Em primeiro lugar, muito boa tarde a todos. Quero agradecer o convite que me foi feito pelo deputado Carlos Coelho, com quem trabalho semanalmente, no Parlamento Europeu, para mais uma vez vir aqui à UV.
Queria dizer-vos que, não posso deixar de o fazer, é evidente que não há uma escola de formação política com a qualidade e com a densidade que tem a Universidade de Verão do PSD que é aqui feita anualmente.
[APLAUSOS]
Devem sentir-se privilegiados por terem esta oportunidade de formação política. Penso que a UV já deu bastantes resultados. Já tive a oportunidade de o dizer quando houve um "sururu” sobre os deputados da JSD e que eu acho que são hoje de uma qualidade extraordinária. Muitos deles têm uma ligação a esta escola, passaram por aqui ou se relacionaram muito directamente com esta instituição.
Um dos problemas em Portugal é a formação dos políticos. Ninguém pense que por conseguir ganhar uma secção ou uma concelhia da JSD que já tem a sua carreira política firmada! Não tem. O país precisa que os políticos se preparem, que não improvisem. É este trabalho que o PSD e em particular o Carlos Coelho, mais que qualquer outro militante do PSD, tem feito ao longo de anos seguidos. E com grandes resultados.
[APLAUSOS]
Vou agora passar por todas as intervenções, apenas pelo conteúdo e não pela forma. Se fosse pela forma seria, provavelmente, devastador...
[RISOS]
E depois vou deixar aqui duas ou três ideias. Acreditem que não é fácil falar deste assunto porque ele próprio já requere algum conhecimento prévio. Por isso foi uma grande ideia a do briefing, que foi realizado pelo Tiago Duarte, depois com o trabalho e agora com este comentário. Isto é para aqueles que não tinham qualquer conhecimento constitucional ficarem a ganhar noções básicas.
Começo por dizer, e admito que alguns me levem a mal, mas que é notório quer nas intervenções quer nos papers escritos: há um mau domínio do Português.
Estão todos tão preocupados com o défice, com a dívida e a autonomia de Portugal mas eu digo-vos uma coisa: muito mais importante que qualquer dívida para a identidade portuguesa e para a autonomia de Portugal é um bom domínio da língua portuguesa. É que é muito mais importante.
O Dr. Passos Coelho fará muito mais pelo país se conseguir que as gerações novas escrevam e falem Português bem, do que se acabar com o défice. Muito acharão polémico isto que eu disse, mas é verdade.
Quando vêm aqui pessoas dizer que "isto vai de encontro àquilo”... nada vai de encontro a nada. Vai-se "ao encontro de”.
Queria chamar-vos a atenção para isto. Como é que isso se resolve? "Como é que eu resolvo isto? Tenho estes problemas estruturais de linguagem, como resolvo?”
É simples? É um conselho constitucional: leiam Eça de Queiroz e Camilo todos os dias.
[RISOS]
É a única forma de resolver este problema. Há uma coisa que vos garanto a todos: se todos os dias lerem 10 páginas do Eça, que apesar de tudo é mais fácil que o Camilo, ao fim de um mês têm resultados na escrita do Português e na capacidade oral.
E ao fim de dois meses mais resultados e ao fim de três mais resultados. Claro que só lerem um dia ou lerem de uma assentada não tem resultado nenhum, mas isso é o mesmo que ir ao ginásio e fazer 50 flexões num dia. Se não se faz mais, não se tem resultados. Se se fizerem 10, 15, 20 todos os dias, ao fim se um mês há resultados, etc.
Estou a dizer isto porque, reparem, um político se não for capaz de dominar a linguagem - que é o seu instrumento de trabalho – de modo eficiente, com as regras principais, está a introduzir factores de distração. Quando os outros nos estão a ouvir, focam-se nos erros que demos, não naquilo que dizemos.
Se estão realmente muito interessados na autonomia e da identidade portuguesa, e parece que estão, a primeira coisa que é fundamental é fazerem esta terapia linguística.
É fundamental. Não podemos ter aqui, como tivemos, "cidadões”. Não há "cidadões”. Há limões
[RISOS]
Limão, limões. Cidadão, cidadãos. Pão, pães. As palavras terminadas em "ão” fazem o plural em "ãos”, "ões” ou "ães”.
Isto é constitucional! Muitos acham que não é mas é!
Feita esta pedagogia, que eu faria a qualquer aluno meu. Se eu tiver um aluno que escreva mal, ele não pode passar. Por mais que ele saiba. Um aluno do primeiro ano da faculdade que não sabe escrever em Português não está habilitado a fazer nenhuma cadeira. Certo? Logo, reprova.
Pode saber o que é o esternoclidomastoideo
[RISOS]
mas não sabe escrever em Português, reprova.
Tem de voltar para a primeira classe. Depois, quando souber escrever, volta.
Vamos então ao Grupo Laranja, que trouxe aqui uma coisa que muitos trouxeram. A eliminação das associações de moradores, dos distritos, os latifúndios, enfim, de uma série de normas a que podemos chamar obsoletas. Normas que corresponderam a preocupações transitórias. Daquele tempo.
Muito bem, é uma perspectiva aceitável, eliminar essas normas.
O grande problema da Constituição Portuguesa é o excesso de regulação. É preciso aliviá-la, e começamos por aquilo que já não tem sentido. Há coisas que fazem sentido, mas não na Constituição. Nas leis sim.
Um das coisas sensíveis, que alguns trouxeram, é a questão da incriminação das pessoas que participaram da PIDE/DGS. Em primeiro lugar, não é totalmente certo que isso esteja completamente averiguado. Segundo ponto, não é totalmente certo que certas normas – mesmo que não tenham qualquer função – não se devam manter, por uma questão simbólica.
Por isso, muitos constitucionalistas, nomeadamente aquele que é considerado o maior da actualidade, Marcelo Neves – um brasileiro que escreve basicamente em alemão e português, tendo uma ampla repercussão mundial, fala muito na função simbólica da constituição.
Por exemplo, na Inglaterra, faz parte da Constituição a Magna Carta de 1215. Alguém acha que a Magna Carta, escrita em 1215, imposta ao Rei João – irmão de Ricardo "Coração de Leão”, o tal do Robin dos Bosques, que não sabia ler nem escrever e que assinou de cruz, faz integralmente sentido hoje?
A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, está na Constituição Francesa. Tal e qual! Há lá coisas que já não fazem sentido hoje. Mas este património de direitos não pode sair.
Por vezes há circunstâncias históricas que justificam isso.
Aqui, a grande questão que se põe sobre a PIDE/DGS é que estas pessoas foram consideradas criminosas por actos que, na altura em que foram praticados não eram crimes. Não sei se me estou a fazer entender. Pertencer à PIDE/DGS em 1970 não era crime. Há aqui uma incriminação retroactiva. Claro que se essas pessoas mataram alguém, isso já era crime na altura e podiam ser condenadas por crimes comuns. Agora, a pertença a uma polícia secreta não era crime.
Aqui a questão é saber se esta norma da CRP é justa ou não.
Em alguns casos, esta é uma questão irresolúvel porque todos os oficiais nazis executados por sentença do Tribunal de Nuremberga foram punidos por crimes cometidos ao obrigo de ordens. Se não tivessem cumprido essas ordens, os mortos seriam eles. Foi aquilo a que se pode chamar um "bom negócio”, porque puderam retardar a sua morte por 3 ou 4 anos.
[RISOS]
Portanto, cuidado com esta questão, que é mais polémica. Não estou a dizer que não devesse sair da CRP, mas é uma questão mais difícil.
Outra questão muito importante aqui é a do voto obrigatório. Há poucos países com voto obrigatório, a Bélgica é um deles. Sinceramente, não sou muito favorável ao voto obrigatório. Acho que as pessoas devem ter ampla liberdade no voto.
Mas só vou falar nisso por uma questão de formulação mas vocês verem, amigos do Grupo Laranja, que no Direito a formulação é muito importante.
Dizem que os cidadãos têm a " obrigatoriedade de exercer o dever cívico de votar ”. Se utilizam a expressão " dever cívico ” é porque ele não é obrigatório. Aliás, nós dizemos que o voto é " um direito e um dever cívico ”. Porque não é obrigatório.
Já o recenseamento é um dever jurídico, porque é obrigatório.
O voto pode ser obrigatório, mas acho que seria contra a nossa tradição.
Quanto à " responsabilidade dos titulares de cargos políticos ”, digo-vos que não é preciso criar uma norma. Já lá está, no artigo 117º. Está lá que os titulares de cargos políticos podem ser responsáveis criminalmente.
Por isso, o jornalista que fez a questão também estava errado. Porque o jornalista dizia: " isto já está no código penal ” e a realidade é que já está na Constituição.
Quanto à questão do veto de gaveta do Presidente. Em primeiro lugar, não há memória de vetos de gaveta do Presidente depois de 82. Ou seja, é um problema teórico. Mas eu noto um parti pris generalizado da vossa parte contra o Presidente da República. Noto a ideia de que o Presidente da República não deve fazer nada. Fica-se com a sensação de que são monárquicos. Queriam que houvesse uma família real.
Estão muito preocupados com a instabilidade que o Presidente pode criar. Mas notem que o Presidente é eleito por sufrágio directo e universal.
Temos duas hipóteses: ou elegemos o Chefe de Estado directamente ou fazemo-lo indirectamente. Se não queremos ir para uma monarquia, claro. Se o elegemos directamente, temos de lhe dar competências. Não pode haver um órgão com legitimidade soberba que depois não tem poder nenhum. Isso é que vai criar instabilidade. Tem de haver correspondência entre o grau de legitimação e grau de poderes.
E esta coisa de passar obrigatoriamente pelo TC também me parece pior a emenda que o soneto. O Grupo Laranja tentou ultrapassar o problema do " veto de gaveta ”. Penso que a melhor solução seria substituí-lo pelo Presidente da Assembleia da República. A vossa solução era óptima. Em vez de fazer pedidos de fiscalização da Constitucionalidade, não assinaria e o diploma ia directamente para o TC sem ele fazer nada. Ele nem tinha de fazer um arrazoado a justificar as razões do envio para o TC. Bastava não assinar.
Vamos ao Grupo Castanho. Vocês têm uma narrativa ambiental. Estão muito focados na ideia de que a Constituição tem de proteger o ambiente. Digo-vos o seguinte: a actual Constituição é muito pró-ambiental. Ela contém um conjunto de normas a que eu já chamei, na minha "adolescência académica”, um Estado de Direito Ambiental. É um Estado Pós-Social, em que a sua preocupação é o ambiente e as gerações futuras.
Porque a preocupação com o ambiente é sempre das gerações futuras.
No fundo, o problema das finanças públicas e do ambiente são semelhantes: é o da sustentabilidade. Aliás, os ambientalistas foram inspirar-se nas doutrinas das finanças públicas para construírem o seu pensamento.
Esta teoria das gerações futuras, que hoje também se utiliza no Direito Constitucional, começou nas finanças públicas nos anos 30. Depois veio para os ambientalistas nos anos 70. Entretanto, está nos constitucionalistas nos anos 2000.
Claro que podemos pôr a nossa Constituição mais " verde ”, mas ela já é suficientemente " verde ”. Especialmente se comparada com outras. Ela nasceu em 76 e nas sete revisões foi incorporando os valores ambientais.
Já cá veio certamente o Dr. Moreira da Silva injectar-vos com princípios ambientais mas eu estou seguro que parte da crise social e económica deriva de nós termos exigências ambientais que outros não têm. E ainda liberalizámos o comércio: pode comprar-se tudo o que polui, desde que venha de fora. Mas isso é outra discussão.
Há depois aqui uma discussão sobre o arrendamento que me parece demasiado localizada. Vários grupos têm isso. Nós temos de aliviar a Constituição: isto não é um programa de Governo.
Na Constituição devem estar apenas os valores fundamentais. Não temos de tratar do arrendamento na Constituição. É interessante a forma como abordam o problema mas eu acho que o indicado é acabarmos com essas referências na CRP.
Vamos ao Grupo Verde.
O Grupo Verde é o único grupo que trata a questão das regiões autónomas. Atrevia-me a dizer que o Grupo Verde é um jardim.
[RISOS E APLAUSOS]
Há, no entanto, um aspecto em que acho que está mal. É na eleição do Representante da República. As regiões autónomas podem querer constituir-se como Estados independentes, parece-me perfeitamente legítimo, mas não podemos criar uma espécie de Presidente da República " dos pequeninos ”.
Podem querer ser independentes. É a questão da auto-determinação. Far-se-á um referendo e logo se verá se ficam ou não ficam. E aí organizar-se-ão como quiserem. Agora a vossa proposta não acontece nem nos Estados federados.
O Grupo Verde traz aqui uma coisa muito interessante, que é o Recurso de Amparo. Há aqui dedo de jurista, claro. O Recurso de Amparo é o recurso directo para o Tribunal Constitucional. Um recurso para defesa dos direitos fundamentais.
Tal como temos o nosso sistema, talvez não seja necessário isto. É possível chegar a estes resultados por outras vias. Podia ser interessante para outra coisa: para ofensas aos direitos fundamentais feitas dentro dos tribunais. Também acontece.
Esta parece-me uma proposta de ponderar. É arrojada e interessante.
Finalmente, têm aqui uma coisa incompreensível: a proposta de fazem para demissão do Governo pelo Presidente da República. É o que eu digo: nesta assembleia, os grupos estão contra o Presidente da República. E defendem muito a estabilidade. Notem que a estabilidade não vale nada! Se um Governo for mau, quanto menos estável ele for melhor! Mais depressa acaba.
Esta ideia de que a estabilidade é boa em si é um disparate rematado!
Estas ideias são típicas de partidos de governo mas que não estão a pensar que daqui a quatro anos estão na oposição. Nessa altura vão querer um presidente que faça "coisas”. E não um presidente que esteja quieto e calado.
Quando olhamos para a Constituição temos de nos abstrair de quem ocupa os lugares a cada momento. Há uma coisa que o John Locke escreveu: " os reinados dos bons príncipes foram sempre muito perigosos para a liberdade dos seus povos ”. Isto quer dizer que quando um Rei é bom, ninguém se quer proteger do Rei. Toda a gente aceita. Porque ele era bom! Governava bem, era prudente, inteligente, rodeava-se de bons conselheiros, fazia as coisas bem.
Ou seja, ninguém criava garantias contra o abuso de poder porque ele não abusava do poder. Claro que depois, morria esse Rei e vinha outro que já não era tão sabedor, tão eficaz, prudente e inteligente e começava a abusar do poder.
Ou seja, a liberdade dos povos começava a recuar.
As Constituições têm de ser redigidas a pensar nos maus governantes. Para estarmos protegidos contra eles. Têm de pensar sempre no pior cenário. Têm de prever garantias e soluções.
Se olharem para a cláusula que lá está, " o regular funcionamento das instituições democráticas ”, ela nunca foi usada. Até hoje, depois de 82, nenhum Presidente demitiu o Governo. Nem o Dr. Santana Lopes. O Parlamento é que foi dissolvido.
Porquê? Porque não estava em causa o regular funcionamento das instituições democráticas! Porque ninguém sabe o que é o regular funcionamento das instituições democráticas! Ninguém sabe bem, por isso nenhum Presidente arrisca.
No caso da vossa proposta, ou proíbem de todo o Presidente de demitir o Governo ou colocam uma cláusula destas na questão da demissão do Parlamento. Porque a dissolução da Assembleia é livre. Se o Presidente acordar mal-disposto e pensar: " vou dissolver a Assembleia! ” Ele pode fazê-lo!
E nem tem de fundamentar! Tem de ouvir o Conselho de Estado e os Partidos. Pode dizer-lhes apenas que está com azia!
[RISOS]
Se vocês queriam a perenidade do Governo, o melhor mecanismo era limitar o poder de dissolução da Assembleia. E não mexer no mecanismo de demissão do Governo. É que esse é tão restrito que nunca foi usado.
É uma válvula de escape do sistema.
Vamos ao Grupo Cinzento. Tem aqui uma coisa híper-super-polémica, que é o direito à greve. Mas já lá iremos.
Uma das frases que vocês, e todos os outros, fizeram foi citar a frase " cada geração tem direito a rever a Constituição ”. Ainda se fosse " à sua própria Constituição ” era menos grave.
Mas vamos lá ver se isso é assim ou não! Essa é uma discussão mais filosófica, mais séria, mais difícil. Vejam: a Constituição Americana foi escrita em 1787 e está lá! De lá para cá deve ter havido mais que uma geração. Claro que teve emendas mas 29 pequenas emendas ao longo de 230 anos não é nada de extraordinário.
A Constituição Inglesa nem escrita é! Não se pode rever uma coisa que nem escrita está... em bom rigor, ela está sempre em revisão, de cada vez que se muda uma coisa.
Só para dizer que essa ideia de cada geração não é bem assim. Sobre isso, falaremos mais à frente.
Pegando agora no que vocês propõem acerca da greve. Eu penso que vocês estão muito marcados pela actualidade. Meus amigos: quando vocês estão a pensar na Constituição, não podem estar a pensar na actualidade. Este é um pouco o problema desse raciocínio da geração. A Constituição deve ser pensada para uma vigência larguíssima! Para muito tempo. Deve abranger todas as pessoas e diferentes tempos. Por isso deve ser pensada nessa lógica de sustentabilidade.
Ela tem de ter uma cerca durabilidade. Claro que estamos todos muito incomodados porque houve uma greve dos controladores aéreos. Ou dos estivadores. Ou dos médicos. Realmente, paralisa o país e ficamos todos muito preocupados. Mas o direito à greve é uma liberdade fundamental, sem a qual um sistema democrático verdadeiramente não funciona.
Tem custos? Tem! Mas temos de viver com esses custos. Porque a democracia tem custos. Eu não mexeria muito neste artigo da CRP. Podemos estipular na lei matérias como os serviços mínimos, etc, mas na lei.
E é preciso ver que no limite, isto não funciona. É que se as pessoas quiserem fazer greve, fazem mesmo!
As pessoas têm uma fé mítica na Constituição. Julgam que por pormos uma coisa na Constituição, ela passa a acontecer. E não!
Quanto à " regra de ouro ”, o limite ao défice de que tantos falam. Aqui, todos querem a regra de ouro. Mas já lá vamos.
Grupo Bege. Quero dizer-vos uma coisa que vale para vários! O Grupo Bege veio aqui dizer que esta é a proposta do Governo para a revisão constitucional vários o disseram mas, de acordo com a Constituição, o Governo não tem iniciativa de revisão. Só os deputados. Houve um grupo que propôs que os cidadãos também passassem a ter. E até teve o cuidado de dizer que era essa a proposta do seu " grupo parlamentar ”.
E é natural, porque a Constituição não é para ser feita por Governo. É para ser feita pelo Povo, portanto pelos seus representantes. Nós temos sempre desconfiança do Executivo. Esse é sempre o mais perigoso dos poderes. Contra o qual nos temos de proteger. O Legislativo também tem os seus males, mas o mais perigoso é o Executivo.
Mas o Grupo Bege, tal como outros, falou em Educação e Saúde. Nisso, aqui todos leram a mesma cartilha. Uns querem a privatização total, outros querem co-pagamentos em função dos rendimentos.
Eu concordo com a ideia de deixar cair o " tendencialmente gratuita ”. Podemos encontrar outras formulações interessantes que apontem para isso.
Pessoalmente, sou muito favorável ao Serviço Nacional de Saúde. Tenho as maiores desconfianças da privatização da saúde. Em todo o caso, a Constituição deve permitir haver os dois modelos. Depois, cada maioria decidirá qual o modelo que deve estar em vigor. Sendo que deve estar em vigor alguns anos, não pode ser apenas para quatro anos.
Eu diria o seguinte: a Constituição não deve ser um entrave a modelos diferentes. Alguns grupos, e bem, realçaram o problema da sustentabilidade como porta aberta para os dois modelos. O texto deve ser flexível precisamente por causa disso.
O Constituição não tem de impor uma política liberal. Não pode é fazer com que uma política liberal seja inconstitucional, porque cada Governo tem de ter a liberdade de escolher o seu modelo.
Eu não devo pôr o programa do meu partido na Constituição: tenho é de fazer uma Constituição que permita aos diversos partidos aplicar com ela o respectivo programa.
Por isso, essa vossa tendência é de admitir e aceitar.
Já não estou em sintonia com aqueles que defendem a regra de ouro , o limite à dívida e ao endividamento. Porque as Constituições não são folhas excell. Senão também temos de lhe colocar uma taxa de desemprego.
Uma Constituição não pode querer parar o vento com as mãos!
Não podemos determinar o défice em função da Constituição. Eu sei que o PSD e o Primeiro-Ministro em particular tem uma grande afeição por isto mas isso é uma coisa constitucionalmente patética. Não é função da Constituição fixar variáveis macroeconómicas. Pode ter um princípio, o princípio da sustentabilidade das finanças públicas, como princípio-guia.
Mas dizer que é 3% ou 60%, quando basta mudar o PIB para que isso mude completamente... E se ultrapassar o que é que acontece? A realidade torna-se inconstitucional? Ficamos 40 anos numa realidade inconstitucional?
Claro que há uma razão para alguns defenderem isso. Se aceitarmos a tese do Prof. Marcelo Neves, isto terá uma função simbólica. Como a " sociedade sem classes ”, " o socialismo ” que está no preâmbulo da Constituição, a que um dia havemos de chegar. Mas acham que o projecto colectivo nacional é chegar aos 60% de dívida, como alguns disseram aqui? Acho que não!
É evidente que eu estou aqui a caricaturar o meu ponto de vista. Para que percebam que o debate dos argumentos constitucional é também ele retórico. É dialéctico. Quais seriam os bons argumentos para defender a regra de ouro na Constituição, argumento esse que infelizmente o PSD nunca apresenta?
Há três.
Primeiro, há países que já têm. A Alemanha e a Hungria. Na Alemanha são bons juristas, são cuidados, não devem estar com certeza loucos. É um ponto.
Segundo ponto, mais importante que este. Nós defendemos uma certa tendência social do Estado. Protecção Social. Para isso é preciso ter finanças públicas sãs. Foi esse o argumento do Prof. Paulo Mota Pinto, que infelizmente foi pouco ouvido.
Por isso, uma Constituição que defende o direito à saúde, educação, segurança social, tem de ter como contrapartida finanças públicas saudáveis.
Outro aspecto interesse, aduzido pelo Primeiro-Ministro mas apenas em privado, e já muito recentemente. É um bom argumento para defender a regra de ouro . É por isso que eu digo que no direito não há uma posição certa e uma posição errada. Há argumentos bem ou mal fundamentados.
Diz o Dr. Passos Coelho: esta questão do Tribunal Constitucional chumbar algumas medidas por serem contrárias à Constituição, se lá estivesse a regra de ouro , o TC tinha uma directiva para não a chumbar. Seria uma forma de contrabalançar.
Eu não acredito que o TC mudasse a sua doutrina por causa disso mas acho que é um bom argumento.
Mas aquilo que eu queria que vocês percebessem é que a estrutura do debate constitucional é uma estrutura política. Por isso há argumentos para um lado e para o outro. Para mim não faz sentido ter variáveis macroeconómicas na Constituição. É o mesmo que dizer que todos têm direito a uma casa com piscina. Mas a pessoas não têm casa com piscina. Não vai acontecer por lá estar. Não há um efeito mítico-mágico da Constituição. Isso é uma ilusão.
A Constituição é um conjunto de valores que nos guião e os direitos fundamentais que temos de afirmar! Ponto final.
Quanto ao Grupo Rosa, achei interessante a questão do artigo 7º. Pareceu-me pertinente a discussão que nos propuseram.
Hoje, o Estado, o Território, a Soberania, não são o que eram. A Constituição tem de perceber que estamos hoje muito mais dependentes internacionalmente. Ela tem de ter normas para articular isso.
E em parte já tem. Tem, por exemplo, a recepção da UE. A Constituição refere-se a entidades que estão fora de si. A Convenção Europeia dos Direitos do Homem. A Convenção Universal dos Direitos do Homem. Etc.
Os colegas do Grupo Rosa perceberam uma coisa. Nós já não estamos nos limites do Estado tradicional. Estamos em sociedades muito mais avançadas que estas. Nessa medida, acho que perceberam – e bem – que é preciso fazer qualquer coisa. Não é aquilo que eles fizeram, mas o princípio é esse. Foi o único grupo que focou isso.
Vocês falaram também das pensões. É curioso que eu, que defendo fortemente o Serviço Nacional de Saúde, já no tocante à Segurança Social sou defensor da convergência das pensões. Tem de haver algumas limitações mas é uma posição.
Não acho que deva estar na Constituição, é uma matéria de política. A Constituição tem é de garantir que as pessoas que fiquem inválidas, caiam no desemprego ou se aposentem devem ter uma prestação social.
Quanto ao crime do enriquecimento ilícito. Meus caros, eu sou o maior defensor da criminalização do enriquecimento ilícito. Até da sua constitucionalidade, mas não vamos começar a fazer da Constituição um Código Penal. Crime de enriquecimento ilícito é pô-lo nas leis penais. Certo? Senão a Constituição é um albergue espanhol!
Vamos ao Grupo Vermelho (eu não sei o que é o Grupo Encarnado...).
[APLAUSOS]
O Grupo Vermelho, tal como o anterior, coloca a questão dos círculos uninominais e número de deputados. Quanto ao número de deputados, a CRP já diz que pode ser entre 180 e 230. Portanto, não é preciso mudar a Constituição para serem só 180.
Claro que se pudermos a CRP para serem só 180, têm mesmo de ser só 180.
Agora a minha questão é a seguinte – e o jornalista colocou-a bem: a democraticidade. Temos de perceber que é preciso a representação dos partidos mais pequenos. Isso também se aplica aos círculos uninominais. Há aqui gente a defender que todos os círculos deviam ser uninominais. Isso é impossível. Se assim for, o nosso sistema não representa proporcionalmente. Fica só o PSD e PS. Seria muito mais fácil atingir maiorias absolutas mas não haveria respeito pelo princípio da proporcionalidade e o da democraticidade. Isso seria contrário às tais normas imutáveis de que o Grupo Vermelho tanto gosta de falar.
Pode sim haver um círculo nacional de compensação.
Há aqui um aspecto muito interessante que o Grupo Vermelho trouxe. Chamou a atenção sobre a confusão do modelo territorial. Distritos, Regiões Administrativas... No caso das autarquias locais é particularmente claro. Sobre estes últimos, eu não deixaria na Constituição os modelos de eleição.
Já agora, sou totalmente contra a ideia que vocês apresentam, em linha com o PSD, que diz que os Executivos devem partir das Assembleias Municipais. Acho que o modelo de vereadores de oposição é muito adequado, para fiscalizarem o Executivo.
Isso obrigaria a mini-parlamentos em todo o lado, a moções de censura, quedas, etc. Um caos total. Para estruturas mais pequenas, o melhor são modelos simples. O facto de termos vereadores de oposição permitem que controlem o que se vai passando.
A Assembleia Municipal ia controlar como? Reunindo de 15 em 15 dias? Não é fazível. Não tem instrumentos de acompanhamento. Deixaria os executivos para fazerem tudo o que se lembrassem.
Na matéria territorial, a questão é regional. A divisão do território em distritos ou regiões, a sua organização. Vocês foram atrás das NUTS - ou NUTS [com pronúncia inglesa]
[RISOS]
Penso que vocês aqui viram muito bem, penso que é preciso uma clarificação.
Relativamente à questão da simplificação ou clarificação da Constituição. Vejamos, todos os cidadãos devem estar dentro da Constituição mas não podemos fazer de cada cidadão um constitucionalista. Temos de fazer de cada cidadão um constituinte, que é uma coisa diferente. Uma pessoa que contribuiu para a vontade colectiva, o grande consenso sobre as regras do jogo.
Nisto, todos têm uma palavra a dizer. O enfermeiro, o operário, o geógrafo, o engenheiro, etc. Todos.
Porém, o texto tem de ter algum rigor técnico, senão é o caos. Também há regras para fazer Constituições.
Pode ser simplificada, mas não pode ser de qualquer maneira.
Passando para o Grupo Amarelo.
Na questão da regra de ouro , o Grupo Amarelo diz uma coisa interessante. Diz que ao menos seja dívida interna e não externa. De facto, é melhor interna que externa mas uma dívida interna muito alta também não resolve problema nenhum. Vejam a Itália e o Japão, com as suas dívidas internas pesadíssimas. E têm pouca dívida externa.
Não é indiferente ser interna ou externa mas notem que a interna leva à estagnação dos países. Vejam a Itália e o Japão.
Acho uma certa graça à vossa questão das inelegibilidades. Quem cometeu um crime não pode ser eleito. Vamos cá ver: é preciso olhar para isso com muito cuidado. Primeiro, há crimes e crimes.
Vocês falam em pena de prisão superior a três anos. E eu pergunto: uma pessoa comete um crime e fica presa cinco anos. Daí a trinta anos não pode ser candidata? Fica interdito para todo o sempre? Não pode haver pena perpétuas!
Cuidado com os populismos. Estas regras devem ter um período de validade. As interdições de direitos devem ser temporárias.
Vejam a questão polémica da limitação de mandatos dos autarcas: só vale por quatro anos! Não é para todo o sempre!
Não se priva alguém dos seus direitos políticos para sempre. Seria uma pena perpétua.
Estas são preocupações que os juristas têm e que, por vezes, as pessoas lá em casa não percebem. Dizem lá em casa: " se é criminoso não tem nada que ser político! Nunca mais! ” Estas coisas não são assim. É preciso olhar para os direitos, liberdades e garantias.
E está aqui uma proposta muito interessante, sem dúvida, do Grupo Azul. Grupos de independentes como candidatos às legislativas: acho bem! Uma boa ideia que pode trazer aspectos positivos.
Participação popular na revisão constitucional? Tenho dúvidas! Referendo para aprovar a revisão constitucional? Já estou mais a favor. Eu deixaria cair a iniciativa mas deixava o referendo. É que a iniciativa pode ter um problema: ou pomos regras muito apertadas e nunca temos iniciativa (um milhão de assinaturas) ou temos, daqui a pouco, grupos de terroristas jurídicos que lançam iniciativas a toda a hora e não temos outra vida.
Deixar a iniciativa para os deputados e obrigar a referendo parece-me uma coisa muito interessante e uma forma de aumentar a participação popular.
O jornalista que entrevistou o Grupo Azul disse uma coisa que me chocou muito. Um argumento interessante mas perigoso: " nem todos estão preparados! ”
Isso vale para tudo. Por esse argumento, algumas pessoas não deveriam votar. Aliás, no século XIX, quem não tinha certo rendimento ou era iletrado, não votava. Era o sufrágio censitário e capacitário. Justamente porque não entendia que não estavam preparadas para votar.
Só as outras votavam porque tinham discernimento.
O próprio Kant, o homem da dignidade humana, escrevia que os trabalhadores não devem votar porque não estão em situação suficiente de discernimento. Porque estão dependentes do patrão! Não conseguem, dizia o filósofo, pensar bem os interesses da nação.
Um homem como Kant...
Isto acontece-nos a todos! Por maior que seja a nossa alma, estamos sempre fechados num corpo. Estamos, portanto, na nossa circunstância.
Vejam que São Paulo escreveu aquela coisa magnífica: " não há judeu nem grego, escravo nem livre, não há homem nem mulher ”. Ele escreveu esta coisa magnífica do cristianismo, que é uma carta dos direitos fundamentais. " Não há judeu nem grego, escravo nem livre, não há homem nem mulher ”, mas não disse: " acabem com a escravatura ”, " tornem as mulheres iguais aos homens ”. Não o disse!
Porquê? Porque quando escreveu aquilo, não tinha plena consciência do impacto das suas palavras. Era um homem do seu tempo. Para eles, as mulheres eram seres que tinham de prestar uma certa obediência e os escravos existiam naturalmente. Ele estava muito preso à sua circunstância
É o problema das Constituições: por vezes, estamos muito presos à nossa circunstância. Quando queremos limitar o direito à greve é porque tivemos greves de que não gostámos. Quando achamos que o Presidente não devia ter este poder é porque o usou contra o nosso gosto. Mas esquecemos de daqui a uns anos, estão outros no governo e na presidência!
A Constituição deve ser preparada para o futuro!
Quero dizer-vos o seguinte, que é um lema meu. As pessoas podem não ter grande cultura, mas não são tolas.
As pessoas não terem um doutoramento em Direito Constitucional não significa que não saibam o que é fundamental para elas. Eu não saber ler nem escrever não significa que não saiba o que é fundamental para a minha vida, para a minha família. Atenção a isso.
É claro que as pessoas não estão preparadas para questões técnicas como as PPP, mas para as decisões-chave, elas estão preparadas.
O Grupo Roxo veio aqui com o fim das organizações de moradores, a questão ambiental, fala muito na liberdade, latifúndios, etc.
Quero dizer uma coisa que é particular e termino com umas notas mais gerais.
Vocês lembram-se que começamos esta troca de impressões, que é mais um débito de impressões, com o tema da PIDE/DGS. Os Laranjas falam disso e os Roxos vêm com o artigo 46º, n. 4 que aborda a proibição de organizações de ideologia fascista.
Há aqui uma confusão feito pelo Grupo Roxo. São proíbidas organizações de ideologia fascista, mas não é proíbida a liberdade de expressão de ideias fascistas. Qualquer pessoa se pode reclamar fascista. Não pode é constituir um partido, movimento ou organização de ideologia fascista!
Mais uma vez aqui é a História a marcar! Portugal teve um regime, que por acaso nem era fascista, mas essa era uma discussão longa entre o Dr. Rui Ramos e Irene Pimentel. Era um autoritarismo de pendor personalista. Um nacional-catolicismo, enfim.
Aquilo que há a dizer sobre isto é que devem ter cuidado com as palavras. Por exemplo: discriminação em razão do sexo. Segundo esse vosso amigo, não pode haver um clube só para homens. Nem um só para mulheres. Um clube de futebol em que só joguem homens não pode existir. Porque discrimina em função do sexo.
Cuidado com as palavras.
Claro que ninguém entende isto assim, mas cuidado. Com um texto destes, fica a dúvida se posso ou não ter um campeonato só de homens. Só estou a dizer para termos algum cuidado.
Despeço-me com a questão da geração: " cada geração pode ter a sua Constituição ”. Meus caros amigos, eu estou totalmente de acordo com isso. Ou seja, com a ideia de nós sermos donos do nosso destino em cada tempo. Certo? O nosso destino pode ser acolher a Constituição que existe, alterá-la ou até substituí-la por outra.
Portanto, quando o Prof. Gomes Canotilho diz que todas têm o direito a rever a Constituição, ele está enganado! Todas têm o direito de ter a sua própria Constituição!!! Podem fazer uma nova que nada tenha que ver com a anterior. Esta é que é a questão.
Aliás, é muito mais fácil fazer uma nova Constituição que rever uma que já existe. Porque a nova não obedece a regras nenhumas. Não há regras de revisão quando se constrói a partir do nada.
Até podemos mudar o regime. Se os militares de Abril o puderam fazer, por que razão não o podemos nós? Podemos passar para um regime parlamentar ou presidencial. Ou para a monarquia. Todas as gerações têm este direito. Mas há uma coisa que vos quero dizer: o objectivo das Constituições é serem capazes de um alcance intergeracional. Ou seja, devemos criar Constituições com alguma durabilidade. Estabilidade.
Eu tenho de sair do contexto da minha geração e pensar também nas outras gerações. Não é bom rever a Constituição todos os dias. Eu tenho é de criar uma Constituição flexível e aberta, à imagem daquela que tem os EUA, ou Inglaterra, que permita durar muito tempo.
Não é fazer como a França que teve 16 Constituições no mesmo período em que os EUA tiveram uma.
Perpassou em quase todas as vossas intervenções uma espécie de grito de alma. O grito de uma geração extraordinária que se sente prejudicada pelas gerações anteriores. Os meus amigos são vítimas. O discurso constitucional que constroem é o da vitimização.
" Nós, jovens, geração que tem o direito de rever a constituição (ou até – diz o Paulo Rangel – a fazer uma) temos pais e avós que gastaram à tripa-forra, e agora estamos aqui apertados por causa deles. E isto é a violação da solidariedade intergeracional ”.
Eu só queria dizer-vos uma coisa: a solidariedade intergeracional não é só para a frente. Também é para trás!
[APLAUSOS]
O que acontece é que, há 40 anos, vivia-se muito pior em Portugal do que se vive hoje. E esses pais e esses avós tiveram vidas muito mais difíceis do que a grande maioria de vós. Eles já fizeram muitos sacrifícios.
Se nós tivermos de fazer alguns sacrifícios para eles terem um fim de vida melhor, não me parece que seja injusto.
Era isto que eu queria dizer.
[APLAUSOS]