ACTAS  
 
8/31/2013
“Europa: cinco questões em aberto”
 
Carlos Coelho

Muito bom dia. Parece-nos que não faz sentido termos uma Universidade de Verão com uma formação transversal nas áreas que interessam a jovens líderes para a intervenção cívica e política sem abordar o tema da Europa. Das melhores pessoas que podíamos encontrar para abordar esta matéria é o Professor Miguel Poiares Maduro.

Ele não está aqui convidado por nós por ser ministro do Governo, na verdade é a quarta vez que vem à UV. Nas anteriores ocasiões, era professor catedrático e director de um programa de investigação sobre Europa. Aliás, quando veio cá a primeira vez ainda era Advogado-Geral do Tribunal de Justiça da União Europeia onde fez um trabalho notável e onde se tornou uma fonte de referência na interpretação do direito comunitário.

O Professor Miguel Poiares Maduro tem como hobbies o hedonismo em geral, mas em particular cinema, cozinhar e jogar futebol. A comida preferida é a que está constantemente a ser reinventada porque ele é um gourmet e gosta de cozinhar. O animal preferido é o cavalo, o livro que nos sugere "Imperfect Alternatives”, filme que nos sugere "Mr. Smith goes to Washington” e "Unforgiven”. A qualidade que mais aprecia é a honestidade e o nosso convidado de hoje é indiscutivelmente um homem honesto, quer do ponto de vista dos negócios pessoais, quer do ponto de vista intelectual. Obrigado por ter aceitado o nosso convite.

[APLAUSOS]

 
Miguel Poiares Maduro

Eu vou utilizar o púlpito porque tenho algumas notas, alguns slides e dois ou três filmes para vos mostrar. Um deles é um dos filmes que sugiro a quem participa nesta universidade. Sugeri-o já anteriormente na primeira vez em que participei aqui e com muito gosto.

A primeira parte da minha intervenção não utilizará estes meios tecnológicos, mas irei fazer uso deles quatro ou cinco vezes quando for necessário despertar a vossa atenção. Peço desculpa pelo facto do primeiro minuto e meio de cada filme não ter legendagem em português porque não consegui encontrá-los dessa forma na internet.

Como sabem, e como prometi, o objectivo da minha apresentação hoje é a Europa e ouvimos com muita frequência desde sobretudo há dois ou três anos que a Europa está em crise. Na minha apresentação, e depois em diálogo convosco, procurarei responder a algumas dessas questões sobre que crise é essa, o que é que a explica, que soluções existem e o que é que essa crise nos diz em termos mais amplos sobre a própria natureza da política.

Ouvimos dizer que a crise é financeira, mas é também uma crise económica, que por sua vez tem subjacente uma crise política e democrática, talvez uma crise sobre a identidade europeia e sobre os Estados que pertencem à Europa. Portanto, a primeira questão que temos de responder é essa: que tipo de crise é que a Europa enfrenta. E é uma crise da União Europeia, dos Estados que pertencem à UE ou de ambos? E se sim, qual é a quota-parte da responsabilidade dos Estados e da UE na actual crise e qual é a quota-parte que cada um deve ter na solução da crise? Como se chega, ou como podemos chegar dos problemas que muitos reconhecem que a Europa e os Estados enfrentam às soluções?

Por vezes, na Europa, a dificuldade não é do diagnóstico nem é dos problemas, mas o diagnóstico da própria solução, o problema é identificar como se põem em prática essas soluções. Eu diria que esse é um problema crescentemente da Europa, mas é também crescentemente um problema da política a nível nacional. Às vezes, mais difícil do que saber a solução é saber como a implementar.

Outra questão é até que ponto a crise europeia nos obriga a reflectir sobre a razão de ser da Europa. Durante muitos anos, durante grande parte do projecto de integração europeia recentemente, a razão de ser da Europa, apresentada consensualmente e aceite por todos é, por um lado, o facto de a Europa ter sido fundamental para garantir a paz durante várias dezenas de anos, depois de duas guerras mundiais com efeitos devastadores para muitos Estados europeus, mas também a promessa de prosperidade e a concretização de prosperidade económica e de crescimento que a Europa ofereceu nesse meio século. Hoje em dia essas duas razões fundamentais estão, num certo sentido, colocadas em causa, são insuficientes para justificar a Europa. Ninguém questiona a existência de paz e num certo sentido isso desvaloriza a razão de ser da Europa como garantia de paz. Por outro lado, a oferta de prosperidade e crescimento económico que a Europa sempre ofereceu é menos palpável para os cidadãos. A desvalorização destas duas razões que foram tradicionalmente avançadas como justificando a razão de ser do processo de integração europeia, têm tido como consequência uma perda da legitimidade do próprio processo de integração europeia: perda de confiança e adesão dos cidadãos. Isso é visível nos resultados do Eurobarómetro em que a evolução do apoio ao processo de integração europeia por parte dos cidadãos europeus, incluído Portugal, sofre quase uma inversão total.

Em Portugal, hoje em dia quase 70% dos portugueses consideram já que a UE não é necessariamente positiva para o país, exactamente o contrário do que era há alguns anos. São dados preocupantes e verificam-se não só em Portugal como em muitos outros países europeus.

Outra questão que quero abordar convosco é até que pontos esta crise europeia não coloca em causa crise a própria noção de política e as fronteiras da política com outros espaços: o espaço da tecnocracia, com o espaço do poder judicial e até que ponto a própria forma de fazer política é colocada em causa por esta crise europeia e nos obriga a repensar isso mesmo.

No fundo o que eu vou procurar fazer é responder a estas perguntas. Provavelmente ao fazer isso vou acabar por responder a outras perguntas e deixar algumas destas ainda em aberto e colocar novas questões, mas esse é também parte deste processo que eu espero ter convosco em termos de discussão. Muitas destas perguntas não têm resposta certa, mas é muito importante que comecemos a colocá-las e a abordá-las directamente. Eu acho que parte dos problemas que temos tido surgem porque nos recusamos a colocar as perguntas certas. Eu costumo dizer que o mais importante para encontrarmos a solução é colocarmos as perguntas certas e muitas vezes as pessoas têm soluções ainda antes de fazerem as perguntas e de discutir a verdadeira pergunta que precisa de ser discutida.

Nesse sentido, ouvimos frequentemente no que concerne à actual crise europeia e dos Estados que é uma crise económica que tem subjacente uma crise política. Dizem "a crise na Europa é uma crise política”, mas depois ninguém concretiza o que isso quer dizer. Ninguém diz exactamente no que se consubstancia essa crise política e se é uma crise da política na UE ou se é uma crise na política no sentido mais amplo, incluindo nos próprios Estados.

Uma das teses fundamentais que queria desenvolver hoje convosco é que esta crise é uma crise da política num sentido muito mais amplo e nós só conseguiremos responder à crise europeia se entendermos essa crise da política em sentidos muito mais amplos. Eu diria que hoje a política tem três grandes desafios que se concretizam depois, de formas diferentes, quer a nível nacional quer europeu.

O primeiro desafio é cognitivo. A política, sobretudo num contexto democrático, tem de simplificar para permitir a participação do mais amplo número de cidadãos sobre o mais alargado leque de questões. Exige-se simplificar, sem simplificação não há possibilidade de participação daqueles que não são especialistas em determinadas matérias, das matérias fundamentais que são decididas numa democracia. Mas o risco muito grande, que sempre existiu e hoje é cada vez maior, é que nesse processo de simplificação se falsifique, ou seja, a simplificação não pode levar a uma falsificação dos problemas. Quando se falsifica, não estamos no domínio da política, mas no domínio do populismo porque é isso que fazem os populistas: falsificam questões complexas, tornando-as dessa forma mais facilmente entendidas pelos cidadãos, mas desconectando-as da realidade, do problema e da solução que deve ser encontrada para ele.

O risco que temos hoje é que o número de matérias sobre os quais os cidadãos são chamados a deliberar, a participar e a decidir é cada vez maior e o número de informação sobre essas matérias também é ele cada vez maior.

Num certo sentido há um paradoxo democrático hoje em dia: a maior participação e a maior informação não correspondem necessariamente a uma melhor qualidade do processo deliberativo/processo de decisão. Isto é conhecido em ciências que estudam os processos de decisão e ciências comportamentais: maior número, maior complexidade, maior dificuldade cognitiva. Num certo sentido há uma democratização do acesso à informação, um alargamento do espaço de comunicação que torna ao mesmo tempo muito difícil a percepção completa de todas as matérias e fornece o espaço em que o populismo muito mais facilmente pode ganhar terreno. Isso não é novo na política e existiu sempre.

Um dos filmes que eu sugiro no "Quem é Quem” é sobre precisamente isso, sobre o confronto entre quem faz política e quem faz populismo, sobre o confronto entre quem quer investir na qualidade do processo deliberativo e quem quer manipulá-lo. Muitas vezes a manipulação dessa informação, o ruído que é causado acaba por afectar a qualidade do processo deliberativo. Esse filme famoso que aconselho, chamado "Mr. Smith goes to Washington”, do qual vos vou passar um pequeno trecho, é um filme onde um jovem senador norte americano vai imbuído de boa vontade para o Congresso norte-americano – o filme é engraçadíssimo e tem partes interessantíssimas sobre como funciona o processo legislativo, várias delas podem transpor-se para outros sistemas legislativos – e durante o filme combate um senador que é o exemplo da velha forma de fazer política, e que controla facilmente através de técnica manipulativas um espaço comunicacional que Mr. Smith tenta combater de forma genuína. Ele está genuinamente a prosseguir com os interesses dos cidadãos do seu Estado, acaba por ser confrontado através dessas formas de populismo, com aquilo que é uma aparente vontade contrária dos próprios cidadão e é o momento mais dramático do filme.

[VÍDEO]

Este momento é particularmente dramático do filme onde é confrontado com saber se estava ou não a prosseguir a vontade dos seus cidadãos ou se os cidadãos não compreendiam aquilo que pretendia defender e estavam a ser manipulados. Eu trouxe este trecho para mostrar que a dificuldade cognitiva da política de que estava a falar não é nova, mas hoje em dia é profundamente agravada e é um dos aspectos em que temos de trabalhar. Temos hoje acesso a múltiplas formas de informação, temos mecanismos de informação que não tínhamos antes que são uma enorme oportunidade e um enorme desafio em termos cognitivos para a política. Eu acho que é uma das dificuldades maiores e, como irei falar a seguir, o alargamento do próprio espaço em que a política tem lugar, como o espaço europeu, ainda agrava mais.

Ao mesmo tempo, outro dos desafios cognitivos da política não está relacionado com o excesso de informação, mas com a criação de formas cada vez mais segregadas de construção da opinião política e da posição política. Nós hoje em dia com os novos métodos tecnológicos, com as novas formas de participação nas redes sociais, temos cada vez mais a possibilidade de construir comunidades cada vez mais segregadas e através de filtros de internet ser-vos-á possível definir que apenas lêem notícias de quem vocês confiam plenamente, os blogues em que vocês participam ou de quem acreditam totalmente, vindos de fontes que são única e exclusivamente aquela de que vocês gostam.

Isto tem novamente, por um lado, uma oportunidade fantástica que é a da liberdade de escolha, mas por outro lado apresenta desafios porque cria diferentes comunidades isoladas entre si. A ideia de um espaço público, de uma democracia assente numa lógica em que temos de confrontar posições contrárias, diferentes das nossas e mesmo não querendo somos obrigados a ouvir posições contrárias às nossas e obrigados a argumentar justificando por que razão não concordamos com elas é crescentemente colocada em causa. Parte do processo democrático é que a construção da nossa vontade, da nossa posição, é feita em diálogo, em confronto, em contraposição com os outros e o risco crescente é que as nossas opiniões são solidificadas e cristalizadas em comunidades que apenas reflectem o que queremos ouvir. Depois, quando as transportamos para o espaço da deliberação democrática já não temos espaço para mudar de posição, já não temos margem para ouvir o outro e para conseguir alterar a nossa posição inicial, nem para influenciar as posições do outro. Esta é outra dificuldade deste carácter cognitivo da política porque a política é participação, o que significa o direito de ser ouvido, mas também a obrigação de ouvir. A política é por natureza intersubjectiva, não é apenas a capacidade de exprimir a nossa opinião, é obrigarmo-nos a ouvir o outro e construir a nossa opinião em relação com o outro. Essa dimensão é colocada em causa pela agregação das preferências políticas.

Este primeiro desafio da política é, em Portugal, agravado pela natureza da nossa cultura política. Já antes criticava e agora que vim para o Governo, onde tenho um palco diferente, tenho notado várias vezes. É uma cultura política muitas vezes superficial. Façam uma análise, se quiserem, durante uma semana, comprem jornais de outros Estados e comprem vários jornais portugueses e leiam as histórias que falam de política para verem o que se escreve e vão ver que há uma desproporção na importância que é dada às histórias da política em vez das verdadeiras opções de política pública que têm de ser tomadas. O tratamento, a discussão, o debate sobre as discussões de política pública que o nosso Estado enfrenta é muito diminuto face ao tratamento enorme sobre questões de estratégia e comunicação políticas. Esse é um problema de cultura política que temos de enfrentar e um problema que agrava estes desafios cognitivos e a qualidade da deliberação democrática que temos.

Outra dificuldade, que decorre dessa mesma natureza e da nossa cultura política, é a pouca abertura ao diálogo, com a ideia de que cada vez mais as pessoas estão solidificadas nas suas posições e muito pouco abertas ao diálogo político. Eu tenho dito que a política tem uma natureza de antagonismo, competição e cooperação: o antagonismo é fundamental na política e no sistema democrático através da contraposição de ideias, a escolha entre alternativas, mas a cooperação é fundamental em qualquer comunidade política e temos de equilibrar estas duas dimensões. Muitas vezes parece que não podem existir um e outro ao mesmo tempo. Muitas vezes em Portugal sinto que se houver uma abertura ao diálogo e ao compromisso, é logo dito que estão a colocar em causa a democracia ao impedir que existam alternativas. Quando há compromisso isso não significa que não haja antagonismo, isso é maturidade democrática, saber decidir que num contexto em que o antagonismo é natural, em que o confronto é natural, tem de haver margem para também encontrar uma possibilidade de compromisso, de consenso e negociação.

No fundo, temos de melhorar estas diferentes dimensões para fazer face a este primeiro desafio que é o desafio cognitivo.

O segundo desafio da política hoje em dia é um desafio temporal. Os incentivos políticos, ou seja, os incentivos que determinam a acção política, tendem a ser todos dirigidos para o curto prazo e o tempo mediático exige isso. O tempo mediático leva a que o juízo sobre uma acção política seja feito em poucos dias, uma decisão ou opção política são certas ou erradas, avaliadas em poucas horas às vezes. Não há margem nem tempo para fazer uma boa avaliação. Os ciclos políticos, não de forma tão dramática, mas ainda mais importante, também promovem o curso prazo e não o interesse das gerações futuras.

O facto dos ciclos eleitorais e os tempos mediáticos fomentarem os actores políticos a dirigirem a sua acção para o curto prazo, eu diria que é a razão fundamental porque Portugal está hoje no estado em que está, porque no passado a acção política se dirigiu apenas e só para curto prazo. Isso leva a uma sub-representação dos interesses de sustentabilidade económica, ambiental, social, de longo prazo, das gerações futuras e do Estado. Como fazer corresponder melhor os interesses democráticos, não apenas desta geração que vota agora, mas do futuro com os incentivos para a acção política? Como fazer essa correspondência e como levar o processo democrático a interiorizar hoje e a entender hoje os interesses das gerações futuras.

O terceiro desafio é um desafio espacial/territorial da política. Há no fundo uma crescente falta de sincronia entre o espaço político, isto é, o espaço onde as políticas se definem e o espaço da política, ou seja, o espaço onde os incentivos da política pública são definido, são determinados.

Por outras palavras, uma falta de sintonia, de correspondência entre o espaço de acção política onde a participação dos cidadãos tem lugar e o espaço onde as políticas são realmente definidas.

Este slide mostra Tell Zeidan, o local onde a política teve origem. Costumamos dizer que a democracia nasceu na Antiga Grécia, mas este é o local onde a política teve origem. É hoje na Síria, ironicamente. É a primeira urbanização, espaço urbano descoberto porque até a esta altura as agregações, as comunidades eram definidas por natureza familiar ou tribal e as relações dentro dessas comunidades eram definidas por laços familiares e regras tribais. Com a urbanização, as relações entre as pessoas passaram a ser abstractas, não eram definidas pela pertença à mesma tribo ou família, mas sim pela partilha de recursos comuns ou espaço comum. Muitas vezes surgiu à beira de rios e recursos partilháveis.

Com o aparecimento da cidade surge a política porque num contexto em que as relações interpessoais não são reguladas por laços familiares houve necessidade de criar regras para gerir as interdependências: regras sobre a partilha desses recursos comuns, sobre os conflitos de fronteiras na partilha de um território que é comum. Ou seja, a política surgiu da interdependência num contexto de diversidade e de desconhecimento entre pessoas e não surgiu da identidade, mas da necessidade de regular a diversidade onde existia interdependência. Isto é muito importante porque quando se fala na Europa e da possibilidade de existir uma comunidade política europeia para além dos Estados, há quem diga que não se pode concretizar pela ausência de uma identidade comum, mas nós esquecemo-nos que a política não surgiu produto da identidade, mas surgiu da necessidade de regular a diversidade num contexto de interdependência, num contexto em que as relações têm de ser geridas e não um cariz de identidade como a família ou a tribo que permite resolver em si mesmo os conflitos resultantes dessas relações.

Eu estou a utilizar isto, este exemplo, porque o que quero dizer é que hoje em dia a interdependência continua a ser a base fundamental da política. A política continua a ter como objectivo fundamental regular os conflitos sociais, regular os recursos comuns num contexto de interdependência. O que acontece é que esse espaço onde a interdependência ocorre mudou, já não é a cidade ou o Estado. Hoje em dia esse espaço de interdependência em muitas matérias é crescentemente europeu e em muitas matérias é global.

Este slide que vemos agora dá-vos uma ideia da interdependência económica no seio da UE, indica-vos a percentagem de exportações e importações que cada Estado Membro tem em relação a outro Estado Membro. Dá-vos uma ideia do grau de integração económica e por isso do grau de interdependência da UE. Esta mobilidade de bens, serviços e pessoas na UE gera uma interdependência profunda e que exige formas de governação e de regulação comuns em muitas matérias. Essa exigência é contrapartida do facto desta mesma interdependência colocar em muitas matérias sérios limites à capacidade de regulação em certas áreas por parte dos Estados e, portanto, por parte dos processos democráticos nacionais.

Dou-vos outro exemplo a esse respeito: esta é a evolução da tributação sobre empresas no espaço europeu e como vêem é uma redução menor porque a mobilidade das empresas leva a que elas se desloquem para o Estado onde ambiente fiscal é mais competitivo. O que significa que hoje o Estado tem muito pouca capacidade de regulação efectiva sobre a tributação das empresas. A tributação das empresas exige políticas diferentes a níveis estaduais e a nível europeu porque pode ser perfeitamente justificável defender uma diminuição dos impostos a nível nacional e ao mesmo tempo defender um imposto sobre as empresas a nível europeu. São espaços com uma capacidade de regulação efectiva sobre esta matéria diferentes. O que pode ser possível e lógico para um Estado fazer não é necessariamente o mesmo para a UE. Consoante o espaço de acção política a escolha política a ser feita pode ser diferente.

No fundo, hoje em dia, o que acontece em termos de crise europeia assenta em larga medida na circunstância de nós não termos assumido plenamente as consequências da nossa interdependência e as consequências deste desafio da política. As dificuldades em lidar com estes desafios manifestam-se quer ao nível da UE como ao nível dos Estados de formas muito variáveis.

Para dar alguns exemplos, uma das consequências mais claras hoje em dia da dificuldade de lidar com a complexidade das questões na política é quase um pêndulo entre política de mais e nenhuma política. Hoje em dia há cada vez um risco maior de uma questão estar sujeita apenas ao populismo ou com o receio de que o processo político não consiga lidar com a sua complexidade, não consiga atender às consequências de longo prazo devido às pressões para decidir no curto prazo, o pêndulo vai todo na outra direcção e o que se faz é excluir a questão do âmbito político. Portanto, cada vez mais assistimos a um pêndulo entre o populismo de um lado e a tecnocracia do outro.

Os nossos temas políticos têm dificuldade em lidar com a complexidade destas questões e com a excessiva informação que a elas diz respeito.

Uma outra consequência igualmente visível é a crescente segmentação das opções políticas e direitos entre gerações e temos tidos exemplos recentes, inclusive em Portugal. Parece que as opções políticas que são possíveis para uma geração são diferentes das que são possíveis para outras gerações, parece que as politicas que se aplicam a uma geração são diferentes das que se aplicam a outras gerações. Nós vemos isso crescentemente e em inúmeras matérias! No fundo, é como o concordar ou discordar da decisão do TC recente: o espaço de acção política para uma geração é de um tipo e o espaço de acção política e os direitos para outra geração são de outro tipo. Concorde-se ou não com a decisão do Tribunal Constitucional (TC), é essa a consequência, é uma segmentação das políticas possíveis e dos direitos possíveis para diferentes gerações. Isto tem vindo a acontecer em várias matérias e é uma das dificuldades de lidar com estes desafios para a política que eu mencionei. Como os incentivos para decidir no curto prazo, não pensando no longo prazo, com as dificuldades cognitivas e de percepção em muitas matérias.

Uma outra dificuldade é uma enorme compressão do âmbito da política, por via do aumento dos tais poderes tecnocráticos e até do aumento do poder judicial em muitas matérias que eram tradicionalmente apenas do âmbito exclusivo da política, quer também pela redução dos tempos de deliberação e avaliação das políticas – aquilo que vos dizia antes – o pressão do tempo da política hoje em dia é tal que não dá tempo para deliberar muitas vezes adequadamente, nem dá tempo para avaliar adequadamente as consequências da política. Elas já estão julgadas e avaliadas independentemente de nós termos dado tempo para apreciar e avaliar plenamente as suas consequências.

Isto é visível na UE, já vos irei falar disso também, mas também é visível a nível nacional. Como vos dizia hà pouco, os acórdãos mais recentes do TC também se explicam em boa parte – e com todo o respeito que merecem as decisões do TC – por uma dificuldade de entender a política e a Constituição no espaço e no tempo em que elas hoje devem ser lidas e interpretadas. A minha concepção, certa ou errada, é que uma Constituição deve ser interpretada no espaço europeu do exercício da política e uma Constituição hoje deve ser interpretada atendendo às consequências intergeracionais das decisões políticas. Um dos objectivos de uma Constituição deve ser garantir a democracia não apenas para a geração do momento, mas também para as gerações futuras. Eu diria que algumas decisões do TC, profundamente respeitáveis e que devem ser respeitadas no sistema democrático nacional, na minha opinião demonstram as dificuldades de lidar e interpretar a Constituição nesse espaço europeu e num espaço temporal que atenda aos interesses das gerações futuras e não apenas aos interesses das gerações actuais.

[APLAUSOS]

Como é óbvio, no que concerne as decisões mais recentes do TC, a minha posição sobre o que deve ser e o que deve conduzir a interpretação da Constituição não significa qualquer desrespeito face à decisão do TC. Num sistema democrático constitucional como o nosso, as decisões do TC devem ser respeitadas, mas da mesma forma deve ser respeitado o facto da Constituição ter cada vez mais uma interacção profunda com o espaço da política, também releva que deva ser considerado natural que essas decisões devam ser discutidas num espaço com público mais alargado. A forma como o TC interpreta a Constituição vincula todos os actores políticos no nosso regime, mas não significa que todos estejamos obrigados a concordar com essa interpretação da Constituição.

Mais, seria uma diminuição do nosso espaço constitucional e democrático se nos abstivéssemos de criticar decisões do TC só porque são decisões do TC. A Constituição como é um espaço profundo de democracia e de concretização dos valores da democracia deve estar sujeito a um debate público alargado. Essa é uma das consequências fundamentais dos desafios da política que temos hoje em dia: quanto mais o poder judicial e o poder político, devido à natureza das questões e à forma de como a Constituição é interpretada, se interpenetram, mais aberta deve ser apenas a interpretação da Constituição como o debate sobre o que pretende a Constituição. Isso é saudável! Não deve ser criticado!

Isto no fundo tem a ver com questões muito mais amplas sobre a evolução da política e da democracia, como vos disse.

O desafio que a União Europeia enfrenta hoje é em larga medida um desafio à concepção política e da democracia nos próprios estados, em particular nos Estados da União Europeia. O problema político da União Europeia é em larga medida produto de um problema político dos estados e aquilo que muitas vezes se designa como défice democrático, ou problemas democráticos, que a União Europeia hoje enfrenta têm a sua origem, muitas vezes, em problemas democráticos e políticos, dentro dos estados.

Não se trata apenas das respostas que a União Europeia tem ou não dado à actual crise que coloca problemas políticos e democráticos aos Estados, mas sim a própria origem da crise europeia, de que vos quero falar a seguir, que em minha opinião se explica em boa parte por problemas nos processos políticos e democráticos dos Estados. Para vos procurar explicar isso e por que razão, na minha opinião, a crise política e democrática da Europa tem na sua origem uma crise política e democrática dos próprios Estados-Membros, quero começar por fazer convosco uma espécie de reconstrução do debate sobre a origem da crise financeira e económica.

A primeira explicação para a crise assenta fundamentalmente nas políticas erradas, irresponsáveis mesmo, de alguns Estados, como aquelas que foram seguidas no nosso Estado e que se traduziu em falta de competitividade económica e depois num crescente endividamento para financiar, no fundo, a ausência dessa competitividade económica. Isto é algo que tenho dito: muitas vezes, em Portugal, centramo-nos a análise da crise financeira e económica do nosso Estado em 2011, no pedido de resgate, na situação de quase bancarrota financeira do nosso Estado, mas a crise económica portuguesa é muito mais profunda, precede uma década.

Durante uma década o crescimento económico em Portugal, ou melhor, a ausência de crescimento em Portugal, a estagnação económica em Portugal, só tem paralelo com a "Grande Depressão” norte-americana e a chamada "Década Perdida” japonesa. Ou seja, muito antes da situação de quase bancarrota financeira o nosso Estado já estava em profunda crise económica, crise de sustentabilidade, e o que é extraordinário e do meu ponto de vista explica e ilustra os problemas da nossa cultura política, é que durante essa década nós nem nos demos conta.

Estivemos a financiar através de endividamento uma crise económica que só tem paralelo com o que foram os anos da Grande Depressão e nem nos demos conta que estávamos já numa crise profunda, durante quase dez anos sem crescimento económico, com uma taxa de desemprego que já nessa altura duplicou e divergiu da Europa. Ou seja, terminámos um processo longo nos anos anteriores de convergência com a Europa para começarmos a divergir da Europa e éramos no final dessa década, com muito endividamento, com uma Constituição cheia de direitos sociais, o Estado mais desigual da Europa e um dos Estados com menos mobilidade social da OCDE.

E ainda - isto para mim é particularmente grave - um dos Estados onde quem nasce pobre menos hipóteses tem de subir na vida de acordo com o seu mérito. Isto é particularmente dramático. Nós vivemos uma década a cultivar, a alimentar, a sustentar, sem sequer discutirmos isto, contentes com o financiamento que provinha do endividamento que nos levou depois à situação de quase bancarrota financeira. Mas essa política irresponsável que foi a nossa, que nos levou à situação em que nos encontramos, também tem um impacto profundo nos outros Estados e é por isso que muitos outros Estados Membros têm muitas vezes resistência a exercer para connosco a solidariedade que nós gostaríamos e que em boa medida também justificamos.

Mas muitas vezes eles têm essa resistência, no fundo, porque vêem nas nossas políticas irresponsáveis e nas dos outros estados consequências muito negativas para eles. Ou seja, a crise, as políticas irresponsáveis em termos financeiros, orçamentais e económicos de alguns Estados precipitaram uma crise económica de toda a zona Euro, tendo tido consequências nos outros Estados. E isto no fundo é um problema democrático. O facto de termos chegado à crise a que chegámos e dela depois se ter convertido numa crise da União Europeia, é um problema democrático.

É um problema democrático do ponto de vista intergeracional, pois estivemos a decidir de acordo apenas com os interesses da geração actual sem atender aos interesses futuros, a decidir na tal lógica pura de curto-prazo e, portanto, ao não atender os interesses das gerações futuras, no fundo o que estamos a fazer é diminuir o leque dos interesses que são tidos em conta no processo democrático; isto é um problema democrático.

Porém, o segundo problema democrático é que os responsáveis e as políticas económicas de um Estado na União Europeia hoje em dia tem consequências em todos os outros Estados. Isto é assim no que concerne às dificuldades e politicas financeiras, aos défices orçamentais incorridos por alguns Estados que depois se transformam, no fundo, num problema para a moeda comum e para todos os outros Estados da zona Euro. Mas também é assim, hoje em dia, no sentido em que a nossa capacidade de sair da crise também depende dos outros e das suas políticas; temos de fazer um processo de consolidação orçamental, não há alternativa.

Para esse processo de consolidação orçamental ser totalmente bem-sucedido e sê-lo o mais rapidamente possível, também era bom que as políticas económicas dos Estados que estão em melhor situação fossem políticas mais expansionistas na medida em que o nosso processo de consolidação orçamental limita a procura interna e portanto era importante que isso fosse compensado por procura externa. Isso é que era o saudável.

Portanto, nesse sentido também estamos dependentes das políticas económicas dos outros, para potenciar o efeito máximo das políticas correctas que estamos a adoptar. Isto demonstra um problema democrático, porquê? Os outros são vítimas das nossas políticas sem que nós atendamos aos interesses desses outros Estados, muitas vezes na definição das nossas políticas. Sofremos também, muitas vezes, as consequências das políticas adoptadas por esses outros Estados sem ter voz nos seus processos políticos.

São as tais consequências da interdependência que eu vos falei, num contexto em que as decisões ainda permanecem nacionais. E isto é um problema político. No fundo, se quiserem, chamem-lhe um problema de externalidades políticas. Na Economia chama-se externalidade quando alguém, ou algumas pessoas, tomam uma decisão que tem impacto noutras que não participam nessa decisão.

Estamos a tomar decisões que impactam no outros sem atender aos seus interesses, ou eles a decidirem sobre questões que têm impacto em nós sem atenderem aos nossos interesses é um problema de consequência de interdependência no espaço europeu que se manifesta também noutras matérias. Este problema de dificuldades dos Estados nos processos políticos e democráticos nacionais terem hoje capacidade de controlo democrático, sobretudo de questões que vão além do seu âmbito é um problema que se manifesta também ao nível da outra dimensão da crise.

Um dos outros aspectos a que a crise alertou foi que os efeitos da crise foram reforçados porque com a perda da confiança originada pela crise financeira nos Estados Unidos da América, os Estados mais frágeis - os tais que tinham as políticas irresponsáveis - foram os primeiros de que fugiu o capital e o crédito, reforçando assim o efeito negativo dessas políticas, sem que houvesse possibilidade de controlo sobre esses fluxos de capitais, o que não existe nem pode existir numa união monetária.

Isto demonstra outra das dificuldades dos Estados: hoje em dia, há interesses que têm impacto na esfera democrática interna dos Estados que estes por si só já não conseguem controlar e só ao nível europeu é que se consegue. O problema é que a própria União Europeia ainda não têm os mecanismos adequados para conseguir repor esse controlo político e democrático sobre questões que os Estados já não conseguem de forma plenamente democrática governar e controlar.

Não consegue, desde logo, porque a sua autoridade política é muito difusa e tão fragmentada que não fornece verdadeira capacidade de liderança. Se pudéssemos estar presentes num Conselho Europeu - não sei se o Primeiro-Ministro amanhã confirmará ou não estas imagens -, mas acho que às vezes as decisões num Conselho Europeu assemelham-se um pouco a este extracto de um filme dos Monthy Python em que o que estava em causa era a necessidade de um grupo se organizar para tomar a decisão que todos sabiam que era necessária, que era ir e agir para libertar Cristo.

[VÍDEO]

Já vêem que a ausência de autoridade política dificulta muito a capacidade de acção. Uma democracia assenta na ideia de auto-governo, mas este só acontece se há capacidade de governar; um dos problemas do défice democrático europeu é a inefectividade, a dificuldade em tomar acções e isso dificulta a capacidade de autoridade política que é necessária para sustentar uma União Económica Monetária, por exemplo para dar certeza e segurança aos mercados. Mas dificulta também os mecanismos de aferição de responsabilidade política: num contexto em que autoridade política é muito difusa é muito fácil procurar manipular a atribuição de autoridade política.

Por vezes, os actores da política nacional transferem para as instituições europeias responsabilidade política nacional e por outras vezes são as instituições europeias que cada vez mais utilizam os Estados para impor determinadas políticas mas não assumem verdadeiramente responsabilidade por essas políticas. No fundo o que a União Europeia necessita hoje em dia é de uma reconstrução da sua razão de ser, que lhe dê ao mesmo tempo autoridade política e legitimidade política social.

Isso passa por duas coisas, a meu ver: por um lado, passa por uma lógica diferente do financiamento da União Europeia, da capacidade de intervenção orçamental e financeira da União Europeia e da legitimação do princípio da solidariedade inerente a essa capacidade orçamental. A União Europeia necessita de disciplina orçamental, mas não pode viver só com disciplina orçamental, pois necessita também de capacidade orçamental.

Se a União for só disciplina, ou seja, só contra a acção dos espaços políticos nacionais e compressão dos mesmos, a consequência é que, ou a União será ineficaz porque a autonomia política dos Estados conseguirá preservar-se e colocará em causa a efectividade dessas políticas europeias, ou a União para ser eficaz colocará cada vez mais em causa a própria noção de democracia. Porque se ela não oferece espaço política ao nível europeu, essa compressão política a nível nacional será cada vez mais vista com maior dificuldades por parte dos cidadãos.

Mas o segundo aspecto muito importante é que a União não necessita de inverter a lógica através da qual o seu princípio de solidariedade se organiza. A União não pode fazer depender o seu princípio de solidariedade financeira por transferências entre estados, tem de o fazer por via do orçamento europeu. Porquê? Porque se a solidariedade financeira, se os recursos da União Europeia, vêm dos Estados-Membros são sempre vistos como uma transferência da riqueza de uns estados para outros, quando nós sabemos que a riqueza que é produto do processo de integração europeia é muito superior aos próprios recursos e receitas que a União Europeia tem e que sustenta o seu orçamento hoje. O que temos de criar é receitas próprias da União Europeia que se justifiquem face à actividade económica à riqueza que é produzida pela própria União Europeia.

Se os recursos próprios da União Europeia forem relacionados com aquilo que é riqueza que é produto da própria União, isso será muito mais fácil de ser distribuído. Para isso, é fundamental que a União Europeia repense o seu próprio orçamento, das suas receitas e repense a sua organização do espaço político. Aí, do meu ponto de vista, é muito importante transformar as eleições para o Parlamento Europeu numa verdadeira competição eleitoral, ou seja, com vários candidatos apresentados pelos diferentes grupos políticos europeus, que se confrontem nas eleições para o Parlamento.

Não é eleições directas do Presidente da Comissão, é transformar as eleições para o Parlamento Europeu na escolha do Presidente da Comissão da União Europeia, como é ao nível nacional com as eleições parlamentares, que nós sabemos que servem sobretudo para a escolha do executivo, do Governo. Isso teria como consequência que essas eleições europeias iriam passar a ser verdadeiramente europeias. Sobre a escolha de quem deve liderar a Europa, iria ter uma outra consequência: na proposta de cada um dos candidatos, essas plataformas políticas iriam ser sobre questões genuinamente europeias, porque diferentes grupos de políticos europeus teriam de encontrar questões políticas transaccionais, não podiam dizer "o nosso Presidente irá defender as posições deste, ou daquele Estado, nesta, ou noutra matéria”.

Por último, muito importante para concluir o que eu dizia: iria conferir verdadeira autoridade política a essE executivo europeu. Esse é o passo mais importante que poderíamos dar em termos de construção de um espaço político europeu. Isto é difícil, estes dois passos de vos falei? É. Podíamos mesmo dizer que quando eu, ainda antes de ir para o Governo, como académico, há um ano, estava numa conferência e estava a falar com vários académicos e políticos nessa altura, apresentei algumas propostas que concretizavam aquilo que eu vos dizia, disseram-me: "isso é completamente impossível”. Depois de terem, durante um dia e meio, apresentado vários propostas também elas completamente impossíveis.

A minha resposta foi: se passamos um dia e meio a discutir as vossas propostas impossíveis podemos discutir a minha proposta impossível durante 15 minutos; todos temos direito a discutir as nossas propostas impossíveis. No fundo, o debate que temos hoje em dia na Europa é sobre qual das alternativas impossíveis será a mais possível. Porque o próprio status quo é impossível. Para pensarmos o que é o futuro da União Europeia e aliás para pensarmos em termos mais amplos sobre política e muitos aspectos da vida que muitas vezes é necessário que façamos um esforço de nos deslocarmo-nos daquilo que é o enviesamento do nosso estado actual. Deixarmos de pensar e ver as coisas apenas ao abrigo daquilo que é dominante hoje.

O que têm aí na imagem que vos estou a mostrar é a primeira câmara fotográfica digital do Mundo. Foi feita pela Kodak. A Kodak, hoje, faliu, apesar de terem sido os inventores da câmara digital. Porquê? Porque nunca investiram no desenvolvimento desta câmara. Um dos técnicos fez esta câmara, eles olharam para ela e dissera: "isto é enorme, nunca vai ter sucesso comercial, nunca vamos conseguir vender isto; não, vamos continuar a investir nos rolos de câmaras fotográficas” e chegaram à falência. Não tiveram capacidade de projectar o futuro, porquê? Porque pensaram nesse futuro apenas em termos do que era possível hoje.

Dou-vos só mais um exemplo e depois concluo. Imaginem que há 15 anos atrás alguém vos vinha propor fazer uma enciclopédia, vocês tinham capacidade financeira, eram um investidor ou um banco, e eles diziam que tinham os melhores dez mil cientistas do Mundo e que cada um deles vai fazer uma entrada sobre questões com o apoio das melhores universidades e mentes nas diferentes áreas científicas.

Depois vinha alguém mais jovem que vinha ter convosco e dizia que também tinha um projecto para uma enciclopédia que era num site em que quem quisesse ia lá escrever alguma coisa.

O que acham que mais provavelmente seria financiado? A primeira hipótese. A segunda hipótese é a Wikipédia, é o que domina hoje e que foi o que prevaleceu. É o modelo que teve sucesso. No entanto, se ninguém tivesse criado a Wikipédia a primeira vez que fosse apresentada a financiadores, ninguém tinha financiado, pois todos iriam apostar no modelo da Enciclopédia Britânica, porque era o que conheciam e era difícil imaginarem aquilo de uma forma contrária.

Era com isso que eu queria concluir, até porque muitos de vocês vão estar aqui e vão permanecer, espero sinceramente, activamente empenhados em actividade política, qualquer que ela seja, a nível local, nacional, ou até meramente de participação, que seja verdadeiramente como actores políticos. Não gostaria que ao agirem politicamente abdicassem da vossa capacidade de pensar no futuro de acordo com o que pode ser possível no futuro e não apenas com o que pode ser possível hoje, porque isso é muito importante para definir o que pode ser feito hoje.

Não há nada de mais terrível na política do que o cinismo de apenas pensar no que deve ser feito de acordo com o que nos parece possível hoje no presente. Concluo com um clip muito pequenino de um filme.

Não gostaria que terminassem como o político cínico que fala ao candidato Robert Redford num filme que se chama "O Candidato” que também vos aconselho.

[VÍDEO]

Muito obrigado.

[APLAUSOS]

 
Hugo Soares

Em nome de todos os alunos da Universidade de Verão, queria agradecer ao Professor Miguel Poiares Maduro pela excelente aula que aqui nos deixou e por tê-lo feito de forma exemplar, eu diria, ter dado um exemplo do que é um académico na política. A forma como do ponto de vista pedagógico mas ao mesmo tempo político nos deixou aqui uma aula sobre as várias questões da Europa e do sistema político, julgo que a lapidar, demonstra bem a qualidade do Professor Miguel Poiares Maduro.

Mas, não me alongando em considerações que não me cabem, daria a palavra ao Daniel Simões do grupo Rosa.

 
Daniel Simões

Bom dia, senhor Ministro. Antes de mais, em nome do grupo Rosa, gostaria de o saudar, agradecer toda a excelente aula que nos prestou aqui hoje. Depois de fazer umas pesquisas, um jornal português publicou em Maio deste ano - e corrija-me se estou errado -, que o senhor Ministro considera necessário o aumento do orçamento comunitário para que se possa dar à União Europeia os recursos necessários para superar as assimetrias que comprometem o funcionamento da mesma.

Posto isto, gostaria de lhe perguntar o que é que na sua opinião deve ser feito para além da injecção de capital e do que referiu, a obtenção do tal capital político, para combater as mesmas desigualdades a que refere. Obrigado.

 
Miguel Poiares Maduro

No fundo, como eu disse, a União Europeia necessita de disciplina e capacidade orçamentais. Isso, num contexto de uma união monetária, significa que todos têm de jogar de acordo com as mesmas regras e esse é o objectivo da disciplina orçamental. É no interesse de todos e de cada um que assim seja.

Mas num contexto de uma união monetária também tem de existir algum nível de mutualização do risco e distribuição equitativa das vantagens que resultam dessa união económica e monetária. É por isso que essa capacidade orçamental é importante. Temos duas formas de assegurar a mutualização do risco: uma passa por mutualizar transferências, compromissos financeiros dos diferentes Estados, por exemplo, a ideias de bonds conjuntos vai nessa linha. Não é a minha preferência, porquê? Porque acho que isso do ponto de vista da legitimidade social, do apoio social ao processo de integração europeia é complicado porque vai ser sempre entendido pelos Estados que estão a suportar esse risco como estarem a suportar riscos de outros Estados que eles não controlam.

Depois, há muitos Estados que muitas vezes beneficiam disso como um instrumento de pressão e de imposição de políticas pelos outros estados. Acho muito melhor uma mutualização do risco feita por via do reforço do orçamento da União Europeia, ou seja, através do aumento dos recursos próprios da União Europeia.

Porquê? Porque isso corta aquilo que para mim envenena e dificulta toda a lógica da solidariedade da União Europeia, que é essa ideia de que a solidariedade é produto das transferências de riqueza duns Estados para os outros.

Se um mecanismo de mutualização, um mecanismo de solidariedade na União Europeia, for produto de recursos próprios, ou seja, receitas da União Europeia que estão associadas à riqueza que é produzida e pela actividade económica que é tornada possível pela União Europeia, do meu ponto de vista isso será muito mais viável e fornecerá à União Europeia a capacidade suficiente para corrigir algumas dessas assimetrias e alguns dos problemas naturais que ocorrem no contexto de uma União Económica Monetária.

Agora, a outra questão é como é que isso será politicamente possível. Todos dizem que é muito difícil um aumento do orçamento da União Europeia, ou mesmo limitado à zona Euro. É muito difícil, é verdade, mas provavelmente ainda é muito mais difícil alguns dos outros mecanismos que são defendidos. A minha expectativa é que do ponto de vista político pode ser mais viável para os Estados dizerem a determinada altura que é melhor do que em vez de cada ano estarmos a negociar e a ter depois de convencer opiniões públicas sobre as transferências dos nossos orçamentos para a União Europeia. É melhor dar recursos à União Europeia, associá-los à actividade económica que os cidadãos possam identificar como sendo produto da própria União Europeia e dizer a determinada altura que isso se justifica e legitima. Tomando esse passo pela primeira vez, os governos nacionais e Estados-Membros já não terão o problema de todos os anos negociarem politicamente isso. Daí que ache que mesmo do ponto de vista da viabilidade política esta hipótese é mais viável do que outras, mas não deixa de ser difícil.

 
Hugo Soares
Obrigado, Professor. Pelo grupo Encarnado o André Rodrigues.
 
André Rodrigues

Antes de mais, gostaria de cumprimentá-lo e agradecer-lhe em nome do grupo Encarnado por ter estado aqui e nos ter dado esta brilhante aula. A tarefa mais difícil foi escolher dentro do seu background académico e político uma pergunta para se poder fazer. Tínhamos imensos interesses sobre os quais certamente os meus colegas irão questionar, como o federalismo económico europeu, uma tal política de integração económica e militar, entre outros.

Depois, há uma pergunta se calhar mais ousada, na sua qualidade de académico: lembro-me de ouvir o Professor Adriano Moreira há pouco tempo na Universidade Lusíada a dizer que o que define uma estrutura, um projecto, são os seus limites. No caso da União Europeia julgo que não temos bem definidos os limites do envolvimento, refiro-me à questão da Turquia com a proximidade da Síria. Não deveríamos repensar os critérios de adesão de certos países à União Europeia? Não deveríamos ser ousados ao ponto de definir limites?

Outra questão, no caso português, é se não estamos demasiado centrados no projecto europeu que é importante e devemos considerá-lo como tal, mas não estamos a desconsiderar um bocadinho a nossa Lusofonia e as suas potencialidades?

[APLAUSOS]

 
Miguel Poiares Maduro

Primeiro e importante ponto: a posição do Governo português é de apoio ao alargamento à Turquia, ao seu processo de adesão. Concordo e sempre concordei com essa posição. Isso não significa que o alargamento não coloque desafios à União Europeia.

Uma lógica de inclusividade permanente coloca dificuldades ao exercício de coordenação; era aquilo que eu dizia antes, ao nível cognitivo e de qualidade de processos de decisão, mas multiplicado em vários estados no contexto da União Europeia. Ou seja, mais Estados, maior dificuldade de deliberação, de decidir e de garantir a coesão necessária ao processo de integração europeia. Os desafios têm de ser assumidos. São Tomás de Aquino dizia: "Se todos forem meus amigos não tenho amigos”. A lógica é que para existir amigos é preciso existir diferenciação.

Mas não creio que a solução seja dizer que a partir de agora a União não se alarga. É exactamente o contrário, é importante a União alargar-se, mas é importante também definir-se que consequências isso tem nos processos de funcionamento, eventualmente até em diferentes formas de coordenação, de diferentes níveis de agregação de Estados da União Europeia. Isso já está a acontecer, hoje já temos uma integração diferenciada na zona Euro, em Schengen, portanto o que temos é de coordenar melhor esses diferentes níveis e saber como é que correspondemos a isso. Mas acho que é muito importante que a União permaneça como um espaço aberto ao alargamento e parece-me que por razões políticas do próprio interesse da União Europeia é importante manter a abertura ao processo de adesão da Turquia.

Outro ponto é até que medida é que o nosso investimento no processo de integração europeia coloca em causa o nosso investimento nas relações internacionais no espaço da Lusofonia. Não creio que o coloque, bem pelo contrário, valoriza-nos perante os outros Estados-Membros da Lusofonia e da União Europeia.

Ou seja, quanto mais forte e mais integrada for a nossa posição no seio da União Europeia, maior valor temos para os outros espaços da Lusofonia, por somos uma porta de entrada para o mercado e espaço europeus. De certa forma, a nossa relação com esse espaço de Lusofonia é algo que temos de valorizar no contexto da União Europeia, pois dá à União Europeia uma capacidade de conhecimento sobre um leque de países extremamente importante a nível global.

Portanto, o que temos de fazer não é criar uma lógica de contraposição desses interesses mas sim integrá-los e coordená-los bem.

 
Hugo Soares
Muito obrigado. João Loureiro do grupo Amarelo.
 
João Loureiro

Excelentíssimo Ministro Professor Miguel Poiares Maduro, em meu nome e do grupo Amarelo gostaria de o cumprimentar e salientar que esta foi uma apresentação que captou a nossa atenção do princípio ao fim, dada a sua relevância e clareza.

Na minha opinião, discutir o futuro da Europa é uma obrigação de todos nós.

Durante mais de seis décadas, o processo de integração europeu desenvolveu-se de forma aparentemente firme. Cada passo, desde a comunidade europeia do carvão e do aço até à actual União Europeia, foi dado tendo em vista o bem comum e baseando-se em valores como a democracia, os direitos humanos e a justiça social, e igualmente com objectivos comuns tal como o crescimento económico, prosperidade e consolidação do prestígio internacional da Europa.

Actualmente, à medida que a crise da dívida soberana da zona Euro se alastrou partindo de países da periferia para os do centro, as fundações da Europa começaram a tremer. A resiliência da União Europeia tem sido colocada em causa, até pelas recentes declarações de Angela Merkel em que referiu que a Grécia nunca devia ter entrado no Euro. Outras questões relevantes, como a Primavera Árabe, colocaram uma eventual instabilidade europeia cada vez mais na ordem do dia. Tudo isto contrasta com as previsões de um mundo pacífico, previsível e seguro que era dado como garantido após a Guerra Fria.

Pergunto, portanto, se existe a necessidade de a Europa caminhar a longo prazo para o federalismo de modo a legitimar as decisões que hoje são tomadas por entidades estrangeiras, sob pena de se desmoronar e cair no caos, fazendo-a regressar à tradição de resolver os conflitos através da guerra.

 
Miguel Poiares Maduro

Obrigado. Não acho que encontramos soluções para os problemas através da etiqueta que damos a essa solução. Prefiro analisar um problema e ver qual é a melhor forma de o resolver sem me preocupar com a etiqueta que é dada, porque muitas vezes ao darmos uma etiqueta esta traz uma bagagem que pode não ser a melhor para a resolução do próprio problema. Em vez de discutirmos qual é a forma boa de resolver o problema estamos a discutir a etiqueta. Por isso é que eu recuso-me quase sempre a falar de se a Europa precisa de federalismo ou não. Gosto de falar sobre aquilo que entendo que eu entendo ser a solução para a Europa, as melhores soluções em termos de arquitectura institucional e de governo para a Europa. Agora, qual é a etiqueta, o que é que lhe queremos chamar, não é importante para mim.

O que acho que é boa solução nesses problemas que identificou é que eles no fundo nos dizem que a Europa necessita de refundar a sua razão de ser. As justificações que tradicionalmente eram apresentadas para justificar a Europa perante os cidadãos já não são suficientes para conseguir a adesão dos cidadãos ao processo de integração europeia.

Na minha opinião, a nova razão de ser da Europa, que tem aliás muito a ver com aquilo que era tradicionalmente a sua razão de ser mas nunca foi claramente articulada e desenvolvida perante os cidadãos, tem a ver com a capacidade que a Europa tem de em certas matérias substituir-se aos estados onde eles já não têm uma capacidade plena de regulação democrática de certas questões. Ou seja, o tal nível de interdependência que identifiquei a nível europeu, global, faz com que os processos democráticos nacionais já não consigam governar eficazmente certas questões.

Portanto, esse espaço democrático tem de ser encontrado a outro nível que, do meu ponto de vista, pode ser para essas questões o nível europeu, esse espaço democrático e nalgumas matérias o próprio espaço de desenvolvimento de justiça social e de contrato social. Algumas dimensões de equilíbrio e equidade nas sociedades, que hoje em dia, já não podem ser plenamente asseguradas ao nível dos Estados, vão ter de ser asseguradas a nível europeu. Acho que essa é a evolução, mas uma evolução que vai demorar tempo e que é difícil.

 
Hugo Soares
Obrigado, Professor. Grupo Azul, João Pedro Ceia.
 
João Pedro Ceia

Bom dia. Quero agradecer a sua presença aqui, em nome do grupo Azul, é um prazer ouvi-lo. Quero também cumprimentar os restantes nesta sala.

A sustentabilidade da Segurança Social é um tema que está na agenda pública. Nas últimas décadas houve um aumento da esperança média de vida, uma diminuição da natalidade e isto levou a uma inversão na pirâmide demográfica, e em consequência a que o sistema de pensões se tornasse insustentável. A crise financeira em que vivemos veio expor estas fragilidades.

Medidas como o corte nas pensões poderão adiar o problema no curto-prazo mas nunca irão resolver o problema de fundo. Uma alternativa poderá ser um sistema misto com a introdução de um plafonamento no regime da Segurança Social onde é dada aos contribuintes a possibilidade de escolherem acima de determinado montante entre manter os descontos para o sistema público ou desviá-las para o sistema privado. No entanto, há um problema no que concerne à transição de um problema para o outro, visto que haverá uma perda de receitas há pessoas que passam a fazer parte dos descontos para os fundos de capitalização privados e por outro lado, numa fase inicial, as obrigações do Estado serão as mesmas. É necessário continuar para pagar as pensões actuais.

Assim, será necessário financiar esta discrepância aquando da transição com fundos externos à Segurança Social. A questão que lhe queria perguntar é se o Governo estuda esta hipótese, de momento, e se há alguma abertura por parte da União Europeia, ou permitir a alocação de fundos comunitários para isso.

Obrigado.

 
Miguel Poiares Maduro

Como compreende, não lhe vou responder à questão relativa aos estudos que o Governo tem sobre as várias áreas políticas. Sem dúvida que a sustentabilidade do sistema é um problema que coloca desafios de curto-prazo particularmente graves e difíceis de resolver e que o Governo está a tentar resolver numa situação que é de emergência e resolver de uma forma que me parece équa. Ou seja, é inevitável neste contexto e a curto-prazo que haja redução nas pensões que têm de proteger os que estão numa situação de maior fragilidade e atender à circunstância de pessoas que à medida que vão progredindo na vida e quanto maior é a sua idade, maior a dificuldade de mudarem o seu plano de vida.

A forma como o Governo estruturou, por exemplo, a convergência da CGA e da Segurança Social atende precisamente essas preocupações: por um lado, àquilo que é uma necessidade imperiosa do Estado neste momento, que é a insustentabilidade a curto-prazo, por outro lado a necessidade de proteger os mais frágeis e de atender a essas circunstâncias de numa determinada fase da vida as pessoas terem dificuldade de mudar os seus projectos de vida. Daí, por exemplo, que haja diferentes escalões consoante a idade; certos rendimentos estão totalmente protegidos e há uma lógica de reversibilidade à medida que o Estado recomeçar a crescer economicamente e, portanto, esteja em condições de novo de repor em pleno o seu pagamento àqueles que já estão a receber pensões neste momento.

O que o Governo tem procurado fazer nessa medida é responder a uma situação difícil com equidade, atendendo a todos os diferentes interesses em causa. Há um problema maior de sustentabilidade que tem a ver com questões da própria organização do sistema da Segurança Social mas também tem a ver com outra questão fundamental que é mais profunda, que é a competitividade da nossa Economia.

Aí também têm sido dados passos muito importantes: ter uma Economia muito mais dirigida para o exterior, muito mais competitiva internacionalmente, cada vez mais assentes em bens e serviços transacionáveis; é isso que temos vindo a fazer e a conseguir.

Os primeiros sinais positivos são precisamente porque conseguimos e estamos a conseguir alterar estruturalmente o carácter competitivo da nossa Economia. Esse é o grande desafio que o país tem, é a competitividade económica e a competitividade económica no mercado europeu e no mercado internacional. Quanto mais formos competitivos economicamente dessa forma, maior a sustentabilidade do nosso Estado social, porque ele não é sustentável com endividamento, por isso só pode ser sustentável por via da competitividade da nossa Economia. É aí que temos de apostar.

A Europa tem uma função muito importante aí também, por um lado em matéria de promoção das próprias condições de competitividade e de crescimento económico; era aquilo que eu dizia: a solução para a crise na Europa passa por estados como o nosso fazerem aquilo que devem e que necessitam de fazer, que é um processo de ajustamento duro, com sacríficios, mas absolutamente necessário, e por outro lado que o crescimento económico também seja impulsionado pelos Estados que têm maior disponibilidade para terem políticas económicas mais activas, mais pró-activas e ao mesmo tempo esperemos por um reforço para a capacidade orçamental da União Europeia.

Se houver esse reforço da capacidade orçamental da União Europeia, como eu vos disse é extremamente difícil mas parece-me importante, a Europa terá ela também capacidade de ver desenvolver políticas, não apenas de crescimento económico mas políticas de Justiça Social. Há várias discussões nessa medida, não sobre o tema da Segurança Social, mas por exemplo ao nível do subsídio de desemprego há propostas.

Portanto, são perspectivas difíceis mas que existem.

 
Hugo Soares
Tem agora a palavra pelo grupo Roxo o David Alves.
 
David Alves
Bom dia, senhor Ministro. Como português e licenciado em Ciência Política e Relações Internacionais sinto-me triste por saber que existe um grande afastamento entre os portugueses, a política e a Europa, como é demonstrado por exemplo nas eleições europeias. Tendo a noção de que uma parte considerável da soberania está condicionada por um lado por decisões europeias e, por outro, decisões da Troika, que soberania resta ao Governo? Não terão essas condicionantes influência também na maneira de os portugueses verem a Europa?
 
Miguel Poiares Maduro

A sua pergunta suscita vários pontos. O primeiro tem a ver com aquilo que eu dizia sobre haver uma compressão do espaço de opções políticas a nível nacional por via europeia. Isso tem de ser compensado por oferta de maior opção política ao nível europeu. Ou seja, há uma margem de escolhas políticas ao nível nacional, aliás foi essa margem de opções políticas que nos levou às más escolhas políticas e à situação em que estamos hoje.

Cada vez mais há uma compressão do espaço de escolha política ao nível nacional por via da disciplina que é imposta pela Europa, daí que eu dizia que a Europa não pode assentar apenas em disciplina. Tem de ter também capacidade de intervenção proactiva, mas também tem de ter capacidade de oferecer escolha política ao nível europeu para complementar os domínios em que essa escolha política já não é totalmente possível ao nível nacional.

Não sei se se lembram que, quando foram as últimas eleições presidenciais francesas os canais de informação portugueses, vários deles, transmitiram em directo os debates presidenciais franceses. Isso é muito revelador, porquê? Porque é revelador do quanto os portugueses consideram importante aquilo que se vai decidir na França para o futuro de Portugal. Ou seja, é revelador da tal relação de interdependência que eu dizia e de que o espaço de decisão política já não é nacional, em muitas matérias é europeu.

É revelador mas também é preocupante, porquê? Porque se temos essa transmissão dos debates das eleições presidenciais francesas, mas não temos transmissões sobre os debates políticos das eleições europeias, a ideia que os cidadãos nacionais vão ter é que estamos dependentes de políticas de outros Estados onde não temos voz e não do espaço político onde até podíamos ter voz mas não eficaz, nem eficiente, nem tem real capacidade de intervenção.

Por isso é que eu dizia que é fundamentalmente transformar as eleições para o Parlamento Europeu numa verdadeira e genuína competição eleitoral para dar escolha política aos cidadãos europeus sobre questões em que a União Europeia condiciona aquilo que pode ser feito ao nível nacional. É a criação desses espaços políticos que temos de conseguir e é a única forma de preservar as condições de legitimidade social da democracia na Europa.

 
Hugo Soares
Pelo grupo Laranja, a Jenny Santos.
 
Jenny Lopes Santos
Bom dia, senhor Ministro. Em nome do grupo Laranja, quero agradecer a sua presença nesta Universidade de Verão. A minha pergunta vai ser muito breve: defende a utopia que seria a política única em todos os factores da sociedade europeia, uma Europa onde os Estados-Membros garantam apenas o cumprimento desses factores e dessas normas?
 
Miguel Poiares Maduro

É aquilo que eu dizia antes: não pode ser só disciplina. Essa dificuldade, essa tensão, é muito visível no papel da Comissão Europeia. Hoje em dia há uma corrente que diz que a Comissão Europeia tem perdido muito poder, porquê?

Porque quem parece estar a liderar a resposta à crise, boa ou má, é o Conselho, é o processo intergovernamental e não a Comissão Europeia. Esta perdeu capacidade de definição de liderança política e da agenda política, mas ao mesmo tempo e se forem ver os diferentes instrumentos: o tratado orçamental, a legislação que foi adoptada para cumprimento desse tratado e de outras normas da disciplina orçamental e monetária no seio da União Europeia, a Comissão Europeia viu a sua autoridade reforçada em muitas delas face aos Estados.

Portanto, temos este paradoxo que é a União Europeia e a Comissão Europeia parecem perder capacidade política ao nível europeu, mas têm cada vez mais capacidade de intervenção a nível dos Estados. Isto, de novo, tem riscos, porquê? Porque se a Comissão é vista como o espaço onde não há margem de opção política, ela é vista como uma imposição tecnocrática sobre os processos democráticos nacionais.

Cada vez mais, a percepção que pode passar para os cidadãos é que não há opção, ou alternativa, e nesse sentido é tal a compressão do espaço político que eu dizia que é preocupante e que vem da Europa, mas também pode vir de outros fenómenos como eu vos dizia também do poder judicial. Se temos uma compressão da margem de opção política ao nível europeu por um espaço tecnocrático, ao nível nacional por um espaço judicial, cada vez mais a ideia que temos é do que é que nós podemos escolher visto que a margem de opção pode parecer cada vez mais limitada para os cidadãos.

Isso vai minar as próprias condições de exercício e legitimidade da função política e democrática.

 
Hugo Soares
Obrigado, Professor. Do grupo Castanho, o Gonçalo Melo.
 
Gonçalo Melo

Bom dia, antes de mais, cumprimentar o senhor Ministro.

A questão do grupo Castanho vai no sentido de ter uma perspectiva global e enquadrar este assunto na Europa e no Mundo. Nós, hoje, vemos o crescimento de algumas economias emergentes como o caso mais evidente da China e isso conduziu e está directamente relacionado com uma crise económica em outros locais do Mundo, como é o caso da Europa.

A crise económica, como sabemos, está associada muito provavelmente a crises políticas, quando ao contrário não é o caso como temos o exemplo da Bélgica. A nossa questão será no sentido de: será que a estratégia da Europa 2020, nomeadamente a alteração da natureza das receitas para o investimento em Investigação e Desenvolvimento e para a Tecnologia, será a chave para tornar a Europa um local mais desejável para viver?

[APLAUSOS]

 
Miguel Poiares Maduro

É um aspecto importante, mas não é suficiente. As várias prioridades que são definidas na estratégia 2020 são fundamentais e sem dúvida que na Investigação, a capacidade de adaptação é fundamental, a capacidade daquilo que eu designaria de acrescentar valor nos quais a Investigação é um dos aspectos fundamentais com a inovação e criatividade.

Como sabem, tenho a área dos fundos europeus e muitas vezes tenho dito que às vezes mais do que acreditarmos e investirmos apenas e só na ideia de tecnologias de ponta totalmente inovadoras. Às vezes as verdadeiras inovações, a verdadeira tecnologia mais produtiva, pode estar em coisas que são claramente tradicionais como no território onde já temos mais-valia. O importante é acrescentar mais valor a isso, ou seja, pegar em produtos tradicionais e pensar de que forma é que as novas tecnologias podem acrescentar valor a esses produtos, podem transformá-los de uma forma que são subitamente mais competitivos, ou como é que os podemos comercializar de forma diferente.

O que é fundamental é ter uma mentalidade cada vez mais aberta e nesse sentido a Investigação, a Ciência e o Conhecimento são fundamentais. A evolução no futuro vai estar muito na adaptabilidade, na capacidade de ver e apresentar as coisas de forma holística. Até pelo seguinte: se pensarem em países como a China e outros emergentes, uma das questões fundamentais que temos de fazer quando queremos vender um novo produto ou serviço é pensar se ele pode ser feito noutro lugar a um preço mais baixo. Se puder ser feito, então não vale a pena pensar nele.

Temos de pensar em algo diferente, algo que é único e em que se possa construir depois uma história, porque hoje cada vez quem compra quer consumir uma história, querem atribuir um sentido às coisas. Isso significa que cada vez mais a competitividade está na associação entre o que é tradicional e do território, portanto não é deslocalizável, ou transportável para ser produzido a um preço mais baixo, mais rapidamente, em maior quantidade, noutro local, mas sim em algo que é possível, que reside no nosso território e em áreas em que já temos conhecimento e mais-valias, mas às quais temos de acrescentar valor com adaptabilidade, inovação, investigação e conhecimento.

É por isso que passa, provavelmente, o desafio que a própria Europa tem em termos de reforma da estrutura da sua Economia. Mas a Europa continua a ser a Economia mais competitiva e rica do Mundo e ser tiver essa capacidade de inovar e pensar diferente, não ser como os responsáveis da Kodak, nem como os financiadores da Enciclopédia Britânica, mas ser como os inventores da Wikipédia e pensarem em algo que ninguém pensou, ou em dar valor a algo que já temos de forma totalmente nova e que ninguém pensou, essa é provavelmente o futuro da nossa competitividade.

Para isto, a pedra basilar tem de ser pessoas que tenham capacidade de pensar assim. O ponto de partida não é ter uma indústria ou serviço desse tipo, não, é ter capital humano que seja capaz de pensar assim.

 
Hugo Soares
Obrigado, Professor. Grupo Verde, Sara Amaral.
 
Sara Amaral

Bom dia. Gostaria antes de mais agradecer e cumprimentar pela excelente aula que nos trouxe. A minha pergunta vai no sentido do que já referiu, sobre a importância da Lusofonia.

Na sua opinião considera que no contexto da União Europeia e a propósito da reconquista da estabilidade económica, Portugal poderá tornar-se num actor participativo na definição de políticas europeias, tendo em conta a sua posição estratégica e privilegiada face ao Atlântico, sendo a ponte para as relações comerciais com o Brasil e com os restantes países da CPLP que têm mostrado um grande potencial económico nos últimos anos?

Obrigada.

[APLAUSOS]

 
Miguel Poiares Maduro

Vou responder de forma breve, pois em parte já respondi a isso. A resposta breve é assim: sim, Portugal pode e deve utilizar a sua relação privilegiada com esses países no seio da União Europeia. No contexto da União Europeia, o poder de um Estado pequeno/médio como Portugal não está no seu peso económico ou no seu peso político, está no que defino como poder inteligente. Esse poder inteligente está na capacidade de utilizar aquilo que são as nossas mais-valias face aos outros Estados e no contexto da União Europeia, por exemplo nas relações com os países lusófonos e também está na capacidade de sermos mediadores de diferentes interesses na Europa.

Por exemplo, a circunstância de sermos um Estado que tem cumprido com os seus compromissos no contexto do programa de assistência económico-financeira com os seus parceiros europeus dá-nos capital que podemos usar na mediação entre diferentes sensibilidades quanto à resposta adequada da Europa, uma mais centrada na austeridade e outra mais centrada em crescimento económico. É precisamente porque temos cumprido com a nossa parte, que nós temos peso, credibilidade que depois podemos utilizar e é isso que se chama usar um poder inteligente na Europa.

O poder na Europa não se faz "batendo o pé”, sobretudo com um Estado como o nosso; faz-se, tentando mediar entre diferentes posições no sentido em que a posição que resulte daí corresponda ao nosso interesse. Ou seja, faz-se na medida do possível, tentando que o interesse europeu que resulta da agregação e do nosso esforço de mediação dos interesses destes diferentes Estados corresponda o mais possível com o nosso. Faz-se utilizando as nossas relações privilegiadas como com os países lusófonos. Isso é que é a capacidade que um Estado como o nosso pode ter de agir com sucesso na União Europeia.

 
Hugo Soares
Obrigado. Bruno Daniel Moreira do grupo Cinzento.
 
Bruno Daniel Moreira

Muito bom dia. Senhor Ministro, nós na Universidade de Verão não somos alheios à actualidade e por isso pergunto-lhe sobre o que se está a passar neste momento e quais as preocupações nacionais sobre a possibilidade do segundo resgate a Portugal, ao nível das implicações para o desenvolvimento regional e para a União Europeia.

Muito obrigado.

[APLAUSOS]

 
Miguel Poiares Maduro

Tudo aquilo que o Governo tem feito é no sentido de garantir colocando o estado português em condições de não necessitar de um segundo resgate; isso é claro e reconhecido pelos nossos parceiros europeus e internacionais. Claro que há circunstâncias que o Governo não controla, isso depende da tal margem de opções políticas que é deixada ao Governo para cumprir com o programa de assistência económica e financeira.

Agora, o que posso garantir é que o Governo, tal como tem feito tudo e tem criado as condições não apenas para o Estado português hoje não necessitar de um segundo resgate, mas estar em circunstâncias de concluir com sucesso o programa de assistência económica e financeira, mas mais do que isso, estar também em condições de progressivamente - com dificuldades seguramente - crescer economicamente. Isso é claro hoje em dia.
Penso que é claro que as políticas adoptadas pelo Governo foram bem-sucedidas no sentido de colocar o nosso Estado na circunstância de não necessitar de um novo resgate e de poder recomeçar economicamente e a solidificar os sinais positivos que temos vindo ver multiplicar na nossa Economia.

Mas, como é óbvio, um Governo não controla todas as dimensões; foi isso que estivemos a falar. Hoje em dia, o espaço da acção política é limitado e é condicionado quer por via da Europa, por exemplo, quer por via da acção de outros poderes como o poder judicial que determina o que é possível, ou não, fazer em termos políticos. É isso que resulta do nosso quadro constitucional. Portanto, o que o Governo fará seguramente é, quer em contexto de reacção à conjuntura europeia, quer reagindo a qualquer outra decisão que determine qual é o leque de opções políticas, é escolher aquelas que podendo até não ser as que mais desejaríamos sejam mais necessárias e importantes para o país cumprir com os seus compromissos internacionais.

Desta forma, garantir que não temos um fundo de resgate e tentar o mais possível solidificar os sinais de crescimento económico que temos vindo a ter; é isso que continuaremos a fazer.

 
Hugo Soares
Francisco Afonso do grupo Bege.
 
Francisco Afonso

Bom dia a todos. Caro Dr. Miguel Poiares Maduro, tem sido um dos pilares da Troika tentar reduzir o salário mínimo jovem. Esta semana voltou a sair nos jornais essa possibilidade. Tendo em conta o actual nível de vida, a taxa de desemprego e a subida de impostos a que assistimos será esta medida uma medida que se enquadra nos padrões da União Europeia?

[APLAUSOS]

 
Miguel Poiares Maduro

O Governo não está a ponderar uma alternativa desse tipo. A questão do reforço da competitividade da nossa Economia passa muito por reformas estruturais no Estado. É isso que o Governo tem vindo a dizer e é isso que é importante nós termos e reforçarmos. E passa também por reformas que promovam a transferência dos nossos sectores económicos para os bens e serviços transacionáveis, isto é, para os bens com capacidade transportadora e com capacidade de substituir importações.

É isso que reforçará a competitividade na Economia e é isso que ajudará a responder a um dos problemas que é um dos mais graves, senão o mais grave, que enfrentamos neste momento, que é o desemprego, em particular entre os jovens. Essa é uma preocupação enorme do Governo, sendo que parte do desemprego com que nos confrontamos hoje em dia do programa de desemprego que apresentamos é estrutural e, portanto, difícil de resolver e passa muito pela tal alteração de condições de competitividade da nossa Economia.

Essa tem de ser a nossa prioridade: temos de ter uma Economia mais competitiva para termos a capacidade de criar e sustentar emprego. É isso que temos de fazer.

 
Hugo Soares

Obrigado. Vamos entrar agora numa segunda fase de perguntas que chamamos de "Catch the Eye”. Quem se quer inscrever para formular uma pergunta, deve manter o braço levantado.

Para iniciar temos a Susana Coito do grupo Cinzento.

 
Susana Coito

Muito bom dia a todos. Muito obrigada pelas suas palavras e por ter estado aqui, é sempre importante ouvir palavras esclarecedoras e que nos entusiasmam em relação ao nosso futuro. Achei bastante curiosa, na sua intervenção, a facilidade com que conseguimos distinguir aqueles actores políticos que são responsáveis e aqueles que - como diria o Professor Salcedo - são apenas estúpidos. Isto porquê? Porque os primeiros compreendem que temos necessidade de futuro e de acautelar a geração futura, os segundos preocupam-se apenas com os interesses instalados, não pensando que amanhã temos de garantir alguma coisa e continuar a estar cá.

Fiquei muito feliz por saber que pertence ao primeiro grupo. Perguntava-lhe, então, o que diria àqueles membros do segundo grupo - digamos assim - que utilizam o argumento do capricho e da ingenuidade dos jovens quando estes tentam argumentar a luta pelos seus direitos e por acautelar as gerações futuras e o seu crescimento no nosso país.

[APLAUSOS]

 
Hugo Soares

Um momento único na Universidade de Verão e provavelmente na vida política portuguesa: Vítor Gaspar questiona Miguel Poiares Maduro.

[APLAUSOS]

 
Vítor Gaspar

Dizer com todo o respeito que sai-se do Governo e em poucos meses ganha-se algum peso.

[APLAUSOS]

Bom dia. Vou ler pois é mais fácil para mim. Venho cá com uma ideia que não tem propriamente a ver com o que está a ser debatido, é algo que pode motivar os jovens ao estudo: a paixão com que alguns abordam ou se distinguem na sua área.

Isto tem sido posto em prática em iniciativas como a McCann Academy ou a Plataform Audacity. Utilizando então uma frequência na TDT não seria possível criar um canal para difundir este tipo de conteúdo, inspirando e complementando a educação das crianças, jovens e todos os que estivessem interessados? E para não correr o risco de ser cínico, no futuro integrar isso possivelmente com outros suportes na Educação e reduzir a desigualdade social.

Obrigado.

[APLAUSOS]

 
Hugo Soares

Ainda diziam que o Vítor Gaspar não tinha preocupações sociais.

[RISOS]

 
Miguel Poiares Maduro

É porque não conhecem bem o Dr. Vítor Gaspar.

[APLAUSOS]

No que concerne à primeira questão, acho que muitas vezes corremos um risco de cinismo entre gerações na política, que me parece muito perigoso. Não quero contribuir para isso. Acho muito importante atender à experiência, ouvir quem é mais velho e da mesma forma acho importante que quem é mais velho não se esquecer das novas gerações.

Todas as gerações têm direito a exercer a sua voz, a fazer-se ouvir e a serem uma mais-valia para contribuir. Temos de evitar uma sociedade que segrega várias gerações. Acho que a idade na política não define muitas coisas, traz vantagens e traz desvantagens. Por exemplo, eu tenho 46 anos; é tarde ou é cedo para entrar para o Governo? Não sei, acho que depende mais da minha experiência profissional e de quem eu sou.

Nos Estados Unidos da América, o presidente americano da maior superpotência, chegou ao Governo com 42 anos, salvo erro. O que acho importante é atender ao carácter das ideias que são colocadas sobre a mesa para discussão e à capacidade das pessoas em causa. Costumo dizer que há uma grande diferença entre ser sério e levar-se muito a sério. Por vezes, também há pessoas de uma idade mais avançada que têm comportamentos muito infantis, da mesma forma que há pessoas muito jovens que às vezes se levam demasiado a sério.

Acho que precisamos de uma sociedade em que esses diferentes jovens e mais velhos contribuam com as suas diferentes mais-valias e isso implica que tenhamos um espaço público, um espaço de participação política, um espaço de acção política que é o mais aberto possível à acção de todos. Nem pensar que só porque alguém atingiu uma determinada idade já não tem mais contribuição a fazer, nem pensar que alguém que ainda não atingiu uma certa idade não tem direito a que a sua voz seja ouvida.

É dessa forma que conseguimos que o sistema democrático seja, como eu disse, que não segrega entre gerações, mas que representa igualmente as diferentes gerações.

No que concerne à TDT, enquanto membro do Governo com algumas responsabilidades nessa área, o que posso avançar é que estou a reflectir sobre a possibilidade de alargamento da oferta, agora não sei com que canais especificamente. Nem acho que seja competência do Governo definir o conteúdo de um canal em si; deve é criar as condições para que os canais existentes, os conteúdos de programação audiovisual sejam o mais diversificados e de melhor qualidade possíveis. É isso que deve ser a preocupação de um Governo.

Mas também diria que, hoje em dia, as formas de expressão mesmo por audiovisual não são apenas através dos canais free to wear , cada vez mais podemos criar canais televisivos na Internet e até no Cabo. Portanto, acho que isso se vai multiplicar dessa forma.

Num certo sentido, penso que os meios de Comunicação Social têm hoje um grande desafio que é as novas plataformas de difusão colocarem em causa os tradicionais modelos de negócio. Acho que vão criar um novo modelo de negócio, que vai ser sustentável, mas esta transição é que tem e coloca grandes dificuldades. No que temos de ajudar é neste processo de transição e garantir que ele vá levar a que as novas plataformas digitais na Internet, muitas vezes com custos de produção mais baixos, mas muito maior concorrência e proliferação de meios de comunicação, que esse novo de mundo de Comunicação Social seja um que respeite quer os critérios de qualidade jornalística, quer os critérios de pluralismo que são fundamentais à democracia.

Porque não se esqueçam que a democracia, devido à enorme dificuldade de lidar com informação, que eu mencionei antes, vai ter sempre editores. No fundo, a democracia sobre a qual nós, cidadãos, exercemos o nosso direito de participação política é editada pela informação que nos chega através dos jornais, das televisões, e é editada pela construção da opinião pública através dos comentadores políticos. Esses são os editores da nossa democracia e isso é uma enorme responsabilidade, sobretudo para quem exerce essa função.

Tenho dito várias vezes que nós temos de ter um debate muito sério sobre a qualidade da edição - se quiserem -, da nossa democracia.

 
Hugo Soares
Obrigado. Tem agora a palavra o João Ameixa do grupo Verde e o Ruben Santos do grupo Encarnado.
 
João Paulo Ameixa

Antes de mais queria agradecer pela sua excelente apresentação e muito obrigado por estar na Universidade de Verão.

Esta pergunta pode não estar muito relacionada com o seu assunto mas ainda assim achei que queria perguntar-lhe. Foi recentemente comunicado - se não estou em erro - que o Ministério do Desenvolvimento Regional será responsável pela certificação, pagamento e controlo dos apoios comunitários. Portanto, gostava de saber qual é a sua opinião concreta sobre os apoios comunitários, se acha que eles são uma medida eficaz e viável no nosso país.

Muito obrigado.

 
Rúben Santos

Bom dia. Durante a sua intervenção disse que poucas são as políticas de longo-prazo. A minha pergunta prende-se com uma política de longo-prazo. Aqui há dois dias tivemos a trabalhar numa revisão de proposta constitucional e o meu grupo foi o único que fez uma proposta ao nível da divisão administrativa do país. Referimos o imbróglio que havia entre governos civis, distritos, regiões administrativas e pergunto-lhe, como o seu Ministério é tutelar da administração das autarquias locais e da divisão regional, se isto está na ordem do dia. Pelo que tenho lido da Comunicação Social, normalmente do PSD quem está no governo acha que não é uma questão premente devido à crise, mas esta questão já se arrasta praticamente desde sempre e a própria Constituição não define que modelo é que se quer.

Pergunto ao Dr. Poiares Maduro, a título pessoal e do Governo, qual é o modelo que melhor defende e quais são as prioridades neste ramo.

Obrigado.

 
Miguel Poiares Maduro

Sobre os fundos e a avaliação do impacto positivo ou negativo que eles podem ter na nossa Economia, na nossa competitividade, mas também na reforma da nossa administração pública, por exemplo, tenho a falar sobre dois pontos. O primeiro é que Portugal tem muito sucesso naquilo que se chama de taxa de execução dos fundos, ou seja, a gastar os fundos que nos são disponibilizados pela União Europeia.

Temos uma taxa de sucesso muito grande e que deve ser louvável e cuja nossa administração pública em matéria de gestão de fundos deve ser louvada. Temos, por exemplo, ao nível dos institutos e das entidades que processam as validações e pagamentos temos feito progressos muito grandes, mesmo desde que cheguei ao Governo, com o Secretário de Estado Castro Almeida. Quando chegámos, os pagamentos, por exemplo, estavam a ser feitos a demorar quase dois meses a serem feitos e em poucos meses, neste momento já são feitos praticamente em 24 horas.

Portanto, há melhorias que podem ser feitas muitas vezes motivando a Administração Pública, porque temos nalgumas áreas administração pública de muita qualidade e temos de reconhecer isso. A área do fundos é uma dessas áreas onde temos administração pública de qualidade e que tem de ser valorizada e reconhecida por isso.

Mas uma coisa é a forma como a execução dos fundos é feita, a outra coisa tem a ver com o impacto dos fundos na transformação do nosso Estado e da nossa Economia.

Aí é difícil fazer análises concretas e há poucos estudos, mas o que sabemos é o seguinte: primeiro, que tiveram um impacto positivo em termos de infra-estruturas públicas. Portugal está hoje acima da média da União Europeia, mas se calhar tiveram um impacto sobretudo só em estruturas públicas e não em transformação da competitividade da nossa Economia. Aí, seguramente, nós não estamos mais competitivos, perdemos competitividade, por isso no próximo quadro de programação a nossa prioridade maior é conceber os fundos, os programas de utilização dos fundos e de incentivos que os fundos vão criar de forma a que eles se dirijam sobretudo para reforçar, renovar e aumentar a competitividade da nossa Economia.

Isso passa por uma coisa importante. Essa é uma das áreas em que provavelmente o trabalho que eu e o Secretário de Estado Castro Almeida estamos a fazer será mais visível a médio/longo-prazo. Porquê? Porque hoje, o que podemos fazer, é sobretudo criar bons processos de decisão. Ou seja, para que os fundos sejam eficazes em matéria de transformação da competitividade da nossa Economia não basta que eles sejam dirigidos aos fins e objectivos certos, é necessário que produzam os incentivos correctos em termos de mudança do comportamento dos nossos actores económicos e dos nossos actores públicos.

Isso tem a ver com a forma com que construímos os processos de decisão dos fundos e os critérios de elegibilidade. Por exemplo, se atribuirmos fundos prioritariamente a empresas que tiverem recursos humanos mais qualificados, mais procurados, pessoas que investem mais em investigação, é dessa forma que vamos mudar os padrões de comportamento das nossas empresas e ter empresas que não só são mais competitivas hoje, mas estão mais fortes para continuar num permanente processo de adaptação da sua competitividade.

É isso que temos de fazer e isto tem a ver com a própria escolha também dos diferentes programas.

Outro aspecto importante, que sabemos hoje, é que para que os fundos sejam eficazes não podem ser excessivamente fragmentados. Temos de apostar em determinadas áreas, mas essas devem ser produto do que se demonstra ao Estado, em que há capacidade de inovação e competitividade, e não que seja de cima para baixo o Estado a definir quem vai ter sucesso e quem não vai ter. O financiamento do Estado não deve ser a razão do negócio, deve ser o interesse, a importância e a qualidade do negócio a justificar o financiamento e o apoio por parte do Estado. Deve ser nessa lógica que funcionamos.

Este é outro aspecto muito importante e que muitas vezes ignoramos. De novo, volto à questão da qualidade dos processos políticos: para ter melhores decisões temos de pensar mais nos processos como tomamos decisões. Muitas vezes, em Portugal, todos já têm a solução para tudo e ninguém pensa qual é o melhor processo de decisão para chegar à solução correcta. Daí que um dos livros que vos indico chama-se "Alternativas Imperfeitas” e é precisamente isso, a ideia de que muitas vezes nos Estados e nos processos de decisão pública estamos constantemente a passar de má em má decisão porque olhamos para a realidade sob um determinada opção política pública e dizemos que ela não funciona. Depois comparamos isso com uma alternativa num contexto abstracto, idealizado, sem pensar que ela vai ser confrontada com a realidade dos nossos agentes económicos, do nosso tecido empresarial e da nossa administração pública.

Para nós tomarmos boas opções temos de ter em conta, em primeiro lugar, que são sempre opções entre alternativas imperfeitas. A boa escolha é sempre questionarmo-nos sobre qual a menos imperfeita das alternativas. Isso exige pensar muito na qualidade dos nossos processos de decisão; algo que fazemos muito pouco.

Sobre a segunda pergunta, como sabem, já foram dados alguns passos a esse respeito por este Governo mesmo antes de eu entrar, sendo que desde que eu entrei conseguimos até fazer um acordo com a Associação Nacional de Municípios e com a das Freguesias relativamente a essa matéria. Neste momento, a prioridade é sobretudo aquela no quadro da reorganização administrativa territorial existente definir uma uma melhor distribuição de competências. Nós temos um programa que se vai chamar "Aproximar” em que vamos fazer, quer ao nível horizontal da administração, quer ao nível da relação entre a administração central e a local, pensar em primeiro lugar em termos de um recenseamento de todos os serviços públicos: o que o Estado faz e quem faz o quê no Estado; quais são os diferentes serviços públicos que existem, quais as funções que têm, quais os meios que têm para prosseguir essas funções.

Depois, numa segunda fase, analisar em que medida há ou não duplicações que possam ser eliminadas, ou em que medida é que determinadas funções podem ser prosseguidas por níveis mais baixos de decisão e mais próximos do cidadão; e analisar a relação entre os recursos humanos que existem e as funções que têm de ser prosseguidas por esses serviços. Estamos a iniciar um processo muito ambicioso que no fundo faz parte da reforma do Estado, nesta matéria, e que relaciona melhor a administração central e a administração local, relaciona melhor a capacitação humana que é necessária dentro do Estado, a valorização humana dos recursos do Estado com aquilo que é necessário para prosseguir as funções fundamentais do Estado e que são sustentáveis com os recursos que tem hoje. É isso que estamos a fazer e penso que é isso que é prioritário neste momento.

 
Hugo Soares
Tem agora a palavra pelo grupo Amarelo o José Miguel Rebolho e pelo grupo Bege o José Simão.
 
José Miguel Rebolho

Muito bom dia. Ora, há algum tempo atrás, há coisa de 7 anos, a União Europeia era vista como algo de extraordinário, tanto que virou moda, principalmente nas escolas, falar nela. Contudo, neste momento, vejo que as pessoas cada vez mais odeiam a UE e atribuem-lhe parte da culpa da nossa dívida externa.

 

Será isto uma falta de formação cívica e política sobre a União e Comissão Europeias? Na verdade, reparo que nas escolas pouco ou nada se fala sobre os direitos e benefícios que temos por parte destes órgãos que referi.

Obrigado.

 
José Simão

Bom dia, senhor Ministro. a minha pergunta, visto que falou do orçamento e também do enquadramento financeiro da União Europeia, faço também uma pergunta mais financeira.

 

Os Estados Unidos da América têm um crescimento económico quase sempre garantido, quero dizer, eles crescem simplesmente, estão mal mas crescem, o crescimento está lá. Mas nós cá não temos isso. O que pergunto, aproveitando o seu conhecimento e a sua experiência, é: poderá Portugal, ou a União Europeia, seguir, a receita que os Estados Unidos seguem muitas vezes, que é a impressão e injecção na Economia, em vez de recorrer, como tem recorrido, a medidas de austeridade de uma forma regular e permanente?

Muito obrigado, senhor Ministro.

 

[APLAUSOS]

 
Miguel Poiares Maduro

Pensar na possibilidade do BCE ter a função da Federal Reserve americana, diria que é a mais impossível das alternativas quanto à evolução da União Europeia. Diria uma resposta comum que é a seguinte: Portugal está na situação em que está por responsabilidade própria, em primeiro lugar. Agora, as consequências das nossas fragilidades, das nossas irresponsabilidades e erros são agravadas também por deficiências de um modelo de governo económico e monetário da União Europeia.

 

A dificuldade de resposta e a rapidez da nossa dificuldade de produção de efeitos na resposta que temos dado também é limitada e condicionada por dificuldades na conjuntura política e económica no contexto da União Europeia. Daí que volto de novo a grande parte do que disse antes. Nos desafios actuais há dimensões importantes internacionais que temos de corresponder e temos vindo a fazer isso, temos no fundo de cumprir a nossa parte e quanto mais a cumprirmos estaremos em melhor posição para reivindicar aos outros na Europa que cumpram também a sua parte.

 

O que seguramente não será o caso é se nós não cumprirmos com o nosso compromisso, pois não estaremos em condições de reivindicar aos outros que cumpram com aquilo que também é importante para ajudar a reforçar as condições de crescimento económico que são necessárias para toda a Europa e não apenas para Portugal.

 
Hugo Soares
Têm agora a palavra a Maria Desidério do grupo Azul e a Ana Carolina do grupo Castanho.
 
Maria Desidério

Bom dia, senhor Professor. Muito antes da Declaração de Schuman houve os Congressos de Paris onde houve uma decisão dos Estados europeus, houve os Unionistas e os Federalistas. Os Unionistas levaram à Declaração de Schuman e ao Congresso Europeu e os Federalistas ao Conselho da Europa que ainda hoje existe.

 

Durante todo o processo de integração europeia verificamos que a Inglaterra ficou um pouco à margem, sempre colocando bastantes reservas quanto à evolução para uma Europa federal. Os ingleses propuseram agora um referendo sobre se querem ou não continuar na União Europeia, sendo que se esse referendo for negativo vão quebrar com aquilo com que se comprometeram no tratado de adesão.

 

A minha pergunta prende-se com: será que os decisores políticos europeus estão, como no sketch dos Monty Python, a ter medo de tomar uma posição mais firme quanto à Inglaterra, tentando esperar que a situação se resolva por si, ou então não há mesmo uma solução para um avanço político de integração política na União Europeia?

 

[APLAUSOS]

 
Ana Carolina Almeida

Bom dia, senhor Ministro. Vimos pelo seu discurso, que acredita no futuro da União Europeia. Mas acredita neste modelo, o que temos actualmente, ou acha que com esta crise estamos obrigados a repensar sobre o modelo da União Europeia?

Muito obrigada.

 

 
Miguel Poiares Maduro

Acho que temos de repensar o modelo político e económico da Europa. Agora, isso não é fácil. Essa é a dificuldade política. Para repensarmos é necessário projectar esse modelo no futuro - era o que eu dizia - , não podemos estar prisioneiros daquilo que nos parece viável só politicamente hoje. Daí o tal exemplo que vos pedi para projectarem no futuro, independemente daquilo que parece viável hoje.

 

Mas é fundamental fazer isso, sendo que as circunstâncias políticas de funcionamento da Europa não o tornam fácil. Porquê? A Europa é muitas vezes aquilo que designo como uma racionalidade compósita, ou seja, não é como se pensa, até quando se fala por exemplo nas negociações com a Troika, muitas vezes, também se incorre no mesmo erro que é julgar que vamos ali à Troika e explicamos que é assim e que tem de ser assim e eles vão perceber. A Troika é uma entidade extremamente complexa, com várias instituições que por suas vez dependem de várias opiniões públicas de vários governos nacionais que por sua vez dependem de vários opinião públicas de governos nacionais. Negociar com a Troika é negociar, num certo sentido, com essas várias opiniões públicas nacionais.

 

Frequentemente, essas opiniões públicas nacionais não têm a percepção idêntica a nós sobre os problemas. Como costumo dizer: da mesma forma que se diz que em Portugal há fadiga da austeridade, noutros estados europeus há muitos que dizem que há fadiga de solidariedade. Isso torna a acção na Europa extremamente difícil, porque são entidades de processos negociais, de deliberação extremamente complexos, que envolvem diferentes comunidades de políticas nacionais, muitas delas sem terem perfeita consciência - incluindo a nossa - das consequências desta interdependência que é gerada pelo espaço europeu.

 

Essa é a grande dificuldade: como é que conseguimos nesses contexto criar os incentivos políticos para fazer aquilo que pode ser necessário e importante para o futuro da Europa. Isso passa muitas vezes por antecipar cenários que até são impossíveis, como eu dizia, mas que sendo impossíveis não vão deixar de condicionar aquilo que vai ser possível. Muitas vezes para fazer o possível é necessário colocar sobre a mesa cenários impossíveis.

 

Acho que a Europa vai evoluir porque o status quo também não é sustentável. Agora, saber exactamente quando, como, de uma forma mecânica e matemática, não consigo antecipar. Costumava dizer aos meus alunos quando era professor que para verem exactamente o que se vai passar na Europa era um bocadinho como dizia aquele jogador de futebol português: "previsões só no fim do jogo”. Na Europa é assim um bocadinho, por vezes, mas isso não significa, bem pelo contrário, que não tenhamos que antecipar cenário e desenhar propostas, temos de o fazer.

 

Temos de colocar isso assim sobre a mesa, pois é dessa forma que estruturamos o debate que vai levar àquilo que vai ser a solução do modelo de governo económico e político da Europa. Eu confio que esse modelo vai evoluir na direcção que defendi.

 

No que concerne à segunda pergunta, sobre a posição do Reino Unido só a ele é que compete essa decisão. O Reino Unido é que terá de decidir num referendo ou de outra forma que participação é que quer ter na integração europeia. Essa é uma decisão dos cidadãos britânicos. Agora, também em parece óbvio que com o Reino Unido ou com outro qualquer Estado-Membro, que quando a Europa enfrenta desafios fundamentais que afectam o funcionamento de cada um dos seus Estados esses não podem estar reféns de um Estado em concreto.

 

Mas essa é a dificuldade que advém da tal interdependência, é que mesmo para o Reino Unido, ou para qualquer outro Estado que coloque em causa a participação da União Europeia, o que é que isso quer dizer? Quer dizer não participar nos mecanismos tradicionais mas fazer parte do mercado interno? Mas se fizer parte do mercado interno já dependemos da União Europeia em imensas matérias, porque a tal interdependência que é criada pelo mercado interno pela circulação de empresas, pessoas, bens, serviços, é tal que coloca em causa a autonomia das nossas políticas.

 

Num mercado interno as nossas políticas são definidas tanto por aquilo que seriam as nossas posições de princípio, como pela necessidade de sermos competitivos nesses mercado interno. Daí que a partir do momento que estamos num espaço integrado e hoje em dia não vejo forma de não fazer parte um espaço integrado economicamente, é muito difícil não aceitar as consequências políticas que daí seguem.

 

A opção verdadeira acaba por ser essa: ou queremos viver isolados económica e socialmente, ou então se vivemos integrados a consequência disso tem de ser aceitarmos as consequências políticas e isso significa que num determinado número de matérias já não podemos decidir sozinhos. Temos de decidir com os outros. Então a decisão fundamental é: qual é a forma legítima e mais democrática de decidir com os outros.

 
Carlos Coelho

Muito obrigado, senhor Professor Dr. Miguel Poiares Maduro, foi uma aula interessantíssima, corresponde aliás às altas expectativas que tínhamos sobre a sua presença nesta Universidade de Verão.

O Hugo e eu vamos acompanhar, como de costume, o nosso convidado à saída. Pedia à equipa dos avaliadores para virem para este lado da mesa.

Em nome de todos nós, senhor Professor, muito obrigado por ter estado connosco.

 

[APLAUSOS]

 

FIM