ACTAS  
 
8/31/2013
Jantar-Conferência com o Dep. António Correia de Campos
 
Carlos Coelho

Sr. Professor Doutor António Correia de Campos, Senhores Deputados Hugo Soares, Duarte Marques e Nuno Matias, Senhores conselheiros, senhores avaliadores, minhas senhoras e meus senhores, vamos dar início ao último jantar conferência da Universidade de Verão 2013.

Como todos sabem, com excepção do nosso convidado desta noite, estes jantares conferência iniciam-se sempre com um momento cultural protagonizado pelos participantes. Hoje cabe aos grupos azul e bege.

O grupo azul pela voz da Filipa Rafael vai ler o mar português de Fernando Pessoa publicado em 1934 no livro "Mensagem”. O grupo azul escolheu este poema porque o mar foi o nosso ponto de chegada e será também o nosso ponto de partida... um dos nossos primeiros desafios foi descrever a cor do nosso grupo... de imediato o azul do Mar português de Fernando Pessoa nos assolou a mente... somos Mar... como o seu infinito... sem princípio... Mar sem fim... Mar de tormentas, Mar de sonhos, Mar de oportunidades... e o Mar de Saudade que vamos sentir quando daqui partirmos amanhã... iremos, tal como os portugueses de outrora, dar novos mundos ao mundo...mais conscientes daquilo que somos e daquilo que queremos.

O grupo bege escolheu este poema por duas razões:

1) Sendo um membro do nosso grupo, o único oriundo do distrito da Guarda e tendo conhecimento que o nosso convidado, o Professor Doutor António Correia de Campos, é também um beirão escolhemos um poema do escritor Vergílio Ferreira, natural de Gouveia – Serra da Estrela.

2) " O sonho comanda a vida ”. É importante sonhar por mais utópicos que os ossos sonhos nos pareçam. Como nos disse hoje o Professor Miguel Poiares Maduro " muitas vezes para fazer o possível, é preciso colocar em cima da mesa cenários impossíveis ”.

Com este poema prestamos também a nossa sincera homenagem ao nosso coordenador, José Simão que teve esta semana uma perda familiar mas fez questão de, depois de participar nas cerimónias fúnebres, regressar a Castelo de Vide com entrega, empenho, garra e espírito de verdadeiro coordenador. O nosso obrigado!!

Vamos ouvir " que há para lá de sonhar?” de Vergílio Ferreira na voz de Daniel Pinheiro.

[Foram lidos os poemas]

[Aplausos]

Depois do Jantar

BRINDE

 
João Leite

Muito boa noite a todos.

Antes de mais, peço a autorização do nosso Reitor para dividir este último brinde em dois momentos.

O primeiro momento para saudar em nome dos alunos o vosso orador, o Prof. Doutor Correia de Campos.

Licenciado em Direito pela Universidade de Coimbra, Mestre em Saúde Pública, foi Secretário-Geral do Ministério da Saúde.

Quando se tem a oportunidade de regular e dirigir aquilo que conhecemos, sabe-se do que se fala, juntando-se o útil ao agradável.

Num segundo momento, começo por referir que o meu grupo não sabe do que eu vou falar. Decidi preparar este brinde especial sozinho, por ser o último brinde desta que é a 11ª Universidade de Verão.


[APLAUSOS]

Assim sendo, Magnífico Reitor, caros Conselheiros, prezado e fantástico Staff, estamos no sexto dia desta Universidade de Verão e a densidade e complexidade do trabalho dos grupos faz-nos parecer que estamos aqui há um mês. Um mês de grande partilha de conhecimentos.

Os momentos que todos passamos aqui, creio que falo por todos os grupos, foram de uma fantástica e enorme aprendizagem, não só política como cívica.

As aulas, o rigor e a qualidade dos professores e da organização que aqui tivemos, foram uma efectiva aprendizagem. Nomeadamente nos horários. É a partir dos horários que adquirimos a responsabilidade.

É com isso que mostramos se conseguimos ser profissionais, seja na política, seja no mundo empresarial seja na vida.

A qualidade dos professores – e hoje temos cá o Prof. Correia de Campos – é a melhor forma de aprendermos. É essa qualidade que faz de nós a juventude partidária mais bem preparada de sempre.

[APLAUSOS]

Um brinde também à nossa Conselheira, que teve de se dividir entre dois grupos. Uma nota de inteira justiça aos Conselheiros: nunca dão apenas e só atenção aos seus grupos. Sempre que precisámos, estiveram disponível para nos ajudarem.


[APLAUSOS]

Para vós, o nosso muito obrigado.

Um brinde para o Staff, quer seja nas câmaras, na internet, no jornal, no apoio, nada falhou! Esse é o resultado do rigor desta UV.

Uma saudação ao pessoal do hotel por nos tratarem sempre com a maior simpatia e profissionalismo.


[APLAUSOS]

Nestes seis dias aprendemos bastante sobre diversas áreas: economia, finanças, internacionalização da economia, apoio social, misericórdias. Assuntos diariamente discutidos.

Mas, acima de tudo, aprendemos a agir uns com os outros. Esta semana foi, para todos nós, uma aprendizagem nesse sentido. A saber respeitar o espaço uns dos outros, o método e a personalidade de cada um.

Não somos todos iguais, somos todos diferentes, e é isso que nos torna especiais e únicos.

Sempre que foi preciso ficar a trabalhar até mais tarde, o nosso grupo ficava todo junto. Por mais que divergisse.

Assim sendo, quero pedir uma salva de palmas ao nosso orador. Estimamos a sua presença neste nosso último jantar. Mas peço também um brinde ao nosso Reitor, a todos nós e à 11ª edição da Universidade de Verão.


[APLAUSOS E BRINDE]

 
Carlos Coelho

Senhor Professor Dr. António Correia de Campos, senhores deputados Hugo Soares, Nuno Matias, Joana Barata Lopes, Simão Ribeiro, senhores conselheiros, senhores avaliadores, minhas senhoras e meus senhores, chegamos ao último jantar-conferência da Universidade de Verão de 2013.

Ao longo destes 11 anos, tivemos o privilégio de pessoas que não são da nossa família política terem aceite o convite para estarem entre nós, pessoas tão diferentes como o Dr. Mário Soares, o Dr. António Vitorino, o Eng.º João Proença, o Eng.º Joel Hasse Ferreira, o Dr. Guilherme Oliveira Martins, o Dr. Luís Amado, entre vários outros que nunca recusaram o nosso convite.

Acho que isso prova que há um património que consideraria muito salutar na democracia portuguesa de aprendizagem recíproca. Penso que também estamos bem nesta iniciativa ao não a confundirmos com um instrumento de propaganda partidária, quando num espaço de formação procuramos ouvir outras opiniões e acho que fica igualmente bem a quem não é da família política e tem a generosidade de, com prejuízo do seu tempo e da vida, aceitar o nosso convite e honrar-nos com a sua presença.

Conheço o Dr. António Correia de Campos há muito tempo, acompanhei-o como muitos de nós um pouco mais à distância quando exerceu funções governativas como Ministro da Saúde, agora conheço-o melhor como deputado ao Parlamento Europeu. O Professor Correia de Campos é um homem notável, tem um percurso de vida fantástico, fez imensas coisas na vida, desempenhando funções em áreas muito diferentes. Ele poderia falar de quase tudo: de reforma administrativa, pois presidiu ao INA; de Saúde, porque foi Ministro da Saúde; de Energia, porque hoje no Parlamento Europeu é uma das áreas a que ele se dedica; de investigação científica, pois preside a um organismo no Parlamento Europeu que tem exactamente a ver com as encomendas de estudos científicos às universidades para validar opções legislativas que fazemos no Parlamento Europeu; e ainda assim não foi sobre nada disto que lhe pedimos para falar hoje.

Mas é sobretudo um homem íntegro. Aquilo que vejo no Professor Correia de Campos é um homem de uma honestidade intelectual notável, é um homem que estando certo ou errado - acho que está certo da maior parte das vezes, persegue aquilo em que acredita e acho que isso é um património notável. Como é um homem muito inteligente e com muita experiência projecta uma imagem de representação de país que nos enriquece enquanto povo, isto é, o mandato europeu de Correia de Campos honra-o enquanto português e honra o país que ele serve da melhor maneira no Parlamento Europeu em Bruxelas e em Estrasburgo.

O nosso convidado de hoje tem como hobby coleccionar vinhos, o que o levou até aqui hoje a verificar a ruína de algumas das preciosidades e votá-las ao fabrico de sangria. A comida preferida são todas mas não recusa, mesmo em refeições repetidas, bacalhau cozido com batatas, bom azeite e bom vinagre vínico e não balsâmico. O animal preferido é o gato, mas diz que encerrou a série desde há anos, quando nasceram os netos e verificou o estado lastimoso em que se encontravam sofás e carpetes. Os seus gatos tiveram sempre nomes humanos: Mateus, Camões, Dali e Francisco. Eu acrescentaria Hugo e Nuno, só para chatear o Hugo Soares e o Nuno Matias.

[RISOS, APLAUSOS]

O livro que nos sugere: "Lisboa e o Iluminismo Pombalino” do José Augusto França, por descrever o administrador diligente, enérgico e também impiedoso que foi o Marquês após o terramoto. O primeiro esboço da Baixa Pombalina a cargo de Manuel da Maia, então com 82 anos, surgiu 50 dias depois do sismo e foi praticamente o definitivo, tendo as plantas de pormenor sido apresentadas logo cinco meses depois sem pranchetas evoluídas e muito menos sem as novas ferramentas informáticas como o CAD/CAM.

O filme que nos sugere, embora muito antigo, é uma obra de arte e de história italiano, "O Leopardo” de Visconti, com a celebrada frase do autor do livro, Lampedusa, em que se baseia o filme: "É necessário que alguma coisa mude para que se possa preservar o que de bom existe”.

Meu caro colega António Correia de Campos, ao longo desta semana, uma das coisas de que mais se falou foi da solidariedade intergeracional. Aquilo que estes jovens que estão a preparar-se aqui para a sua intervenção cívica e política mais perguntam é o que vai ser o futuro deles. Isto tem a ver com diversas questões, questões que não estão inseridas na lógica deste jantar, com a capacidade de nós darmos de novo capacidade financeira ao país, de reconstruirmos a nossa Economia, de aumentarmos as oportunidades de emprego, mas há uma dimensão que os preocupa e que nos preocupa que tem a ver com a Segurança Social.

É possível sustentar que as opções que nós temos na Segurança Social são opções de que eles ainda vão beneficiar? Podemos dizer que a Segurança Social está falida e que eles não vão ter direito aos mesmos horizontes de segurança que gerações mais velhas podem beneficiar? Será que eles vão ter de ignorar conquistas do Estado Social que eram tidas como praticamente adquiridas até agora? Ou vamos ter de dizer que solidariedade intergeracional funcionou durante algum tempo, mas que para o futuro ela já não faz nenhum sentido porque a competitividade entre as nações vai obrigar a baixar os custos de trabalhos e a deitar pela janela fora todas as conquistas que o Estado Social encontrou na Europa e que nós dizemos que fazem parte da nossa marca identitária que é o Estado Social Europeu?

Minhas senhoras e meus senhores, para responder à minha e às vossas perguntas no último jantar-conferência na Universidade de Verão 2013 uma figura ilustre da democracia portuguesa o Professor Dr. António Correia de Campos.

[APLAUSOS]

 
António Correia de Campos

Minhas queridas e queridos amigos, vocês dizem "companheiros”, não é? Nós dizemos "camaradas”, mas a proximidade entre as duas expressões é grande. Queria começar por agradecer este convite que muito me honrou. Um convite vindo de um belíssimo amigo, o Carlos, e que reforça a nossa relação pessoal e também espero que reforce alguma coisa na relação institucional entre os dois partidos que são mais representativos da sociedade portuguesa.

[APLAUSOS]

Quero, depois, agradecer as palavras talvez excessivas com que o Carlos me brindou. Surpreendido pelo questionário que já não me lembrava ter respondido, mas que realmente me deu algum prazer responder e devo dizer que fui estimulado pela personalidade do Carlos que como todos sabem é uma personalidade iconoclasta, brincalhão, mas no fundo sempre muito acutilante e muito directo aos problemas. O seu papel no Parlamento Europeu, e agora não estamos assim em pingue-pongue de cumprimentos, mas o Carlos é um dos deputados mais prestigiados como provavelmente saberão.

[APLAUSOS]

Na sua área específica no Parlamento Europeu, um relatório Coelho é um relatório que é sempre provado e não sei quanto custa essa negociação [RISOS], provavelmente alguma coisa, mas são sempre relatórios com prestígio.

[APLAUSOS]

Queria também agradecer as sugestões e escolhas dos dois poetas que hoje aqui foram apresentados no início. Em primeiro lugar, o Vergílio Ferreira que é um pensador, sorumbático, nunca o conheci pessoalmente, embora ele navegasse nas áreas políticas próximas do Partido Socialista, julgo crer, e naturalmente era uma pessoa perto da minha região, mais da Beira Baixa Interior do que propriamente de Viseu de onde sou natural. Mas é um dos nossos grandes filósofos daquilo que se possa chamar o existencialismo português. Reli há cerca de uma dúzia de anos o seu romance "Aparição”, passava-se sobre a sua experiência profissional de professor de Ensino Secundário em Évora e digo-vos que vale a pena ler, ou reler, pois é um livro admirável, não apenas do ponto de vista literário mas também filosófico.

No primeiro ano da faculdade, tive a sorte de conviver com pessoas que tinham sido alunos do professor Vergílio Ferreira e percebi a importância que tem um professor na vida futura de um aluno.

O segundo poeta é Fernando Pessoa com esse livrinho chamado "Mensagem” limitou-se a obter o segundo prémio do CNI nesse ano. O primeiro prémio foi para um poeta de nome Vasco Reis de quem nunca mais ninguém ouviu falar, mas a Pessoa só coube o segundo prémio. Os poemas de Fernando Pessoa, nomeadamente esse do "ó mar salgado, quanto do teu sal são lágrimas de Portugal”, na minha geração era de leitura e de dicção obrigatórias nas aulas de português no 5º ano, tal como o Mostrengo. Depois, a minha geração teve também a sorte de ter declamadores como o Manuel Loreno e o João Villaret que declamavam esse e outros poemas de uma forma fantástica e admirável, por isso realmente nunca é demais lembrar o mar e quando agora olhamos o mar do ponto de vista já da inovação científica que estamos a tentar trazer, ou criar, à volta ou dentro do mar, creio que reencontramos Pessoa e reencontramos Portugal.

Gostaria de vos falar e responder à pergunta do Carlos, traçando um pouco uma história que tem de ser naturalmente muito breve e muito pouco académica sobre os sistemas de Segurança Social. A Segurança Social tem uma génese dupla: a origem Bismarckiana do final do séc. XIX em que a Segurança Social é criada por associação ocupacional, isto é, ao trabalho, sendo que a parte do trabalhador e a parte da entidade patronal são colocadas em caixas, ainda hoje os alemães as chamam de caixas. Basicamente, esta legitimidade da concentração/capitalização de recursos vem do trabalho e visava, ao fim e ao cabo, a reinserção social do trabalhador.

Bismarck era um príncipe, conservador, e não foi por acaso que criou a Segurança Social, foi também para lutar contra alguma ideologia dominante na época, nomeadamente do Marxismo, que defendia a tese da pauperização e a exploração crescente do trabalhador pelo capital. Esta tese não se verificou, mas também porque teve antídotos, um dos quais a Segurança Social que na Alemanha é uma criação legitimamente democrata-cristã. A sua disseminação pelos restantes países europeus faz-se ao ritmo da industrialização. Na Bélgica, pois era o segundo país mais industrializado da Europa depois da Inglaterra, posteriormente na Suíça, na França mais tarde, na Itália e nos outros países.

Os primeiros modelos da Segurança Social são todos Bismarckianos, incluindo de certa forma o modelo inglês na sua versão inicial.

A segunda matriz da Segurança Social é Beveridgiana. Lorde Beveridge foi também um liberal inglês que criou e defendeu o princípio de que só pelo facto de se ser cidadão tem-se direito a cobertura social integral. Já não é apenas a lógica ocupacional, mas sim a lógica da cidadania. Portanto, isto inclui o desemprego, a pobreza e o desemprego não é visto como um seguro na lógica Bismarckiana mas como um financiamento para cobrir as bolsas de pobreza. A ultrapassagem da Poor Law que existia e que era uma espécie de lei das misericórdias inglesas, que Beveridge escreveu logo antes da guerra e logo a seguir à mesma teve lugar a reconstrução e naturalmente as suas teorias tiveram um papel muito importante no desenvolvimento dos sistemas da Segurança Social.

Foi crescentemente disseminada no pós-guerra e até antes nos países nórdicos. Sobretudo nos países do Sul da Europa, sempre mais atrasados que outros, só depois dos anos 70 é que a Segurança Social e a Saúde tiveram esta generalização de cobertura. Portugal, Itália, Grécia e Espanha só depois e Portugal foi pelo facto da Revolução de 74 o primeiro país a ter um sistema integrado de Segurança Social e um serviço nacional de Saúde.

Curiosamente, o leste europeu, depois do desmantelamento do muro e das chamadas democracias populares, não seguiu nenhum modelo universal, ele próprio tinha um modelo universal mas abandonou-o e seguiu o modelo alemão tal como praticamente todos os países. O que é que aconteceu depois? Depois disto, a vida prosseguiu, os sistemas de Segurança Social geram défices sucessivos e no modelo Bismarckiano e no Beveridgiano encontramos aproximações progressivas a cada um dos outros modelos.

Assim, no modelo Bismarckiano, os défices passaram a ser financiados por impostos. Na Alemanha os défices passaram a ser financiados pelo IVA, na França passaram a ser financiados pela Contribuição Social Generalizada (CSG).

Esta situação de défice é comum, por isso não estranhem que em Portugal haja dificuldades de cobertura da Segurança Social e da Saúde, elas são próprias de todos os modelos de protecção social, por razões que já vos vou expor. Em todos estes casos há uma progressiva separação da Saúde. Em Portugal, até 1978, a Saúde dos trabalhadores beneficiários da então Previdência era financiada pelas Caixas de Previdência, a partir de 1978 desapareceu o dinheiro que vinha da Previdência e todo o dinheiro da Previdência passou a ser destinado às pensões. Onde é que foi financiada a Saúde? A partir dos impostos, naturalmente, e o Serviço Nacional de Saúde passou a ser uma rubrica importante do Orçamento de Estado.

O modelo Bismarckiano criou barreiras progressivas ao abuso. Era muito comum haver situações de abuso. Por exemplo na Alemanha, a certa altura, no caso da Saúde um médico era pago por todos os doentes que via dentro de uma mesma morada e passou a ser necessário pagar apenas a primeira consulta no mesmo prédio, porque ele passava a dar consultas a todos e assim pagava-se apenas uma deslocação. É um exemplo caricato, mas é para vos dizer como o sistema se defende da própria distorção. Passou a ser financiada a primeira consulta a 100% e as subconsequentes na mesma família a 10% para cada um dos elementos do agregado familiar.

Enfim, este tipo de mecanismos de filtro foram progressivamente introduzidos e para prevenir fraudes e desperdícios. Ao mesmo tempo introduziu-se o copagamento no ponto de acesso. Na Alemanha, por exemplo, testemunhei isso ainda. A ministra Ulla Schmidt do Governo de Gerhard Schröder e mais tarde na coligação social-democrata e democrata-cristã, criou a famosa taxa dos 10 euros por dia de internamento hospital e dos 10 euros por cada três meses para quem estivesse inscrito em centros de saúde, ou postos médicos, entre outros. A característica dos sistemas Bismarckianos é que não há Estado central prestador, há uma multidão de prestadores.

O modelo Beveridgiano efectivamente também evoluiu, com a introdução de mais mecanismos de mercado. O mecanismo centralizado foi considerado pouco eficiente, nomeadamente toda a experiência inglesa foi começando a criticar algum desperdício do Sistema Nacional de Saúde e, assim, aparecem propostas de separação entre o financiamento e a prestação. O célebre princípio de que "money follows the pacients”, em vez do dinheiro ser dado às instituições seguia o trânsito do doente no sistema.

Também no ramo Velhice, nos sistemas universais Beveridgianos, sobretudo nos países do Norte começam a separar e a criar a teoria dos três pilares: o primeiro com a Segurança Social pública, básica, igual para todos; o segundo com a Segurança Social totalmente opcional, que são os fundos de pensão livres; e o terceiro pilar com os fundos de pensão de empresa, ou de capitalização opcional.

A característica desta miscigenação de sistemas é a combinação público-privada de crescente complexidade.

Quais são as causas da crise comum a todos os sistemas? Vou enumerá-las telegraficamente: o envelhecimento da população, prolongamento da vida, mais pessoas idosas dependentes, redução da natalidade, entrando menos trabalhadores na vida activa o rácio de cobertura passa a ser menor, necessidades novas, nova pobreza, droga, toxicodependência, apoios de saúde e de sustentação sociais a pessoas idosas, que não existiam quando as pessoas tinham uma esperança média de vida de 58 anos no tempo de Bismarck na Alemanha. Nós, hoje, temos uma esperança média de vida de 78 anos em Portugal. Observa-se também uma entrada tardia no mercado de trabalho, o que fará com que a contribuição para a Segurança Social seja naturalmente também mais tardia e resultará em menos receitas.

Passou a haver uma tolerância em relação a regimes especiais que foram criados: regimes especiais de forças armadas e militarizadas, funcionários de empresas públicas, empresas públicas com pensão completa (a 100%), os chamados complementos de pensão que todas as nossas grandes empresas públicas têm para os seus reformados, magistrados, juízes, regimes especiais em países com autonomias regionais.

Por exemplo, houve uma altura em que Espanha entrou em completa loucura com a diversificação de garantias de velhice e de valor de pensão de acordo com as autonomias que por seu libre albedrío atribuíam pensões mais altas aqui e ali, normalmente nas vésperas de eleições, como é compreensível.

O desemprego crescente e elevado também é uma causas para estas crises. Existe um reconhecimento de que a dinamização da Economia exige formação profissional e que esta é um bem público em termos económicos e não porque ficamos todos satisfeitos que todos tenham formação profissional. Reparem que se a formação profissional não fosse financiada pelo sector público e fosse apenas financiada pelas empresas, as empresas que não gastavam dinheiro na formação profissional roubavam os trabalhadores já formados às empresas que tinham investido na sua formação e ao fazerem isso acabavam por desincentivar as empresas a formarem os seus próprios quadros de profissionais. Por isso, aparece como um bem público algo que parece, ou deve ser, inapropriável e deve ser financiado pelo Estado.

Os encargos com a Saúde a crescerem sempre mais que o PIB, sobretudo entre 1970 e 2002/2005, entre nós até 2005, depois passou. A maturação das pensões, o facto de terem atingido pensões altas um número crescente de pessoas. Qual é a solução? O crescente financiamento dos sistemas pensionários por impostos, primeiro na Saúde e na Acção Social e depois as prestações familiares como o Abono de Família, mais tarde a Formação Profissional, por fim as próprias pensões, não só as públicas mas as das próprias empresas públicas.

É evidente que toda esta evolução se faz com tensões crescentes entre a unificação dos regimes e os reforços dos regimes especiais, por exemplo, entre nós o caso típico da tensão existente entre os beneficiários da Caixa Geral de Aposentações e os da Caixa Nacional de Pensões. Isto agudiza-se, sobretudo, em momentos de défice orçamental, criando-se questões de equidade. Como é que as coisas se agravam nos últimos três ou quatro anos, da forma que conhecemos?

Vamos apenas recuperar alguns dos tópicos:

? Crédito ao consumo fácil de obter, levando ao endividamento das famílias;

? Investimento público e de empresas públicas e privadas facílimo de negociar e de alcançar;

? Salários a crescerem acima da produtividade;

? Pressão de encargos sociais;

? Ausência de mecanismos de estabilização macroeconómica por não haver mais taxas de câmbio;

? Ausência de controlo da autoridade monetária central - o Euro nunca teve a pretensão inicial de haver controlo monetário;

? Abertura total a produtos manufacturados vindos de países terceiros - a Europa abriu generosamente a todos os produtores de países terceiros sem qualquer discriminação e com grande generosidade, pois isso também foi no sentido do interesse dos grandes países que foram aqueles que vendiam as máquinas para as manufacturas à China e à Índia, e aqueles que organizavam os canais de distribuição na Europa; portanto, só para compreenderem como é que se gera esta situação de deslocalização industrial;

? O gap entre a Inovação e a aplicação prática - a Europa continua a ser um continente altamente inovador, mas a aplicação prática das suas inovações é feita no Terceiro Mundo, é o caso dos gravadores de vídeo, telecomunicações, ecrã de plasma que é caso mais escandaloso, pois é totalmente inventado na Europa e operacionalizado na Coreia do Sul; caso que se passou também com a Nokia com a perda brutal para a Finlândia, sendo substituída pela Samsung com a inovação que foi criada na Europa.

No meio disto tudo resta o ajustamento por via salarial e por via do gasto público, o que implica naturalmente reduções e maior rigor nos encargos sociais. O dilema aqui está na escolha: onde cortar? Cortar em cada um, em todos por igual, um corte cego across the board , como se diz?

O dilema é controlar a despesa com consciência social, ou entregar a escolha do corte ao mercado; lavar as mãos e dizer assim: isto vai ser tudo privatizado, tudo mercantilizado e o mercado é que vai gerar os estabilizadores automáticos.

O que vou dizer aqui pode não ser naturalmente da vossa simpatia, ou da vossa concordância, mas vou dizer alguns pontos onde eu me afasto muito da política actual. Creio que houve opções erradas na política económica recente e considero que os anos de 2010 a 2013 foram anos perdidos. Foram criados três mitos essenciais: que o corte salarial reduzia o custo da mão-de-obra, que o corte da despesa pública corrigiria o défice orçamental e que o equilíbrio orçamental se conseguiria através do aumento de impostos e redução da despesa pública.

Passo a explicar: o corte salarial reduziu custos de mão-de-obra, mas ao fim e ao cabo acentuou tremendamente o desemprego por redução do consumo interno. O corte do investimento público aumentou a emigração de qualificados. Todos temos nesta sala amigos, parentes, conhecidos, filhos, sobrinhos, primos, que estão a trabalhar no Brasil, ou na Colômbia, ou no Perú, ou em Espanha, ou em Angola, ou em Moçambique, enfim, lá fora. As enfermeiras em Inglaterra, nos Emirados, ou onde quer que seja.

Este corte do investimento público suspendeu o acolhimento de imigrantes e é por exemplo visível que a Espanha chegou a ter 4,5 milhões de imigrantes da América Latina e está hoje reduzida a um milhão, mas no entanto tem de pagar a Segurança Social e o desemprego dos outros. Esta política aumentou fortemente o desemprego. O terceiro mito, que o equilíbrio orçamental seria conseguido por aumento de impostos e redução da despesa pública: aumento de impostos, mas quais? O aumento de impostos reduz sempre o consumo e pode aumentar o aforro improdutivo se não houver canalização do investimento tipo bolsista.

Neste momento, duvido que alguém nesta sala possa dizer que temos uma Bolsa. Temos as grandes 20 no PSI20, mas a Bolsa praticamente não desempenha a função que já desempenhou no passado entre nós. Mais impostos significa também, sempre, mais evasão fiscal, mais falências, mais desemprego e menor contribuição para a Segurança Social. O caso do IVA da restauração de 13% para 23% é um dos mais graves erros económicos e financeiros que foram algum dia cometidos. Reparem na falência de um pequeno restaurante que é animado pelo patrão no balcão, normalmente com um empregado que serve às mesas e a mulher do patrão na cozinha em que são três pessoas que pagam renda de casa e contribuições para a Segurança Social. Se esta pequena empresa vê de repente um imposto que lhe sobe de 13% para 23% e tem de fechar as portas, em primeiro lugar deixa de pagar renda, em segundo lugar deixa de pagar contribuições para a Segurança Social e em terceiro lugar passa a ter direito a subsídio de desemprego.

Isto é uma aritmética tão simples e não percebo como é que caímos nesta esparrela de entender que subir o IVA para 23%, sobretudo nestes casos limites, seria uma solução economicamente aceitável. Depois, a redução da despesa pública: qual despesa, a social, a da Saúde, da Ciência e Tecnologia, das universidades, do ensino básico e secundário?

Vou falar também sobre tentativas canhestras de reformas políticas, que visavam ser grandes reformas. Em primeiro lugar, a redução da taxa social única. Temos uma taxa social única de 34,75%, da parte 23,75% da parte patronal e 11% da parte laboral. A França tem uma taxa social única de 15,2% e a Alemanha tem uma taxa social única à volta de 11%. Como é que estes países fizeram para a reduzir? Estamos todos de acordo que 34,75% é um peso brutal, apesar de dever ser visto também do ponto de vista do salário indirecto, mas enfim é um custo fixo para a empresa.

A França adoptou o mecanismo da contribuição social generalizada e criou um imposto novo, há vários anos já e tem vindo a subir. Esse imposto foi criado num momento conjuntural para financiar a Saúde, mas foi buscar contribuições individuais a todos os cidadãos, incluindo os desempregados e reformados, quando o desemprego era baixo. Enfim, quando chegamos a uma situação de acumulação de desemprego muito alto tudo isso é difícil de conseguir. A Alemanha foi buscar o complemento da taxa social única ao IVA e até ao limite de 35% que foi excepcionalmente alargado no ano crítico de 2009 para além dos 35%.

Portanto, sentimos a necessidade de encontrar uma solução para a taxa social única, que pesa muito na inovação e na capacidade de criação de empresas, mas como é era possível fazer e criar uma taxa social única pura e simplesmente deslocando a parte dos patrões para sobrecarregar a parte dos trabalhadores? Isso era completamente impossível. Foi feita a passagem para o IVA na Alemanha, ou na França, em tempos de crescimento a cerca de 3%, agora em tempos de decréscimo como é que é possível alguém lembrar-se que isto era uma solução política? Todos conhecem a consequência disto.

Segundo, o aumento brutal de impostos, sendo que "brutal” foi a palavra usada pelo então Ministro das Finanças; as inconstitucionalidades por injustiças relativas e o afundamento da espiral com menos consumo, mais desemprego, mais encargos sociais, mais défice, maior recessão, mais dívida pública, mas encargos com a dívida, mais despesa pública, mais défice, mais recessão. O corte no subsídio de férias e de natal e o desemprego estimado para 2012-2015 provoca ele próprio também uma quebra assinalável nas contribuições para a Segurança Social.

Um estudo recente, feito por encomenda de uma associação portuguesa de fundos de investimento, pensões e património, uma equipa dirigida pelo professor Jorge Ventura Bravo da Universidade de Évora mostrou justamente que este corte do subsídio de férias provocou uma quebra assinalável nas contribuições para a Segurança Social. Terceiro lugar: um facto lamentável sobre o qual ainda estamos todos à espera de explicações, não quer o pronunciar-me definitivamente sobre esta matéria, mas considerar e admitir que possam ser manipulados dados para demonstrar teses improváveis, que o FMI tenha trabalhado sobre uma amostra incompleta e enviesada para na sétima avaliação da Troika extrair a conclusão de que só 7%, quando na verdade foram 27% dos trabalhadores da amostra, que perderam vencimentos e retribuição, em 2012 menos do que 2010. Levando à falsa conclusão de que o desemprego diminui porque os salários não baixam.

Estamos todos à espera de uma explicação cabal. Gostaria muito que essa explicação viesse, mas não tendo ela vindo até à data tendo a pensar que nesta manipulação de dados há qualquer coisa que não é muito legítima nem muito interessante. Finalmente, para terminar, saídas para a crise: em primeiro lugar, temos de reconhecer os erros cometidos. Reconhecer que a austeridade cega não gera crescimento, não há situação nenhuma em que das cinzas nasçam pomares. Em segundo lugar, confrontar a Europa com os erros cometidos e por ela forçados.

Hoje ouvimos o Ministro da Segurança Social e do Trabalho, Mota Soares, a dizer que os negociadores podem esperar sentados porque não vamos fazer baixar mais os salários. Gostaria muito que isso fosse verdadeiro, aliás, estou certo de que todos nesta sala gostariam que isto fosse assim mesmo. Se for preciso estamos cá para o ajudar nessa negociação, agora, o que não estamos cá é para ajudar o Governo quando cede de uma forma frágil nas negociações quando, por vezes, dando a sensação que está mais do lado da parte contrária do que da nossa parte.

Portanto, temos de identificar e confrontar a Europa com os erros cometidos e por ela forçados. Temos de exigir mais tempo e menos juros, temos de começar a negociar a dívida, ou por moratória, ou por congelamento, ou por haircut , mas temos de começar a preparar uma negociação da dívida. E duvido que haja em Portugal alguém que saiba negociar a dívida. A negociação da dívida feita pelos gregos foi feita pelo melhor gabinete de economistas advogados dos Estados Unidos. Não sei se temos esta gente entre nós, se temos alguém que seja capaz de preparar uma negociação, mas se não temos, temos de a preparar e não basta vermos nos jornais o senhor Primeiro-Ministro a dizer que vamos provavelmente ter de renegociar a dívida.

Pois bem, preparemo-nos para isso, porque isso não é tarefa fácil. Há muito a negociar aí e é para pessoas de barba rija, ou mulheres de barba rija, também é possível. Fazer participar, as administrações nas soluções e não ver as administrações como um problema; a Administração Pública foi completamente marginalizada nestes três últimos anos, considerada como um problema, um fardo, e a Administração Pública tem gente impecável. Tenho muito orgulho de ter estado 46 anos na Administração Pública portuguesa e ter subido de técnico superior de 3ª classe até assessor, secretário-geral, etc. Tenho muito orgulho dessas funções e portanto não vejo nem percebo como é que se quer construir alguma coisa destruindo, dinamitando, a Administração Pública, acabando com a sua unidade de formação que era o INA, mudando de sítio, dando funções de recrutamento, entre outros.

Finalmente, estudar convenientemente cada via de acção; mais trabalho de casa, como disse há pouco a propósito de haircut ; mais transparente e menos factos consumados; a negociação prévia pode não alcançar tudo, mas alcança parte. Agora, praticar a política como facto consumado, como se chegou a fazer no princípio deste processo há dois anos atrás em relação às negociações com os trabalhadores, gera imediatamente a recusa, o muro e por vezes até uma rebelião. Depois da rebelião temos de recuar e quando recuamos perdemos por completo a moral.

Minhas amigas e meus amigos, o modelo social é um compromisso historico entre democratas-cristãos e socialistas. O protocolo de Maastricht em 1992, o Tratado de Lisboa em 2007 e a Carta dos Direitos Fundamentais de 2000 consideram o modelo europeu como um valor, o artigo 3º do Tratado de Lisboa diz que a UE é assente numa Economia de mercado altamente competitiva, que tenha como meta o pleno emprego e o progresso social num elevado nível de protecção e de melhoria da qualidade do ambiente. A União combate a exclusão social e as discriminações, promove a justiça e a protecção social, promove a coesão económica, social e territorial e a solidariedade entre os estados-membros. No artigo 53 que naturalmente todos sabemos que o princípio da subsidiariedade implica que os mecanismos dos sistemas de Saúde e Segurança Social são de criação dos estados-membros e são geridos e formados pelos estados-membros, todavia certas funções podem ser prosseguidas a nível europeu. Apoiará e complementará a acção dos estados-membros, diz o artigo 153 do nosso Tratado de Lisboa, nos seguintes domínios: segurança social e protecção social dos trabalhadores, entre outros muitos, e modernização dos sistemas de protecção social.

Se as nossas Cartas fundamentais defendem o modelo social não devemos ser nós a deixá-lo cair. Muito obrigado.

[APLAUSOS]

 
Carlos Coelho
Muito obrigado. Professor Correia de Campos. Vamos entrar no primeiro bloco de questões. Vão falar os grupos Encarnado e Amarelo, a Helena Grangeia e a Ana Carvalho.
 
Helena Bigares Grangeia

Tenho o privilégio de encerrar esta noite as intervenções do painel do grupo Encarnado. Não quero repetir as palavras do grupo Rosa, pois foram muito bonitas e as coisas bonitas devem permanecer e não serem tão repetidas.
Mas gostava de dizer que ouvimos hoje de manhã que a política é o dever de ouvir e o direito de sermos ouvidos e essa frase reflecte exactamente esta semana: ouvimos muito, aprendemos ouvindo e a ser ouvidos também. Conseguimos corrigir os nossos erros, perceber até aquilo em que somos bons e ganhar confiança nisso.

Foi uma óptima experiência e, portanto, faço meus, do grupo e de toda a gente os agradecimentos que já tinham sido feitos aos conselheiros, à equipa da UV e do hotel, ao Dr. Carlos Coelho - mentor desta iniciativa que temos sorte de levar para a vida - e aos colegas também um muito obrigado por todas as experiências.

[APLAUSOS]

Queria acabar num instante com uma frase que gosto muito: "aqueles que passam por nós não vão sós, não nos deixam sós, deixam um pouco de si e levam um pouco de nós” e acho que é esse o espírito.

[APLAUSOS]

Dirijo-me agora ao Dr. Correia de Campos, que é uma figura muito importante no panorama nacional e como disse, passo a citar: "A impopularidade é inerente ao cargo político”. Li isto e realmente é verdade, porque às vezes as pessoas extremamente competentes e que têm todas as competências - passo o pleonasmo - para executar determinada função nem sempre são tão reconhecidas como deviam ser. Realmente, fez muito por Portugal e muito pelo Sistema Nacional de Saúde e agradecemos por isso.

[APLAUSOS]

Passando à pergunta: na semana passada, saiu no Expresso uma notícia dizendo que o Estado paga no privado o que se recusa no pública, relativamente à terapêutica para o Cancro que é recusada no Sistema Nacional de Saúde e é dada pela ADSE e hospitais particulares.

Sei que tem uma posição sobre a ADSE e esta notícia reforça um pouco a ideia que muitos portugueses têm que reclamam que este sistema faz com que haja portugueses de primeira e portugueses de segunda. Gostaria que falasse um pouco sobre se acha que este sistema é sustentável socialmente e economicamente também para o país, e em que modos poderíamos cair um pouco nesse sistema sem cair numa "austeridade cega” como referiu ainda agora.

Muito obrigada.

 
Ana Carvalho

Muito boa noite. Antes de mais, em meu nome e do grupo Amarelo quero agradecer a presença do Dr. António Correia de Campos neste que é o último jantar da UV 2013.

Se me permitem, antes de passar à pergunta, o grupo Amarelo também não podia deixar de dar os seus cumprimentos. Queremos agradecer e muito ao nosso reitor, o eurodeputado Carlos Coelho, a todos os conselheiros, em especial ao nosso, o Paulo Pinheiro, que muito nos ajudou, a toda organização, staff e pessoal do hotel, a todos os nossos companheiros que nos ensinaram todos de modos diferentes em todas as suas intervenções, muito obrigada a todos.

A nossa pergunta vem um pouco no seguimento da nossa colega. Actualmente pede-se solidariedade e sustentabilidade aos sistemas do Estado para que o Estado Social possa continuar a existir e a operar. Fala-se numa solidariedade intergeracional, em que as gerações mais velhas são chamadas a apoiar os mais jovens. No campo da Saúde, são os mais velhos e os mais desfavorecidos que mais se apoiam neste sistema de Estado, o que a médio/longo prazo será mais evidente numa população cada vez mais envelhecida.

Pesando a lógica da gestão privada de poupar o máximo possível, fazer o máximo número de actos, com boa ou má qualidade, e a necessidade de hoje mais do que nunca cortar tanto quanto possível o desperdício do Serviço Nacional de Saúde, fará sentido integrar a gestão do nosso Serviço Nacional de Saúde a privados?

[APLAUSOS]

 
António Correia de Campos

Caras e caros amigos, muito obrigado pelas vossas questões. Vou responder muito rapidamente e fiquei muito impressionado com o "dever de ouvir e o dever de ser ouvido” e com o "dar e levar, receber e entregar”, isso chama-se ser solidário, ao fim e ao cabo. Somos solidários não apenas para oferecer aquilo que temos, mas também para podermos aprender com a nossa doação.

A popularidade ela é proporcional à profundidade das reformas e quantos mais são reformas impopulares, impopulares somos. Nessa matéria não tenho razão de queixa. Tinha a opção desde o início de fazer o que pudesse em dois anos, porque sabia que ao fim de dois anos estava completamente "queimado”, completamente impopular. Disse ao meu Primeiro-Ministro, Eng.º José Sócrates, que ao fim de dois anos saio. Ele disse que não, que aquele Governo era de legislatura. Não foram dois, foi ao terceiro ano em que realmente saí.

Dizem-me hoje: "Podia ter talvez negociado no caso da Anadia”. Eu lembro-me que o caso da Anadia transformou-se no altar da pátria, onde todos os partidos da oposição ao então Partido Socialista, Governo, iam apresentar as queixas e capitalizar nelas. Lembro-me de ter visto lá o Dr. Marques Mendes na televisão, o Dr. Louçã (meu cunhado), o Dr. Paulo Portas, na Anadia, todos esses líderes políticos de então foram lá naturalmente cavar na minha impopularidade.

Devo dizer-lhes que pensei muitas vezes sobre se devia ceder na Anadia ou não. Se eu cedesse na Anadia tinha de ceder em todos os outros sítios. Se cedesse na Anadia nunca mais conseguiria encerrar uma urgência desnecessária nocturna que tinha até 2,1 doente por noite, que ocupava uma médica, um funcionário administrativo e uma enfermeira, que no dia seguinte tinham libertação de meio dia, portanto, não trabalhavam e não podiam ver os seus doentes escalados para aquele dia.

Portanto, desta forma nunca mais conseguiria fazer as unidades subfamiliares, por isso, isso teve um preço que foi o que eu entendi fazer pagar.

A ADSE é um sistema sustentável, qual a minha opinião? Quando estive no Ministério da Saúde, nomeei uma comissão com elementos das várias cores políticas para estudar a questão da sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde e uma das conclusões do relatório de sustentabilidade era que a ADSE devia progresivamente integrar-se no Serviço Nacional de Saúde, em termos universais. Pela seguinte razão de que não há legitimidade para haver um sistema especial para os funcionários públicos quando estes são cidadãos como outros quaisquer e portanto devem ser assistidos.

Mais tarde no memorando da Troika ficou espelhado exactamente lá a integração da ADSE dentro do Serviço Nacional de Saúde. Porque é que isso não se fez até agora? A minha interpretação é que a ADSE é uma moeda de troca para a função pública. Sempre que se dá uma arroxada - utilizando a expressão brasileira - é preciso dar uma compensação e a compensaçãozinha é a ADSE que se descobriu agora que pode dar uma compensação permitindo o financiamento de um internamentozinho em hospitais privados que existem em Lisboa.

O problema está a complicar-se porque esses hospitais privados, com a crise económica, estão neste momento totalmente dependentes da ADSE. Se esta deixa de financiar esses hospitais eles muito provavelmente deixarão de poder funcionar. Por isso, já ouviram uma das dirigentes de um desses hospitais, há pouco quando mais uma vez vieram vozes a pedir a integração da ADSE no Serviço Nacional de Saúde, ela dizer: "Não, estamos muito bem assim, é melhor ficarmos como estamos”. Portanto, a ADSE serve para todos, só não serve realmente para se fazer uma via clara e correcta. Não sei o que a Troika vai dizer, se está satisfeita. Como, apesar de tudo, na Saúde houve uma boa gestão financeira e uma contenção - sorte de se ter conseguido um final de ciclo de medicamentos e de terem entrado muitos genéricos -, isso tudo permitiu poupanças fantásticas no lado dos medicamentos e também o facto de termos um ministro que apesar de tudo é sensível aos problemas sociais.

Por esse lado não irá fazer muito sangue com a ADSE, mas acho que o problema deve continuar na agenda

Segunda pergunta: fará sentido entregar o Serviço Nacional de Saúde a privados? Há pouco, numa resposta que irão ver amanhã editada no vosso jornal, respondi exactamente também a esta pergunta. O Serviço Nacional de Saúde é 76% a 80% financiado pelo sector público por impostos e 24% a 20% por comparticipações dos próprios trabalhadores. No que respeita a quem é que presta os cuidados, só 55% dos cuidados são prestados no sector público e 45% são prestados no sector privado. Estou a incluir nestes 55% os medicamentos dispensados nas farmácias comunitárias de venda a público, mas hoje esses já são ligeiramente menos no total do custo dos medicamentos dispensados nas farmácias ou necessários ao tratamento hospitalar.

Portanto, como vêem, o Serviço Nacional de Saúde foi desde sempre misto, uma combinação público-privada. O problema da privatização do Serviço Nacional de Saúde é um falso problema. Há sectores onde o sector privado é florescente, por exemplo o da cirurgia electiva, que pode esperar e que podemos marcar para mais tarde. Esse é um sector prático, muitas vezes a cargo do sector privado. A maternidade, no total do país, os partos em 10% ou 15% são realizados em maternidades privadas. Logo, o sector privado é óptimo para fazer coisas repetitivas, que estejam standardizadas, bem definidas por protocolos e que não tenham uma grande complexidade.

Mas quando se trata de coisas complexas, aí, minhas amigas e meus amigos, recomendo-vos que não vão ao sector privado, que vão ao público porque este é o único que tem todos os recursos concentrados, que tem conhecimentos e qualidade elevada, porque ensina e porque é lá que se faz a investigação.

Não há sequer comparação entre o sector público e o privado nas coisas sérias. Depois, há outro problema. Implícito na vossa pergunta também estaria a questão de porque é que o Estado não há-de pagar, financiando a ida de um doente ao sector privado, como paga a ADSE, pela mesma tabela que paga ao sector público. Isto é, que o Estado devia entender que os hospitais públicos e os privados são iguais e portanto devia pagar o mesmo a cada um deles, eles competiriam entre si e dessa competição de mercado nasceria certamente maior eficiência para os públicos e também ganhos de qualidade para os privados. Ora bem, trata-se de mercados completamente diferentes: o sector privado não tem servidões, não é obrigado a ter urgência aberta, não tem uma crise pelo só facto de se ter decidido haver uma só urgência de oftalmologia e otorrino para toda a Grande Lisboa.

O sector privado se precisar fecha a otorrino e oftalmologia na urgência de 24h, não tem de prestar contas a ninguém, não é obrigado a receber internos, a fazer investigação, a receber investigadores, ou estagiários que custam dinheiro, que ocupam espaço, que sujam; não é obrigado a isso. Portanto há servidões e o sector público não pode fechar. Por exemplo, fechar um serviço de neurocirurgia só pelo facto do serviço ser pouco eficiente, não o pode fazer, pois esse serviço pode ser absolutamente necessário se não houver mais nada naquela zona.

Logo, estas servidões associadas ao sector público distinguem completamente o mercado e se passássemos por cima destas servidões e pagássemos pela mesma exacta tabela o sector público e o privado, o que é que aconteceria? Aconteceria que o sector privado escolheria a nata, os casos menos complicados, menos dispendiosos e quando eles fossem dispendiosos e complicados, como já hoje parece estar a acontecer nos melhores hospitais privados de Lisboa, ou quando se esgotou o seguro, "ala, que se faz tarde” e manda-se o doente para o hospital público onde ele é assistido gratuitamente.

Isto não é equitativo, não é justo, é uma situação de desnatação. Existe em todo o Mundo este problema do skimming off the cream , tirar a nata do leite na Saúde e é extremamente fácil de o fazer na Saúde porque quem decide são os médicos que podem trabalhar ao mesmo tempo nos sectores público e privado. Por isso, pode estar no sector privado até que o doente tenha esgotado o seu seguro e estou a falar destes casos porque os vivi recentemente de pessoas mediaticamente importantes, que quando se esgotou o seu seguro de 30 mil euros, estando internados em coma induzido, os seus familiares foram confrontados com o reforço do pagamento.

Ainda há duas semanas, um familiar me pediu que, por favor, visse se eu conseguia fazer com que no mês de Agosto um doente que tem um problema respiratório e que está numa clínica privada possa ir fazer o teste ao hospital de Santa Maria ou São João que são os únicos hospitais que têm esses recursos. Bem, se o doente fosse lá fazer o teste já não regressaria mais ao sector privado, porque o seu seguro já estava esgotado e porque esse doente tornava-se um inconveniente porque era muito mais caro. Estão a ver como estas combinações público-privadas têm estas dificuldades muitíssimo complexas que têm de ser analisadas e bem defendidas.

Agora, em relação à cirurgia electiva, à própria maternidade e outras coisas que são repetitivas como cataratas, artroplastias da anca que hoje têm um protocolo muito claro, ou até a certos cuidados oncológicos com protocolos bem definidos, nada a opor a que o sector privado possa e deva intervir nessa matéria.

Muito obrigado.

 
Carlos Coelho
Temos agora o segundo lote de perguntas, com os grupos Azul e Roxo, falam o Filipa Rafael e o Pedro Freitas.
 
Filipa Rafael

Boa noite, Professor, seja bem-vindo a Castelo de Vide. É para nós uma honra e um privilégio que esteja cá esta noite a partilhar o seu saber e experiência num momento único de diálogo democrático e que se calhar a meu ver devia ser estendido a todos os partidos de todos os quadrantes da cena política portuguesa.

Antes de avançar à pergunta, um especial agradecimento à família UV 2013 pela fantástica semana, pela fantástica experiência gratificante e memorável, que todos nós vamos levar daqui connosco amanhã. Um especial agradecimento à nossa Verinha, um beijinho pela atenção e pelo carinho.

[APLAUSOS]

O grupo Azul gostaria de lhe perguntar o que pensa sobre uma mudança de sistema de financiamento das pensões, em que em vez do sistema de contribuição colectiva actual cada cidadão passa a contribuir para um fundo de capitalizações individual semelhante ao utilizado no Chile, em que o Estado apenas garante o valor mínimo de pensão.

 
Pedro Freitas

Boa noite, Dr. António Correia de Campos. Obrigado, mais uma vez, pela sua presença nesta que é a melhor escola política do país. Sendo uma pessoa notável no Partido Socialista e tendo em conta o trabalho que já desenvolveu como governante e deputado, como considera que se deveriam pautar as relações entre os principais partidos do arco de governação de modo a que consigamos o consenso que permita fazer reformas com compromisso futuro?

[APLAUSOS]

 
António Correia de Campos

Como as perguntas foram rápidas, também posso tentar imprimir rapidez na resposta. Mudar o financiamento das pensões para um fundo de pensões individuais como no Chile tem dois problemas. Em primeiro lugar, a mudança do Chile partiu de um momento de tábua rasa, da revolução de Pinochet e, portanto, não havia qualquer espécie de contestação nem liberdade e o sistema de beneficiário anterior era extremamente frágil.

Assim, foi possível construir com régua e esquadro a partir da origem. Na Europa, se quiséssemos mudar um sistema actual para esse, vou-lhes dizer o que acontecia. Podemos mudar o sistema se esquecermos os actuais beneficiários, todas as nossas responsabilidades actuais e passarmos a pensar só no futuro, mas isso é impossível, como sabem. Porque 2% da redução da taxa social única, que era o que isso implicaria, ou seja, deixaria de haver alimentação das pensões pela taxa social única, e esses 2% representam 800 milhões de euros. Agora multipliquem 2 pontos por 34,75% e, portanto, é pura e simplesmente impossível.

Neste momento de crise é impossível criar o plafonamento do primeiro pilar, isto é, definir que o primeiro pilar só paga pensões até, por exemplo, 5 ou 6, ou 9 salários mínimos. Por exemplo, o Dr. Bagão Félix há pouco tempo veio explicar que neste momento é completamente impossível fazer isso. Talvez fosse possível na altura em que o defendi na Comissão de Livro Branco em 1998 em que estávamos a crescer 3%. A política não o permitiu na altura, ando sempre ao contrário da política, tenho sempre razão antes do tempo e na política nunca se deve ter razão antes do tempo.

Aqui têm as duas razões pelas quais é impossível fazer mudanças profundas, as mudanças são incrementais, são na margem e não podem ser outras. Por isso é que temos de puxar pela cabeça e encontrar soluções que sejam equilibradas e procurar soluções que foram importadas ou adoptadas em países que não têm nada a ver com o nosso. Como por exemplo, o que FMI nos propõe em certas áreas como a redução de salários; como é que é possível? A redução de salários na Tailândia, ou na Birmânia, ou no Brasil, ou até mesmo na Argentina é possível, porque há duas economias, há uma economia paralela para a camada baixa e baixa-baixa, mas em Portugal não há. Em Portugal, isso traria a imediata pauperização das classes e o lançamento na pobreza das classes menos abonadas.

Em relação à segunda pergunta, aqui também não posso dar uma resposta pois se desse uma plausível a Imprensa amanhã diria: "Correia de Campos entende que deve haver uma grande coligação entre os partidos do arco governativo”. As grandes coligações não nascem espontaneamente, mas em primeiro lugar de resultados eleitorais e portanto são eles que determinam tudo. Há países que têm experiência de grandes coligações, como a Holanda que tem vivido em grande coligação durante muitíssimos governos, a Dinamarca, agora a Inglaterra, e a Alemanha também já viveu uma grande coligação com a senhora Merkel. Não se sabe o que vai acontecer na Alemanha no final de Setembro. Em Portugal também ninguém sabe o que vai acontecer no final da legislatura quando houver eleições e então as cartas forem jogadas.

Não tenho mais nada a dizer, pois tudo o que disser a mais amanhã será posto nos jornais de forma absolutamente contraditória, até se calhar prejudicando o futuro. Muito obrigado.

 
Carlos Coelho
Terceiro bloco de perguntas: grupo Laranja, a quem agradeço o convívio simpático nesta mesa durante o jantar, e o grupo Castanho com o Luís Carlos e o Rodolfo Cardoso.
 
Luís Carlos

Boa noite a todos. Gostaria de agradecer ao senhor Professor António Correia de Campos e ao magnífico reitor Carlos Coelho e à restante mesa por nos terem recebido aqui esta noite para jantar, foi uma honra o grupo Laranja ter tido a sorte de ser escolhido como anfitrião nesta última noite da UV 2013.

Antes de mais, sendo eu da Ilha de S. Jorge nos Açores, não podia deixar de enaltecer a presença nesta semana dos colegas da minha região e da região autónoma da Madeira, o que demonstra que as Ilhas não ficaram esquecidas, passo a expressão.

[APLAUSOS]

Ao contrário do que infelizmente acontece no nosso país, porque a UV é de todos e para todos.

Queria agradecer também aos nossos colegas e à organização, principalmente ao nosso conselheiro Jorge Varela pela fantástica experiência de partilha de vivências e de conhecimentos que com certeza nos enriqueceu a todos tanto ao nível pessoal como ao cívico, ajudando-nos a tornar a nossa sociedade, o nosso país e o mundo, melhor quando sairmos daqui.

[APLAUSOS]

No que concerne à questão e fazendo uma mais pessoal, sendo o professor um especialista em inúmeras áreas e tendo-se licenciado em Direito, o que o levou a optar por um Mestrado na área da Saúde e no estrangeiro? Obrigado.

 
Rodolfo Cardoso

Boa noite. À imagem dos grupos anteriores, aproveito também para agradecer em meu nome e em nome do grupo Castanho ao magnífico reitor Carlos Coelho e a toda a sua equipa que fazem com que a nossa Universidade de Verão seja a melhor na formação política e cívica tanto em Portugal como - atrevo-me a dizer - no Mundo. Obrigado. Deixo também uma mensagem de agradecimento ao nosso orientador, o Simão Ribeiro, pela sua disponibilidade e apoio. Simão, obrigado.

[APLAUSOS]

Finalizo os agradecimentos frisando o meu grupo, pois quando aqui cheguei quis a sorte que vos encontrasse, seis espectaculares pessoas. Por todas as vossas virtudes tenho de admitir que foi um privilégio coordenar e integrar o vosso grupo.

[APLAUSOS]

Voltando à conferência, em meu nome e em nome do meu grupo aproveito para agradecer a presença do Professor António Correia de Campos, obrigado. Presidiu à Comissão do Livro Branco da Segurança Social entre os anos de 96 a 98, visto isto, Alfredo Bruto da Costa que foi considerado o pai do Livro Branco defendeu que todas as formas de rendimento deviam contribuir para a Segurança Social e não apenas o rendimento do trabalho. Concorda com este ponto de vista? Obrigado.

 
António Correia de Campos

Muito obrigado pelas vossas questões. Em relação ao camarada dos Açores, colega, companheiro, amigo, os Açores e a região autónoma da Madeira, quando disse que sou especialista em inúmeras áreas, comecei a reflectir sobre a minha carreira e penso que sou é poli-ignorante.

Porque é que fiz um Mestrado em Saúde Pública no estrangeiro? É curioso. Fiz o Mestrado em Johns Hopkins e iniciei-o em Janeiro de 1976. Fui, talvez, o terceiro português que foi num programa de cooperação aos Estados Unidos a seguir à Revolução de 25 de Abril, naturalmente porque isso na minha geração era muito valorizado.

Curiosamente, os tempos passam e quando presidi ao INA fui aos Estados Unidos para encontrar espaço para colocar lá três jovens mestrandos. Tinha um lugar numa universidade excelente, em Upper New York State na Universidade Rockefeller, e quando regressei um dos jovens tinha uma namorada nova e não queria separar-se dela. Isto é qualquer coisa que na minha geração era impossível, mas na geração dos anos 90 isto era muito mais comum.

É provável que a vivência também fosse muito diferente; quando fui em 1976 nunca tinha ido aos Estados Unidos e eles representavam um farol de conhecimento e de experiência, tendo ido para uma das universidades do Mundo. Mas, curiosamente, esse jovem que foi meu colaborador desiludiu-me de uma forma fantástica. Não quero dizer mais nada do que isso, senão que os valores dos jovens são diferentes, ou seja, diferem com o tempo.

Sobre a questão do Livro Branco, Alfredo Bruto da Costa foi o meu ministro dos assuntos sociais no governo de Lurdes Pintassilgo, quando eu era Secretário de Estado da Saúde e capitaliza no seu nome a criação de um diploma que depois foi logo a seguir revogado quando veio a Aliança Democrática, mas depois foi recolocado em vigor pelo secretário de estado Bagão Félix. Nesse diploma, Alfredo Bruto da Costa realmente entrava na solução Beveridgiana, portanto, na cobertura do social com base na legitimidade de cidadania.

Agora, Alfredo Bruto da Costa, de quem sou amigo, foi Presidente da Comissão do Livro Branco, mas não foi propriamente o criador. Se ler o relatório cujos exemplares vos posso facultar através do Carlos, Alfredo Bruto da Costa era um dos colegas e tinha direito de voto vencido, que usou em muitas coisas, nomeadamente naquelas que votei a favor como o plafonamento, salvo erro, a 5 salários. Nesse caso ele votou vencido, tal como Boaventura dos Santos e Maldonado Gonelha, a Comissão dividiu-se e não apenas por linhas partidárias mas também por ideológicas e além das partidárias.

Muito obrigado.

 
Carlos Coelho
Quarto grupo de perguntas: grupos Verde e Cinzento, dou a palavra a Marlene Lopes e Tiago Duarte.
 
Marlene Lopes

Boa noite, queria fazer minhas as palavras dos restantes colegas. Não vale a pena alargar-me mais sobre este assunto, realmente foi uma semana espectacular e em nome do grupo Verde quero agradecer a todos. Obrigada.

[APLAUSOS]

Em segundo lugar, queria agradecer e cumprimentar o Professor António Correia de Campos a sua presença neste jantar. Passando à pergunta: a Segurança Social deve ter em conta o contrato de confiança que deverá existir entre os cidadãos e o Estado, para isso, durante o período da vida activa são feitos descontos tanto pelo trabalhador como pela entidade patronal para que haja uma reforma de acordo com os mesmos.

Consideramos importante que deva existir um tecto máximo à semelhança daquilo que já acontece na Suíça, cujo valor é de 1700 euros, sendo indiferente a função prestada à nossa sociedade. Qual a sua opinião sobre este parecer, uma vez que nos encontramos com uma Segurança Social que está prestes a falir? Obrigada.

[APLAUSOS]

 
Tiago Duarte

Muito boa noite. Em relação à organização não me quero estender muito em agradecimentos porque penso que sabem o quanto marcaram as nossas vidas, a nossa forma de ser e, portanto, sabem também o quão gratos estamos pelo vosso trabalho, empenho e às muitas horas de dedicação que puseram em nós.

[APLAUSOS]

Senhor Professor Correia de Campos, está é à partida uma pergunta feita pelo grupo, porém pedia licença ao meu grupo para fazer uma pergunta um bocadinho mais de índole pessoal. Sou estudante de Medicina e, portanto, há algumas questões que gostava de ver aqui discutidas, ou pelo menos saber a sua opinião. Esta é uma questão que porventura é simples, mas penso que marca um ponto importante ao nível da Medicina em Portugal.

Não vou obviamente discutir os genéricos que são claramente necessários ao nível da Economia da Saúde, mas há algo que me surpreende: que seja valorizada mais a relação doente/farmacêutico em relação à de médico/doente. Actualmente, os médicos têm toda a informação quanto aos preços dos fármacos e, portanto, a meu ver podem decidir com os doentes quais os genéricos e laboratórios a serem vendidos aos doentes. Isto porquê? Porque na minha muito curta experiência em hospitais, não foi uma, nem duas, ou três, que vi doentes a fazerem o mesmo fármaco três ou quatro vezes por terem caixas diferentes.

Portanto, pergunto-lhe por que isto acontece, porque é que continuamos a desvalorizar a relação médico/doente? Muito obrigado.

 
António Correia de Campos

Já respondi parcialmente à questão do plafonamento. Em 1998, numa situação em que a Economia estava a crescer a 3% ao ano e tínhamos emigração a crescer também, esperava-se que no final de 2010 com esse crescimento de 3% Portugal tivesse um milhão de emigrantes, portanto novos contribuintes para a Segurança Social, melhoria da relação de financiamento, etc. Nessa altura defendi o plafonamento, fui a favor pois era possível, custaria à volta 400 milhões de euros, sacrificando provavelmente alguma ou outra despesa.

Isso não foi feito, por razões que pertencem à História, mas hoje fazer esse plafonamento, em situação de crise financeira da Segurança Social, seria um verdadeiro suicídio. Peço desculpa de a corrigir, mas a Segurança Social não está prestes a falir e estou convencido de que não irá falir. O factor de sustentabilidade que foi introduzido pela reforma de Vieira da Silva tem funcionado bastante bem, o que significa que o valor das pensões vai-se reduzindo proporcionalmente com o aumento da esperança média de vida. Isto é, sempre que as pessoas vão viver por mais tempo, naturalmente tem de se prolongar por mais tempo as pensões e por isso é necessário que o seu valor vá baixando progressivamente.

Há outros factores para melhorar os mecanismos da Segurança Social, mas o mais importante de todos os mecanismos é que a Economia recupere. Se a Economia recuperar, então, não teremos mais problemas na Segurança Social. Se me perguntarem o que penso então sobre ampliar o limite de idade da pensão, digo que é de todas as medidas a mais eficaz do ponto de vista financeiro. Porém é também uma medida extremamente punitiva para parte da população portuguesa, sobretudo para aqueles que começaram a trabalhar com 16 e 17 anos, principalmente as mulheres do sector têxtil, que representam hoje um grande volume de pensionistas. Portanto, deve-se ter muito cuidado com o aumento indiscriminado da idade da reforma. Mas, muito provavelmente, essa solução vai estar na mesa de montagem nos próximos anos.

Quanto à relação doente/farmacêutico, ou médico/doente, compreendo bem o pensamento de um jovem médico, ou jovem finalista de Medicina, acho muito bem que pense assim. Não esperava que pensasse de forma diferente, mas creio que temos de entender e respeitar também a relação doente/farmacêutico. O farmacêutico está em contacto com o doente em todo o país e eu estou à vontade para dizer isto, pois como sabem sou persona non grata da parte da Associação Nacional de Farmácias, portanto tenho à vontade suficiente para os criticar e também para dizer o quanto eles são necessários e indispensáveis.

Hoje, os jovens farmacêuticos, sobretudo, fazem um papel muitíssimo importante no apoio às populações, no esclarecimento nas tomas dos medicamentos, na terapêutica, ou por causa de uma informação muitas vezes incompleta que é dada no centro de saúde, e dão crédito não apenas por dias, mas até que venha a receita médica, frequentemente, sob pena de perderem dinheiro com pessoas que estão em situação de insolvência e não podem pagar.

Portanto, respeito muito esse tipo de relação, acho que a farmácia é uma instituição de saúde extremamente útil pela proximidade com o cidadão e que respondeu sempre aos pedidos de saúde pública. Quando apareceu o HIV e foi necessário disponibilizar seringas foram as farmácias que se disponibilizaram para fornecê-las, não sei se os hospitais mesmo, ou os centros de saúde estariam em condições para os toxicodependentes sabendo que eles iam utilizá-las numa auto-administração de droga. Apesar de tudo, obteve-se com isso apenas a prevenção e redução de contágio, naturalmente.

Respeito muito a relação doente/farmacêutico, mas respeito de forma muito forte a relação médico/doente e esta não depende das administrações, mas muitas vezes dos médicos, da organização hospitalar, do tempo que o médico tenha disponível. Foi por isso que se criaram as unidades subfamiliares para permitir que o doente pudesse ter tempo para conversar com o seu médico e para este poder ter tempo para conhecer o doente e a sua família.

Portanto, são relações insubstituíveis e não há nenhuma que seja transponível às outras, são as duas complementares.

[APLAUSOS]

 
Carlos Coelho

Senhor Professor António Correia de Campos, nós temos a tradição por cortesia de deixar a última palavra ao nosso convidado e sendo este o último leque de perguntas esta é a última oportunidade que tenho de usar o microfone. Vou usar para duas coisas: a primeira para vos fazer dois pedidos e a segunda, naturalmente, para agradecer ao nosso convidado.

Amanhã, vamos fazer nesta sala a avaliação final da Universidade de Verão. Vão ser solicitados, tal como foram os vossos colegas dos anos anteriores, a dar a vossa opinião através de um inquérito que deverão preencher. O inquérito é anónimo e podem ser completamente sinceros, pois contamos com a vossa opinião para melhorar as edições dos próximos anos.

Sei que amanhã de manhã vai acusar o cansaço acumulado de uma semana inteira e portanto é o dia em que vai ser mais difícil levantar cedo, mas pedia-vos que fizessem este último esforço. Portanto, amanhã quem vier tomar o pequeno-almoço venha às horas que quiser, mas quem não vier, amanhã esteja às 10h aqui porque nesta sala vamos fazer a avaliação final desta universidade.

O encerramento será na sala lá de baixo, na sala de aulas, desenhada de outra maneira, ao meio-dia. Diz-nos a experiência que o evento, até porque traz o Presidente do partido e Primeiro-Ministro, suscita sempre a participação de muita gente. Isso é simpático para nós, vêm dirigentes do partido, figuras do Estado, figuras locais, para a sala, mas queremos dar prioridade nos lugares sentados aos participantes da edição de 2013, ou seja aqueles lugares são para vocês. Mas, para isso, também têm de nos ajudar. Temos pessoas da organização a reservar lugares, mas torna-se muito difícil com o fluxo de pessoas se vocês chegarem atrasados.

Portanto, o ideal é que pudessem chegar à sala aos dez para o meio-dia. Isto vai ser tudo um bocadinho a correr, fazemos a avaliação às 10h, às 11h estão em condições de arrumar os quartos e aos dez para o meio-dia estarem na sessão de encerramento. Pedia-vos então este último esforço para a manhã de amanhã.

António Correia de Campos, é em nosso nome, em nome de todos, que quero aqui deixar um agradecimento sublinhado pela disponibilidade. Vocês não sabem, mas fiz um desafio desonesto ao Professor Correia de Campos no aeroporto alemão em Frankfurt e aquilo que começou por ser uma troca de palavras informal acabou por se tornar num convite, posso testemunhar-vos que ele reagiu com entusiasmo e predispôs-se a aceitar o convite se ele viesse a ser formalizado como veio. Foi um gosto tê-lo entre nós, agradeço-lhe as respostas que nos deu e as que vai dar ainda aos nossos dois últimos colegas dos grupos Bege e Rosa, o Henrique Pessoa e o Valter Costa Vieira.

 
Henrique Pessoa

Boa noite, Professor António Correia de Campos. A minha pergunta é relativamente simples, tem a ver com o trabalho do médico e eu considerar que é das profissões mais nobres. A pergunta, mais concretamente, é: como observa o funcionamento dos hospitais com o novo sistema de Manchester? Pode ser introduzido um novo método para perceber a afluência de pessoas aos hospitais, sem utilizar instrumentos como as taxas moderadoras que têm a ver com a parte que incide com o sistema dos hospitais naturalmente?

Muito obrigado.

 
Valter Costa Vieira

Muito boa noite. Pois é, coube-me a mim e desde já agradeço ao grupo Rosa dar-me o privilégio de fazer a última interpelação a um orador na UV 2013.

Antes de mais, para o nosso reitor Dr. Carlos Coelho dar uma palavra de agradecimento e dizer-lhe que se algum dia tiver algum momento de menos crença, nunca desista, pois tem aqui já cerca de mais de 1.100 razões para continuar com este projecto.

[APLAUSOS]

Voltando então às perguntas ao Dr. Correia de Campos, a quem eu diria - como Séneca - que "o exemplo convence-nos mais do que as palavras”, neste caso aqui o exemplo é o Dr. Correia de Campos.

Já falámos aqui da ADSE e da sua posição quanto a esse tema, mas falta aqui uma situação que é sobre todos os serviços de assistência social em que se falou na altura de uma centralização geral de todos os serviços. O Dr. Correia de Campos deu-nos a sua opinião de que a Segurança Social ainda não está falida, pois pode ainda não estar, mas está num estado de degradação, na minha opinião.

Perguntar-lhe-ia se esta centralização não provocaria uma maior sobrelotação do serviço de Segurança Social português.

Muito obrigado.

[APLAUSOS]

 
António Correia de Campos

Muito obrigado, vou passar de imediato às respostas. Sobre a triagem de Manchester é um princípio de "ovo de colombo” muito simples, traduz-se num enfermeiro poder receber o doente à entrada e classificá-lo como vermelho, salvo erro as cores são essas, isto é, precisando de entrada imediata no mais profundo da urgência; verde, podendo ser dispensados de ir à consulta externa do dia seguinte e amarelo, podendo ter consulta naquele dia e esperar.

Não sou capaz de lhe dizer se o sistema de Manchester funcionou bem ou mal, o que lhe posso dizer é que parece que praticamente todos os hospitais adoptaram o sistema, portanto pressuponho que ele tenha resultado relativamente bem. Sobre as taxas moderadoras na urgência, há muito uma ideia feita sobre elas, normalmente a ultra-esquerda acha que as taxas são punitivas, etc. Eu nunca pensei isso. Quando fui Secretário de Estado de Lurdes Pintassilgo fiz um inquérito de opinião a saber se era possível criar taxas moderadoras, desde sempre tenho pensado que isso é possível, desde que haja, naturalmente, isenções. Neste momento, há 55% ou 56% de portugueses que estão isentos de taxas moderadoras e não me parece que os outros sintam que tenham sido afastados realmente do acesso dos hospitais.

É possível que neste momento haja casos de afastamento com a pauperização, por exemplo, que se abate sobre uma família que teoricamente não está isenta da taxa moderadora, mas que não tem sequer dinheiro para acorrer, ou até para viajar ao hospital. Portanto, com estas reservas, defendo que o sistema se deve manter e se aperfeiçoar e talvez ser mais selectivo.

Em relação à intervenção do grupo Rosa, quero agradecer a comparação com Séneca e com a virtude do exemplo. Não posso esquecer e recordar com saudade uma figura que talvez nos possa ter unido no passado, o Professor Sousa Franco, que tinha no seu funeral em cima da urna essa frase de Séneca. Realmente, quando precisamos de encontrar um conjunto de frases fortes essa é uma citação fantástica.

Sobre a ADSE quero precisar, para que amanhã não seja mal interpretado, que não entendo nem defendo o desaparecimento imediato da ADSE; tem de ser, como tudo, progressivamente integrada, mas não tem sentido é reforçá-la como estamos a fazer. Isso é que me parece errado.

Finalmente, quero vos dizer que a Segurança Social não está em desagregação. Recomendo que ide às vossas terras e vejam junto dos vossos familiares mais idosos, aqueles que recebem apoio social em centros de dia, ou apoio domiciliário, ou frequentam centros de dia, ou que estão internados em lares e que vêem de uma forma completamente diferente das cidades onde a situação é muito mais difícil, o nível de cobertura é de muito boa qualidade e não pressupõe de maneira nenhuma uma situação de pré-falência ou de desagregação.

Acredito que os esforços que a Segurança Social tem vindo a desenvolver, não apenas a pública, mas toda a Segurança Social que como sabem é mista, e provavelmente a maior parte dos serviços são prestados por instituições privadas de solidariedade social, não pelo sector público. A maior parte dos lares e centros de dia da minha região são todos privados: ou são associações, ou de socorros mútuos, ou paroquiais, entre outros e desempenham o seu papel de forma invulgar.

Portanto, nunca entendi a Segurança Social como devendo ser um monopólio do Estado e mais, posso dizer-vos que fico muito satisfeito por ter sido um governo socialista quando era Ministro de Educação o Professor Marçal Grilo e quando ele criou o ensino pré-escolar aproveitando as estruturas já existentes, nomeadamente as do sector privado. Quero também dizer-vos, já agora, que quando criei o cheque dentista eu tinha outra alternativa que era aquela que a ultra-esquerda queria que eu adoptasse, que era meter consultórios de dentistas nos centros de saúde. Para quê? Para entrarem às 11h e saírem às 13h, e constantemente faltarem os equipamentos necessários (amálgamas, ligas e outros equipamentos especiais)? Assim, criou-se um cheque que naturalmente é distribuído criteriosamente de acordo com uma prescrição do médico de família e que vai permitir ir ao consultório do próprio dentista, ser atendido e tratado de forma absolutamente igual.

Entendo que são estes exemplos de modernização do modelo social que temos de adoptar e não estarmos naturalmente a concentrar tudo em grandes estruturas públicas centrais, difíceis de avaliar, de gerir; é muitas vezes errado. Já pelo contrário, o sector público tem um papel inestimável e insubstituível no exemplo, na qualidade, na hospitalização difícil e nos grandes hospitais como centro do conhecimento.

Minhas amigas e meus amigos, quero agradecer ao senhor deputado Carlos Coelho, ilustre colega, o ter-me convidado para aqui estar. Foi um desafio muitíssimo interessante mas sobretudo difícil, pois receei as "bocas” da blogosfera que não costumo ler muito, chega-me sempre alguma coisa mesmo que não queira, mas admito que a blogosfera deve estar a aproximar-me do PSD. Quando viram bem, hoje aqui, que as nossas diferenças existem e são bem vincadas. Fiz questão de não as escamotear e dizer exactamente onde é que discordo da gestão que os Sociais-Democratas e os Democratas-Cristãos do CDS-PP têm a meu ver errado nos últimos três anos.

Por isso, estou perfeitamente à vontade porque sou frontal, disse-vos exactamente aquilo que pensava sobre estas matérias, não andei à procura da aproximações de simpatia, mantenho as minhas posições, respeito totalmente as vossas posições. Faço isto também com a sensação de que nesta fertilização cruzada possa haver vantagens, vantagens para mim, desde logo, que fico a aprender com a atenção com que formularam as vossas questões, não apenas as que aqui apresentaram como aquelas que recebi por escrito. Isto significa que alguém se preocupou com o orador, que foi ao passado dele, que foi ao trabalho dele, inclusive alguns dos seus escritos e pesquisou, procurou identificar e fazer perguntas acertadas, justas, e isso é a melhor compensação que qualquer professor possa ter.

Finalmente, quero dizer-lhe, meu caro Carlos, que eu gostava muito de ensinar e acho que durante algum tempo até fui muito bom professor. Por que gostava de ensinar? Gostava de ensinar porque era em cursos de pós-graduação e aí, como um pouco com pessoas da vossa idade, pode-se medir o nível de progresso do educando, ao contrário do que acontece no primeiro ano das faculdades em que há uma multidão de 300 alunos e perdemo-nos, considera-se um fardo e é inqualificável estar a ler provas escritas e avaliá-las, daí entregarem-se a assistentes, etc.

Num curso como este em que há uma humanização que leva a que o vosso reitor tenha a vossa fotografia, de cada um de vós, sempre presente, isso significa que é possível medir o progresso do conhecimento, da aquisição e do fenómeno de integração de conhecimento e do próprio ensino-aprendizagem. É isso que há de bonito, de bom, de fantástico no ensino, podermos ver como as pessoas crescem. E aquilo que percebi aqui não apenas pelos vossos aplausos, que alguns são de simpatia ou por ser a noite de encerramento, é que por trás dessa simpatia está o terem sentido que cresceram aqui nestes dias, terem sentido que alguém vos estimulou, vos deu uns abanões e vos levou a pensarem. Se calhar também eu esta noite abanei algumas das vossas convicções; não espero tê-las destruído.

[APLAUSOS]

Estes aplausos foram para o aparte, eu bem vos entendi.

[RISOS]

Mas realmente não vim aqui para abalar as vossas convicções, apenas para achocalhá-las um pouco, como fazemos com as saladas - sou especialista em temperar saladas, se não mexemos a salada, não a temperamos e ela praticamente não tem sabor.

Portanto, minhas amigas e meus amigos, muito obrigado. Carlos, muitos parabéns, isto é uma iniciativa fantástica, um alfombre de talentos políticos que aqui está. Alfombre é uma palavra bonita, de origem árabe.

[RISOS]

Quase já não se usa, mas eu venho de um meio camponês, rural, e portanto o alfombre é sempre uma palavra muito usada.

Bom, foi extremamente interessante. Sei que o Carlos preza a liturgia e esta é por definição repetitiva, sempre igual, mas venho aqui abusar do meu direito de convidado para lhe dizer, Carlos, que hoje vamos romper com a sua liturgia. Não vou terminar já, porque vou passar a palavra ao Hugo que aqui está a pedi-la.

Muito obrigado.

[APLAUSOS]

 
Hugo Soares

De facto, caro reitor, queria pedir desculpa por quebrarmos esta tradição de ser o nosso convidado a encerrar as nossas conferências e faço-o por duas razões: a primeira, porque também eu queria agradecer ao Professor Correia de Campos esta prova que aqui hoje nos deu que a festa da democracia é das coisas mais bonitas que há, como nós podemos ouvir e discordar, como podemos ouvir e concordar, com uma pessoa que vem do maior partido da oposição no momento, mas que tem muito para nos ensinar. Eu queria prestar aqui também esta homenagem ao Professor Correia de Campos.

Mas a segunda razão era para dizer que os alunos pediram-me para fazer isto e a vontade deles é soberana. Pediram-me para fazer isto porque têm uma pequena surpresa para si, mas antes de passar a palavra à aluna que vai introduzir essa surpresa, queria terminar hoje dizendo-vos que amanhã falarei sobre vós, hoje deixem-me dar uma palavra ao Carlos Coelho.

Dizer ao Carlos que nós na JSD temos uma expressão que é "uma vez Jota, para sempre Jota”. Nem sempre isso acontece, muitos vão passando e esquecem-se do que é, ou do que foi, ser Jota. O Carlos nunca se esqueceu do que é ser da JSD, foi um dos melhores presidentes da JSD de sempre, é daqueles que me faz vergar à responsabilidade de hoje liderar a JSD.

Mas queria dizer ao Carlos que, mais do que ele nunca ter esquecido do que é ser Jota, mais do que ele tratar sempre bem quem é da JSD, nesta semana e nas semanas dos anos anteriores nestes 11 anos que leva de UV, o Carlos faz mais pela JSD do que eu, ou qualquer um dos líderes que me antecederam puderam fazer algum dia. Pois é nesta semana que cumprimos a nossa verdadeira missão: fomentar a participação política, a participação cívica e tornarmo-nos cada um de nós melhores pessoas. E se isso na JSD durante o ano é mais difícil por fazermos combate político, o Carlos nesta semana é o nosso mentor, o nosso promotor, é no fim o nosso reitor.

Há um ano, estava ali sentado e o Duarte terminou com "captain, my captain” e eu fiquei roído de inveja. Captain, my captain , Carlos Coelho, o nosso reitor, obrigado por tudo!

[APLAUSOS]

Agora, para terminarmos em beleza, dou a palavra à Beatriz.

 
Beatriz Branco

Permitam-me que vá para o meio dos meus amigos que acho que já posso chamá-los disso. Vou falar em nome deles, pois foi com eles que partilhei esta semana e só nós sabemos o que vai acontecer agora. Temos um aliado na organização que é o Paulo que nos ajudou a conseguir formular esta surpresa e também queremos agradecer porque a assembleia traiu-nos e nós ontem programamos de forma a ter isto tudo pronto antes da assembleia, mas foi impossível. Portanto, queremos agradecer ao senhor Rui da UVTV que não sei onde está, mas onde quer que esteja agradecemos-lhe pois foi uma peça fundamental para que agora possamos apresentar esta pequena lembrança para si.

[VÍDEO]

[JSD!; PORTUGAL!]

[APLAUSOS]

 
Carlos Coelho

Muito obrigado. Fico tocado com o vosso gesto, mas incomodado. Não é verdade que haja uma pessoa a fazer a Universidade de Verão, isso é um mito que se criou completamente infundado. Disse em várias manifestações de encerramentos de universidades anteriores que temos a melhor equipa a organizar a UV. É muita gente, desde o som profissional, à UVTV, ao JUV que vos entra nas portas às duas da manhã, aos conselheiros, aos avaliadores, ao apoio, há grosso modo 22 pessoas a trabalhar, praticamente todas elas em regime de voluntariado, para que a selecção nacional dos participantes da UV tenha uma organização de qualidade e de rigor.

Portanto, é perfeitamente injusto atribuírem isso a uma pessoa. Não é uma pessoa, são 22, sob o ponto de vista organização, mas aquilo que faz a UV não é a organização, é aquilo que acontece na UV. Aquilo que acontece na UV são sobretudo duas coisas: um conjunto de pessoas, que temos aqui uma, o Professor Correia de Campos, que nos enriquece com o seu saber e a sua experiência. Eu tenho o orgulho de ter ajudado a trazer às respectivas Universidades de Verão o melhor elenco de formadores. Viram, por aquilo que vivenciaram esta semana e por aquilo que sabem do passado, todos aqueles que passaram nesta sala e na sala lá de baixo.

Mas quem faz a UV são vocês. Desde a sua utilidade concreta até aos pequenos gestos que marcam o país. O ano passado fizemos dez universidades e a maior parte dos jornalista vieram ter comigo a pedir um balanço da Universidade Verão. Aquilo que queriam saber era quem é que lançámos para a política. Eu disse a todos os jornalistas a mesma coisa: isso para mim não é a medida do sucesso da UV. Alguns dos vossos colegas que vocês não conheceram, saíram daqui para outro tipo de intervenção cívica, são perfeitos desconhecidos, mas à sua escala, no seu lugar, estão a ajudar a mudar o país.

Mas há outros que estão a fazer política, há dez deputados actualmente na Assembleia da República que são ex-alunos da UV. Há dois presidentes de câmaras, muitos vereadores e muita gente por esse país fora. Mas não é nessa contabilidade dos lugares que a meu ver se mede a eficácia, a eficácia mede-se no coração de cada um de vós, na forma como se sai daqui, se interage com as pessoas, como se vê o Mundo e a realidade que vos cerca, e na forma como interpretam essa realidade e a querem mudar com voluntarismo, mas também com qualidade e sentido ético. E nas pequenas coisas. Nunca esqueço António Vitorino, Adriano Moreia, o falecido António Borges, entre muitos outros que chegavam à sala e olhavam para vocês todos à hora e diziam: "isto não é Portugal, nunca estive numa iniciativa em que todos os participantes estavam à hora”.

Podem acusar-me de desafiar-vos para isso no primeiro dia, mas se não quiserem nem aceitarem o repto, não derem o exemplo e não fizerem o esforço, isto nada existe. E o país olhou para todas a Universidades de Verão e viram como os Sociais-Democratas são diferentes, por vossa causa, porque vocês quiseram. Portanto, vamos acabar com esse mito, não há uma pessoa, não há 20 pessoas, há - como dizia o Valter – 1.100 pessoas que marcam a diferença.

Muito obrigado.

[APLAUSOS]

FIM