ACTAS  
 
29/08/2013
Assembleia Extraordinária (Apresentação dos Trabalhos de Grupo)
 
Carlos Coelho

Temos connosco o Dr. Paulo Rangel que, como sabem, além de docente universitário e de ter sido líder parlamentar na Assembleia da República, é o atual líder parlamentar do PSD no Parlamento Europeu, vice-presidente também do grupo do PPE.

Agradeço-lhe de forma sublinhada a colaboração que deu, vocês não fazem ideia – e nem esta é a altura para perder tempo com isso – das circunstâncias complicadas que rodearam a preparação desta solução da revisão constitucional para a UV e o Dr. Paulo Rangel, desde a primeira hora, não só se disponibilizou para estar connosco como ajudou a construir a solução com todos os contactos que foram necessários.

Agradeço-lhe muito a disponibilidade e o sacrifício – veio de propósito do Porto e regressará hoje – mas agradeço-lhe particularmente a solidariedade que demonstrou na preparação desta parte do nosso programa.

O hobbie do Dr. Paulo Rangel é ler, a comida preferida é arroz de frango, o animal preferido é o cão, o livro que nos sugere é também de Marguerite Yourcenar, não a " A Obra ao Negro ”, mas as " Memórias de Adriano ” de que gosto muito mais como tive ocasião de dizer quando referi a escolha do nosso outro convidado ontem. O filme que nos sugere é Trainspotting e a qualidade que mais aprecia é a frontalidade.

Está apresentado o Dr. Paulo Rangel, que não precisava de apresentações e neste momento vão ignorar que ele está cá. Ele regressará daqui a uma hora e 45 minutos para vos dirigir a palavra, mas deixou de estar na sala neste momento. O que significa que não vão falar nem para ele, nem para mim, nem para o Hugo, nem para o Duarte, vocês vão falar para os vossos colegas.

Os grupos vão apresentar o seu trabalho e pensar que estão numa conferência de imprensa. O grupo que apresenta vai àquele púlpito e fala virado para aí e nunca para aqui.

E há um jornalista chato escondido na sala que se vai levantar quando chegar à altura e fazer do seu lugar a pergunta ao grupo que apresentou o trabalho, que se defenderá

Alguma dúvida sobre o procedimento? Não é o caso..., excelente!

Vamos iniciar a apresentação dos trabalhos de grupo sobre a revisão constitucional. Os tempos como sabem estão fixados: são quatro minutos para a primeira intervenção, dois minutos para o jornalista chato e dois minutos para a resposta. Quem está a falar tem um ecrã onde aparece o tempo, no outro ecrã em baixo aparece a vossa apresentação, quem quer falar tem neste ecrã o tempo para não se deixar derrapar. Em todo o caso, a mesa não deixará derrapar. Jenny, quando quiser o palco é seu.

 
Jenny Lopes Santos
Então boa tarde caríssimos, queria saudar o senhor Deputado Carlos Coelho…
 
Carlos Coelho

Jenni, vocês oiçam quando eu digo as coisas. Nós não estamos cá, vocês não vão saudar nenhum membro da mesa, vão ignorar que nós estamos aqui e falam para os vossos colegas. Vão apresentar ao país imaginando que têm as câmaras e jornalistas à vossa frente.

Nós não estamos cá e se eu pudesse punha aqui uma cortina, OK?

Vamos voltar atrás e não será penalizada pelo tempo. Quando quiser.

 
Jenny Lopes Santos

Boa tarde a todos os presentes, esta é a proposta do Grupo Laranja sobre a revisão da Constituição da República Portuguesa (CRP), um novo caminho.

Para que a Constituição se torne mais próxima dos nossos tempos, considerámos apresentar as seguintes propostas, as seguintes alterações:

Consideramos relevante que se torne obrigatório o voto e deste modo combatemos a abstenção que atualmente ronda os 50%.

Uma das propostas é revogar, por estar ultrapassada, a referência às organizações de moradores na Constituição da República.

Outro artigo que queremos revogar é dos Governos Civis que atualmente não está posto em prática e achamos importante que seja retirado da Constituição portuguesa este item.

Outro que achamos que tem de ser eliminado da Constituição é a criminalização e julgamento dos agentes responsáveis da PIDE, atualmente é estúpido estar na Constituição portuguesa: já não há agentes da PIDE junto de nós.

Concluindo a nossa intervenção, achamos que para actualizar a Constituição deveremos ter dois novos artigos: o primeiro é relativo à responsabilidade dos membros do governos pois se for comprovado, no exercício das suas funções, terem gerido de forma danosa, respondem criminalmente pela sua atuação.

O segundo artigo que propomos é o automatismo da lei combatendo assim o "veto da gaveta”, em caso de incumprimento por parte do Presidente da República do prazo de promulgação da lei. A decisão passará automaticamente pelo crivo do Tribunal Constitucional (TC)para que assim possa ser decidida a sua aprovação ou não.

Assim terminamos a nossa apresentação com uma frase de uma pessoa muito importante

[Voz não identificada]

Gomes Canotilho!

A Oradora

" Cada geração tem o direito de rever a sua própria constituição ”.

[APLAUSOS]

 
Carlos Coelho
Muito obrigado. Vai falar o jornalista José Simão, do Grupo Bege.
 
José Simão

Boa tarde, sou o José Simão da Benfica TV

[APLAUSOS]

Eu tenho duas perguntas: não acham que tornar o voto obrigatório quando ele já é um dever é descaracterizar o próprio voto e desvalorizá-lo, fazendo com que quando as pessoas se deslocam às urnas o façam porque são obrigadas e a cruz no boletim de voto possa ser colocada aleatoriamente?

Não será uma provocação para que o voto seja prestado com indiferença?

Em relação ao crime de gestão danosa, os crimes têm um local próprio para serem previstos que é o Código Penal onde o facto penal é previsto. Haverá necessidade do crime vir previsto na Constituição da República Portuguesa quando já existe o Código Penal e a introdução deste crime na Constituição nada traz?

[APLAUSOS]

 
Carlos Coelho
Para se defender tem a palavra a Ana Sofia Silva.
 
Ana Sofia Silva

Relativamente à primeira questão, não acho que seja uma descaracterização do voto porque quando as pessoas vão à urna é para votar em consciência. Seria uma inconsciência não ir às urnas e desperdiçar a democracia. Para tal, esta medida pareceu-nos adequada, quem não tem noção em quem vai votar, vota em branco e preocupa-me mais ter cinquenta votos em branco do que ter 50% de abstenção porque isso significa que as pessoas não se identificam com ninguém.

Isso faz melhorar a minha política para que as pessoas me agarrem, para que agarrem nas minhas ideias e nas eleições votem mais em mim, ou neste caso, nas minhas ideias.

[APLAUSOS]

Relativamente à criminalidade, o que está proposto no Código Penal é a concretização criminal, a pena em concreto. Porque é uma questão de governo e de política também, deve estar prevista na Constituição apesar de aqui não estar prevista uma pena porque estará mais bem concretizada no Código de Processo Penal. Realiza-se a pena no Código de Processo Penal e aqui fica a ideia, como acontece com muitas outras normas que deixam para os restantes ramos do direito a sua concretização. Obrigada.

 
Carlos Coelho
Muito Obrigado ao Grupo Laranja, vamos agora passar ao Grupo Castanho.
 
Ana Carolina Almeida

Antes do tempo começar a contar tenho a informar que o Grupo Castanho vai distribuir o trabalho escrito para sustentarem melhor as vossas críticas.

Boa tarde caros jornalistas e colegas, quero antes de mais agradecer a vossa presença.

Como sabem, o que nos traz aqui hoje é uma proposta de governo de revisão constitucional que nós consideramos ser essencial para a reforma do Estado.

Existem artigos que nós pretendemos manter, como é o caso do artigo 66º sobre o Ambiente e Qualidade de Vida.

Pretendemos excluir o artigo 65º, a alínea sobre Habitação e Urbanismo, que atualmente consideramos não fazer sentido dada a implementação da nova lei do arrendamento, do atual governo, sendo uma das exigências da Troika no seguimento do resgate financeiro de que o nosso país está a ser alvo.

Por último, pretendemos alterar o artigo 64º, n.º 2, alínea a), que define o Serviço Nacional de Saúde como universal, geral e tendencialmente gratuito. É isto que queremos alterar. Os dados mostram como nós podemos ver nos ecrãs que os gastos que o Estado tem, são excessivos e incomportáveis. Temos de alterar esta situação com uma proposta de gradual privatização do sector da saúde.

Com isto, não queremos que o Estado deixe de ter controlo sobre a saúde, mas queremos que seja criada uma entidade reguladora como já existe noutros sectores da nossa a economia, que vai fixar preços protegendo todos os portugueses. Com este modelo também terá de ser criado um novo instrumento, o cheque-saúde fornecido às pessoas com baixos rendimentos, assegurando assim a todos o direito à saúde. Muito obrigada pela vossa atenção.

 
Carlos Coelho
Vai falar agora o jornalista Vítor Gaspar.
 
Vítor Gaspar

Muito obrigada, cara deputada, sou o Vítor Gaspar do Diário Económico…

[RISOS]

 
Carlos Coelho

Vocês não ouviram o vosso colega, mas quando disse que o jornalista era o Vítor Gaspar, alguém aqui à frente disse "já arranjaste um emprego”.

[RISOS]

 
Vítor Gaspar

Relativamente à sua proposta sobre a saúde, não coloca os portugueses reféns das exigências do Estado e de outros grupos económicos? E mesmo com soluções de micro-gerência isto não poderá acontecer sem estar previsto na Constituição?

Sendo esta uma proposta de revisão constitucional para preparar para o futuro, não é da maior importância o artigo 35º que regula a utilização da informática tendo em vista os direitos dos cidadãos e uma maior competitividade de Portugal neste sector, sendo um sector cada vez mais importante na vida dos portugueses e de todos os humanos?

Por fim, gostava que me esclarecesse em que diferem estas propostas das apresentadas anteriormente pelo seu partido, obrigado.

[APLAUSOS]

 
Maria Nascimento

Muito boa tarde caríssimos jornalistas, agradeço a educação com que a perguntas foram colocadas.

Garanto-vos que não têm qualquer tipo de preocupações a manter. O nosso sistema será privatizado, mas continuará tendencialmente acessível, atualmente ele só é gratuito no ato de utilização porque todos nós o sustentamos, todos nós pagamos, mas depois não pagamos as despesas, o serviço hospitalar, o ordenado dos médicos e dos funcionários.

O que pagamos são farmacêuticas com contratos vantajosos, são dívidas e no fundo não sabemos o que pagamos porque é um instituto autónomo e não tem de responder junto das Finanças da mesma forma que os outros.

Garanto-vos que a privatização é a maneira de nos tornarmos competitivos sem termos de alterar mais a Constituição. Ao Estado compete-lhe regular e não ser pai.

Estamos aqui porque acreditamos que podemos ser melhores e não vamos hipotecar o futuro das novas gerações como o nosso está hipotecado. Agradeço muito a todos.

 
Carlos Coelho
Muito obrigado ao Grupo Castanho, vamos agora ao Grupo Verde.
 
Sara Amaral

Caros portugueses, caras portuguesas, em nome do Grupo Verde venho propor uma revisão à Constituição virada para o futuro. Assim, propomos as alterações aos artigos 20º, 195º, 297º, 230º e ainda a revogação dos artigos 164º, alínea t) e dos artigos 263º ao 265º.

Relativamente ao artigo 20º, propomos a introdução do Recurso de Amparo como mecanismo de tutela dos direitos fundamentais. O recurso de amparo é um mecanismo já utilizado em alguns países, como a Alemanha e a Espanha. Visa o acesso directo ao Tribunal Constitucional quando esteja em causa uma grave violação dos seus direitos fundamentais.

Somos da opinião que o recurso de amparo deve ser consagrado no ordenamento jurídico português, nomeadamente na Constituição da República Portuguesa uma vez que consagra os direitos, liberdades e garantias pessoais.

Propomos ainda a alteração do artigo 195ª, nomeadamente às competências do Presidente da República na demissão do Governo e propomos que este só deva demitir um governo de maioria absoluta em ultima instância, quando o governo deixar de ter credibilidade ou condições para governar, ouvido o Conselho de Estado.

Tendo em conta que um governo é eleito pelos cidadãos portugueses e assim mandatado por estes, que o Presidente da República enquanto Chefe de Estado, tenha o poder alargado de demissão de um governo de maioria absoluta bipartidária ou monopartidária.

Visto isto, acreditamos e defendemos que os poderes de dissolução do parlamento, de demissão de um governo ou de convocação de eleições antecipadas seja extremamente limitado visto que, sucedendo tal acontecimento, causaria uma profunda instabilidade política, económica e social. Na sessão da manhã com o Dr. Pedro Santana Lopes foi focada esta questão.

Quanto ao artigo 297º propomos uma questão de pormenores que não deve ser esquecida. Na nossa opinião e na opinião do Professor Jorge Miranda a competência legislativa consagrada nesta alínea deve recair apenas sobre as regiões autónomas.

Quanto ao artigo 230º propomos que o Representante da República nas regiões autónomas seja eleito por sufrágio direto e secreto com o voto dos eleitores recenseados nessas regiões, uma vez que as suas funções se assemelham às do Presidente da República, mas de âmbito regional.

Assim defendemos que deva existir um circulo eleitoral próprio para as regiões visando a consagração da natureza dinâmica e do aprofundamento da autonomia.

Pretendemos ainda que o artigo 164º, alínea t), a par do aditamento do artigo 165º, seja alterado uma vez que defendemos que as regiões autónomas devem poder legislar sobre o seu regime de finanças.

Finalmente, propomos a revogação dos artigos 263º ao 265º no seguimento da opinião do constitucionalista Tiago Duarte relativa às organizações de moradores, uma vez que caíram em desuso e desapareceram na sociedade portuguesa.

Estamos agora abertos às vossas questões e responderemos em conformidade.

[APLAUSOS]

 
Carlos Coelho
Tem agora a palavra o jornalista Jorge Ribeiro.
 
Jorge Ribeiro

Jorge Ribeiro, do Porto Canal, vou focar a questão do Presidente da República. Hoje em dia o Presidente da República é muito contestado por vários poderes. Se lhe retirassem o poder da demissão do Governo em certos casos, ele não iria passar a ser um boneco e não ia servir para nada em Portugal?

Podíamos deixar de ter Presidente da República porque ele não iria servir para nada praticamente. Obrigado.

[APLAUSOS]

 
Francisco Silva

Caro jornalista, repare num ponto, nós não propomos de todo a eliminação do poder de demissão do Governo, apenas alteramos a forma deste poder. Para além do Presidente da República ter uma série de poderes e competências que pode ver na Constituição depois, se reparar na nossa redação aquilo que nós fazemos é simplesmente alterá-la. Ele continua a poder demitir o Governo, mas não poderá ser de maioria absoluta e quando o governo apresentar credibilidade para governar.

Se repararem esta manhã, o Dr. Pedro Santana Lopes referiu que, relativamente à redação atual do artigo 195º, n.º 2, que a própria doutrina não sabe o que é isto de assegurar o regular funcionamento das instituições democráticas. Penso que assim respondi à sua pergunta.

[APLAUSOS]

 
Carlos Coelho
Muito obrigado ao Grupo Verde, passamos agora ao Grupo Cinzento.
 
Susana Coito

Muito boa tarde a todos, boa tarde senhoras e senhores. Muito obrigada senhores jornalistas pela vossa presença.

Depois de um árduo trabalho de contactos e comunicações que exige o assunto e o tema que é a revisão constitucional, surgiu-nos a conclusão de que necessariamente cada geração terá de ter a sua Constituição porque falar de Constituição também é falar de solidariedade intergeracional.

Aquilo que propomos em sede de alteração é a alteração do artigo 52º, n.º 2 da nossa Lei fundamental que se refere em concreto à greve. O que pretendemos é que a regulamentação deste direito não bloqueie sectores chaves da economia apenas porque um determinado grupo de pessoas está a utilizar o seu direito à greve para bloquear o acesso ao trabalho de um outro grupo de cidadãos.

Ninguém tem direito de bloquear o direito de outrem porque quer exercer o seu direito. Ademais, sabemos que muitas vezes estas pessoas não estão a fazer greve para defender os seus direitos, mas para defender privilégios que dada a nossa situação económica já não têm qualquer tipo de cabimento.

Defendemos acima de tudo manter o artigo 64º da nossa Constituição no que concerne ao sistema de saúde tendencialmente gratuito porque é aqui que formamos os nossos bons médicos. Da mesma forma que se justificava na altura da nossa Revolução e pós-Revolução, também hoje se continua a justificar dar a assistência às pessoas sendo este para nós um pilar fundamental da vida humana. Se devemos eliminar o que está mal, também devemos manter o que está bem.

Sugerimos a eliminação do artigo 94º da Constituição achando que este já não representa a economia dos dias de hoje. Precisamos de ganhar escala, precisamos de criar locais competitivos para os investimento de empresas e para aumentar a nossa produção e a nossa produtividade. Não faz sentido eliminar as grandes propriedades, mas sim ganhar escala para poder investir.

Por último achamos que falta à Constituição, sendo este um erro crasso, um limite ao défice e à divida pública. Achamos efetivamente que estes devem estar na Constituição porque estando apenas consagrado em lei, nada nos garante que a maioria não a mude, fiquemos presos nas mãos de agentes políticos desgovernados que agora se lembram de pôr em causa o futuro na nossa geração e da geração vindoura.

A " regra de ouro ” é fundamental para garantir a equidade intergeracional e garantir que a gerações presentes e futuras não comentam o mesmo erro que foi cometido no passado recente.

Reclamamos pela defesa de continuarmos a ser portugueses, em Portugal e respeitados como futuro que somos.

[APLAUSOS]

 
Carlos Coelho
Vai usar agora a palavra a jornalista Rita Mourato Vilaverde.
 
Rita Mourato Villaverde

Boa tarde, em direto para a Televisão Cátia Vanessa. Não tem receio que esta radicalização da liberdade de expressão prevista no artigo 37º da nossa Constituição seja uma ofensa grotesca ao direito dos trabalhadores e aos direitos adquiridos pós-25 de Abril?

Não será uma chantagem, uma opressão desse mesmo direito da nossa democracia com o qual o 25 de Abril foi feito?

Em seguida questionamos sobre a regra de ouro , será indispensável para assegurar os interesses nacionais, não está a mesma já devidamente prevista no Orçamento de Estado, não será a mesma regra demasiado geral? É isso só. Obrigada.

[APLAUSOS]

 
Carlos Coelho
Vai usar agora a palavra José Lopes.
 
José Lopes

Muito obrigada Sr.ª jornalista. Relativamente ao direito à greve, esta postura enquadra-se naquilo que é a nossa estratégia, naquilo que é justo e que vai de encontro à defesa de todos os trabalhadores. Nós estamos a eliminar o direito à greve porque prezamos muito aquilo que as nossas gerações construíram, é um legado que devemos respeitar e melhorar. É esse o nosso papel aqui, é essa a nossa estratégia e é isso que continuaremos a seguir.

Relativamente ao direito à greve: todos temos o direito à greve, mas a Constituição diz que compete aos trabalhadores definir o âmbito e o interesse a defender através da greve, não podendo a lei limitar esse âmbito. É nesse aspeto que discordamos porque a lei deve poder limitar esse âmbito e devemos trabalhar em conjunto com os outros partidos e apelamos a que façam esse esforço connosco.

Como é que podemos regulamentar esse direito, como é que podemos estruturá-lo melhor? Mais, como é que podemos defender todos os trabalhadores sem que isso prejudique a liberdade de outros? Somos jovens e não podemos permitir que certos preconceitos ideológicos que estiveram na base do direito à greve nos impeça de pensar mais longe.

Digo-lhe mais, nós devemos estar a trabalhar no direito à greve: sim ou não? Estamos a trabalhar nas formas de o regular. Devemos trabalhar na melhor forma de contemplar e definir serviços mínimos e em que sectores estratégicos e de que forma, tendo em conta que critérios.

Por exemplo, será a nossa proposta futura em termos de leis, qual será o número de indivíduos afetados pela greve? Qual a perda potencial em números de empregos porque para nós é tão importante aquele trabalhador que faz greve como aquele que quer trabalhar e não pode.

Qual o impacto na economia e empresas exportadoras? Basta lembrar recentemente aquilo que se passou com os nossos portos e com os estivadores.

Relativamente ao PIB e à regra de ouro, é uma ideia que tem vindo a ser desenvolvida no seio dos Estados da UE. Vivemos num contexto em que o PIB recuou para números históricos de 2007. Temos um endividamento público muito superior aos 100%. Temos obra pelas quais pagamentos seis vezes o custo real em 30 anos. Não queremos hipotecar o nosso futuro.

Muito obrigado!

[APLAUSOS]

 
Carlos Coelho
Grupo Bege. Tem a palavra Francisco Afonso.
 
Francisco Afonso

Caros cidadãos portugueses

Comunicação social

Tendo em conta o estado calamitoso em que este Governo encontrou o país, com uma dívida de 130% do PIB e a possibilidade de Portugal, após o plano de restruturação, voltar a viver uma situação idêntica, sentimos a necessidade de agir.

Esta preocupação foi também sentida na altura da assinatura do tratado de estabilidade, coordenação e governação na União Económica. Há a preocupação do défice não ser superior a 0,5% do PIB e o rácio da dívida pública não poder exceder os 60% da dívida.

Visto o Estado não produzir riqueza suficiente para garantir a gratuitidade dos serviços de saúde, surge a necessidade de garantir o acesso de todos os cidadãos, tendo em conta a sua situação económica.

Estamos abertos a questões.

Muito obrigado.

[APLAUSOS]

 
Carlos Coelho
Tem a palavra a jornalista Maria Desidério.
 
Maria Desidério

Muito obrigado, caro Ministro.

Falo do jornal local de Castelo de Vide.

O senhor diz que o país está num estado deplorável e todos o sabemos. Querem, por isso, modificar o Ensino e a Saúde, privatizando-os, pelo que percebi. Porque pretende diminuir a sua gratuitidade.

Teremos então Saúde e Educação de acordo com o rendimento de cada indivíduo? Isso não coloca em causa o princípio da igualdade, consagrado na CRP? Não estará a criar desigualdades?

É que uma pessoa que recebe mais terá a mesma qualidade de ensino, de saúde, ou irá para o sector privado?

Obrigado.

[APLAUSOS]

 
Carlos Coelho
Para responder, Mafalda Paiva de Oliveira.
 

Antes de mais, queria agradecer a sua pergunta.

Nós queremos deixar bem claras as nossas propostas e vemos com a sua pergunta que isso não aconteceu.

Nós não queremos privatizar nem a Educação nem a Saúde. Queremos, isso sim, abordar a questão do " tendencialmente gratuito ”. Achamos que esta não é a construção frásica correcta. Sobretudo porque não é esse o nosso objectivo.

Queremos, de facto, assegurar a Educação e Saúde públicas mas cada um deve pagar aquilo que pode. O acesso é garantido a todos mas quem tem mais capacidade financeira deve pagar mais por isso.

Queremos assegurar a equidade social.

Quem tem mais pode pagar mais.

[APLAUSOS]

 
Carlos Coelho
Passamos para o Grupo Rosa.
 
Daniel Simões

Queria, antes de mais, saudar os jornalistas e todos os portugueses.

Estas são as alterações do Governo à Constituição.

Antes de mais, e este é um ponto de grande relevância, gostaríamos de actualizar a CRP no que toca à globalização, porque encontramos termos e ideologias na nossa Constituição que nada se enquadram no mundo em que vivemos.

Posto isto, propomos a alteração do artigo 7º extinguindo termos como " imperialismo ”, " colonialismo ”, " desarmamento geral ” e " dissolução dos blocos político-militares ”.

No segundo ponto, propomos uma alterações às pensões, de modo a garantir que os cidadãos portugueses que fizeram descontos para a Segurança Social durante o tempo de trabalho, não vejam o seu direito à reforma posto em causa. Todo o seu tempo de trabalho é uma garantia para essas pensões.

Em terceiro lugar, queremos alterar o artigo 148º. Acreditamos vivamente que a realidade territorial e populacional portuguesa não se coaduna com o actual número de deputados.

Sugerimos portanto que o Parlamento fique limitado a 180 deputados.

Quanto à situação económica portuguesa, queremos alterar as expressões " tendencialmente gratuito ” e " gratuito ” referentes à Saúde e Educação. O Estado não consegue assegurar integralmente estas despesas. Esta alteração garantirá assim mais estabilidade financeira ao Estado.

Outra questão que nos preocupa gravemente é a do enriquecimento ilícito. Queremos que este crime conste da Constituição evitando que os tribunais de instância se recusem a aplicá-lo por não ter valor reforçado

Queremos, também, uma Constituição mais rigorosa. Defendemos o estabelecimento de um limite ao valor do endividamento na Constituição Portuguesa, e acordo com o celebrado no Tratado de Maastricht, de modo a não incorrermos em incumprimento. Estabelecemos, por isso, o endividamento máximo nos 60%.

Muito obrigado pela atenção.

[APLAUSOS]

 
Carlos Coelho
Tem a palavra o jornalista Ricardo Nora.
 
Ricardo Nora

Muito boa tarde a todos.

Tenho perguntas simples e muito directas para não estarmos com rodeios.

No que diz respeito ao artigo 7º, " Guerra ”, estão a pensar invadir algum país?

[RISOS]

Artigo 148º: neste momento existem 230 deputados. Perguntamos porquê passar para 180? A diminuição de deputados leva a uma menor capacidade democrática.

VOZES

Muito bem!

[APLAUSOS]

O Orador

De que forma e que critérios seriam utilizados na divisão territorial?

 
Carlos Coelho
Para responder, Inês Silva.
 
Inês Silva

Antes de mais, agradeço as perguntas.

E não, não estamos a pensar invadir nenhum outro país. O nosso único objectivo com a alteração do artigo 7º é o de eliminar conceitos ultrapassados e que não se adequam à globalização, à nossa integração da UE, à nossa realidade.

É esse o único objectivo.

Quanto aos deputados, pensamos que a limitação de deputados a 180 continua a garantir a equidade regional na Assembleia. Senão, não estaria na CRP. Se ler com atenção verá que o limite mínimo é 180. Optamos por esse limite também para reduzir custos.

Muito obrigado.

[APLAUSOS]

 
Carlos Coelho
Agradeço ao Grupo Rosa, vamos passar para o Encarnado.
 
Rúben Santos

Boa tarde, portuguesas e portugueses.

O Grupo Encarnado vai apresentar a sua proposta de revisão constitucional.

Temos quatro tipo de normas.

Normas intemporais, que nunca se poderão mudar.

Normas que já estão ultrapassadas e que urge actualizar.

Normas que ideologicamente faz sentido alterar e

outras que queremos acrescentar.

Normas imutáveis temporalmente são as primeiras onze, que salvaguardam os direitos dos portugueses nas suas diferentes vertentes. São directivas de garantia da democracia e de respeito pelas instituições democráticas internacionais. São também um conjunto de garantias que o Estado deve assumir perante os seus cidadãos.

As normas inadequadas à realidade, uma delas prende-se com o julgamento de antigos membros da PIDE/DGS, que para nós representam o continuar de lutar contra fantasmas do passado, que estão mortos e enterrados.

Outra é a divisão administrativa do território, uma vez que os Governos Civis já foram extintos por este Governo.

No nosso prisma, a CRP é vaga e contradiz-se em muitos aspectos ao nível da divisão administrativa do país. Atentem que consagra as Regiões Administrativas como autarquias locais, ao mesmo tempo dita a existência de distritos enquanto as regiões não estiverem instituídas. E ainda, o artigo 236º, n.º 1 diz que para haver Regiões terão de ser sufragadas e legitimadas pelo voto.

Temos, portanto, um imbróglio que urge clarificar.

Estas são as NUTS - Nomenclature of Territorial Units for Statistics , que são usadas para fins de fundos comunitários. As NUTS 2 contêm as conhecidas CCDR, coordenadas por pessoas que gerem dinheiros públicos. Essas pessoas não são legitimadas pelo voto. São nomeadas pelo Governo.

Quais são as normas que temos de mudar, numa perspectiva ideológica? O artigo 149º, para consagrarmos os círculos uninominais; o número de deputados também consideramos elevado; Queremos também que o ensino seja gratuito no secundário, seja no plano técnico-profissional seja no plano geral.

O Grupo Vermelho propõe ainda a alteração à lei eleitoral dos executivos municipais. Propomos que haja apenas uma eleição, a da Assembleia Municipal, e o partido mais votado criará um executivo monocolor a partir dos eleitos para a Assembleia Municipal.

De forma a aproximar a população da Constituição, achamos que deve ser criada uma versão simplificada da CRP. Não substitui a original mas permite o uso de uma linguagem acessível a pessoas sem qualificações no Direito.

Obrigado.

[APLAUSOS]

 
Carlos Coelho
Tem a palavra a jornalista Liliana Marquês.
 
Liliana Marquês

Muito boa tarde a todos.

O meu nome é Liliana Marquês e falo da Laranja TV.

Quero em primeiro lugar dizer que os senhores são bastantes técnicos quando falam da questão da regionalização. Utilizaram alguns termos que seria interessante clarificar, como CCDR.

Gostaria que fosse clarificado qual a vossa intenção sobre a regionalização.

Obrigada.

[APLAUSOS]

 
Carlos Coelho
Tem a palavra Helena Grangeia.
 
Helena Bigares Grangeia

Muito obrigado. A senhora coloca questões muito técnicas que nós não desvalorizamos. Há de facto que esclarecer essas questões à população. No entanto, não vamos estar a esmiuçar estas questões aqui. Agradeço que dirija as suas perguntas ao Ministério do Ordenamento do Território.

Em todo o caso, o importante aqui é reter o conceito das NUTS, que são unidades territoriais, que – essas sim, são relevantes para a UE e para a atribuição dos fundos comunitários.

Também a reter é o facto de termos uma Constituição desactualizada que ainda fala em distritos que em nada são relevantes para questões estatísticas europeias e fundos comunitários.

[APLAUSOS]

 
Carlos Coelho
Muito obrigado ao Grupo Encarnado, passo ao Amarelo.
 
Ana Carvalho

Caros portugueses e portuguesas

Senhores e senhoras jornalistas

Vamos hoje divulgar a nossa proposta de revisão constitucional, fruto das condicionantes e dificuldades com que nos defrontamos.

Urge criar condições para que os erros e ingerências de outros tempos não se repitam. Hoje, temos gerações que necessitam do apoio das outras gerações.

Temos a obrigação moral de corrigir o que tem de ser corrigido e criar o que há muito tempo deveria ter sido criado.

A nossa Constituição carece de princípios que defendemos serem básicos: solidariedade intergeracional, transparência e equidade de sacrifícios.

Sob pena de se tornarem inconsequentes, estas medidas devem ser incluídas na CRP.

Primeiramente, é fundamental a aplicação da regra de ouro . Sendo que não dispomos de instrumentos de controle da flutuação cambial nem moeda própria, é necessário fixar um limite de endividamento que seja justo e não comprometa as gerações futuras.

Terá de haver instrumentos que privilegiem a dívida interna, limitando fortemente a dívida externa.

De seguida, propomos o fim da Educação e Saúde gratuitas per se , promovendo uma política de sustentabilidade dos sistemas que já provaram não ser viáveis nos actuais moldes.

É, no entanto, importante que fique salvaguardado que a ninguém será negada Educação ou Saúde por falta de recursos ou oportunidades.

Os sistemas devem ser igualitários da qualidade e não no preço, e devem ser dotados dos melhores recursos.

Por fim, propomos um leque de crimes que originem inelegibilidade para cargos políticos e públicos. Já que é grave que não sejam aplicados princípios de responsabilidade no completo sentido da palavra.

Para concluir, propomos as seguintes alterações: Artigo 50º, n.º 1 " todos os cidadãos têm o direito de acesso em condições de igualdade e liberdade aos cargos políticos salvo, alínea a) cidadãos que já tenham sido condenados a penas de 3 anos de prisão ”. N.º 2, alínea a) " através de um serviço nacional de saúde, universal e geral, e tendo em conta as condições económicas dos cidadãos, taxado proporcionalmente aos rendimentos auferidos ”.

Artigo 74º, n.º 2, d) " garantir a todos os cidadãos, de acordo com as suas capacidades, o acesso aos graus mais elevados de ensino, investigação científica e criação artística, não podendo em caso algum o acesso ser negado por insuficiência de meios económicos ”.

Alínea e), revogar!

Artigo 104, n.º 4: " O orçamento prevê as receitas necessárias para cobrir as despesas, definindo a lei as regras da sua execução, as condições a que deverá obedecer o recurso ao crédito público, segundo a responsabilidade intergeracional ”.

Caros e caras portuguesas, esta revisão assegura a igualdade de oportunidades e oferece equivalência ao que não é igual e não pode ser tratado como tal.

Oferece um país que é capaz de providenciar serviços de qualidade em que quem mais precisa recebe o mesmo que aqueles que mais têm. Oferece a oportunidade de crescer com segurança ao passar a ter serviços sustentáveis. Não deixando o sistema entrar em falência.

A Constituição tem de defender os portugueses de ontem, os de hoje mas acima de tudo os portugueses de amanhã. Não contem connosco para hipotecar o país mas contem connosco para não deixar ninguém para trás. Portugal precisa de um amanhã.

Muito obrigado.

[APLAUSOS]

 
Carlos Coelho
Muito obrigado. Tem agora a palavra o jornalista Rodolfo Cardoso.
 
Rodolfo Cardoso

Boa tarde, antes de mais uma correção, o meu nome é Bernardo Ferrão e recordo que estamos em directo para a SIC Notícias.

[RISOS E APLAUSOS]

O Orador

Peço que clarifique lá em casa sobre o grupo de interesses que o seu partido quer beneficiar com esta proposta. Muito obrigado.

[APLAUSOS]


 
Carlos Coelho
Muito obrigado. Para responder, João Loureiro.
 
João Loureiro

Muito obrigado pela sua pergunta. Considero-a bastante pertinente.

Acho fundamental poder esclarecer os portugueses quanto às nossas propostas e poder partilhar com eles as nossas ideias da forma mais transparente possível.

Esta proposta de revisão não privilegia qualquer interesse. Muito pelo contrário. Ela serve para prevenir injustiças criadas e repetidas no passado.

Achamos necessário passar estas medidas para a CRP, evitando que sejam inconsequentes. A nossa Constituição foi escrita numa altura em que era preciso quebrar com o passado. Hoje, queremos respeitar o passado, usar o que aprendemos com o passado para tornar o país mais forte.

No caso da Educação, por exemplo, e da Saúde, o fim da gratuitidade tem que ver com o modelo actual e a sua insustentabilidade. Queremos passar para um modelo em que quem mais aufere mais pagará. Será um modelo mais justo, que aplica taxas diferentes para que os todos possam ter os mesmos níveis de cuidados e educação.

Claro que pensamos que este sistema terá uma vida útil muito maior.

Quanto à regra de ouro , esta tornará o país mais independente. Hoje estamos a ser alvo de condicionamentos externos e os portugueses de hoje têm direito a gerir o seu próprio futuro.

Muito obrigado.

[APLAUSOS]

 
Carlos Coelho
Muito obrigado ao Grupo Amarelo, passamos para o Grupo Azul. Pedro Cunha
 
Pedro Cunha

Boa tarde, venho hoje apresentar a proposta de revisão constitucional do nosso grupo parlamentar.

A proposta assenta em três pilares fundamentais. A aproximação, a simplificação e a modernização.

Com a aproximação, pretendemos introduzir mais participação e responsabilização popular, aproximando as pessoas dos centros de decisão.

Com a simplificação, pretendemos uma Constituição mais transparente e compreensível para todos os sectores da sociedade portuguesa.

Com a modernização queremos adaptar a CRP ao contexto da sociedade actual.

As razões pelas quais escolhemos estes três valores foi por acreditar que a sociedade portuguesa está mais madura democraticamente e mais instruída. Está, por isso, preparada para uma maior participação política.

Passo agora a apresentar os artigos mais relevantes da revisão a que nos propusemos.

Com o primeiro conjunto de artigos, queremos aumentar a participação popular no processo legislativo. Com a alteração introduzida no artigo 151º vai passar a ser possível que grupos de cidadãos eleitores se candidatem à Assembleia da República, independentemente dos partidos.

Com a alteração introduzida no artigo 159º, aumentamos o grau de responsabilidade tanto dos deputados como dos eleitores. Os deputados passam a estar obrigados a prestar esclarecimentos aos eleitores sempre que isso seja solicitado.

Passando para o segundo conjunto de artigos, e com a filosofia de uma população mais bem preparada, trazemos algo inédito à democracia portuguesa: participação popular no processo de revisão constitucional.

Com a alteração ao artigo 285º, alargamos o âmbito da iniciativa de revisão, que deixa de ser exclusiva aos deputados e passa também a pertencer aos cidadãos.

De seguida, com a alteração ao artigo 286º, algum grau de participação dos cidadão na aprovação das revisões. Caso uma proposta de revisão obtenha apenas maioria simples no parlamento – e não qualificada, os deputados têm a possibilidade de submeter a proposta a referendo, podendo consultar a vontade popular relativamente ao tema.

Concluindo, com esta proposta estamos convictos de conseguir uma Constituição mais simples, moderna e próxima das pessoas.

Obrigado pela vossa atenção.

[APLAUSOS]

 
Carlos Coelho
Muito obrigado. Tem agora a palavra a jornalista Maria Ana Condessa.
 
Maria Ana Condessa

Boa tarde, jornalista Maria Condessa, da Revista Maria.

[RISOS]

Como referiu, pretendem que impedir que cidadãos que não estejam inscritos em partidos políticos façam parte das listas desse partido. Actualmente, cidadãos que não são membros de um partido político já podem participar na lista desse partido, mesmo não sendo militantes.

Estou a ver aí algum equívoco da sua parte. Pedia que me esclarecesse.

Quanto à participação popular, considero que nem toda a população seja suficientemente instruída para participar na construção de uma Constituição. As pessoas não podem participar na Constituição se não sabem aquilo que está a ser tratado.

Acha exequível que os deputados possam cumprir o dever que referiu?

Obrigado.

[APLAUSOS]

 
Carlos Coelho
Muito obrigado. Para defender, Hélder Antunes.
 
Helder Antunes

Muito obrigado pela sua questão.

Efectivamente, a revista Maria é leitura obrigatória da minha mulher.

[RISOS E APLAUSOS]

Em relação à questão sobre os cidadãos independentes já poderem concorrer à Assembleia da República, no actual quadro constitucional isso só é possível desde que integrados numa lista partidária.

Actualmente, muitas pessoas não se revêem nos partidos. Estes estão a perder credibilidade. Daí que, se um grupo de cidadãos com um pensamento comum queiram ser candidatos à Assembleia da República, porque não fazê-lo?

A participação popular indicou que nem toda a gente está preparada? Será que não está preparada? Se calhar, na altura em que a Constituição foi feita não estariam preparados. Os níveis de alfabetização têm aumentado constantemente.

Por outro lado, a Constituição é muito tecnicista, tem muitos termos técnicos. É por isso que um dos pilares da nossa proposta é simplificá-la. Fazendo-o, estamos a aproximá-la das pessoas. Neste sentido, as pessoas entenderão melhor o que pretendem.

Em relação à última questão: os deputados já têm um dia para irem ao seu círculo eleitoral. As questões podem ser colocadas por escrito ou email e ser respondidas da mesma forma. Com os meios tecnológicos que temos hoje em dia, penso que é fácil responder aos eleitores.

Só não o faz quem o não pretende fazer ou tem algo a esconder.

Obrigado.

[APLAUSOS]

 
Carlos Coelho

Muito obrigado. Vamos agora ouvir o último grupo, o Roxo.

Tem a palavra, David Alves.

 
David Alves

Boa tarde, caros colegas e jornalistas.

Acreditamos que a nossa Constituição ainda cumpre os desígnios fundamentais responsáveis pela sua génese. Mantém os seus princípios e são actuais.

Citando o prof. Gomes Canotilho, em termos geracionais, cada geração tem o direito de rever a sua própria Constituição.

Consideramos a Liberdade um direito fundamental e intocável. Sentimo-nos condicionados nesse direito quando acarretamos os prejuízos de políticas passadas com impacto nas gerações futuras sem a devida responsabilização.

Depois desta nota inicial, passo às nossas propostas.

Propomos a introdução de um número no artigo 90º, relativo aos objectivos dos planos. Passo a ler: " É estabelecido que os cidadãos deverão promover estratégias e políticas de desenvolvimento sustentável que garantam a viabilidade ecológica, numa responsabilidade geracional a ser regulamentada por Lei .”

A nossa segunda proposta é de revogação dos três artigos que constituem o capítulo V, " Organizações de Moradores ”. Esta é uma forma específica de associativismo, já contemplada no artigo 46º, " Liberdade de Associação ”.

Propomos também uma alteração ao n.º 4º do artigo 46º. A nossa redação seria: " Não são consentidas associações armadas nem de tipo militar, militarizadas ou paramilitares, nem organizações racistas ou discriminadoras em razão da ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas .”

Criou-se aqui, inevitavelmente, um contrassenso constitucional no que toca à liberdade de expressão e pluralidade política ao proibir-se, expressamente, um ideal político. O fascismo é um regime totalitário e que pode suprimir ou ameaçar essa pluralidade política. No entanto, a Constituição prevê e defende este direito à liberdade de expressão, ficando assim previamente salvaguardado. Logo, achamos redundante a excepção relativa ao fascismo.

A nossa quarta proposta prende-se com a revogação do número 2 do artigo 94º, " Eliminação dos Latifúndios ”. Esta norma não respeita o direito à propriedade privada. É uma limitação a um direito constitucionalmente previsto, pelo que deve ser revogada.

Voltando à nossa terceira proposta, a nossa ideia é salvaguardar a liberdade de expressão.

Estamos prontos para responder aos jornalistas. Obrigado.

[APLAUSOS]

 
Carlos Coelho
Muito obrigado. Tem agora a palavra o jornalista Diogo Fagundes.
 
Diogo Fagundes

Boa tarde, senhor Ministro.

O texto está muito bonito mas parece não ter aplicação prática.

Em relação ao artigo 90º, Não lhe parece que legislar não é função dos cidadãos? Não colide isso com os deveres da Administração Pública?

Obrigado.

[APLAUSOS]

 
Carlos Coelho
Para responder, Catarina Alves da Silva.
 
Catarina Alves da Silva

Boa tarde, caros colegas e jornalistas.

Respondendo à sua questão, quanto à primeira proposta que apresentamos, o nosso objectivo é acautelar os problemas ambientais atuais. Com isso, tentamos criar uma solidariedade intergeracional que não vá, de qualquer modo, prejudicar as gerações vindouras.

Na prática, isto quer dizer que estamos a tentar proteger as futuras gerações, responsabilizando sempre as gerações que agora estão no Poder.

Com isto, acho que respondo àquilo que me perguntou. Terminou como o meu colega começou, citando Gomes Canotilho. Cada geração tem o dever de rever a Constituição e adaptá-la à sua geração.

Muito obrigado.

[APLAUSOS]

 
Carlos Coelho

Muito obrigado. Ouvimos as 10 apresentações dos grupos, que foram atacadas por jornalistas "chatos” e que se defenderam.

Temos hoje connosco o Dr. Paulo Rangel.

[APLAUSOS]

Aquilo que lhe pedimos foi uma apreciação rápida dos vossos trabalhos, para terem uma ideia do que faz mais e menos sentido, vindo de uma pessoa com a autoridade do nosso convidado. E depois que partilhasse connosco a sua própria opinião sobre esta questão.

No final da intervenção do Dr. Rangel, eu roubo-vos quatro minutos com questões de forma. Apenas de forma e não de substância, esse é um privilégio do nosso convidado.

Dr. Paulo Rangel, o palco é todo seu.

[APLAUSOS]

 
Paulo Rangel

Em primeiro lugar, muito boa tarde a todos. Quero agradecer o convite que me foi feito pelo deputado Carlos Coelho, com quem trabalho semanalmente, no Parlamento Europeu, para mais uma vez vir aqui à UV.

Queria dizer-vos que, não posso deixar de o fazer, é evidente que não há uma escola de formação política com a qualidade e com a densidade que tem a Universidade de Verão do PSD que é aqui feita anualmente.

[APLAUSOS]

Devem sentir-se privilegiados por terem esta oportunidade de formação política. Penso que a UV já deu bastantes resultados. Já tive a oportunidade de o dizer quando houve um "sururu” sobre os deputados da JSD e que eu acho que são hoje de uma qualidade extraordinária. Muitos deles têm uma ligação a esta escola, passaram por aqui ou se relacionaram muito directamente com esta instituição.

Um dos problemas em Portugal é a formação dos políticos. Ninguém pense que por conseguir ganhar uma secção ou uma concelhia da JSD que já tem a sua carreira política firmada! Não tem. O país precisa que os políticos se preparem, que não improvisem. É este trabalho que o PSD e em particular o Carlos Coelho, mais que qualquer outro militante do PSD, tem feito ao longo de anos seguidos. E com grandes resultados.

[APLAUSOS]

Vou agora passar por todas as intervenções, apenas pelo conteúdo e não pela forma. Se fosse pela forma seria, provavelmente, devastador...

[RISOS]

E depois vou deixar aqui duas ou três ideias. Acreditem que não é fácil falar deste assunto porque ele próprio já requere algum conhecimento prévio. Por isso foi uma grande ideia a do briefing, que foi realizado pelo Tiago Duarte, depois com o trabalho e agora com este comentário. Isto é para aqueles que não tinham qualquer conhecimento constitucional ficarem a ganhar noções básicas.

Começo por dizer, e admito que alguns me levem a mal, mas que é notório quer nas intervenções quer nos papers escritos: há um mau domínio do Português.

Estão todos tão preocupados com o défice, com a dívida e a autonomia de Portugal mas eu digo-vos uma coisa: muito mais importante que qualquer dívida para a identidade portuguesa e para a autonomia de Portugal é um bom domínio da língua portuguesa. É que é muito mais importante.

O Dr. Passos Coelho fará muito mais pelo país se conseguir que as gerações novas escrevam e falem Português bem, do que se acabar com o défice. Muito acharão polémico isto que eu disse, mas é verdade.

Quando vêm aqui pessoas dizer que "isto vai de encontro àquilo”... nada vai de encontro a nada. Vai-se "ao encontro de”.

Queria chamar-vos a atenção para isto. Como é que isso se resolve? "Como é que eu resolvo isto? Tenho estes problemas estruturais de linguagem, como resolvo?”

É simples? É um conselho constitucional: leiam Eça de Queiroz e Camilo todos os dias.

[RISOS]

É a única forma de resolver este problema. Há uma coisa que vos garanto a todos: se todos os dias lerem 10 páginas do Eça, que apesar de tudo é mais fácil que o Camilo, ao fim de um mês têm resultados na escrita do Português e na capacidade oral.

E ao fim de dois meses mais resultados e ao fim de três mais resultados. Claro que só lerem um dia ou lerem de uma assentada não tem resultado nenhum, mas isso é o mesmo que ir ao ginásio e fazer 50 flexões num dia. Se não se faz mais, não se tem resultados. Se se fizerem 10, 15, 20 todos os dias, ao fim se um mês há resultados, etc.

Estou a dizer isto porque, reparem, um político se não for capaz de dominar a linguagem - que é o seu instrumento de trabalho – de modo eficiente, com as regras principais, está a introduzir factores de distração. Quando os outros nos estão a ouvir, focam-se nos erros que demos, não naquilo que dizemos.

Se estão realmente muito interessados na autonomia e da identidade portuguesa, e parece que estão, a primeira coisa que é fundamental é fazerem esta terapia linguística.

É fundamental. Não podemos ter aqui, como tivemos, "cidadões”. Não há "cidadões”. Há limões

[RISOS]

Limão, limões. Cidadão, cidadãos. Pão, pães. As palavras terminadas em "ão” fazem o plural em "ãos”, "ões” ou "ães”.

Isto é constitucional! Muitos acham que não é mas é!

Feita esta pedagogia, que eu faria a qualquer aluno meu. Se eu tiver um aluno que escreva mal, ele não pode passar. Por mais que ele saiba. Um aluno do primeiro ano da faculdade que não sabe escrever em Português não está habilitado a fazer nenhuma cadeira. Certo? Logo, reprova.

Pode saber o que é o esternoclidomastoideo

[RISOS]

mas não sabe escrever em Português, reprova.

Tem de voltar para a primeira classe. Depois, quando souber escrever, volta.

Vamos então ao Grupo Laranja, que trouxe aqui uma coisa que muitos trouxeram. A eliminação das associações de moradores, dos distritos, os latifúndios, enfim, de uma série de normas a que podemos chamar obsoletas. Normas que corresponderam a preocupações transitórias. Daquele tempo.

Muito bem, é uma perspectiva aceitável, eliminar essas normas.

O grande problema da Constituição Portuguesa é o excesso de regulação. É preciso aliviá-la, e começamos por aquilo que já não tem sentido. Há coisas que fazem sentido, mas não na Constituição. Nas leis sim.

Um das coisas sensíveis, que alguns trouxeram, é a questão da incriminação das pessoas que participaram da PIDE/DGS. Em primeiro lugar, não é totalmente certo que isso esteja completamente averiguado. Segundo ponto, não é totalmente certo que certas normas – mesmo que não tenham qualquer função – não se devam manter, por uma questão simbólica.

Por isso, muitos constitucionalistas, nomeadamente aquele que é considerado o maior da actualidade, Marcelo Neves – um brasileiro que escreve basicamente em alemão e português, tendo uma ampla repercussão mundial, fala muito na função simbólica da constituição.

Por exemplo, na Inglaterra, faz parte da Constituição a Magna Carta de 1215. Alguém acha que a Magna Carta, escrita em 1215, imposta ao Rei João – irmão de Ricardo "Coração de Leão”, o tal do Robin dos Bosques, que não sabia ler nem escrever e que assinou de cruz, faz integralmente sentido hoje?

A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, está na Constituição Francesa. Tal e qual! Há lá coisas que já não fazem sentido hoje. Mas este património de direitos não pode sair.

Por vezes há circunstâncias históricas que justificam isso.

Aqui, a grande questão que se põe sobre a PIDE/DGS é que estas pessoas foram consideradas criminosas por actos que, na altura em que foram praticados não eram crimes. Não sei se me estou a fazer entender. Pertencer à PIDE/DGS em 1970 não era crime. Há aqui uma incriminação retroactiva. Claro que se essas pessoas mataram alguém, isso já era crime na altura e podiam ser condenadas por crimes comuns. Agora, a pertença a uma polícia secreta não era crime.

Aqui a questão é saber se esta norma da CRP é justa ou não.

Em alguns casos, esta é uma questão irresolúvel porque todos os oficiais nazis executados por sentença do Tribunal de Nuremberga foram punidos por crimes cometidos ao obrigo de ordens. Se não tivessem cumprido essas ordens, os mortos seriam eles. Foi aquilo a que se pode chamar um "bom negócio”, porque puderam retardar a sua morte por 3 ou 4 anos.

[RISOS]

Portanto, cuidado com esta questão, que é mais polémica. Não estou a dizer que não devesse sair da CRP, mas é uma questão mais difícil.

Outra questão muito importante aqui é a do voto obrigatório. Há poucos países com voto obrigatório, a Bélgica é um deles. Sinceramente, não sou muito favorável ao voto obrigatório. Acho que as pessoas devem ter ampla liberdade no voto.

Mas só vou falar nisso por uma questão de formulação mas vocês verem, amigos do Grupo Laranja, que no Direito a formulação é muito importante.

Dizem que os cidadãos têm a " obrigatoriedade de exercer o dever cívico de votar ”. Se utilizam a expressão " dever cívico ” é porque ele não é obrigatório. Aliás, nós dizemos que o voto é " um direito e um dever cívico ”. Porque não é obrigatório.

Já o recenseamento é um dever jurídico, porque é obrigatório.

O voto pode ser obrigatório, mas acho que seria contra a nossa tradição.

Quanto à " responsabilidade dos titulares de cargos políticos ”, digo-vos que não é preciso criar uma norma. Já lá está, no artigo 117º. Está lá que os titulares de cargos políticos podem ser responsáveis criminalmente.

Por isso, o jornalista que fez a questão também estava errado. Porque o jornalista dizia: " isto já está no código penal ” e a realidade é que já está na Constituição.

Quanto à questão do veto de gaveta do Presidente. Em primeiro lugar, não há memória de vetos de gaveta do Presidente depois de 82. Ou seja, é um problema teórico. Mas eu noto um parti pris generalizado da vossa parte contra o Presidente da República. Noto a ideia de que o Presidente da República não deve fazer nada. Fica-se com a sensação de que são monárquicos. Queriam que houvesse uma família real.

Estão muito preocupados com a instabilidade que o Presidente pode criar. Mas notem que o Presidente é eleito por sufrágio directo e universal.

Temos duas hipóteses: ou elegemos o Chefe de Estado directamente ou fazemo-lo indirectamente. Se não queremos ir para uma monarquia, claro. Se o elegemos directamente, temos de lhe dar competências. Não pode haver um órgão com legitimidade soberba que depois não tem poder nenhum. Isso é que vai criar instabilidade. Tem de haver correspondência entre o grau de legitimação e grau de poderes.

E esta coisa de passar obrigatoriamente pelo TC também me parece pior a emenda que o soneto. O Grupo Laranja tentou ultrapassar o problema do " veto de gaveta ”. Penso que a melhor solução seria substituí-lo pelo Presidente da Assembleia da República. A vossa solução era óptima. Em vez de fazer pedidos de fiscalização da Constitucionalidade, não assinaria e o diploma ia directamente para o TC sem ele fazer nada. Ele nem tinha de fazer um arrazoado a justificar as razões do envio para o TC. Bastava não assinar.

Vamos ao Grupo Castanho. Vocês têm uma narrativa ambiental. Estão muito focados na ideia de que a Constituição tem de proteger o ambiente. Digo-vos o seguinte: a actual Constituição é muito pró-ambiental. Ela contém um conjunto de normas a que eu já chamei, na minha "adolescência académica”, um Estado de Direito Ambiental. É um Estado Pós-Social, em que a sua preocupação é o ambiente e as gerações futuras.

Porque a preocupação com o ambiente é sempre das gerações futuras.

No fundo, o problema das finanças públicas e do ambiente são semelhantes: é o da sustentabilidade. Aliás, os ambientalistas foram inspirar-se nas doutrinas das finanças públicas para construírem o seu pensamento.

Esta teoria das gerações futuras, que hoje também se utiliza no Direito Constitucional, começou nas finanças públicas nos anos 30. Depois veio para os ambientalistas nos anos 70. Entretanto, está nos constitucionalistas nos anos 2000.

Claro que podemos pôr a nossa Constituição mais " verde ”, mas ela já é suficientemente " verde ”. Especialmente se comparada com outras. Ela nasceu em 76 e nas sete revisões foi incorporando os valores ambientais.

Já cá veio certamente o Dr. Moreira da Silva injectar-vos com princípios ambientais mas eu estou seguro que parte da crise social e económica deriva de nós termos exigências ambientais que outros não têm. E ainda liberalizámos o comércio: pode comprar-se tudo o que polui, desde que venha de fora. Mas isso é outra discussão.

Há depois aqui uma discussão sobre o arrendamento que me parece demasiado localizada. Vários grupos têm isso. Nós temos de aliviar a Constituição: isto não é um programa de Governo.

Na Constituição devem estar apenas os valores fundamentais. Não temos de tratar do arrendamento na Constituição. É interessante a forma como abordam o problema mas eu acho que o indicado é acabarmos com essas referências na CRP.

Vamos ao Grupo Verde.

O Grupo Verde é o único grupo que trata a questão das regiões autónomas. Atrevia-me a dizer que o Grupo Verde é um jardim.

[RISOS E APLAUSOS]

Há, no entanto, um aspecto em que acho que está mal. É na eleição do Representante da República. As regiões autónomas podem querer constituir-se como Estados independentes, parece-me perfeitamente legítimo, mas não podemos criar uma espécie de Presidente da República " dos pequeninos ”.

Podem querer ser independentes. É a questão da auto-determinação. Far-se-á um referendo e logo se verá se ficam ou não ficam. E aí organizar-se-ão como quiserem. Agora a vossa proposta não acontece nem nos Estados federados.

O Grupo Verde traz aqui uma coisa muito interessante, que é o Recurso de Amparo. Há aqui dedo de jurista, claro. O Recurso de Amparo é o recurso directo para o Tribunal Constitucional. Um recurso para defesa dos direitos fundamentais.

Tal como temos o nosso sistema, talvez não seja necessário isto. É possível chegar a estes resultados por outras vias. Podia ser interessante para outra coisa: para ofensas aos direitos fundamentais feitas dentro dos tribunais. Também acontece.

Esta parece-me uma proposta de ponderar. É arrojada e interessante.

Finalmente, têm aqui uma coisa incompreensível: a proposta de fazem para demissão do Governo pelo Presidente da República. É o que eu digo: nesta assembleia, os grupos estão contra o Presidente da República. E defendem muito a estabilidade. Notem que a estabilidade não vale nada! Se um Governo for mau, quanto menos estável ele for melhor! Mais depressa acaba.

Esta ideia de que a estabilidade é boa em si é um disparate rematado!

Estas ideias são típicas de partidos de governo mas que não estão a pensar que daqui a quatro anos estão na oposição. Nessa altura vão querer um presidente que faça "coisas”. E não um presidente que esteja quieto e calado.

Quando olhamos para a Constituição temos de nos abstrair de quem ocupa os lugares a cada momento. Há uma coisa que o John Locke escreveu: " os reinados dos bons príncipes foram sempre muito perigosos para a liberdade dos seus povos ”. Isto quer dizer que quando um Rei é bom, ninguém se quer proteger do Rei. Toda a gente aceita. Porque ele era bom! Governava bem, era prudente, inteligente, rodeava-se de bons conselheiros, fazia as coisas bem.

Ou seja, ninguém criava garantias contra o abuso de poder porque ele não abusava do poder. Claro que depois, morria esse Rei e vinha outro que já não era tão sabedor, tão eficaz, prudente e inteligente e começava a abusar do poder.

Ou seja, a liberdade dos povos começava a recuar.

As Constituições têm de ser redigidas a pensar nos maus governantes. Para estarmos protegidos contra eles. Têm de pensar sempre no pior cenário. Têm de prever garantias e soluções.

Se olharem para a cláusula que lá está, " o regular funcionamento das instituições democráticas ”, ela nunca foi usada. Até hoje, depois de 82, nenhum Presidente demitiu o Governo. Nem o Dr. Santana Lopes. O Parlamento é que foi dissolvido.

Porquê? Porque não estava em causa o regular funcionamento das instituições democráticas! Porque ninguém sabe o que é o regular funcionamento das instituições democráticas! Ninguém sabe bem, por isso nenhum Presidente arrisca.

No caso da vossa proposta, ou proíbem de todo o Presidente de demitir o Governo ou colocam uma cláusula destas na questão da demissão do Parlamento. Porque a dissolução da Assembleia é livre. Se o Presidente acordar mal-disposto e pensar: " vou dissolver a Assembleia! ” Ele pode fazê-lo!

E nem tem de fundamentar! Tem de ouvir o Conselho de Estado e os Partidos. Pode dizer-lhes apenas que está com azia!

[RISOS]

Se vocês queriam a perenidade do Governo, o melhor mecanismo era limitar o poder de dissolução da Assembleia. E não mexer no mecanismo de demissão do Governo. É que esse é tão restrito que nunca foi usado.

É uma válvula de escape do sistema.

Vamos ao Grupo Cinzento. Tem aqui uma coisa híper-super-polémica, que é o direito à greve. Mas já lá iremos.

Uma das frases que vocês, e todos os outros, fizeram foi citar a frase " cada geração tem direito a rever a Constituição ”. Ainda se fosse " à sua própria Constituição ” era menos grave.

Mas vamos lá ver se isso é assim ou não! Essa é uma discussão mais filosófica, mais séria, mais difícil. Vejam: a Constituição Americana foi escrita em 1787 e está lá! De lá para cá deve ter havido mais que uma geração. Claro que teve emendas mas 29 pequenas emendas ao longo de 230 anos não é nada de extraordinário.

A Constituição Inglesa nem escrita é! Não se pode rever uma coisa que nem escrita está... em bom rigor, ela está sempre em revisão, de cada vez que se muda uma coisa.

Só para dizer que essa ideia de cada geração não é bem assim. Sobre isso, falaremos mais à frente.

Pegando agora no que vocês propõem acerca da greve. Eu penso que vocês estão muito marcados pela actualidade. Meus amigos: quando vocês estão a pensar na Constituição, não podem estar a pensar na actualidade. Este é um pouco o problema desse raciocínio da geração. A Constituição deve ser pensada para uma vigência larguíssima! Para muito tempo. Deve abranger todas as pessoas e diferentes tempos. Por isso deve ser pensada nessa lógica de sustentabilidade.

Ela tem de ter uma cerca durabilidade. Claro que estamos todos muito incomodados porque houve uma greve dos controladores aéreos. Ou dos estivadores. Ou dos médicos. Realmente, paralisa o país e ficamos todos muito preocupados. Mas o direito à greve é uma liberdade fundamental, sem a qual um sistema democrático verdadeiramente não funciona.

Tem custos? Tem! Mas temos de viver com esses custos. Porque a democracia tem custos. Eu não mexeria muito neste artigo da CRP. Podemos estipular na lei matérias como os serviços mínimos, etc, mas na lei.

E é preciso ver que no limite, isto não funciona. É que se as pessoas quiserem fazer greve, fazem mesmo!

As pessoas têm uma fé mítica na Constituição. Julgam que por pormos uma coisa na Constituição, ela passa a acontecer. E não!

Quanto à " regra de ouro ”, o limite ao défice de que tantos falam. Aqui, todos querem a regra de ouro. Mas já lá vamos.

Grupo Bege. Quero dizer-vos uma coisa que vale para vários! O Grupo Bege veio aqui dizer que esta é a proposta do Governo para a revisão constitucional vários o disseram mas, de acordo com a Constituição, o Governo não tem iniciativa de revisão. Só os deputados. Houve um grupo que propôs que os cidadãos também passassem a ter. E até teve o cuidado de dizer que era essa a proposta do seu " grupo parlamentar ”.

E é natural, porque a Constituição não é para ser feita por Governo. É para ser feita pelo Povo, portanto pelos seus representantes. Nós temos sempre desconfiança do Executivo. Esse é sempre o mais perigoso dos poderes. Contra o qual nos temos de proteger. O Legislativo também tem os seus males, mas o mais perigoso é o Executivo.

Mas o Grupo Bege, tal como outros, falou em Educação e Saúde. Nisso, aqui todos leram a mesma cartilha. Uns querem a privatização total, outros querem co-pagamentos em função dos rendimentos.

Eu concordo com a ideia de deixar cair o " tendencialmente gratuita ”. Podemos encontrar outras formulações interessantes que apontem para isso.

Pessoalmente, sou muito favorável ao Serviço Nacional de Saúde. Tenho as maiores desconfianças da privatização da saúde. Em todo o caso, a Constituição deve permitir haver os dois modelos. Depois, cada maioria decidirá qual o modelo que deve estar em vigor. Sendo que deve estar em vigor alguns anos, não pode ser apenas para quatro anos.

Eu diria o seguinte: a Constituição não deve ser um entrave a modelos diferentes. Alguns grupos, e bem, realçaram o problema da sustentabilidade como porta aberta para os dois modelos. O texto deve ser flexível precisamente por causa disso.

O Constituição não tem de impor uma política liberal. Não pode é fazer com que uma política liberal seja inconstitucional, porque cada Governo tem de ter a liberdade de escolher o seu modelo.

Eu não devo pôr o programa do meu partido na Constituição: tenho é de fazer uma Constituição que permita aos diversos partidos aplicar com ela o respectivo programa.

Por isso, essa vossa tendência é de admitir e aceitar.

Já não estou em sintonia com aqueles que defendem a regra de ouro , o limite à dívida e ao endividamento. Porque as Constituições não são folhas excell. Senão também temos de lhe colocar uma taxa de desemprego.

Uma Constituição não pode querer parar o vento com as mãos!

Não podemos determinar o défice em função da Constituição. Eu sei que o PSD e o Primeiro-Ministro em particular tem uma grande afeição por isto mas isso é uma coisa constitucionalmente patética. Não é função da Constituição fixar variáveis macroeconómicas. Pode ter um princípio, o princípio da sustentabilidade das finanças públicas, como princípio-guia.

Mas dizer que é 3% ou 60%, quando basta mudar o PIB para que isso mude completamente... E se ultrapassar o que é que acontece? A realidade torna-se inconstitucional? Ficamos 40 anos numa realidade inconstitucional?

Claro que há uma razão para alguns defenderem isso. Se aceitarmos a tese do Prof. Marcelo Neves, isto terá uma função simbólica. Como a " sociedade sem classes ”, " o socialismo ” que está no preâmbulo da Constituição, a que um dia havemos de chegar. Mas acham que o projecto colectivo nacional é chegar aos 60% de dívida, como alguns disseram aqui? Acho que não!

É evidente que eu estou aqui a caricaturar o meu ponto de vista. Para que percebam que o debate dos argumentos constitucional é também ele retórico. É dialéctico. Quais seriam os bons argumentos para defender a regra de ouro na Constituição, argumento esse que infelizmente o PSD nunca apresenta?

Há três.

Primeiro, há países que já têm. A Alemanha e a Hungria. Na Alemanha são bons juristas, são cuidados, não devem estar com certeza loucos. É um ponto.

Segundo ponto, mais importante que este. Nós defendemos uma certa tendência social do Estado. Protecção Social. Para isso é preciso ter finanças públicas sãs. Foi esse o argumento do Prof. Paulo Mota Pinto, que infelizmente foi pouco ouvido.

Por isso, uma Constituição que defende o direito à saúde, educação, segurança social, tem de ter como contrapartida finanças públicas saudáveis.

Outro aspecto interesse, aduzido pelo Primeiro-Ministro mas apenas em privado, e já muito recentemente. É um bom argumento para defender a regra de ouro . É por isso que eu digo que no direito não há uma posição certa e uma posição errada. Há argumentos bem ou mal fundamentados.

Diz o Dr. Passos Coelho: esta questão do Tribunal Constitucional chumbar algumas medidas por serem contrárias à Constituição, se lá estivesse a regra de ouro , o TC tinha uma directiva para não a chumbar. Seria uma forma de contrabalançar.

Eu não acredito que o TC mudasse a sua doutrina por causa disso mas acho que é um bom argumento.

Mas aquilo que eu queria que vocês percebessem é que a estrutura do debate constitucional é uma estrutura política. Por isso há argumentos para um lado e para o outro. Para mim não faz sentido ter variáveis macroeconómicas na Constituição. É o mesmo que dizer que todos têm direito a uma casa com piscina. Mas a pessoas não têm casa com piscina. Não vai acontecer por lá estar. Não há um efeito mítico-mágico da Constituição. Isso é uma ilusão.

A Constituição é um conjunto de valores que nos guião e os direitos fundamentais que temos de afirmar! Ponto final.

Quanto ao Grupo Rosa, achei interessante a questão do artigo 7º. Pareceu-me pertinente a discussão que nos propuseram.

Hoje, o Estado, o Território, a Soberania, não são o que eram. A Constituição tem de perceber que estamos hoje muito mais dependentes internacionalmente. Ela tem de ter normas para articular isso.

E em parte já tem. Tem, por exemplo, a recepção da UE. A Constituição refere-se a entidades que estão fora de si. A Convenção Europeia dos Direitos do Homem. A Convenção Universal dos Direitos do Homem. Etc.

Os colegas do Grupo Rosa perceberam uma coisa. Nós já não estamos nos limites do Estado tradicional. Estamos em sociedades muito mais avançadas que estas. Nessa medida, acho que perceberam – e bem – que é preciso fazer qualquer coisa. Não é aquilo que eles fizeram, mas o princípio é esse. Foi o único grupo que focou isso.

Vocês falaram também das pensões. É curioso que eu, que defendo fortemente o Serviço Nacional de Saúde, já no tocante à Segurança Social sou defensor da convergência das pensões. Tem de haver algumas limitações mas é uma posição.

Não acho que deva estar na Constituição, é uma matéria de política. A Constituição tem é de garantir que as pessoas que fiquem inválidas, caiam no desemprego ou se aposentem devem ter uma prestação social.

Quanto ao crime do enriquecimento ilícito. Meus caros, eu sou o maior defensor da criminalização do enriquecimento ilícito. Até da sua constitucionalidade, mas não vamos começar a fazer da Constituição um Código Penal. Crime de enriquecimento ilícito é pô-lo nas leis penais. Certo? Senão a Constituição é um albergue espanhol!

Vamos ao Grupo Vermelho (eu não sei o que é o Grupo Encarnado...).

[APLAUSOS]

O Grupo Vermelho, tal como o anterior, coloca a questão dos círculos uninominais e número de deputados. Quanto ao número de deputados, a CRP já diz que pode ser entre 180 e 230. Portanto, não é preciso mudar a Constituição para serem só 180.

Claro que se pudermos a CRP para serem só 180, têm mesmo de ser só 180.

Agora a minha questão é a seguinte – e o jornalista colocou-a bem: a democraticidade. Temos de perceber que é preciso a representação dos partidos mais pequenos. Isso também se aplica aos círculos uninominais. Há aqui gente a defender que todos os círculos deviam ser uninominais. Isso é impossível. Se assim for, o nosso sistema não representa proporcionalmente. Fica só o PSD e PS. Seria muito mais fácil atingir maiorias absolutas mas não haveria respeito pelo princípio da proporcionalidade e o da democraticidade. Isso seria contrário às tais normas imutáveis de que o Grupo Vermelho tanto gosta de falar.

Pode sim haver um círculo nacional de compensação.

Há aqui um aspecto muito interessante que o Grupo Vermelho trouxe. Chamou a atenção sobre a confusão do modelo territorial. Distritos, Regiões Administrativas... No caso das autarquias locais é particularmente claro. Sobre estes últimos, eu não deixaria na Constituição os modelos de eleição.

Já agora, sou totalmente contra a ideia que vocês apresentam, em linha com o PSD, que diz que os Executivos devem partir das Assembleias Municipais. Acho que o modelo de vereadores de oposição é muito adequado, para fiscalizarem o Executivo.

Isso obrigaria a mini-parlamentos em todo o lado, a moções de censura, quedas, etc. Um caos total. Para estruturas mais pequenas, o melhor são modelos simples. O facto de termos vereadores de oposição permitem que controlem o que se vai passando.

A Assembleia Municipal ia controlar como? Reunindo de 15 em 15 dias? Não é fazível. Não tem instrumentos de acompanhamento. Deixaria os executivos para fazerem tudo o que se lembrassem.

Na matéria territorial, a questão é regional. A divisão do território em distritos ou regiões, a sua organização. Vocês foram atrás das NUTS - ou NUTS [com pronúncia inglesa]

[RISOS]

Penso que vocês aqui viram muito bem, penso que é preciso uma clarificação.

Relativamente à questão da simplificação ou clarificação da Constituição. Vejamos, todos os cidadãos devem estar dentro da Constituição mas não podemos fazer de cada cidadão um constitucionalista. Temos de fazer de cada cidadão um constituinte, que é uma coisa diferente. Uma pessoa que contribuiu para a vontade colectiva, o grande consenso sobre as regras do jogo.

Nisto, todos têm uma palavra a dizer. O enfermeiro, o operário, o geógrafo, o engenheiro, etc. Todos.

Porém, o texto tem de ter algum rigor técnico, senão é o caos. Também há regras para fazer Constituições.

Pode ser simplificada, mas não pode ser de qualquer maneira.

Passando para o Grupo Amarelo.

Na questão da regra de ouro , o Grupo Amarelo diz uma coisa interessante. Diz que ao menos seja dívida interna e não externa. De facto, é melhor interna que externa mas uma dívida interna muito alta também não resolve problema nenhum. Vejam a Itália e o Japão, com as suas dívidas internas pesadíssimas. E têm pouca dívida externa.

Não é indiferente ser interna ou externa mas notem que a interna leva à estagnação dos países. Vejam a Itália e o Japão.

Acho uma certa graça à vossa questão das inelegibilidades. Quem cometeu um crime não pode ser eleito. Vamos cá ver: é preciso olhar para isso com muito cuidado. Primeiro, há crimes e crimes.

Vocês falam em pena de prisão superior a três anos. E eu pergunto: uma pessoa comete um crime e fica presa cinco anos. Daí a trinta anos não pode ser candidata? Fica interdito para todo o sempre? Não pode haver pena perpétuas!

Cuidado com os populismos. Estas regras devem ter um período de validade. As interdições de direitos devem ser temporárias.

Vejam a questão polémica da limitação de mandatos dos autarcas: só vale por quatro anos! Não é para todo o sempre!

Não se priva alguém dos seus direitos políticos para sempre. Seria uma pena perpétua.

Estas são preocupações que os juristas têm e que, por vezes, as pessoas lá em casa não percebem. Dizem lá em casa: " se é criminoso não tem nada que ser político! Nunca mais! ” Estas coisas não são assim. É preciso olhar para os direitos, liberdades e garantias.

E está aqui uma proposta muito interessante, sem dúvida, do Grupo Azul. Grupos de independentes como candidatos às legislativas: acho bem! Uma boa ideia que pode trazer aspectos positivos.

Participação popular na revisão constitucional? Tenho dúvidas! Referendo para aprovar a revisão constitucional? Já estou mais a favor. Eu deixaria cair a iniciativa mas deixava o referendo. É que a iniciativa pode ter um problema: ou pomos regras muito apertadas e nunca temos iniciativa (um milhão de assinaturas) ou temos, daqui a pouco, grupos de terroristas jurídicos que lançam iniciativas a toda a hora e não temos outra vida.

Deixar a iniciativa para os deputados e obrigar a referendo parece-me uma coisa muito interessante e uma forma de aumentar a participação popular.

O jornalista que entrevistou o Grupo Azul disse uma coisa que me chocou muito. Um argumento interessante mas perigoso: " nem todos estão preparados!

Isso vale para tudo. Por esse argumento, algumas pessoas não deveriam votar. Aliás, no século XIX, quem não tinha certo rendimento ou era iletrado, não votava. Era o sufrágio censitário e capacitário. Justamente porque não entendia que não estavam preparadas para votar.

Só as outras votavam porque tinham discernimento.

O próprio Kant, o homem da dignidade humana, escrevia que os trabalhadores não devem votar porque não estão em situação suficiente de discernimento. Porque estão dependentes do patrão! Não conseguem, dizia o filósofo, pensar bem os interesses da nação.

Um homem como Kant...

Isto acontece-nos a todos! Por maior que seja a nossa alma, estamos sempre fechados num corpo. Estamos, portanto, na nossa circunstância.

Vejam que São Paulo escreveu aquela coisa magnífica: " não há judeu nem grego, escravo nem livre, não há homem nem mulher ”. Ele escreveu esta coisa magnífica do cristianismo, que é uma carta dos direitos fundamentais. " Não há judeu nem grego, escravo nem livre, não há homem nem mulher ”, mas não disse: " acabem com a escravatura ”, " tornem as mulheres iguais aos homens ”. Não o disse!

Porquê? Porque quando escreveu aquilo, não tinha plena consciência do impacto das suas palavras. Era um homem do seu tempo. Para eles, as mulheres eram seres que tinham de prestar uma certa obediência e os escravos existiam naturalmente. Ele estava muito preso à sua circunstância

É o problema das Constituições: por vezes, estamos muito presos à nossa circunstância. Quando queremos limitar o direito à greve é porque tivemos greves de que não gostámos. Quando achamos que o Presidente não devia ter este poder é porque o usou contra o nosso gosto. Mas esquecemos de daqui a uns anos, estão outros no governo e na presidência!

A Constituição deve ser preparada para o futuro!

Quero dizer-vos o seguinte, que é um lema meu. As pessoas podem não ter grande cultura, mas não são tolas.

As pessoas não terem um doutoramento em Direito Constitucional não significa que não saibam o que é fundamental para elas. Eu não saber ler nem escrever não significa que não saiba o que é fundamental para a minha vida, para a minha família. Atenção a isso.

É claro que as pessoas não estão preparadas para questões técnicas como as PPP, mas para as decisões-chave, elas estão preparadas.

O Grupo Roxo veio aqui com o fim das organizações de moradores, a questão ambiental, fala muito na liberdade, latifúndios, etc.

Quero dizer uma coisa que é particular e termino com umas notas mais gerais.

Vocês lembram-se que começamos esta troca de impressões, que é mais um débito de impressões, com o tema da PIDE/DGS. Os Laranjas falam disso e os Roxos vêm com o artigo 46º, n. 4 que aborda a proibição de organizações de ideologia fascista.

Há aqui uma confusão feito pelo Grupo Roxo. São proíbidas organizações de ideologia fascista, mas não é proíbida a liberdade de expressão de ideias fascistas. Qualquer pessoa se pode reclamar fascista. Não pode é constituir um partido, movimento ou organização de ideologia fascista!

Mais uma vez aqui é a História a marcar! Portugal teve um regime, que por acaso nem era fascista, mas essa era uma discussão longa entre o Dr. Rui Ramos e Irene Pimentel. Era um autoritarismo de pendor personalista. Um nacional-catolicismo, enfim.

Aquilo que há a dizer sobre isto é que devem ter cuidado com as palavras. Por exemplo: discriminação em razão do sexo. Segundo esse vosso amigo, não pode haver um clube só para homens. Nem um só para mulheres. Um clube de futebol em que só joguem homens não pode existir. Porque discrimina em função do sexo.

Cuidado com as palavras.

Claro que ninguém entende isto assim, mas cuidado. Com um texto destes, fica a dúvida se posso ou não ter um campeonato só de homens. Só estou a dizer para termos algum cuidado.

Despeço-me com a questão da geração: " cada geração pode ter a sua Constituição ”. Meus caros amigos, eu estou totalmente de acordo com isso. Ou seja, com a ideia de nós sermos donos do nosso destino em cada tempo. Certo? O nosso destino pode ser acolher a Constituição que existe, alterá-la ou até substituí-la por outra.

Portanto, quando o Prof. Gomes Canotilho diz que todas têm o direito a rever a Constituição, ele está enganado! Todas têm o direito de ter a sua própria Constituição!!! Podem fazer uma nova que nada tenha que ver com a anterior. Esta é que é a questão.

Aliás, é muito mais fácil fazer uma nova Constituição que rever uma que já existe. Porque a nova não obedece a regras nenhumas. Não há regras de revisão quando se constrói a partir do nada.

Até podemos mudar o regime. Se os militares de Abril o puderam fazer, por que razão não o podemos nós? Podemos passar para um regime parlamentar ou presidencial. Ou para a monarquia. Todas as gerações têm este direito. Mas há uma coisa que vos quero dizer: o objectivo das Constituições é serem capazes de um alcance intergeracional. Ou seja, devemos criar Constituições com alguma durabilidade. Estabilidade.

Eu tenho de sair do contexto da minha geração e pensar também nas outras gerações. Não é bom rever a Constituição todos os dias. Eu tenho é de criar uma Constituição flexível e aberta, à imagem daquela que tem os EUA, ou Inglaterra, que permita durar muito tempo.

Não é fazer como a França que teve 16 Constituições no mesmo período em que os EUA tiveram uma.

Perpassou em quase todas as vossas intervenções uma espécie de grito de alma. O grito de uma geração extraordinária que se sente prejudicada pelas gerações anteriores. Os meus amigos são vítimas. O discurso constitucional que constroem é o da vitimização.

" Nós, jovens, geração que tem o direito de rever a constituição (ou até – diz o Paulo Rangel – a fazer uma) temos pais e avós que gastaram à tripa-forra, e agora estamos aqui apertados por causa deles. E isto é a violação da solidariedade intergeracional ”.

Eu só queria dizer-vos uma coisa: a solidariedade intergeracional não é só para a frente. Também é para trás!

[APLAUSOS]

O que acontece é que, há 40 anos, vivia-se muito pior em Portugal do que se vive hoje. E esses pais e esses avós tiveram vidas muito mais difíceis do que a grande maioria de vós. Eles já fizeram muitos sacrifícios.

Se nós tivermos de fazer alguns sacrifícios para eles terem um fim de vida melhor, não me parece que seja injusto.

Era isto que eu queria dizer.

[APLAUSOS]