Marcelo Rebelo de Sousa

A resposta é rápida. Passa certamente por melhor funcionamento das instituições europeias e por mais integração política que aquela que tem existido. Não penso que passe feliz ou infelizmente por federalismo.

As pessoas, muitas vezes, confundem conceitos e dizem que o que se está a passar na Europa é o federalismo, que uns gostam outros não e deve ser federalismo ou não deve ser. Agora, aquilo que se tem discutido para meter nos tratados para reforçar poderes nos órgãos europeus não tem nada a ver com federalismo. Basta comparar com o que acontece na América. É outra coisa. Por isso, acho que o debate do federalismo é interessante para ter em tempo oportuno, não é esse o debate que deve haver neste momento na Europa, nem deve estar a distrair-nos muito enquanto portugueses.

Passada a crise, um dia mais tarde, feita a evolução do processo europeu, sim, talvez. O federalismo existe onde existe por um processo histórico específico, genuíno e a realidade federalista é muito diferente. Nasceu por razões jurídico-políticas muito diferentes dessa integração económica e social que na Europa se fez de baixo para cima. Portanto, são duas histórias diferentes, com dois processos diferentes, pode ser que venham a convergir um dia, mas não é assunto para o meu e o vosso futuro próximos.

 
Hugo Soares
Obrigado, Professor. Pelo grupo Castanho tem a palavra o Nuno Lopes.
 
Nuno Lopes

Pois é, Professor, como uma imagem vale mil palavras espero que não tenha de lhe dizer mais nada. [Mostra símbolo do Vitória de Guimarães]

[RISOS, APLAUSOS]

 
Hugo Soares
Resta saber se vais falar em castelhano?
 
Nuno Lopes

Só quero acrescentar, visto que o aqui o nosso Presidente também gostou da piada que para virem aqui para Castelo de Vide, tiveram de vir com o passaporte senão não conseguiam passar a fronteira. Rivalidades antigas.

Mas gostaria de saudar desde já, e em nome do grupo Castanho, a sua presença, e dizer-lhe que é um grande prazer estar aqui a ouvi-lo. Estragou tudo quando pediu aplausos para o Braga, não sei se reparou nisso.

Vou à questão: tem sido recorrente na Comunicação Social a notícia que a maioria dos candidatos são falsos independentes e esse número de supostos independentes, neste momento, quase duplicou em relação às últimas autárquicas. Como pode um partido adaptar-se e combater o contínuo aparecimento de movimentos independentes e ao mesmo tempo a atitude de muitos dos seus membros que escondem fazer parte de partidos políticos para concorrer em eleições e nessa maneira entrarem no eleitorado anti-partidário?

Obrigado.

[APLAUSOS]

 
Marcelo Rebelo de Sousa

Em primeiro lugar, não queria deixar de dizer a alegria com que vi e tenho acompanhado, ainda hoje o sorteio, os sucessos do Vitória de Guimarães a nível europeu.

[RISOS, APLAUSOS]

 
Nuno Lopes
Vou fingir que acredito.
 
Marcelo Rebelo de Sousa

Acho que não faz sentido rivalidades clássicas, num momento em que já não há praticamente rivalidade entre Sporting e Benfica porque os dois gostam mais um do outro do que gostam do Porto.

[RISOS]

Acho que menos faz sentido rivalidade entre Braga e Vitória de Guimarães.

Agora, esse é um problema muito complicado e no qual ainda não pensaram os partidos porque acharam que era um fenómeno pequeno, sobretudo juntas de freguesias, não câmaras municipais. Depois acharam que podiam controlar isso, esquecendo que muito poder económico local aposta em listas independentes, financia-as pois é uma maneira de fugir aos partidos que existem. Depois, ignorando que as guerras nas concelhias são muitas vezes muito grandes, entre as concelhias e os autarcas que lá estão.

E depois, esquecendo, no caso do PSD em particular, que aquilo que se tinha passado no PS chegava agora ao PSD, que é o fim de três mandatos de muitos autarcas com muito peso e cuja substituição em muitos casos não era fácil e noutros era.

Muitos casos, eles próprios não facilitam, pois preferem que depois deles seja o dilúvio. É humano. Quer dizer, não é partidário, não é sensato, perdem todos com isso, mas a pessoa acha momentaneamente que não perde. Portanto, o que acontece, como diz com razão, é que ao lado dos independentes-independentes surgiram independentes com poder económico por trás, surgiram independentes que são decisões partidárias, e que acham que mais tarde quando mudar a liderança partidária voltam ao partido e arranjam maneira de voltar a mandar no partido.

Devo dizer, aí, há duas reacções até, uma é mais imediata e outra é com mais tempo. A imediata é muito simples. Tenho tido discussões com muita gente do PSD quanto aos resultados em alguns dos municípios em que por exemplo a alternativa é ganhar um independente, se não ganhar o nosso ou o do PS.

Tenho perguntado o que é que preferem. Encontrei alguns companheiros nossos que dizem que ganhe o independente que é melhor do que ganhe o PS por causa da contabilidade. Eu acho o contrário, com o devido respeito. Embora se saiba que é uma câmara que se perde na contabilidade para o PS, é beneficiar o infractor. A minha visão do pluralismo é a seguinte: sou muito plural, como se sabe pelas críticas que faço todas as semanas, nomeadamente ao partido e ao Governo, mas há limites. Os limites passam por querer a derrota do partido e militar contra o partido, candidatar-se contra o partido e apoiar contra o partido. Acho que aí, para que é que se está no partido?

Então a pessoa sai do partido, espera o tempo adequado para se sentir mais à-vontade e tenta mais tarde voltar e logo se vê se volta ou não, se quer ou não. Agora, estar com reserva mental, estar e não estar?

Costumo dar um exemplo em relação a um orador que vi que ontem aqui esteve e esteve muito bem, embora eu não goste daquela barba que ele usa hoje, que é o Pedro Santana Lopes, que era Primeiro-Ministro, tínhamos tido um pequeno diferendo: o Governo dele e eu, estava eu na TVI e como é evidente eu fiz campanha com ele e por ele lá em cima, em Celorico de Basto e em Braga, mandei mensagem para o último comício dele, porque não interessa se gosto mais, ou menos, do líder num determinado momento era uma candidatura fundamental para o partido para as legislativas, para o Governo do país e portanto os estados de alma para mim não fazem sentido. Mas até admito uma posição mais moderada do que essa, que é a posição de a pessoa não fazer campanha e estar calado.

Acho que deve fazer campanha, mesmo não admirando o líder em funções, não é o caso deste, mas já aconteceu ser noutros casos. Mas admito que não, que a pessoa não faça campanha, agora candidatar-se contra não. Portanto, acho que neste momento se eu posso desejar alguma coisa é que as candidaturas independentes contra o partido não tenham sucesso.

[APLAUSOS]

Acresce, coisa que tenho tido dificuldade de explicar a amigos meus do CDS, sei que o CDS tem um problema com as eleições locais, não tem expressão local autárquica correspondente àquela que tem a nível legislativo e, portanto, isso torna apetecível ou embarcar em aventuras de independentes ou gostar que as aventuras de independentes sejam um sucesso.

Também já tentei explicar a amigos meus do CDS que não é bom, porque a coligação envolve dois partidos.

Devo dizer que tive sempre uma dificuldade enorme, que várias vezes exprimi na TVI, em perceber como é que dois partidos coligados, num momento crucial de crise, conseguem estar um contra o outro no Porto.

Estamos a falar do segundo município do país. Tenho muita dificuldade em perceber. Acho que qualquer que seja o resultado, a própria campanha é má para a coligação. Parece-me uma evidência. Mas, enfim, está visto que ou eu não estou a ver bem ou estamos todos a ver bem mas não queremos ver a mesma coisa, provavelmente é o caso. Agora, a prazo é evidente que se tem de fazer uma reflexão sobre esta experiência. Aí é que as primárias podem ser importantes. Mesmo que não se vá para primárias, aí é que uma reflexão muito grande sobre as estruturas do partido, que é difícil de fazer pois quando o partido está no Governo está muito mobilizado na defesa do Governo e quando está na oposição está a lamber as feridas e a cicatrizá-las. Mas uma reflexão serena sobre isso, nas autarquias, tem de ser feita e temos tempo para a fazer a seguir, não para travar aquilo que é um direito da Constituição que é haver essas candidaturas ditas independentes, mas para os partidos terem capacidade de antecipação e ligação ao eleitorado que reduza ao mínimo a necessidade de candidaturas independentes para decisões partidárias. Portanto, aquilo que se pode chamar de falsas candidaturas independentes.

Há uma questão imediata que é que faltam quatro semanas e em quatro semanas é muito simples: goste-se muito, pouco, ou nada, de Luís Filipe Menezes e ele foi a maior parte da vida sendo meu adversário - sim, mesmo encanitante -, é óbvio que o que eu desejo é que ele ganhe no Porto. Não está em causa aquilo que ele me incomodou enquanto fui líder partidário, que me ia dando cabo do juízo.


[RISOS]

Não é isso que está em causa. Agora, a seguir reflexões. Foi por esta mesma razão que no momento crucial que o Pedro Pinto arrancava em condições muito difíceis em Sintra, quando ele me disse que gostava que estivesse lá, eu disse: vou desmarcar tudo o que tenho porque eu estou lá. Quanto mais difícil é o combate, mais obrigação temos de estar lá. Eleições difíceis são aquelas em que eu nunca deixo de aparecer na sede do partido, nas outras não vou porque não caibo lá, é tal a fila à porta da entrada que já estão lá todos os oportunistas além dos que já deviam lá estar, que verdadeiramente não há lugar para cabermos.

[RISOS, APLAUSOS]

 
Hugo Soares

Cátia Coutinho dos Verdes.

[RISOS]

Salvo seja.

 
Cátia Coutinho

Boa tarde. Antes de mais quero começar, em nome do grupo Verde, por saudar e felicitar o Prof. Dr. Marcelo Rebelo de Sousa pela brilhante exposição com que nos presentou.

É uma honra para nós podermos privilegiar da sua aula e poder partilhar connosco a sua sabedoria. Desde já, muito obrigada por isso.

Vivemos uma crise, não só económica e financeira, mas também social. Como sabemos isto não é bom para o nosso país. Será que esta crise política se deve apenas à diferença de ideais, ou será de valores? Será que os Média têm um papel potencializador desta crise? O que deve existir interna e externamente para haver coesão?

[APLAUSOS]

 
Marcelo Rebelo de Sousa

Tocou um ponto que costumo focar várias vezes. Nós estamos muitas vezes tão focados na questão financeira, económica, com o controlo do défice - que é fundamental -, com a travagem e pagamento da dívida - que é fundamental -, e com a criação de condições para o crescimento, que nos esquecemos que estamos a lidar com pessoas. Mas esquecemos tanto em Portugal como na Europa e no Mundo.

A Europa hoje está menos solidária do que devia ser. Está menos solidária entre países, entre partidos congéneres de outros países, entre a opinião pública de cidadãos com outros cidadãos. Há cidadãos europeus que egoisticamente acham que a sua felicidade deve ser construída na base dos sacrifícios ou pelo menos de não darem tanto quanto podiam dar a outros cidadãos europeus. É um erro, estamos no mesmo barco. Esta ilusão de que se o barco meter água pela popa, não chega à ré, isso não existe, afunda, afunda! Há um problema de solidariedade de facto. É um problema de valores. É um problema básico de valores, mas também é um problema de solidariedade. Vejam que boa parte das minhas intervenções foi isso, o apelo dos mais novos aos mais velhos, uma atenção para a divisão que pode haver no país, que já não é só a divisão da Grande Lisboa e o resto, ou aqueles que têm fundos comunitários e os que não podem ter. É a divisão entre realidades etárias, culturais e comportamentais muito diferentes.

Já nem é entre o Sul e o Norte do continente; onde é que isso já vai. Portanto, há aqui problemas sociais. Devo dizer que se há coisa que acho que melhorou e pode melhorar mais ainda, na prática governativa nos últimos tempos, foi o despertar para essa sensibilidade social. Não estou a dizer que o Governo não tivesse sensibilidade social antes, mas acho que nem sempre isso era visível, patente, tal era a premência da resolução de problemas financeiros e de problemas pressupostos para o arranque económico. Isso a mim preocupava-me porque podia chegar-se a um ponto em que a coesão social sofresse e nós não podemos pôr em causa a coesão social. Há aqui um equilíbrio difícil: há que tomar certas medidas que são imprescindíveis, financeiras ou económicas, mas há um limite que é imposto por não pôr em causa a coesão social mínima sem a qual qualquer medida não só não é eficaz como é disruptiva, é um factor de perturbação.

Isto não é fácil, quando se está a decidir no dia-a-dia ter a noção exacta. É fácil com distanciamento, olhar para trás e dizer que aquilo não devia ter sido ou que devia ter sido. Houve um momento crucial. Até se num certo contexto, teoricamente concebível para certos fins, mas na forma como acabava por ser possível num contexto diferente, porque já tinha passado muito tempo, punha em causa a coesão social e os decisores perceberam isso.

Quando de repente perceberam que trabalhadores e patrões estavam todos de acordo em relação a isso, fizeram um problema partidário.

Agora que não temos aqui televisões a filmar, essa foi uma questão que discuti com o António Borges.

 
Hugo Soares

Temos, temos.

[RISOS]

 
Marcelo Rebelo de Sousa

Temos. E nesse discussão foi muito salutar, naturalmente chegámos à conclusão que de facto era um ponto de vista muito sensível do ponto de vista da coesão social. Isto significa o quê? Que concordo consigo, há valores essenciais e depois há valores culturais essenciais. A Europa está como está, com egoísmos, no nosso país também, com corporativismo, com "salve-se quem puder”, com menor solidariedade, porque não há respeito pelo tal personalismo, as tais pessoas de carne e osso. Esses valores são fundamentais. Há, de vez em quando, uma moda do relativismo que significa que vale tudo para atingir determinados fins em determinado momento. Muitas vezes são fins meramente individuais, ou corporativos, ou de grupo, e quando se entra nisso do "quanto pior melhor” - e na sociedade porventura o momento em que se entrou nisso foi por ódios pessoais, sociais, de grupo ou por afrontamentos partidários -, nós estamos a pôr em causa a coesão social.

Isso preocupa-me um bocadinho. Por exemplo, o nível do debate político - e quando me pergunta pelo papel da Comunicação Social - roça o assustador. Quando vemos alguns comentários na Internet, sei lá, para não dar exemplos concretos, uma pessoa que acabou de morrer e vejo alguns comentários felizes com a morte da pessoa por uma questão de oposição política ou de confronto de ideias. Quando vejo certos debates em que se fulaniza e se entram em ataques e campanhas pessoais, pergunto: e depois, até quando é que vai e para a escalada?

Depois, como é que as pessoas aceitam as regras do jogo e participar nesse grau de suspeição? Não é um fenómeno apenas português, é um fenómeno muito mais generalizado. Às vezes choco-me com a permissividade com que órgãos da Comunicação Social online permitem comentários que não permitiriam publicados em papel. Em papel não publicariam aquilo, porque sabem que online não há reacção atempada do ponto de vista judicial.

Em termos de respeito daqueles valores mínimos da dignidade da pessoa, dos direitos da pessoa, do pluralismo social, onde é que vamos parar? Espero que estejamos a assistir agora um bocadinho ao refluxo disto, mas houve um fluxo muito intenso em que se dava a sensação de que valia tudo. As pessoas pensavam: "está bem, este Governo não é para mim”, mas porque é que não é? Porque começado um caminho é evidente que é contra o A, contra o B, contra o C, contra o D, contra o E, contra o F, e depois?

Portanto, concordo consigo: há um problema de coesão social e há um problema de valores de convivialidade, de aceitação e de garantia efectiva da dignidade das pessoas. Não é da dignidade da pessoa abstracta, é da dignidade das pessoas concretas. Isso é um problema que teve afloramentos um bocadinho preocupantes na sociedade portuguesa nos últimos meses e nos últimos anos.

 
Hugo Soares

Terminou esta fase, Professor. Entramos agora na fase que chamamos "Catch the Eye”, onde se inscrevem voluntariamente aqueles que ainda querem fazer perguntas ao Professor Marcelo Rebelo de Sousa.

Queria só que sinalizem e dizer-vos que vamos fazer rondas de duas perguntas, e pedia que fossem mesmo curtas e incisivas para podermos dar hipótese para um maior número de pessoas participar. Quem se inscreve?

Vamos começar com o Paulo Afonso do grupo Verde.

 
Paulo Afonso

A pedido da mesa vou ser directo e conciso e a minha pergunta é: como podemos consolidar a Democracia quando temos taxas de abstenção a aumentar de acto eleitoral em acto eleitoral?

Obrigado.

 
Hugo Soares
Bruno Moreira do grupo Cinzento.
 
Bruno Daniel Moreira

Boa tarde. Queria perguntar o que é o que Professor acha acerca do facto de o Partido Socialista se camuflar atrás dos sindicatos em tempos de crise que o país vive, em particular de desemprego e das empresas? De forma a que tenta levar os seus valores por detrás de um grupo ou trabalhadores que querem um futuro melhor para o país, nomeadamente a CGTP e UGT que têm nos seus líderes membros do Partido Socialista e isso, na minha opinião, não é um facto independente e não levam realmente à defesa do direito dos trabalhadores e da população.

Obrigado.

 
Marcelo Rebelo de Sousa

Não acho que a abstenção seja uma inevitabilidade em termos de subida - vai ter altos e baixos -, pois em eleições muito disputadas, em que as pessoas sintam que são fundamentais vai baixar. Portanto, não acho que seja um processo galopante, não é. Segundo lugar: deve-se fazer tudo para que não seja um fenómeno a crescer; isso passa pela reforma dos partidos, pela ligação com o eleitorado, pela forma de comunicação com o eleitorado e por encontrar novos meios de comunicação, por encontrar primárias, por encontrar formas de as pessoas sentirem que têm um papel a desempenhar e que não é apenas no acto eleitoral.

Segundo: distinguia entre a CGTP - que é um caso - e o resto; não acho que o Partido Socialista tenha uma especial influência na CGTP. Acho que a CGTP é consistentemente e ortodoxamente mais próxima da linha do PCP, embora tenha gente socialista independente ou do Bloco de Esquerda. Portanto, acho que a CGTP não tem mudado rigorosamente, é a mesma posição e o mesmo discurso de forma sistemática.

De cada vez que perde certas batalhas cola à última versão que tinha considerado que era uma versão errada e execrável do combate anterior.

Em relação à UGT, é um equilíbrio muito difícil de sindicalistas sociais-democratas e socialistas e mais difícil quando está qualquer um desses partidos no Governo, porque tem um tropismo mais para o social-democrata quando o PS está no Governo, tem um tropismo claramente mais para o socialista quando o PSD está no Governo.

Agora, concordo consigo quando algum vazio do discurso político e do pensamento de António José Seguro e do PS se tem refugiado atrás de posições públicas mais firmes ou de mobilizações mais eficazes das forças sindicais.

 
Hugo Soares
Obrigado, Professor. Daniel Simões do grupo Rosa.
 
Daniel Simões

Boa tarde, senhor Professor. Winston Churchill disse, um dia, que a Democracia é a pior forma de governo. Mas, como todos sabemos, o senhor Churchill também, é o melhor de todos os governos.

Posto isto, gostaria de saber qual dos tipos de Democracia, neste caso entre a directa e a representativa, consegue estabelecer uma melhor e maior consolidação da mesma e possibilitar assim um sistema mais bem sucedido?

 
Hugo Soares
Obrigado, Daniel. Joel Alves do grupo Encarnado.
 
Joel Araújo Alves

Muito boa tarde, Professor. Antes de mais, congratulá-lo pelo brilhante testemunho que aqui nos trouxe e dizer-lhe que de facto ontem foi um prazer contar com o testemunho do Mourinho do Cavaco e hoje só pode ser um prazer e um privilégio poder ouvir os testemunhos daquele que é o único e verdadeiro Eusébio no nosso comentário político.

Muito obrigado.

[APLAUSOS]

 
Hugo Soares
Com este comentário acabamos os comentários elogiosos pois o Professor já sabe que gostamos muito dele.
 
Joel Araújo Alves

O Professor fez aqui um retrato bastante interessante do nosso processo de consolidação democrática, um processo que foi longo, árduo e acima de tudo um processo que eu entendo que ainda não foi acabado. Sobretudo porque em Portugal temos uma opinião muito paradigmática sobre aquilo que é o sistema democrático. Às vezes dá a sensação que nos esgotamos na análise dos direitos e muitas vezes nos esquecemos que também temos deveres e os resultados estão à vista.

Temos, todos os dias, uma série de cidadãos a interromper o normal funcionamento da Assembleia da República, temos comentadores políticos a chamar "palhaço”, só porque lhes apetece, ao Presidente da República e até temos a nossa geração que é a mais qualificada de sempre, a apedrejar aquela que é a casa da Democracia.

Perguntava-lhe, por isso, se não acha que se tem banalizado a noção de respeito na nossa Democracia e se acha que a nossa geração, apesar de ser a mais qualificada de sempre e de sempre ter conhecido este sistema, ainda não percebeu como ele funciona.

Muito obrigado.

[APLAUSOS]

 
Marcelo Rebelo de Sousa

Em rigor, o que o Churchill disse é que a Democracia era o pior sistema tirando todos os outros. Portanto, é como quem diz que a pior Democracia é melhor do que a melhor das ditaduras.

É evidente que a Democracia mais pura é aquela em que proximidade é maior, portanto a Democracia directa seria idealmente a preferível. Como sabemos, é cada vez mais complicada pela dimensão das comunidades. Logo, o que se deve procurar é Democracia representativa com atenuantes de Democracia directa, como sejam os referendos, a Democracia participativa e as primárias. Isto é, formas de intervenção constante e não apenas periódica, nos actos eleitorais, para não ser Democracia representativa pura.

Depois, tem razão; eu tinha acabado de dizer que há um problema de deveres, de comportamento, de respeito, na sociedade portuguesa. Não tem a ver com os mais novos ou com os mais velhos - é um problema geral -, tem a ver muitas vezes, quando muito, com a entrada da Internet em força e a interacção no debate político, e a sensação de impunidade nessa interacção. Por outro lado, tem a ver com uma radicalização de comportamentos e de discursos a que se assistiu na sociedade portuguesa e nas sociedades europeias nos últimos anos, devido à crise, ao desespero e à exasperação. Entrou-se numa escalada que considero muito negativa e que é preciso, sem condicionar a Democracia e sem estar a privar de exercício da liberdade os cidadãos, introduzir factores de respeito pela dignidade das pessoas.

 
Hugo Soares
Professor, temos tempo - eu diria - para mais duas perguntas, uma do grupo Roxo, o Pedro Ferreira.
 
Pedro Ferreira

Boa tarde, Dr. Marcelo Rebelo de Sousa. No ano passado, acabei o meu Mestrado em Ciência Política e escrevi uma tese sobre juventudes partidárias, da qual concluí que estas são cada vez mais uma fonte cada vez mais importante de recrutamento parlamentar para os partidos.

Portanto, o que eu queria era que comentasse e que me dissesse se de facto estamos a assistir cada vez mais a um fenómeno de formação de quadros políticos que são formados nas juventudes partidárias.

 
Hugo Soares
Ana Carvalho do grupo Amarelo.
 
Ana Carvalho

Boa tarde. A minha pergunta também é muito rápida. Queria questionar o Professor Marcelo acerca da sua opinião sobre a qualidade de ensino em Portugal. Em que estado é que os alunos chegam à faculdade? Tenho a sensação que cada vez somos pior preparados, falando do Ensino Básico e do Secundário, e que estamos habituados a que nos façam "a papinha toda” e muitos dos meus colegas têm precisamente o mesmo já no grau de faculdade. Até que ponto é que isso irá fazer de nós uns bons profissionais? Falo mesmo da actual geração em que vejo miúdos que já nem a tabuada sabem.

Este problema será também dos professores? Do que é que será? O que é que se pode fazer para colmatar este problema?

Muito obrigada.

 
Marcelo Rebelo de Sousa

Em relação às juventudes partidárias, é verdade que têm um papel crescente em termos de recrutamento e de formação de quadros políticos. Não é por acaso que neste momento os líderes do PS e do PSD são antigos líderes das juventudes partidárias, mas num tempo em que não havia universidade de Verão. O que significa que era muito por mérito próprio, por mérito daqueles que se formavam, que se auto-formavam, que tinham a formação que era possível no período pós-revolução e fase heroica.

Vai ser interessante ver qual é o panorama daqui por cinco a dez anos, por exemplo no PSD. Porque aí o efeito que já se sente das universidades de Verão passa a ser multiplicado. Porque há aqui um time lag , há aqui um distanciamento, e aí vai ver-se que não é só a influência das juventudes mas já o efeito da formação que foi a Universidade de Verão. Aí vai ser um fenómeno muito interessante, que vou acompanhar se estiver vivo - espero que esteja -, com atenção, porque o que se passou com o Pedro Passos Coelho no nosso partido e o que se passou com outros líderes da JSD foi muito por mérito próprio.

Aqui há um mérito institucional, é uma coisa diferente e que cria rede e tem um efeito potenciado.

Depois, quanto há qualidade do ensino, posso falar como professor universitário, pois tenho dificuldade em falar enquanto pai, uma vez que os meus filhos já estão há muito tempo fora disso, e enquanto avô, uma vez que os meus netos estão no Brasil. Portanto, não tenho essa experiência, mas tenho como professor e como tal acho que as grandes deficiências são: primeiro, a Filosofia, a capacidade de pensar nalguns aspectos; História e Geografia, tudo tem a ver com localização no tempo e no espaço; Cultura Geral; Línguas, apesar de o Inglês ter vindo a crescer podia ser mais sofisticado ainda e o Português tem vindo a decrescer, em muitos casos, não em todos. Houve fases, acho que está a ultrapassar-se, em que no domínio da Física e da Matemática se sentia também uma aversão, menos sensível naturalmente nos meus alunos clássicos de Direito, mas mais noutros que também tive em faculdades de Economia e Gestão, entre outros.

Acho que não há uma tendência global, há exemplos de excelência, depois o que há é porventura um nível médio com problemas complicados. De onde é que isso vem? Acho que vem da base. É a minha sensação, não fiz estudos. Acho que pode vir do Secundário, alguma coisa do 3º Ciclo do Básico, ou do 2º, mas acho que vem do pré-escolar e 1º Ciclo do Básico.

Ainda com reminiscência, admito, com desigualdades sociais que existiam, se pensarmos que a educação pré-escolar só é generalizada na governação Guterres. Portanto, o que significa que estamos a falar num período em que esses miúdos, muitos deles, os que já estão com maior homogeneidade, não chegaram ainda à universidade, ou ainda vão chegar, ou não.

Depois, por problemas de funcionamento que acho que há no 1º Ciclo do Básico; tenho essa sensação. Agora, a grande razão: a massificação. Houve um crescimento tal em termos de procura que a capacidade de oferta, do que havia de meios docentes, de estruturas, métodos, renovação etária nos docentes, pois mesmo aqueles que entraram novinhos a seguir ao 25 de Abril já estão velhinhos. Não sei se está a perceber; relativamente velhinhos. Portanto, isto significa que a capacidade de resposta que existiu foi notável, mas a pressão da procura massificou com bons resultados em termos quantitativos e às vezes com resultados qualitativos menos bons.

Não seria tão tremendista como muitas vezes se é. Há coisa muitas más, mas há coisas muito boas. O nível de informação dos meus alunos é muito superior ao que era e vai sendo de geração para geração. Agora, temos um problema que é efectivo que é o tempo de digestão da informação é o mesmo e a informação é "n” vezes superior. Portanto, uma coisa era, na minha geração, digerir mil e a outra coisa é digerir um milhão nas mesmas 24h, mesmo com novas capacidades, mesmo com novos meios de informação e comunicação, há aí uma bottleneck , um estrangulamento.

Por isso acho e não sei se é o sítio adequado para dizer isto, é muito incorrecto: tem havido um diferimento no amadurecimento dos jovens, estão maduros cada vez mais tarde, têm opções fundamentais de vida que adiam até cada vez mais tarde, porque vão recolhendo mais informação, vão tendo mais dúvidas, mais hesitações. Portanto, vão decidindo, não quando mal ou bem aquela minoria privilegiada que podia chegar ao topo do sistema escolar daquela altura decidia e fazia certas opções de vida, mas mais tarde precisamente pela complexidade da situação e pelo manancial de informação que têm de digerir.

Posto isto, queria agradecer-vos a vossa paciência e se Deus quiser e se o Carlos quiser - que é mais ou menos a mesma coisa, tanto gosta o Carlos Coelho de Deus e Deus do Carlos Coelho - cá estarei para o ano que vem.

[APLAUSOS, JSD, PSD, PORTUGAL!]

FIM