Boa noite meus senhores e minhas senhoras, vamos dar início ao nosso jantar com o habitual momento cultural.
O Luís Carlos, do grupo Laranja, acompanhado ao acordeão, vai ler o poema "Antes que seja tarde”, de Manuel da Fonseca.
O grupo Laranja justifica a sua escolha porque, diz, é preciso acordar os jovens adormecidos para a missão de mostrar a beleza do nosso país alertando antes que seja tarde demais.
O grupo Verde, através do Nuno Mendes, traz-nos um poema de Fernando Pessoa.
É um excerto da "Mensagem” que trata do "Rei Encoberto” e do "Quinto Império”. Esta parte retrata um país moribundo, envolvo em tristeza e que sofre uma grave crise de identidade. Apesar disso, acredita que nesse ainda subsista a essência de ser português, da esperança no regresso do Rei Encoberto que virá para salvar o país do esquecimento e reerguê-lo.
É fácil estabelecer um paradigma entre este poema e o actual panorama nacional. Apesar disso, temos a esperança que dias melhores virão.
Vamos ouvir os poemas.
[São lidos os poemas]
[APLAUSOS]
Depois do jantar:
BRINDE
João Fanfa
Boa noite. Em nome do grupo Castanho, queremos dar as boas-vindas à senhora Dr.ª Leonor Beleza.
Sobre a Dr.ª Leonor Beleza, tem feito um papel extraordinário na Fundação Champalimaud, um trabalho magnífico, fantástico e é de louvar. Por isso, pedia a todos que se levantassem e que brindassem à senhora Dr.ª Leonor Beleza.
[APLAUSOS]
Carlos Coelho
Senhora Dr.ª Leonor Beleza, senhores deputados Hugo Soares, Nuno Matias, Duarte Marques, Simão Ribeiro, senhor Presidente da Câmara Municipal de Castelo de Vide, senhor Presidente da Assembleia Municipal, senhores avaliadores, minhas senhoras e meus senhores, temos o prazer de ter entre nós uma grande senhora, uma senhora que é uma grande referência da nossa família política, mas é uma grande referência de Portugal.
É, como o João recordou, Presidente da Fundação Champalimaud, onde está a fazer um trabalho notável, mas é também conselheira de Estado. Já foi várias coisas, no Partido foi quase tudo: Presidente da Comissão Nacional de Jurisdição, Presidente do Congresso, Vice-Presidente da Comissão Política Nacional, Presidente do Instituto Sá Carneiro - a cuja equipa eu tive o privilégio de pertencer -, deputada à Assembleia da República - onde foi Vice-Presidente da Assembleia.
A Dr.ª Leonor Beleza foi praticamente tudo na política portuguesa.
Foi Secretária de Estado da Segurança Social, foi Secretária de Estado da Presidência, foi Ministra da Saúde e é indiscutivelmente uma das mulheres mais notáveis que eu já conheci na minha vida.
A nossa convidada de hoje tem como hobby brincar com os netos; tem como comida preferida a tosta mista; como animal preferido a cegonha; como livro preferido, que nos sugere, "Jack Kennedy: Elusive Hero”. Sugere-nos "Argo” como filme. A qualidade que mais aprecia é a coragem e é indiscutivelmente uma mulher corajosa, que deu provas disso, aquela que temos o privilégio de ter hoje ao jantar connosco.
Dr.ª Leonor Beleza, como se recorda, pois não é a primeira vez que aqui está, tenho o privilégio da primeira pergunta e esta tem naturalmente que ver com aquilo que a senhora está a fazer. A senhora foi uma das mulheres que marcou a percepção pública da intervenção cívica e política da mulher em Portugal, quando alguns ainda viam com um olhar esquisito a ideia de que uma mulher podia ser ministra, ou podia ser Secretária de Estado da Presidência. Recordo-me, no início do partido, quando começou a tomar funções de grande responsabilidade. Foi sempre um esteio, em Portugal, da justificação da participação das mulheres na vida pública.
Depois de uma vida política tão preenchida, parece que se entregou quase exclusivamente à Fundação Champalimaud. Creio que seria interessante partilhar connosco o porquê. Porque é que vemos a Leonor Beleza, que nos habituamos a reconhecer como mulher política praticamente renunciar à política, se excluirmos as funções de Conselheira de Estado, e dedicar-se de corpo e alma à Fundação Champalimaud? Qual é este mistério, esta missão e esta paixão? E será que é uma paixão para todo o sempre, ou a senhora vai dizer-nos que como muitos desejam talvez um dia possa regressar à política portuguesa?
Minhas senhoras e meus senhores, para responder à minha e às vossas perguntas, connosco no quarto jantar da Universidade de Verão 2013 a Dr.ª Leonor Beleza.
[APLAUSOS]
Leonor Beleza
Senhor director da Universidade de Verão do PSD, ilustre eurodeputado Carlos Coelho, senhor Presidente da Câmara, senhores deputados, senhor Presidente da JSD, amigos e amigas, tenho uma enorme satisfação, antes de qualquer outro sentimento, em estar aqui hoje convosco e sinto-me muito orgulhosa porque vou sendo convidada a vir aqui quando há uma Universidade de Verão do PSD.
Não vou fugir, vou responder exactamente ao que me foi perguntado, mas deixem-me que vos diga do orgulho que sinto enquanto militante do partido pela realização desta Universidade de Verão e pela responsabilidade que o nosso eurodeputado Carlos Coelho tem.
Porventura, o traço mais evidente para justificar a importância que esta universidade vem assumindo é que os outros desataram a fazer universidades de Verão. Isso seguramente é pelo menos o reconhecimento de como faz sentido neste momento do ciclo político anual organizar uma iniciativa que junta homens e mulheres jovens que se interessam pela participação política, que estão talvez numa altura crucial para tomar decisões sobre a condição da sua própria vida, que isso faz sentido e que também faz sentido uma iniciativa política que tem repercussão e que marca o recomeço do ano político.
O Carlos Coelho tem inúmeros qualidades que eu lhe conheço há imensos anos, é um organizador inigualável, é extremamente exigente no trabalho que faz e na forma como conduz as coisas. Aqui, o sucesso desta iniciativa recai inteiramente na forma como ele iniciou e lutou para que se mantivesse, pois houve umas alturas mais complicadas do que hoje em relação à organização da Universidade de Verão e como tornou esta iniciativa verdadeiramente útil, quer para aqueles que participam nela - e é sobretudo a eles que se dirige -, quer sobretudo, evidentemente, para o partido, o PSD, que a organiza. Esta qualidade que outros têm vindo a reconhecer organizando actividades semelhantes e até curiosamente nalguns casos, dentro de outras paragens, organizando iniciativas paralelas, ou rivais, dada a relevância que as universidades de Verão têm vindo a assumir.
Portanto, as minhas primeiras palavras, Carlos Coelho, são para pedir a todos os que nos estão a ouvir que compreendam: é um grande amigo meu que disse aquelas coisas que agora ouvimos e para lhe dizer que sinto verdadeiramente orgulho na Universidade de Verão que ele criou. Enquanto "laranjinha” que também sou, embora hoje não apareça muitas vezes nessa qualidade. Sinto verdadeiramente orgulho na Universidade de Verão que ele tem vindo a organizar em benefício de muita gente próxima do nosso partido, mas sobretudo para pôr em prática uma coisa que é extremamente importante que é a aprendizagem das coisas da participação cívica e política.
Porque há uma história de aprendizagem, não é uma coisa com que nascemos, não é só aquele sonho, ou interesse, que nos acompanhe permanentemente, é uma coisa que se aprende, que se treina, em que precisamos ser bons e ter bons intervenientes. A Universidade de Verão é preciosa, em minha opinião, para aqueles que nela participam.
Como disse, sou "laranjinha”, hoje não exerço permanentemente nessa qualidade como já fiz no passado, mas vir aqui também me permite puxar por esse lado da minha existência que é um lado muito importante embora hoje não dedique a minha vida de uma maneira tão predominante à intervenção política. Tenho um gosto muito especial em vir aqui e nem todos os que vêm aqui participar na Universidade de Verão são militantes do PSD, por isso venho com muita honra, muita satisfação e gosto de relembrar isso numa ocasião como esta perante vós.
Queria ainda lembrar uma pessoa que participou nestas universidades de Verão várias vezes que como sabem conheci bem e de quem era amiga, o António Borges. Sei que antes de mim outros já o fizeram, quero fazê-lo hoje aqui também. Quero lembrar uma pessoa que era militante do partido, mas que era sobretudo uma personalidade extraordinária em termos humanos, intelectuais, académicos, com um brilho e uma inteligência raríssimas, com uma enorme capacidade de formular as suas ideias, os seus objectivos, os caminhos que ele considerava importantes, com uma frontalidade rara, com muita coragem muitas vezes e sem ter nenhum medo de dividir águas e dizer coisas que porventura não era aquilo que outros acompanhariam.
Devo dizer que se é verdade que após a morte dele muita gente recordou sobretudo as suas qualidades, houve uma rara manifestação das divisões, das diferenças, das distâncias, que não sendo em si uma coisa negativa, do meu ponto de vista nalguns casos foi para além daquilo que era razoável. Portanto, de certa maneira ainda mais, quero juntar a minha voz aqui nesta ocasião aos que admiravam o António Borges e aos que acham que ele faz falta ao nosso país.
[APLAUSOS]
Meus caros amigos, vou falar-vos alguma coisa sobre a Fundação Champalimaud. Gostava de dizer algumas outras coisas, mas não queria iludir mais tempo à resposta daquilo que o Carlos Coelho perguntou. Na verdade sou Presidente da Fundação Champalimaud pela escolha de António Champalimaud, foi ele que um dia me telefonou a perguntar-me se eu estava disponível para assumir a responsabilidade de presidir a uma fundação que ele pretendia criar em testamento. Eu disse que sim e a uma pessoa que sabia que a fundação era por essa via criada, passaria a existir quando a pessoa que a criou já não estaria entre nós, pois era criada justamente em testamento. Portanto, tenho um compromisso solene, eticamente muito relevante para a pessoa que eu sou, com alguém que já não está cá e a quem eu disse que poria em pé o sonho que ele quis deixar aos portugueses.
António Champalimaud era um grande patriota, gosto muitas vezes de começar a falar dele nestes termos. Era um grande patriota. Naturalmente dispunha de muitos meios e podia ter disposto deles de outra forma maneira, dispôs de uma parte importante dos seus meios para que os portugueses pudessem contar com uma fundação que desenvolvesse actividade no âmbito da investigação biomédica. Numa das áreas mais nobres, do ponto de vista daquilo que são os valores, os interesses e daquilo que releva paras as pessoas.
Eu cumpri, ou por outra, tento cumprir todos os dias aquilo que disse que faria. Não é por isso que deixo de ser no que quer que seja quem sou. Aliás, ele escolheu uma pessoa que sabia muito bem que tinha um determinado tipo de interesses, actividades, posições políticas e nunca me pediu que abdicasse do que quer que seja em relação a essa questão. Mas estou a corpo inteiro na Fundação Champalimaud, a minha obrigação estrita é pôr de pé aquilo com que ele sonhou e não descansarei enquanto a Fundação não tiver a relevância entre nós e no mundo da investigação científica que António Champalimaud tinha o direito de pedir a quem colocou à frente da Fundação.
Não deixei a política, continuo a ser militante do partido, mas estou a desempenhar uma função que considero muito relevante para o meu país. Na área da Ciência e da Investigação não há propriamente nacionalidades, só tem verdadeiramente sucesso aquilo que é translaccional, que pode contar com a colaboração de gente de muitos sítios e não estou a dizer uma coisa por instinto, mas por conhecimento empírico. Isso hoje até está relativamente estudado. Os meios científicos mais férteis do mundo são meios fortemente internacionalizados, capazes de trabalhar com pessoas de outros sítios e de não olhar a características individuais de quem quer que seja quando se trata de fazer boa ciência.
Mas a Fundação é portuguesa, situa-se em Portugal e é o nosso país que é beneficiado, reconhecido e que ganha a reputação com uma fundação que ganha reconhecimento, que seja considerada e que tenha reputação. Já agora, deixem-me contar uma história que contei em público o ano passado já uma vez, mas que poderá porventura não ter sido ouvida por todos vós e que quero aqui repetir. Saberão, talvez - e dentro de momentos vou falar disso de uma forma mais específica -, que a Fundação Champalimaud atribui o Prémio António Champalimaud de Visão todos os anos. É um prémio muito importante, tem um valor monetário elevadíssimo de um milhão de euros e dirige-se a pessoas que fazem investigação na área da Visão, ou que lutam em terrenos difíceis contra a cegueira.
No ano passado, tive a ocasião de contar publicamente que uma vez no sul da Índia, onde actua uma instituição que já ganhou o Prémio António Champalimaud de Visão e quando utiliza o dinheiro desse prémio diz às pessoas beneficiárias quem foi que possibilitou que isso acontece. Esta história é rigorosamente assim, embora seja tão bonita e de certa maneira tão comovente.
Um casal de portugueses que vive em Goa passa uma grande parte do seu tempo a viajar de mota pela Índia - a Índia nunca mais acaba, é um país enorme - e quando faz isso tem uma bandeira portuguesa na mota. Acontece que uma vez no Sul da Índia, na área de influência dessa tal Aravind Eye Care System que ganhou uma vez o nosso prémio, houve um homem que se dirigiu aos nossos compatriotas e disse-lhes: "Eu devo a minha capacidade de visão ao país dessa bandeira.”
[APLAUSOS]
Isto faz sentido porque ele tinha sido operado no hospital desta instituição que ganhou o nosso prémio e porque eles dizem às pessoas que tratam que foi a Fundação Champalimaud que é portuguesa, que permitiu que você fosse tratado. Eu acho que esta história é muito significativa e muito comovente do que pode ser e até onde pode chegar um reconhecimento que uns lá longe num país - em todo o caso com uma fortíssima ligação histórica - possibilitaram que o homem pudesse ver.
É o meu país que está em causa quando a Fundação Champalimaud faz o que quer que seja, nomeadamente quando actua para fora, é o nosso país e ao fundador que eu devo garantir que a Fundação e ligação dela ao nosso país ganhe em reputação, em prestígio e reconhecimento pois isso é do meu ponto de vista importante também para todos nós.
Meus amigos e minhas amigas, eu sei que há uma selecção difícil para escolher os que se sentam aqui hoje e que estão nesta Universidade de Verão. Todos passam por uma selecção e todos são escolhidos a dedo, no sentido em que lhes é escolhido um percurso pessoal passado e promissor, que justifique que tenham assento aqui. Já perguntei ao Carlos Coelho e já percebi que a média de idades aqui é bastante baixa, é de 22 anos. Quando eu tinha 22 anos eu vivia em ditadura, tinha 25 anos quando foi o 25 de Abril e uma coisa que vos gostava de lembrar aqui hoje é a questão do tempo e a forma como nós nos relacionamos com o tempo e como olhamos para as coisas em função do momento em que elas ocorrem e daquilo que porventura já aconteceu.
Para uma audiência quase toda nascida quando Portugal era uma Democracia há ganhos, coisas que obtivemos e que talvez são valoradas de maneira diferente porque o olhar é inevitavelmente diferente entre aqueles que não conheceram aquilo que era antes e aqueles que podem fazer comparações. Isso vale para muitas outras coisas: a Guerra Colonial que deixou de existir depois do 25 de Abril; a integração europeia que para muitos de vós é uma coisa completamente adquirida, mas que para mim significará sempre um momento único na minha existência, que foi assistir à assinatura do tratado de adesão entre Portugal e as então Comunidades Europeias.
Ainda acho que a Europa foi um ganho fundamental para o nosso país e que a presença na Europa é uma coisa que não é indiscutível, não é ganhada para todo o sempre, foi dificilmente conquistada e tem de continuar a ser conquistada e explicada hoje, todos os dias, sobretudo por as pessoas já não terem muito bem a noção de qual é a importância disso. Para falarmos nisso, podemos falar na Guerra Fria que muitos de vós já não recordarão de uma maneira muito intensa e o decurso do tempo vai fazendo com que as coisas ganhem um significado diferente.
Porque é que estou a falar nisto? Todos que estão aqui assistiram e viveram coisa que ocorreram num determinado período. Estão agora a viver um período extraordinariamente difícil do nosso país. Talvez o mais difícil desde o 25 de Abril e ocorre-me a mim que vivi de perto a segunda intervenção internacional, se vocês sabem que estamos na terceira. Portanto, é a terceira vez que Portugal precisa de pedir ajuda internacional para conseguir sobreviver e pagar as suas contas e dívidas. Quando foi a segunda vez eu era membro do Governo, era Secretária de Estado da Segurança Social como o Carlos lembrou há bocadinho, e há uma coisa que quem se lembra daquela altura, em particular na Segurança Social em que compreendíamos muito bem que as pessoas passavam por dificuldades, aquilo que pensávamos é que nunca mais ia acontecer e que íamos ficar vacinados, dizíamos que não nos vamos voltar a colocar numa situação em que isto possa acontecer.
Juraria que muitos dos que estão a passar pelas coisas hoje estamos se calhar a pensar exactamente a mesma coisa, que quando eles se forem embora daqui a menos de um ano que é aquilo que está pensado, o nosso país não vai voltar a cair numa coisa destas. Estou a falar disto, porquê? Porque me estou a dirigir a gente que é muito mais nova que eu, que não estava cá ainda quando aconteceram estas coisas e porque é importante guardarmos a memória daquilo que aconteceu. O que eu vos peço encarecidamente é que olhem para a nossa história recente como país, olhem para a história recente do meio em que nos inserimos e descubram como muitos de nós descobrimos ao longo da vida que as coisas não estão adquiridas, não estão ganhas, que são perigosas.
Nós estamos num momento perigoso, não apenas por causa do processo de ajustamento e tudo aquilo que estamos a sofrer e a suportar em virtude dele e desejando imenso sair dele, mas porque ele está a custar em prestígio e em reputação àqueles que nos representam um preço altíssimo, que precisamos de ter noção permanente nas nossas cabeças e fazer um esforço enorme para que essa situação possa ser ultrapassada num tempo em que faça sentido.
Estou a dirigir-me a pessoas muito novas que pensam que a política e a participação política são importantes e será importante na sua vida: meus caros amigos, uma das coisas mais importantes neste momento é que aqueles que se dedicam à política o façam de uma maneira empenhada, clara, límpida e que gastem uma parte importante do seu esforço a tornar reconhecidamente mais nobre e valendo a pena a intervenção na esfera política.
Já agora, se me permitem que vos diga também: gastem o vosso tempo a procurar uma formação pessoal tão forte, tão intensa, tão exigente quanto possível. Vão lá para fora, mas regressem. Quando digo para irem lá para fora não estou a dizer para emigrarem, mas sim que vão lá para fora estudar, trabalhar, ter experiências, depois voltem e enriqueçam o nosso país com essas experiências. Aproveitem o tempo em que são mais jovens, tenham uma actividade profissional reconhecida e importante nas vossas vidas, façam política também e olhem para o facto de que nós precisamos "como de pão para a boca”, pois senão pomos em causa muitas coisas essenciais, de ter gente reconhecida, com reputação, que faça política.
Devo dizer que estou a falar desta maneira em termos gerais. Tenho a noção do que se diz por aí, do que as pessoas pensam e escrevem, mas também vos devo dizer que foi com enorme satisfação que tenho visto recentemente, por exemplo na formação do Governo, terem acesso ao Governo pessoas jovens e que eu não sei quem são. Eu não tenho de saber. Sinto enorme satisfação por haver pessoas jovens com quem não me cruzei nos meus anos todos de política que são chamadas a desempenhar funções que são extremamente relevantes para o nosso país e que têm, muitas delas, excelentes qualidades e que querem pô-las ao serviço do nosso país.
Não está nada perdido, agora precisamos de cuidar (como de um tesouro) da reputação e da capacidade daqueles que exercem funções políticas.
[APLAUSOS]
Isto para ser dito mais depressa. O Carlos Coelho está de certeza quase a mandar-me calar e eu queria dizer-vos algumas coisas sobre a Fundação Champalimaud. Esta é uma entidade da sociedade civil em Portugal, faz parte das entidades não-governamentais, isto é, não depende nem é financiada pelo Estado, não vive à sombra do Estado, é uma entidade da sociedade civil, criada por uma pessoa que resolveu pôr dinheiro numa iniciativa deste tipo. Estou absolutamente convencida - também pela forma como penso e dos princípios a que adiro - de que precisamos de mais empenho, mais visibilidade e mais presença de entidades em Portugal que não dependem necessariamente do Estado.
Vou dizer-vos umas duas ou três coisas, pois não perco uma oportunidade destas de explicar o que é a Fundação e o que faz. Pela primeira vez vou usar imagens aqui, pois parece-me que nem todos vós tereis já passeado dentro da Fundação e conhecereis aquilo que vou mostrar. Mas gostava de dizer umas coisas sobre o que fazemos.
Aquilo é uma fotografia do Centro da Fundação. António Champalimaud, como sabem, era o fundador, morreu em 2004 e portanto, foi aí que toda esta aventura começou para mim. Eu era uma deputada, com muita honra, e na altura era do distrito de Portalegre com muita honra também.
Depois, acontece que como tinha este compromisso, no fim da legislatura saí da Assembleia da República e passei a exercer de uma maneira muito predominante as funções de Presidente da Fundação.
Aquilo que ali está tem a ver com a nossa função fundamental enquanto Fundação e que vos gostava de explicar de uma maneira muito breve. Aquelas setas apontam do hospital para o laboratório e do laboratório para o hospital. O significado que está por detrás disto é a ideia de que nós faremos melhor em prevenção e tratamento de doenças se associarmos a Ciência - o lado esquerdo, dos laboratórios - àquilo que na clínica é feito efectivamente com as pessoas, quer para promover a saúde, quer para tratar a doença. Porque o sistema de saúde é antes de mais para preservar a saúde e secundariamente tratar os doentes que é o que é mais visível.
O convívio entre a Ciência, nomeadamente a que se faz no laboratório, e aqueles que no terreno efectivamente têm de abordar as situações de promoção da saúde e de prevenção da doença é a nosso ver essencial para que a Ciência progrida e é, em qualquer caso, aquilo a que dedicamos a Fundação Champalimaud. Isto é, queremos uma Ciência que produza resultados do ponto de vista da clínica, uma Ciência em que temos conhecimentos que se traduzam em melhor prevenção e tratamento da doença. Chama-se a isto investigação de translação e é este o objectivo fundamental que nós prosseguimos.
Prosseguirmos este objectivo, sobretudo naquele sítio que está ali retratado e que se chama Centro Champalimaud, também significou uma escolha que foi a de fazer investigação transnacional: colocar investigadores, médicos e profissionais de saúde em contacto dentro de um local sob a nossa responsabilidade. Portanto, o essencial daquilo que fazemos, é feito numa casa que nós controlamos, que existe sob a nossa responsabilidade. Também podia ser financiando iniciativas exteriores à Fundação e nalguma medida também fazemos isso, mas o nosso objectivo fundamental é controlar este ciclo em que estão na mesma casa os cientistas, os médicos e profissionais de saúde.
Os cientistas são em inúmeras coisas. A Ciência, hoje, que tem efeitos é feita pelos profissionais mais variados que se dedicam à ciência, trabalhando em conjunto, tentando em conjunto encontrar soluções diferentes em relação àquilo que já existe. Algumas imagens do Centro; se porventura alguns de vós nunca lá foram, convido-os a irem e a visitarem, mas entretanto peço-vos que olhem para estas imagens porque o apuro arquitectónico e a localização do Centro são para nós elementos muito importantes na brutal competição internacional em que estamos para ter os melhores médicos e cientistas a trabalhar connosco.
Para isso precisamos de utilizar todos os recursos, quer do ponto de vista técnico dos laboratórios que temos, quer do espaço de que dispomos que é de facto um espaço magnífico. Gosto muito desta fotografia, foi tirada por mim. Vejam o privilégio que é, foi tirada ao pé do sítio onde estou, de vez em quando há um pôr-do-sol daqueles e não dava tempo para chamar o fotógrafo e por isso tirei eu a fotografia. Apesar de ter sido eu a tirar a fotografia de facto é um privilégio eu poder ver isto a partir do sítio onde trabalho.
O que é que fazemos? Dedicamo-nos a três áreas da Saúde/Doença: Cancro, as Neurociências e a luta contra a Cegueira, ou a promoção da visão. As duas primeiras áreas são áreas que cultivamos dentro dos nossos muros, portanto no nosso Centro de investigação e a luta contra a cegueira fazemo-la sobretudo com o Prémio António Champalimaud e de algumas colaborações internacionais que temos na promoção da Visão.
Porquê aquelas áreas? Porque são áreas onde o sofrimento ocasionada pela doença está longe de ser coberto por aquilo que é efectivamente investido na luta contra as doenças dessas áreas. Este é o pensamento que está por detrás da generalidade das escolhas que fizemos e fazemos. Podemos, se quiserem, falar delas com mais detalhe. Dispomos de laboratórios onde os nossos investigadores podem com meios de que nos orgulhamos pois são extremamente competitivos do ponto de vista das escolhas possíveis. Fazemos investigação em laboratórios como aquele.
Depois escolhi mostrar-vos uma imagem da prestação de saúde que fazemos no mesmo espaço; no mesmo prédio, no mesmo sítio temos médicos, investigadores e naturalmente os doentes, toda a gente sabe que estão lá os outros e toda a gente sabe que tem alguma coisa a ver com os outros sectores. Esta máquina tem para nós um interesse especial, enfim, não me interessa falar da marca ou do que quer que seja, mas porque representa prática da clínica de ponta e investigação de clínica de ponta.
É uma máquina de radioterapia, um acelerador linear, portanto é uma máquina que serve para tratar doentes de cancro e orgulhamo-nos de ter quer meios materiais, quer equipas treinadas capazes do melhor do Mundo nesta área. Neste momento estamos a fazer tratamentos que só foram ainda feitos no Centro Champalimaud. Isso é para nós, de facto, um motivo de enorme satisfação.
[APLAUSOS]
Mas depois aliámos a uma tecnologia de ponta e a uma exigência enorme do ponto de vista da excelência naquilo que prestamos a humanização na forma como prestamos cuidados. Nisto também estamos particularmente orgulhosos. O que está ali é uma box de quimioterapia. A quimioterapia é porventura o tratamento aplicado para os doentes de Cancro, que acarreta mais efeitos laterais negativos, mais angústia e mais sofrimento. Nós tentamos rodear as pessoas quando estão a fazer este tipo de tratamentos de um ambiente em que tudo tenda para fazer lembrar outras coisas e não que estão a sofrer de cancro e a ser tratados de quimioterapia, mas como vêm é na frente de um jardim que fazemos este tipo de tratamento.
Os doentes têm um ambiente de privacidade, a cadeira que está ao lado é para alguém que esteja a acompanhar, o cadeirão onde está o doente podia estar noutro sítio qualquer, não tem o ar aterrador que muitas vezes têm os cadeirões utilizados em hospitais. Portanto, tentamos que a organização seja um dos traços distintivos daquilo que fazemos. Este jardim é só para as pessoas que fazem quimioterapia, podem fazer o tratamento cá fora, mais ninguém pode ter acesso a esta área.
O nosso objectivo é que estas pessoas sujeitas a uma situação sempre difícil possam ao menos respirar durante alguns momentos. Aquilo que é mais comovedor para mim, enquanto responsável da Fundação, é ouvir pessoas que passaram ou passam por este tipo de tratamento dizerem-me - até tenho algum poder em usar esta expressão - que se sentem bem quando estão a ser lá tratadas. Mesmo nestas situações acredito piamente que é possível tratar as pessoas num ambiente em que, pelo menos, a sua privacidade e um ambiente relativamente normal possam ser mantidos. Fazemos um enorme esforço para que assim seja e também termos a certeza que a Ciência que fazemos com os meios de que dispomos é mais bem-feita.
Porque as pessoas participam nessa ciência de uma maneira muito mais entusiasmada e muito mais interessada.
[APLAUSOS]
Fui avisada de que este slide ficou um bocado mal, no meio era suposto estar a representação do Prémio Champalimaud de Visão. Não está ali por causa dos sistemas de tecnologia utilizados. Disse-lhes que a nossa parte em relação à Visão era sobretudo realizada pelo Prémio Champalimaud de Visão, que é um milhão de euros por ano, ora dado a quem faz investigação de ponta na Visão, ora a instituições que combatem a Cegueira no terceiro mundo.
Este foi o momento único que gosto de mostrar a fotografia pois as pessoas acreditam mais depressa vendo a fotografia do que comigo a contar a história. Em 2006, aconteceu no Palácio Presidencial em Nova Deli, aquele que está à direita era o Presidente da Índia, era e é um reputadíssimo cientista ele próprio e achou, lá longe, que o Prémio Champalimaud de Visão era suficientemente importante para fazer um lançamento no Palácio Presidencial em Nova Deli.
Reconhecerão, porventura, algumas pessoas da Fundação nestas imagens, sabem muito bem quem é aquela pessoa que está ali ao pé de mim, era o António Borges, que na altura era administrador da Fundação, o Dr. Proença de Carvalho do outro lado, o senhor que está no meio é o Presidente da Índia e estava lá toda a comunidade que luta contra a Cegueira na Índia, que como podem imaginar tem um peso notável, pois há coisas absolutamente fantásticas que se fazem naquele país.
As candidaturas para o prémio vêm do mundo inteiro, o que constitui um motivo enorme do nosso orgulho. Toda a gente da comunidade que trata de Visão no mundo inteiro, quer do ponto de vista científico, quer humanitário, sabe que o prémio existe e as candidaturas vêm literalmente do mundo inteiro. Estão ali os sítios de onde vêm, está ali o júri do prémio, onde reconhecerão algumas pessoas que têm um papel reconhecido nas causas do desenvolvimento e cientistas na área da Visão. Estão ali dois portugueses: o António Guterres e o José Cunha Vaz. O António Guterres é o Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados, como sabem, e José Cunha Vaz é cientista.
Depois, estão lá dois prémios Nobel: o que está sentado do lado esquerdo chama-se Susumu Tonegawa, é Prémio Nobel de Fisiologia e Medicina, é japonês - como se percebe talvez olhando para a cara dele - e ao lado dele está o Amartya Sen, provavelmente mais reconhecido por todos vós, que é Prémio Nobel da Economia. Representam justamente a Ciência no seu expoente máximo, o Tonegawa e a preocupação humanitária e com questões do desenvolvimento no seu expoente máximo também, através da pessoa do Amartya Sen.
Estão ali os vencedores, não vou gastar-vos tempo com isto, queria só mostrar o momento da inauguração da Fundação Champalimaud. Quem está a falar chama-se Jim Watson, é porventura o Prémio Nobel ainda vivo mais conhecido do mundo, foi quem explicou o funcionamento do DNA e é Presidente do nosso conselho científico.
Agora, queria mostrar esta fotografia não por causa do Jim Watson, mas sim reparem que esta fotografia foi feita na inauguração da Fundação no nosso sítio, ao pé do mar e usando os símbolos que remetem para o nosso país, para a nossa história, para as nossas glórias, que nós achamos que não são só glórias passadas. Aquilo que temos de cuidar hoje é de glórias do presente e do futuro do nosso país.
Portanto, é um pouco por isso que vos quis mostrar este slide. Este último é de uma imagem da Fundação que mostra como temos o privilégio de estar num local que evoca também as glórias do nosso país e que é particularmente reconhecido por todos nós. A razão por que quis mais uma vez mostrar-vos isto é porque em primeiro lugar tenho uma dificuldade perante uma audiência como esta de não mostrar o tipo de trabalho que estou a fazer e aquele que vamos fazer, mas sobretudo porque queria puxar aquilo que a Fundação Champalimaud faz para o contexto do nosso país e para a ideia de que cabe a todos nós, onde quer que estejamos.
Eu sei que estou num sítio privilegiado, eu sei, mas cabe a todos nós, onde quer que estejamos, ajudar a levantar isto, a mudar a maneira como olhamos para nós e que não caiamos, ou não nos mantenhamos, naquela noção de que está tudo tão difícil, se calhar não chegamos lá, se calhar não ultrapassamos esta situação e que se calhar não nos podemos sentir orgulhosos.
Aquilo que vos quero dizer é que eu tento fazer ali na Fundação, sobretudo vejo como um sinal daquilo que é preciso que façamos todos, sintamos todos e compreendamos todos. Aquilo é feito com a colaboração de muitas pessoas, trabalham connosco pessoas de trinta nacionalidades, mas é feito por portugueses também, é iniciado e é da responsabilidade dos portugueses, foi um português que criou, são portugueses que gerem a Fundação e os que tomam as decisões fundamentais.
A nossa responsabilidade é, onde quer que estejamos, participar nesta necessidade colectiva que temos de nos sentirmos orgulhosos daquilo que somos, do que fomos e que sintamos uma vontade enorme de emular tudo aquilo que no nosso passado é para nós motivo de orgulho. Quem não se sente bem com o seu passado, tem dificuldade em se sentir bem com o seu presente e em olhar para a frente. O que vos convido a todos vós que quereis participar cívica e politicamente é que não vos acomodeis, não vos sintais que é inelutável sair da situação e não vos resignais. Só sentir que é lá fora que está a nossa realização, que é só lá fora que porventura podemos encontrar uma saída.
Não, é aqui. Está muito mais nas vossas mãos do que porventura hoje cada um tem consciência disso aquilo que vamos ser daqui a dez ou vinte anos e que todos nós certamente queremos que seja motivo de orgulho para nós. Muito obrigada por me terem ouvido.
[APLAUSOS]
Carlos Coelho
Vamos à primeira ronda de perguntas: grupos Bege e Rosa, José Simão e Aníbal Cunha.
José Simão
Dr.ª Leonor Beleza, antes de mais é um gosto tê-la na Universidade de Verão, foi um prazer ouvir a sua exposição sobre a Fundação Champalimaud e outras questões gerais que tanto nos inspiraram.
Antes de mais, dois momentos para produzir a nossa intervenção: o segundo momento é a pergunta em si e o primeiro momento é a justificação pela qual esta pergunta vai ser feita, porque parece agora de facto não haver uma relação directa com o tema que expôs, mas penso que está intimamente ligado com a sua pessoa e com a sua obra, não só pessoal mas também curricular.
No fundo, gostaríamos de ouvir a sua opinião sobre um tema que consideramos essencial na sociedade portuguesa, que é fracturante na verdade; não está ligado às fundações, nem ao empresarial, mas sim ao dos valores, pessoal, porque para evoluir é preciso produzir, mas para isto é preciso estarmos eticamente preparado, moralmente integrados e também, de alguma forma, pessoalmente íntegros. Eu gostaria então de fazer a seguinte pergunta e espero que compreenda, pois de facto não está relacionada com o que expôs, a razão pela qual a fazemos: Dr.ª Leonor Beleza, a Dr.ª é uma referência académica pelo percurso curricular que apresenta; uma referência pessoal pela integridade moral que defende; e uma referência social pela entrega e devoção que assumiu e assume nos cargos públicos que desempenhou e que ainda desempenha no Conselho de Estado.
Com isto, quero dizer que a Dr.ª Leonor Beleza tem uma formação ímpar ao nível cívico e pessoal. Como podemos melhorar nós em Portugal a formação moral e social e cívica? Como podemos nós voltar a introduzir nos jovens a consciência e a responsabilidade de poderem ser mais activos, mais íntegros, e poderem estar munidos de princípios e valores, e antes de pensarem ou agirem saberem que vão agir num determinado caminho porque o outro não lhes convém do ponto de vista moral?
Ainda, pergunto-lhe, Dr.ª Leonor Beleza - porque sei que tem uma enorme dedicação à família e considera que esta é uma fonte de princípios e valores, tal como eu também considero e certamente todos nós -, como provocar os portugueses a dar mais valor à família, encontrar na família fonte para as suas acções, pensamentos, produções mentais? Pergunto-lhe, Dr.ª Leonor Beleza, pois é de uma imensa importância para todos nós compreendermos o que acha disto, tendo em conta todo o seu currículo pessoal, profissional, académico, cívico e tudo isso.
Muito obrigada.
Aníbal Cunha
Boa noite, Dr.ª Maria Leonor Beleza. Quero dizer que ainda bem que o grupo Rosa e o Bege ficaram juntos, porque a pergunta embora seja diferente tem um teor bastante idêntico, apesar de querermos questionar-lhe por uma sua justificação diferente.
Tendo em conta o seu currículo, queríamos saber também tendo em conta que se formou com 24 anos e lançou a sua carreira com 23 anos, queremos saber quais são as principais diferenças do seu tempo para um jovem de hoje em dia que sai da universidade formado com bastantes desafios. Queríamos saber as principais diferenças e as principais semelhanças entre o seu tempo e hoje em dia, e que se calhar muitos de nós pomos entraves àquilo que não há.
Obrigado.
Leonor Beleza
José Simão, deixe-me primeiro dizer-lhe uma coisa: sou, sob variadíssimos pontos de vista, uma privilegiada. Sou uma privilegiada pela família em que nasci, por aquilo a que tive acesso e pelos exemplos com que pude contar. E nós somos um resultado do meio em que nascemos, certamente em muito um resultado da família, de onde é que pudemos ser educados, de onde é que vivemos, com quem é que convivemos, de muitos factores, e reconheço que pude ter acesso a factores e momentos que fazem de mim uma privilegiada.
Como privilegiada o mérito tem de ser visto neste contexto, não é? Somos obrigados a cultivar os talentos que recebemos e muitas vezes há coisas que correm bem à partida e devemos reconhecer isso. A questão que colocou é tão ampla e tão vital no mundo em que vivemos, em todo o contexto em que nos situamos, no país e não só, mas de certa maneira as respostas vieram daquilo que foi dizendo. É evidente que a primeira coisa que conta na formação da pessoa é a família, de onde é que ela vem, aquilo que ela vê nos primeiros anos, os valores que lhe são incutidos, o esforço que lhe é pedido - esse é um ponto em que fui privilegiada, pois na minha casa não era pensável que cada um de nós, eu e os meus irmãos, não nos esforçássemos, os meus pais achavam isso normal. Eles achavam que o que era normal pedir a cada um de nós era que fizéssemos o nosso trabalho direitinho e se tivéssemos boas notas não é nenhum mérito especial, pois faz parte.
Isso é, porventura, uma coisa que é muito importante incutir nos mais novos, que é fazer um esforço. Sabem o que é? É não aprender tudo com bonecos. Porventura, uma das diferenças maiores - não para melhor - entre o tempo que eu estudei e agora é que os meus livros tinham menos bonecos. Pergunto-me às vezes se não gastamos demasiada energia a tornar tudo mais fácil em termos de apreensão e a diminuir o esforço que as pessoas têm de fazer para estudar, para trabalhar e para alcançarem aquilo que querem. Mas isso começa, evidentemente, pela família e depois continua na sociedade que nos rodeia, nos meios que estão à nossa volta e em que são absolutamente essenciais - não vos estou a dizer novidade nenhuma - que é a escola, desde uma fase muito precoce até ao nível mais elevado.
Aí também tive muita sorte, tive acesso a um ensino privilegiado desde muito cedo na minha vida, um ensino público privilegiado. Estou a falar do tempo da ditadura que foi quando eu própria estudei. Gostava de ter a certeza que hoje há muito ensino público da qualidade daquele a que eu tive acesso. Não gosto muito de falar muito nestes termos nem de exagerar, nem quero que pensem que estou a exagerar. No meu tempo, muito pouca gente tinha acesso a esse ensino, eram poucos aqueles que podiam chegar a um nível relativamente elevado de formação académica.
Portanto, havia uma enorme desigualdade no acesso e naturalmente o esforço maior da democratização mais importante foi garantir o acesso a todos, que cheguem até onde são capazes e onde querem chegar - isso é absolutamente essencial, é das coisas mais importantes que eu acho que apesar de tudo fomos conquistando ao nível dos princípios. Porventura, ainda não completamente ao nível das realizações, mas podemos dizer que a escola nos seus vários níveis, a capacidade que ela tem de transmitir não apenas conhecimentos, pedindo esforço a quem aprende, a qualidade dos professores é absolutamente essencial na nossa formação e eu tive muita sorte com tudo aquilo a que tive acesso nessa fase da minha vida.
Também tive sorte, já agora, com a minha mãe, pois com as filhas dela que não lhes passasse pela cabeça para não estudarem tudo o que havia para estudar. Tive essa sorte. Apesar de tudo, nesse tempo, ainda havia alguns para quem não era. Tenho muita honra, sou bisneta de uma médica. A avó da minha mãe era médica. Digo sempre isto com um enorme orgulho pois também tive a sorte de nascer numa família em que não passava pela cabeça que as mulheres não devessem chegar ao nível mais elevado de conhecimento.
Acho que há um lugar para os partidos nesta formação das pessoas e aquilo que está aqui, a Universidade de Verão, faz parte desse contexto. É certamente por causa disso que o Carlos Coelho, há tantos anos, gasta tanto da sua energia para que todos os anos tenha lugar uma Universidade de Verão. Porque aquilo que ele aqui faz não é só tentar que os vossos conhecimentos sejam alargados e que as vossas perspectivas sejam enriquecidas, há aqui por detrás daquilo em que vos é permitido participar e é possível que tenham acesso, uma matriz de valores, de ideias, de pensamento, que certamente ele quer que sejam enriquecidos através da participação.
Eu acho que os partidos têm nisto uma responsabilidade muito grande. Os partidos são demasiado vistos, às vezes, como um lugar onde as pessoas vêm para ganhar acesso a isto, àquilo e aqueloutro que não é conhecimento nem valores, nem que há partilha de ideias muito nobres. É muito importante pois os partidos que têm um papel decisivo no nosso país e na nossa democracia, e que eu quero que continuem a ter, quero que haja outras coisas, mas não quero que os partidos sejam substituídos por outras coisas, quero convivam com elas.
Há um lugar muito importante para os partidos, em particular com as pessoas mais novas que os partidos vão atraindo e que se vão chegando aos partidos; e isso tem de ser também um papel de exigência que os partidos vão incutindo naqueles que se chegam a eles. Vão dizer: "não está a dizer-nos novidade nenhuma”. Não estou, não sei dizer novidades, a única coisa que vos sei dizer é uma coisa simples: a vossa geração nasceu numa altura em que já era Democracia, já não tínhamos guerra, estávamos na Europa, éramos um país considerado, temos relações com todos os países do mundo - algo que nem sempre aconteceu -, participamos em missões internacionais nobres e humanitárias, somos vistos como um país que aceita as regras e os valores e os pratica.
E às vezes pode acontecer que pensemos que estamos aqui com tudo isto eternamente - não estamos! Tudo isto custou muito a adquirir e custa muito a guardar! Não é verdade que as gerações mais novas, ao contrário do que pensámos atrás, iam ter um presente e um futuro melhor, uma vida melhor e uma vida mais fácil. Não é verdade, estamos a ver exactamente o contrário: a vida mais complicada e é mais difícil para aqueles que são mais novos.
Portanto é muito importante que as entidades várias da sociedade civil, incluindo os partidos políticos, se preocupem com tudo aquilo que tão bem disse há momentos - não estou a falar da parte em que se referiu a mim, estou a falar da parte que falou de valores, comportamentos -, sobre a valorização dos comportamentos e a família, é incutir valores e coisas importantes nas pessoas. Não sei responder melhor.
Em relação ao que era diferente no meu tempo, deixem-me só dizer-vos uma coisa: quando entrei na Faculdade de Direito, as meninas sentavam-se à frente e os meninos atrás. O meu colega Marcelo Rebelo de Sousa, que esteve cá hoje, sentava-se atrás e eu sentava-me à frente. Nós, as meninas dessa altura, tínhamos alguma vergonha de entrar quando os meninos já estavam lá dentro, porque éramos assobiadas e levávamos com aviõezinhos vindos lá de trás.
Olhem para a Faculdade de Direito hoje e compreendem como o mundo se transformou, já não é nada assim. A Faculdade de Direito tem muito mais alunas do que alunos, ao nível do corpo docente as coisas também se vão alterando, porque eu também passei por algumas coisas no corpo docente já que fui a primeira mulher na Faculdade de Direito de Lisboa a ser convidada para ser assistente exactamente nas mesmas condições que os homens, em 1973, à beirinha da revolução.
E o que é que acontecia? Quando eu entrava numa aula ninguém percebia que era eu que ia dar a aula. Portanto, não me atiravam aviõezinhos, mas levava uma eternidade até que os meus alunos conseguissem compreender que eu estava ali para fazer-lhes um exame, ou dar-lhes uma aula e não simplesmente para me sentar ao lado deles, coisa que aliás tinha acabado de fazer quando me tornei assistente.
Quando fui pela primeira vez membro do Governo - isto só para vos dizer o que mudou e como já perceberam estou a puxar para o lado das mulheres - tive alguma dificuldade em que as pessoas achassem que eu era Secretária de Estado e que não era Secretário. O primeiro despacho que me veio à mão veio com "Secretário de Estado” e eu disse: troquem lá isso tudo, eu não sou Secretário de coisíssima nenhuma, ponham se faz favor no feminino. E o então Secretário-Geral do sítio onde eu era membro do Governo e tinha poder hierárquico sobre ele, lá me mandou os despachos todos no feminino, mas mandou-me um papelinho que eu guardei a explicar que eu estava enganada, que eu não era Secretária de Estado mas sim Secretário de Estado; que ele obedeceria, mas que eu estava profundamente enganada porque não era assim.
Algumas pessoas que trabalhavam comigo diziam assim: "se algum dia esta criatura for ministro vai ser um sarilho”. As pessoas diziam isso a brincar. Quando isso de facto aconteceu, fui nomeada no feminino e era designada no feminino, mas não foi fácil. Não foi preciso guerra nenhuma. O então Primeiro-Ministro, Cavaco Silva, disse que se eu queria ser assim era assim e acabou. O Presidente da República que ainda era na altura o General Ramalho Eanes nomeou-me no feminino, mas se por exemplo eu fosse à televisão tinha de fazer uma cena para porem no feminino, porque achavam que isso não havia.
Reparem que foi já há uns anitos atrás, já tenho alguns mas não tantos quantos os que me quiseram aqui atribuir no primeiro papel que circulou, mas quase tantos como esse. Mas vejam lá, passa pela cabeça de alguém dizer que a Maria Luísa de Albuquerque é um ministro? Não passa pois não? Isto são pequenas coisas, há outras muito mais importantes que se alteraram substancialmente. As pessoas começaram a achar normal que as mulheres estejam por todo o lado e aí há uma diferença enorme, mas as diferenças são muito maiores do que isso. Os telemóveis só começaram a existir nos anos 90, para trás não havia nada disso, nem computadores, eram máquinas de escrever.
Só uma pequena referência que gosto muito quando a oiço e de a reproduzir: quando o Muro de Berlim foi erigido o Presidente dos Estados Unidos, John Kennedy - cuja biografia sugeri que lessem, que foi publicada muito recentemente e que acho muito interessante -, teve 24 horas para reagir. Agora, imaginem o que era um Muro de Berlim construído hoje, como outros muros que estão por aí a ser construídos, ainda não estão construídos e começam logo todos a perguntar o que é que a malta acha sobre o que vai acontecer.
A diferença brutal entre fazer política no tempo em que o Presidente dos Estados Unidos tinha 24 horas para pensar o que é que dizia - é certo que o Krushev tinha ameaçado muito para trás que iria fazer coisas muito mais terríveis em Berlim, depois acabou por ser o Muro - e o mundo de hoje é abissal. Há muitas mais certamente, mas iremos falar de outras coisas.
[APLAUSOS]
Carlos Coelho
José Bastos Pinto do grupo Encarnado e depois José Miguel Rebolho do grupo Amarelo.
José Bastos Pinto
Boa noite. Estou maravilhado! Estava aqui a comentar com a Helena que é a única menina do nosso grupo, mas não é por isso que se deixa afirmar, como todas as mulheres que aqui estão, umas lutadoras, uma salva de palmas para elas e para a Dr.ª Leonor Beleza que corporiza no sexo feminino a capacidade de entrega, dedicação e competência e é uma inspiração para qualquer mulher aqui nesta sala.
Não havia mesmo maneira melhor de encerrar em beleza do que ter aqui a Dr.ª Leonor Beleza.
[APLAUSOS]
A segunda questão, também fascinante - gosto sempre de falar desta parte - a Fundação Champalimaud representa também o legado de um homem maravilhoso que quando foi expropriado foi-se embora e disse: "Podem tirar-me tudo, mas enquanto não me tirarem esta caneta que levo aqui no bolso eu hei-de voltar e reerguer este império e cumprir os meus sonhos!” - isso é que é fantástico.
Esta Fundação também exprime isso: o que é a competência; nunca desistir perante as adversidades.
Vamos à pergunta, falou da importância da ligação entre as secções de investigação e de aplicação dos tratamentos, certamente pela possibilidade de trocar esses inputs mutuamente. Considera que no sector público temos esse circuito de informação suficiente entre hospitais e instituições de Ensino Superior nas áreas do desenvolvimento das ciências farmacêuticas?
Muito obrigado.
[APLAUSOS]
José Miguel Rebolho
Boa noite. Partindo do exemplo do meu colega, quero referir que não é só um exemplo para todas as mulheres, é um exemplo para todas as mulheres e todos homens que estão nesta sala.
[APLAUSOS]
Passando à questão: a Fundação Champalimaud tem o maior centro de pesquisa médica que há em Portugal. Das várias universidades portuguesas, do âmbito da Saúde saem profissionais brilhantes, gerando um quadro técnico de excelência. Neste momento sabemos que a Fundação da qual é Presidente tem colaboração e parcerias com centros e entidades estrangeiras. Deste modo, se reunimos um tão vasto espólio de condições propícias e adequadas ao investimento em Portugal por parte do estrangeiro, quais as características que os investidores procuram em Portugal para investir? Há investimento suficiente no ramos dos centros de estudo e de investigação nas áreas das ciências, que justifica que Portugal crie condições para estes se instalarem?
O que falta a Portugal para crescer ainda mais, neste momento?
[APLAUSOS]
Leonor Beleza
Sobre a questão da investigação e o relacionamento entre laboratórios e a área clínica, hoje sabe-se que a progressão no conhecimento resulta de uma proximidade muito grande entre pessoas com experiências e formações diferentes. Isso acontece em todas as áreas, gerir meios de tecnologias de informação muito apurados é completamente impossível; ninguém hoje é capaz de fazer investigação em área da Saúde se não tiver ao lado pessoas que se tenham formado em áreas parecidas.
Nalguns casos, para garantir isso, recorreu-se a instituições diferentes daqueles que pré-existiam. Há universidade muito reconhecidas, que tendo reconhecido num certo momento do seu desenvolvimento que era difícil contar apenas com a colaboração entre os sectores clássicos do conhecimento, era preciso criar instituições onde essa proximidade entre gente de formação diferente acontecesse. Um exemplo disso é o Instituto do Genoma Humano da Universidade de Harvard que foi buscar gente que vinha da Informação, da Biologia, da Matemática, da Engenharia, entre outros vários. E corresponde à consagração da ideia que para juntar esta gente toda e fazerem trabalhar em conjunto é preciso que encontrem uma linguagem comum, que cada um não fale a sua linguagem incompreensível para os outros, mas que encontrem em conjunto uma maneira de trabalhar em comum.
Esta ideia está muito disseminada na comunidade científica: é preciso juntar gente de muitas coisas. É fácil compreendermos que na área da Saúde o conhecimento, a ciência e aquilo que se investiga em laboratório, pode ter muito mais frutos se as pessoas que estão no laboratório a estudar como é que as células nascem, morrem e se modificam, tiveram uma possibilidade de conversar directamente com quem trata das doenças que resultam das células andarem a nascer de uma forma desorganizada, ou morrerem também de uma forma incompreensível. Tudo coisas que estão por detrás de doenças daquelas que são muito relevantes.
Portanto, se pusermos os investigadores de células e os médicos que lidam com as doenças, os investigadores podem ajudar aqueles que tratam das doenças a perceber porque é que elas existem de determinada maneira e os que tratam as doenças podem fazer as perguntas que são importantes que os laboratórios sejam capazes de responder. Estou a tentar simplificar. Estou a falar de coisas que eu também não sabia até há uns tempos atrás, fui aprendendo e agora, não sou cientista nem médica, nem nada do género, mas vou compreendendo como é que as decisões fundamentais devem ser tomadas.
Há bastante tempo que se sabe que têm de funcionar em conjunto, chama-se a isto investigação translaccional: investigação em que se procura avançar o conhecimento para obter resultados em termos de prevenção e tratamento das doenças. Estou a falar da área da Saúde, mas isto pode ser reproduzido noutras áreas.
Há muito tempo que se sabe isto e que estamos sempre a ler que é muito difícil, que não se consegue, que não falam uns com os outros, que as linguagens são diferentes e são, as linguagens do biólogo e do médico são diferentes. Portanto, é preciso encontrar plataformas de entendimento e nós na Fundação achámos que a maneira de fazer com que eles tivessem resultados de agirem, pensarem e reflectirem em conjunto, era estarem todos dentro do mesmo espaço.
Devo dizer que sempre tive um orgulho muito particular porque agora andam todos os outros a fazer espaços assim. O que é costume e o que é tradicional, porque toda a gente sabe que este diálogo tem que existir, é haver uma universidade onde há hospitais para um lado e laboratórios do outro e depois esperam que eles se encontrem em algum sítio. Nós achámos que o que era fácil era pô-los a todos no mesmo sítio e fazer com que eles se encontrem nas escadas, onde bebem café, onde almoçam, nas casas-de-banho que são partilhadas por eles todos.
Portanto, o espaço está concebido de maneira a facilitar a que toda gente fale uns com os outros. Isto é verdade em todos os sectores, devo dizer honestamente que sim que é verdade, que há muita gente também no sector público que sabe que este convívio é preciso e há muitos sítios onde isso é activamente procurado. Por exemplo, o Centro Académico de Lisboa, que é formado pelo Hospital Santa Maria, o Instituto de Medicina Molecular e a Faculdade de Medicina de Lisboa, juntou-se debaixo da mesma entidade percebendo que este funcionamento em conjunto era vital para o avanço daquilo que eles faziam e tentam criar estas proximidades.
Nós, que ainda não existíamos quando pensamos estas coisas pudemos criar do nada uma instituição cujo fundamento é permitir isso. Os nossos médicos vêem os nossos investigadores e vice-versa, os nossos doentes vêem os nossos investigadores, quando entram na Fundação. Vão ter com os médicos, com os enfermeiros e profissionais de saúde, mas vêem lá em cima que estão lá investigadores e nós queremos que eles saibam que aquilo é uma casa onde se faz investigação.
Mas, mais importante, é os investigadores verem os doentes, porque isso ajuda a criar uma cultura que nós não podemos criar com uma pistola atrás de ninguém, não podemos dizer aos investigadores para estudarem isto ou aquilo e falarem com este ou aquele, eles dizem logo para me meter na minha vida e que quem sabe da investigação deles são eles.
O que podemos fazer é criar um ambiente e uma cultura propícios a isso. Devo dizer, com muita satisfação, que isso vai acontecendo, não é fácil, mesmo tendo todos na mesma casa não é fácil, pois as tais linguagens são todas diferentes. Mas vejo com muita satisfação, muitas vezes, áreas onde essa colaboração vai existindo e muitas vezes não somos nós que andamos a tentar que ela exista, são eles que a vão criando.
Não somos a maior instituição de investigação portuguesa, deixe-me fazer essa correcção, há maiores do que nós. Como é que tudo isto pode crescer mais? Tentamos incutir nas crianças, através de um programa que temos, a ideia de que ser cientista é uma actividade tão interessante quanto ser jogador de futebol ou outra coisa qualquer.
Tentamos fazer isso, temos o Champimóvel que percorre as escolas todas, a tentar explicar às crianças que há uma actividade que se chama investigação, que há uma profissão que se chama cientista que é muito interessante e muito útil para o conjunto da Humanidade.
Depois é preciso ter meios de financiamento. Os portugueses são muito bons quando se esforçam em meios altamente competitivos para ganhar meios de investigação. Cá dentro os que pudermos e lá fora em todas as circunstâncias, é preciso ir lá e quando vamos lá temos visto portugueses, na Fundação Champalimaud e noutros sítios - não fazemos milagres diferentes dos outros -, terem acesso a bolsas europeias que são as mais interessantes que existem na Europa, concedidas pelo European Research Council, chamam-se bolsas ERC. Temos visto os nosso investigadores e outros irem ao Howard Hughes Medical Institute, que é a instituição que porventura nos Estados Unidos é a mais conhecida, pelo menos até à Fundação Gates que financia a investigação. Estamos a ver portugueses serem capazes de lá ir. É assim, é ir à luta.
É ir lá, mostrar que somos tão bons quanto os outros e muitas vezes, efectivamente somos e conseguimos mais financiamento. Numa altura em que é mais difícil arranjar financiamentos aqui é ir buscá-los lá fora, é tentar pôr os laboratórios portugueses a fazer de uma maneira reconhecida a mesma coisa que fazes os melhores laboratórios com as melhores condições. Podemos fazer isso e há felizmente muitos investigadores portugueses, quer daqueles que estão em Portugal, quer os que estão lá fora, que de facto conseguem ter acesso a financiamentos e temos de andar à procura deles. Quando temos menos dinheiro cá dentro vamos buscar lá fora.
[APLAUSOS]
Terceira ronda de perguntas: grupo Azul e grupo Roxo a quem agradecemos o simpático convívio nesta mesa esta noite, temos o Carlos Tadeu Paula e o Guilherme Duarte.
Carlos Tadeu Paula
Antes de mais, boa noite. Gostaria de agradecer à Dr.ª Leonor Beleza pela apresentação e pela forma apaixonada como nos mostrou o seu trabalho na Fundação que apesar de ser recente já tem um bocado a sua marca e o seu traço que tão bem imprimiu em tudo o que fez durante a sua vida pública.
A Fundação Champalimaud, através da construção do Centro para a Investigação para o Desconhecido, conseguiu fazer regressar a Portugal alguns cientistas dos mais brilhantes que este país já produziu. Sendo eu licenciado em Bioquímica, tive já oportunidade de visitar o Centro e comprovar a excelência das instalações, garantindo assim que os cientistas têm todas as condições para alcançar resultados de topo.
Este regresso de quadros altamente qualificados e posicionamento de um dos centros de investigação de referência a nível nacional só foi possível graças a um forte esforço financeiro que assentou maioritariamente em capital privado. Numa altura em que Portugal se encontra muito distante nas metas estabelecidas na estratégia 2020 para investimento em Ciência, qual considera que deve ser a estratégia a seguir pelo Estado português nesta matéria?
Aumentar a quotação orçamental para projectos de Investigação e Desenvolvimento, ou agir como mediador, tentando procurar oportunidades para o investimento privado?
Obrigado.
[APLAUSOS]
Guilherme Duarte
Muito boa noite, mais uma vez. Queria agradecer-lhe novamente, mas agora em público, o privilégio de nos ter recebido aqui na mesa e ao senhor reitor também.
Fiquei fascinado, sem dúvida, com a Fundação Champalimaud que ainda não conhecia bem. Tinha 1001 perguntas para lhe fazer de tal modo que um colega já fez a minha pergunta, mais ainda bem que assim tenho oportunidade de fazer outra. Vou-me afastar um bocadinho deste tema da Fundação Champalimaud e vou-lhe perguntar sobre o nosso Serviço Nacional de Saúde.
Como é que tem olhado para a evolução do mesmo desde que deixou de ser ministra? Como é que acha que o Serviço vai continuar a ser tendencialmente gratuito e como é que olha para o futuro, sendo que para nós profissionais é essencial para a nossa formação? Tem em vista a privatização, ou um sistema americanizado?
Muito obrigado.
Leonor Beleza
Em relação à primeira questão e ao regresso de quadros qualificados, devo dizer que quando nós conquistamos um investigador ou um médico português que foi lá para fora e que a certa altura quer regressar e quer vir trabalhar connosco, nós sentimos um grande orgulho nisso e tanto maior quando percebemos que as pessoas voltam por reconhecerem que podem trabalhar e encontrar aqui meios de desenvolvimento profissional e científico.
Muitas das pessoas que trabalham connosco, quer portugueses, quer estrangeiros, fizeram uma parte da sua formação noutros sítios e é por considerar que essa formação noutros lugares do mundo e o contacto com culturas diferentes são muito importantes, que eu, quando falei inicialmente, disse que era bom que as pessoas mais jovens tivessem oportunidade de estarem lá fora por uns tempos, de estudar noutros sítios, de se formarem e de fazerem experiências noutros sítios. Mas gostaria, e quero, que elas regressem.
Vejo a formação diversificada, nomeadamente em geografias diferentes e com contacto com culturas diferentes, como profundamente enriquecedora da formação e do trabalho que as pessoas podem mais tarde desempenhar. Por isso, valorizo muito, quer ter pessoas que andaram noutros sítios, a trabalhar connosco, quer manter as pessoas que vêm trabalhar connosco; o contacto com as outras culturas, geografias, institutos de investigação e universidades, e é neste sentido que eu digo às pessoas que é bom fazer experiências dessas. E que precisamos de portugueses que conheçam bem outras latitudes, que tenham tido experiências de trabalho, de estudo, de formação, de convívio com pessoas que vêm de outros lados, mas quero naturalmente que os portugueses queiram sempre regressar e que queiram trabalhar connosco. Também quero outra coisa que talvez neste momento até seja particularmente importante: a vossa geração teve muito mais formação do que a que teve a minha e muito mais do que tiveram as gerações intermédias, portanto, é natural que o nosso país precise e queira contar com as pessoas que têm mais formação, porque é assim que o país evolui e que progride.
Logo, aquilo que o país verdadeiramente precisa é que os nossos melhores queiram estar aqui. Mas isso não é incompatível com que tenham feito experiências e aprendido noutros locais. Assim como para nós é muito enriquecedor ter gente que foi formada noutros sítios e que aprendeu noutros sítios e que vem para trabalhar connosco e enriquecer o meio em que nós trabalhamos. É por reconhecer essa importância que eu vos disse que temos pessoas de 30 nacionalidades diferentes a trabalhar dentro da nossa instituição e que temos com muito orgulho as bandeiras de toda a gente na entrada do Champalimaud, porque gostamos de mostrar isso.
Mas, atenção, repito: somos uma instituição portuguesa com o objectivo de enriquecer o nosso país através de uma instituição reputada e reconhecida.
Como é que o Estado pode fazer com que as coisas funcionem melhor? No meu ponto de vista há um aspecto extremamente elementar nisto, que é premiar o mérito, recrutar os melhores, encontrar maneira de manter cá os melhores. Pode assegurar a formação noutros sítios durante um tempo, mas manter cá os melhores, atrair para virem para cá aqueles que são melhores. É evidente que é uma questão de dinheiro quando se fala disto e também que temos de investir o dinheiro onde faz mais sentido investi-lo. O que também significa em relação à investigação, premiar aqueles que fazem a melhor investigação, pois são também aqueles que conseguem buscar dinheiro a outros sítios. Mas é preciso concentrar meios nas melhores instituições.
Portugal fez um progresso absolutamente notável do ponto de vista da existência de pessoas com experiência de investigação, com graus adequados para efeitos de investigação, de ter mais gente nessas áreas nas últimas décadas. Nós temos de manter esse progresso e melhorá-lo, apesar das dificuldades em que nos encontramos e de haver menos dinheiro para distribuir. Como é que podemos fazer isso? Concentrando onde efectivamente ele é mais necessário e mostrando àqueles que tenham mais mérito e mais vontade, que podem encontrar meios para fazer as coisas melhores.
Quanto ao nosso Serviço Nacional de Saúde, ele tinha muitos problemas quando andei por lá também. Apesar de nos queixarmos sempre e acharmos sempre muitas coisas, fizemos em Portugal progressos absolutamente notáveis. Em algumas áreas são comparáveis aos melhores países do Mundo, nos indicadores de Saúde e isso tem a ver com a forma como o Serviço Nacional de Saúde foi concebido e desenvolvido e posto a funcionar.
Temos a nossa tendência, inevitável, de achar que muitas coisas deviam ser diferentes. Aí também acho que o Estado devia concentrar recursos nos sítios que funcionam melhor e portanto, tentar encontrar incentivos para que as melhores instituições e os melhores profissionais sejam premiados. Acontece, muitas vezes, que os que gerem pior acabam por ter mais facilidade de atrair novos financiamentos e se as coisas não são devidamente estudadas, comparadas e avaliadas. A história da avaliação é crucial, é o dinheiro dos portugueses todos que financia o Serviço Nacional de Saúde e portanto todos nós temos direito de saber se o dinheiro é gasto de uma maneira que justifique em termos dos benefícios que utilizamos aquilo que é efectivamente gasto.
Há imensas maneiras e indicadores para se avaliar. Do meu ponto de vista, aquilo que é mais importante que as autoridades de Saúde façam é serem relativamente inflexíveis em financiar aquilo que funcionar melhor, em canalizar os meios para aquilo que funciona melhor, em suscitar a competição entre instituições. Isso é perfeitamente possível entre instituições do sector público através de sistemas de funcionamento que facilitem a competição.
Não tenho - como imaginarão - o mais leve preconceito contra estar num sector ou no outro. Acho que os países melhores permitem a convivência de sector público e privado. Agora, atenção: através de regras claríssimas de separação, através de regras claríssimas em que haja competição saudável em que se possam desenvolver as instituições, mas em que não haja nenhuma batota do ponto de vista de relações duvidosa entre sector público e privado. Acho isto mais infinitamente importante do que discutirmos eternamente se deve haver sector público e privado e tudo isso.
Em Portugal existem os dois sectores, em Portugal as coisas evoluíram muitíssimo ao nível dos últimos anos do ponto de vista da importância dos sectores em que se desenvolve a prestação de cuidados de saúde. O que é importante é a avaliação do que é feito, com as mesmas regras para toda a gente. Na maior parte dos países conseguimos saber o que é que uma instituição de facto produz, o que é que os profissionais dessa instituição efectivamente produzem através de critérios de objectivos de avaliação.
Precisamos de ser muito mais eficazes nessa avaliação e muito mais eficazes em não permitir nenhuma espécie de dúvidas no relacionamento entre os sectores e em relação a saber quem é que está de um lado e quem é que está do outro, tornando as coisas claríssimas, transparentes: quem é que faz o quê, quem paga o quê, quem é que recebe o quê, quem é que tomas decisões sobre quem é que paga ou recebe o que quer que seja.
Portanto, acho que não é preciso grandes transformações, é preciso ser muito mais cuidadoso na avaliação e na exigência de regras claríssimas entre os vários sectores em que a prestação de cuidados se desenvolve.
Obrigada.
[APLAUSOS]
Carlos Coelho
Temos o grupo Laranja e o grupo Castanho, com o Hugo Arrimar e Maria Nascimento.
Hugo Arrimar
Muito boa noite, queria desde já cumprimentar a senhora Dr.ª Leonor Beleza e agradecer-lhe por nos dar a conhecer este fantástico testemunho.
Passando agora à pergunta: disse-nos inicialmente na sua intervenção que passou pela ditadura, pelo 25 de Abril, e gostaria de saber se foi por ter passado por esses tempos que se dedicou a um meio tão difícil para as mulheres naquele tempo, como o meio da política, sendo que naqueles tempos as mulheres tinham realmente um papel pouco relevante e num meio onde era tão difícil singrar sendo mulher?
Obrigado.
Maria Nascimento
Boa noite, Dr.ª Leonor, deixou-nos com uma tarefa muito difícil que foi escolher entre o Direito, a Saúde, a Gestão, a Responsabilidade Social, que pergunta fazer. Resolvi tentar pegar num bocadinho de cada área para ver se conseguia fazer todas. Vamos ver como é que corre.
Primeiro gostava de dizer que admirei dois dos pontos do seu trabalho nos anos 70: a defesa do planeamento familiar e a defesa das quotas no Parlamento, pois imagino que na altura tenha sido dificílimo travar estas duas batalhas, considerando que a mulher só deveria casar e ter filhos. A seguir, noto que passadas várias décadas, vou ao site da Fundação Champalimaud e encontro que a sua missão é criar e desenvolver, obedecendo aos mais elevados padrões éticos e científicos, programas avançados de biomédica, bem como a sociedade mais desperta para os problemas que atingem a Humanidade.
Ou seja, continua a preocupação com a ética, não desapareceu nem um milionésimo da força que tinha nos anos 70. A seguir, mantém a excelência que faz da Fundação uma referência e na Política sempre trabalhou para a reeducação do Estado. A minha pergunta é: relativamente à reeducação do Estado, como é que não desistimos de a fazer, como é que não desistimos de continuar a lutar, como é que lidamos com as injustiças existentes na sociedade do nosso tempo. E, já agora, muito obrigada por tudo aquilo que fez por nós.
[APLAUSOS]
Leonor Beleza
Porquê a Política? É de certa maneira fácil de compreender justamente para quem viveu num regime de ditadura. Na altura, como já vos disse, tinha 25 anos e evidentemente que quem tinha a minha idade e a percepção das limitações que significava viver em ditadura, todos os homens da minha idade e ainda ligeiramente mais velhos ainda participaram na Guerra Colonial. Isso era uma coisa muito presente e muito viva nas vidas dos jovens do meu tempo. A ausência de liberdade de expressão, da possibilidade de ver filmes, de ler livros, tudo isso estava nas cabeças e na vivência de quem tinha a minha idade. Quem passou por uma universidade onde a presença de polícia e de controlo de movimentos e de opiniões era muito óbvia, era evidente que quem nessa altura tinha vinte e tal anos só pode ter olhado para a mudança como alguma coisa de novo que nos ia tornar parecidos com os outros países que na altura mais ou menos já conhecíamos e percebíamos como eram.
De certa maneira, o facto de Portugal ser na altura onde havia muita emigração também fazia com que muita gente em Portugal conhecesse razoavelmente em todos os estratos sociais, o que é que eram sociedades de um tipo diferente. Uma pessoa com 25 anos mergulhar na Política era mais ou menos normal. Eu tinha participado na criação da SEDES - a Associação para o Desenvolvimento Económico e Social, no princípio dos anos 70 e o que era possível com a pouca liberdade que existia na altura de se discutir, criar com alguma margem, pois sabíamos que estavam lá pessoas só para vigiarem aquilo que nós dizíamos e pensávamos e se passava ou não o risco.
É claro que para as pessoas que estavam interessadas na alteração das circunstâncias e no progresso do país, acontecer o 25 de Abril tornava normalíssimo aquilo de me lembrei na altura e que se lembraram enormes quantidades de jovens e menos jovens que foi ir para os partidos e fazer política. É fácil de compreender que quem tinha vivido naquele sistema gostasse de participar e muitas vezes as pessoas hoje dizem, ou reconhecem, pois naquela altura participou toda a gente: os novos, os menos novos, muita gente também que hoje nos faz falta que já não esteja na política, ou não tenha muito interesse em participar nela.
Mas, do meu ponto de vista, não há razões para desespero, há razões para as quais tentei chamar a vossa atenção, para que participem, pelo menos parcialmente nas suas vidas, os melhores na política, e disse-vos a esse respeito, que olhava com muito interesse e curiosidade para gente nova que hoje tem funções de grande responsabilidade e visibilidade e que na altura não sabia quem era. Muitos deles têm sido uma fantástica surpresa. Há muitos participantes novos na actividade política que têm muita qualidade e que eu não sabia quem eram. Ainda bem que eu não sabia, pois significa que os mais velhos não têm de saber tudo nem de conhecer toda a gente.
Há gente nova e há gente nova de muita qualidade, algumas pessoas que estavam muito bem instaladas na vida e que têm feito trocar isso por desempenhar funções políticas, isso continua a acontecer. Tem de ser cultivado, tem de ser cultivado com muito cuidado, tem de ser visível para tentar e virar as manchas e as coisas que para aí se dizem e que em relação a imensas pessoas são profundamente injustas.
Tenho a certeza que aqui nesta sala está muita gente que pode ajudar a fazer essa renovação aparecer. Quando vocês forem nomeados, eu se calhar não sei o nome de alguns de vocês, está bem? Mas tenho a certeza que se foram seleccionados para estar aqui alguma coisa está dentro de vós que será bom a que todos nós possamos, nalguns momentos, recorrer.
Gosto muito que alguém se lembre o que é que eu andei a fazer nos anos 70. Gostamos sempre, pois a maior parte das pessoas já não se lembra o que aconteceu. É verdade que eu desde relativamente nova aprendi isso com a minha mãe, que acho que o país desperdiçava e continua a desperdiçar o que muitas pessoas entre nós, nomeadamente mulheres, podem dar ao conjunto do país. Portanto, desde pequenina que fui ensinada que tinha de estudar, que tinha de me esforçar, que tinha de participar, que não havia nada que devesse limitar essa actividade.
Desde muito nova aprendi que há certas coisas que são muito importantes. Falou no planeamento familiar, sempre foi para mim importante, hoje há uma diferença monumental em relação ao que havia. Em 1976, um Secretário de Estado da Saúde que é militante do PSD, que se chama Albino Aroso, lançou entre nós o planeamento familiar. Era Secretário de Estado da Saúde, publicou um despacho a dizer que os centros de saúde em Portugal tinham de ter actividades de planeamento familiar.
Quando ele fez isso, havia distritos inteiros onde não havia nada, as pessoas não sabiam, onde não era possível encontrar profissionais de saúde. Por exemplo, Aveiro era um deles. Estão a ver o que era o distrito de Aveiro inteiro sem ter em nenhuma instituição pública de saúde alguém que ensinasse às pessoas como é que era? Estão a ver isso? Conseguem imaginar esse mundo? Alguém perguntou como é que o mundo era aqui há uns anos atrás, ora aí está. Em 1976, no distrito de Aveiro que não é propriamente pequeno, nem pouco populoso ou relevante, nem com falta de pessoas muito capazes, foi uma dificuldade encontrar.
Felizmente, na altura, muitos profissionais da Saúde transformaram-se em militantes da promoção da Saúde, porque controlo da natalidade e planeamento familiar tem tudo a ver com isso. Transformaram-se nisso e hoje Portugal tem indicadores fantásticos do ponto de vista da saúde nas mães, filhos, e ao nível do melhor do mundo. Devo dizer que nunca imaginei que nós conseguíssemos chegar onde estamos; não sei, se calhar houve outras pessoas que conseguiram pensar isso, mas eu nunca pensei que pudessemos chegar aos números de mortalidade infantil que temos hoje.
Julgava que melhoraríamos, que avançaríamos, mas nunca pensei que chegávamos onde estamos, de facto, estamos entre os melhores do mundo e é evidente que o controlo da natalidade tem muito a ver com isso. Portanto, fico contente que se tenha lembrado. As quotas é outra coisa, porventura, mais complicada, não tive sucesso nenhum na altura no PSD. Depois, acabaram por ser criadas mas não foi com o nosso partido a ajudar.
Na altura eu tinha uma posição que correspondia à do líder do partido, mas que não correspondia à da maioria do partido, nem sequer das mulheres do partido pois não queriam nada disso de quotas. Devo dizer que às tantas sou um pouco embirrenta e toda a gente sabe - todas as mulheres que dedicaram a sua vida e à sua actividade, tal como os homens que fizeram a mesma coisa -, que isto de fazer quotas é um maçada. Mas atenção, nós na política temos quotas para tudo, quando fazemos listas, por exemplo.
Senhor Presidente da JSD, o que é que faz se não puserem nenhum JSD numa lista?
Hugo Soares
Exijo a quota.
[RISOS]
Leonor Beleza
Portanto, temos quotas para os jovens, temos repartição territorial, temos quotas de equilíbrio de profissões; não são explícitas, mas temo-las implícitas. Tanto faz que as quotas sejam explícitas como implícitas. Os Países Nórdicos chegaram a uma grande ou razoável igualdade na participação política e não foi com quotas. Há quotas na Noruega para as empresas, mas não há na lei, ao contrário do que muitas vezes as pessoas pensam. O problema não é a lei, mas sim a prática.
A experiência que muitas vezes tive no partido, por exemplo, houve uma altura em que organizei as eleições autárquicas e quando me aparecia uma representação de um distrito ou de um concelho e as listas só tinham homens, eu perguntava se não havia senhoras lá no concelho ou distrito deles. Eles diziam que não havia e eu respondia-lhes: desculpe lá, mas não acredito.
[RISOS]
A verdade é que as quotas na lei fizeram com que elas aparecessem. Ainda estamos muito longe do que quer que seja, mas as quotas são apenas um instrumento desagradável e embirrento, apesar de tudo - do meu ponto de vista - necessário.
[APLAUSOS]
Carlos Coelho
Dr.ª Leonor Beleza, conhece as regras da casa, sabe que deixamos sempre a últimas palavra à nossa convidada e portanto esta é a oportunidade e o privilégio que tenho para, uma vez mais, agradecer a sua presença, todas as declarações que nos fez, as respostas que nos ofereceu e aquelas que ainda vai oferecer nesta última ronda de perguntas.
Usarão da palavra o Francisco Silva pelo grupo Verde e o José Lopes pelo grupo Cinzento.
Francisco Silva
Boa noite. Quero antes de mais, em nome do grupo Verde, agradecer a presença da Dr.ª Leonor Beleza e também cumprimentá-la. No séc. XX houve a corrida espacial que culminou com a chegada do primeiro homem à Lua, Neil Armstrong; seguiu-se a era da genética que se concluiu com o mapeamento do código genético humano. Hoje, séc. XXI, o grande desafio da comunidade científica é a compreensão do funcionamento do cérebro, o que resultou em dois grandes projectos: o Brain Project, anunciado por Barack Obama e o concorrente, Human Brain Project, anunciado pela Comissão Europeia.
Temos conhecimento que a Fundação Champalimaud se envolveu no projecto europeu nesta corrida a dois. Que expectativas tem sobre a participação da Fundação a que preside, no referido projecto, e que contributos serão dados?
Muito obrigado.
José Lopes
Boa noite, Dr.ª Leonor Beleza. Obrigado pela sua presença aqui, em nome do grupo Cinzento. Tínhamos duas perguntas de recurso que esgotámos, portanto vamos manter a terceira que é na área da Saúde porque achamos que é uma área fundamental e último recurso que é o bem que todos procuramos.
Gostaria de saber a forma sobre como a Fundação Champalimaud tem nos últimos anos articulado a investigação que produz e pratica com aquela que é feita no sistema público de Saúde e de investigação. Gostaríamos também, em última nota, perceber qual o papel que o mecenato que as empresas podem ter também nesta ajuda à investigação de forma a articular e a procurarem todos aquilo que é o bem comum - como eu dizia no início -, a Saúde.
Muito obrigado.
Leonor Beleza
De facto, neste momento há dois grandes projectos do cérebro na Europa e nos Estados Unidos, mas começou na Europa, não foi pela ordem que disse, foi ao contrário. E certamente ao segundo não é alheia a existência do primeiro. Há de facto um enorme investimento europeu previsto no conhecimento do cérebro, através daquilo que disse, que se chama Human Brain Project, que na fase inicial é um mega-projecto, ao nível europeu chama-se a isso flagship .
Portanto, a Comissão Europeia decidiu que investiria maciçamente em algumas áreas e pôs de certa maneira a concurso uma discussão entre os cientistas dos laboratórios dos vários países para encontrar áreas onde valesse a pena investir maciçamente. Áreas onde em vez das coisas de certa forma virem dos investigadores e laboratórios para os financiadores, era o grande financiador que diz que está aberto a discutir em que áreas é que vou investir. O Human Brain Project é uma dessas áreas e a outra é o grafeno na área da Física. Não consigo perceber sequer muito bem o que esta última é, mas em relação ao do cérebro humano o que está previsto é um investimento superior a mil milhões de euros. É de facto uma coisa absolutamente do outro mundo, em relação ao que estamos habituados ao longo de dez anos.
Envolve inúmeros laboratórios, na fase inicial eram 80 com 200 investigadores e de facto na Fundação Champalimaud temos o enorme privilégio de ter dois investigadores que estão envolvidos desde o princípio, o Rui Costa e o Zackary Mainen. Dois dos nossos investigadores principais estão envolvidos desde a fase inicial no Human Brain Project. Tenho sempre alguma dificuldade em explicar estas coisas porque são áreas que não percebo, mas o objectivo é tentar fazer um modelo computacional do cérebro, o que tem uma envergadura brutalmente complicada e que na verdade os investigadores não sabem ainda muito bem como é que vão fazer.
Mas a ideia nasceu da convicção e percepção de que "estamos a patinar” no conhecimento de muitas coisas muito importantes, nomeadamente das doenças da área das Neurociências. A percepção que estamos a patinar, que não chegamos lá, que não desenvolvemos coisas, que não conseguimos saber coisas novas, que falta alguma coisa e que é preciso um esforço brutal para que isso aconteça.
Esse projecto é coordenado por um investigador que se chama Henry Markram, que está na École Polytechnique de Lausanne na Suíça e que é o coordenador-geral e eu tive a sorte de o ouvir explicar porque é que insistiu que este projecto fosse lançado e o que é que ele esperava que viesse a acontecer. Devo dizer que isto que eu ouvi ocorreu no âmbito de uma iniciativa que me parece extremamente interessante, daí referir-vos. Portanto quer o projecto do Human Brain Project, quer a Fundação para a Ciência e Tecnologia portuguesa promoveram uma grande reunião que teve lugar na Fundação Champalimaud, mas que era a nível nacional, de todos os investigadores que estão na área das Neurociências e que têm interesse em saber o que é Human Brain Project, para além de todos aqueles que foram inicialmente envolvidos. Há meios ainda para envolver mais gente, mais investigadores e mais laboratórios.
De facto, foi com grande satisfação que vi na Fundação Champalimaud juntarem-se os que estão interessados no desenvolvimento das Neurociências a nível científico, com bastantes médicos, também de instituições portuguesas que fazem investigação nesta área, para tentarem saber o que é e como é que podem entrar e participar neste projecto.
Pouco depois, os Estados Unidos resolveram fazer uma coisa que é o projecto do cérebro humano, o Brain Project, do lado de lá que, como todas as enormes iniciativas, é anunciada pelo Presidente dos Estados Unidos. Tive a sorte, por acaso, de numa reunião no National Institute of Health nos Estados Unidos onde me tinham convidado para participar, ouvir descrever pelo responsável principal do financiamento federal de investigação nos Estados Unidos.
É evidente que há uma dose de, eu ia dizer rivalidade, quando os dois lados entram, há uma dose elevadíssima de consciência que ou se põe um grande esforço nisto ou vamos continuar a patinar, a não perceber o que é o Alzheimer, o que é a Depressão, o Parkinson, a Esquizofrenia e essas doenças todas, como é que elas nascem e se desenvolvem e, sobretudo, como é que podemos evitar que elas nasçam, se desenvolvam e como é que podemos tratá-las. Porque a preocupação nasce muito do que não se sabe a nível de ciência básica e da tradução em termos clínicos dos efeitos do desconhecimento em tudo isto.
Espero que os dois projectos se desenvolvam e espero que haja contactos e ligações. Não sou nada para este efeito, mas como falei a seguir ao senhor do NIH, tendo ele falado do projecto com grande relevância, eu já agora disse: olhe, também temos lá um na Europa que é assim e por acaso a nossa instituição também está envolvida nisso, espero que haja pontos de contacto e espero que nós possamos ajudar nesse ponto de contacto.
Agora, atenção: há muita gente desconfiada disto, porque quando se põe muito dinheiro numa coisa tira-se de outras coisas, não é? Como nunca há para todos, há muita gente desconfiada. Mas atenção, também se achou isso do projecto do Genoma Humano, não foi só dinheiro, foi muito dinheiro e muitos meios. Hoje ninguém se queixa do projecto do Genoma, que teve uma fortíssima participação de uma instituição de carácter privado. O que é interessante, foi fortemente lançada por uma grande fundação inglesa que é uma das mais importantes, chama-se Wellcome Trust e que teve um papel fundamental no lançamento do projecto do Genoma. Ninguém se queixa disso ter acontecido, nem do que se aprendeu.
Mas sabe-se que se julgava que se ia ficar a saber tudo e não é verdade. Portanto, julgava-se que através do conhecimento do genoma das pessoas ficava-se a saber muito mais sobre a saúde das pessoas e os investigadores hoje sabem que pode haver pessoas com genomas iguais, nomeadamente os gémeos verdadeiros e que até podem ter vivido em ambientes semelhantes e que depois as coisas até podem acontecer de maneira diferente. As coisas são muito mais complexas ainda. Contribuiu para o conhecimento, mas também contribuiu para compreender que há muitas coisas que ainda falta conhecer.
Pessoalmente, como não pode deixar de acontecer pois a Fundação está envolvida, acredito que se poderão fazer coisas e que é preciso este empurrão, tentar pôr meios nisto, tentarmos saber mais. Não deixa de ser interessante que aquilo que são as últimas fronteiras do conhecimento esteja lá longe no espaço e estejam aqui dentro, aqui dentro. A mesma coisa que nós usamos para pensar, tentar compreender e conhecer mais, essa mesma coisa é das coisas mais desconhecidas que existem aqui em nós, não está lá longe, não está na Índia, nem no Brasil, como nos outros tempos. Não está nos espaços, nem nas estrelas, como está hoje, a última fronteira está aqui dentro de nós todos e é profundamente desconhecida. Não se sabe coisas elementares sobre como é que essas doenças acontecem e como é que se podem tratar.
Quanto à articulação entre sectores e instituições diferentes, temos na Fundação, neste momento, alguma articulação, nomeadamente a nível científico com universidades e com universidades públicas em programas de doutoramentos. Estamos a desenvolver para unidades de investigação, portanto, temos um enorme interesse em fazer isso e estamos sempre abertos a essa colaboração. Estamos sempre a dizer isto: a Fundação não é uma coisa lá para os investigadores, ou de uma beleza qualquer que está lá enfiada num sítio, não, é uma instituição portuguesa que foi criada e deixada aos portugueses.
O nosso interesse é inserirmo-nos na comunidade científica nacional e colaborarmos com tudo o que existe e que é numa enorme quantidade. É muito bom, de facto, há muitos investigadores portugueses em muitas instituições a ir buscar os melhores financiamentos e a ter uma enorme êxito na investigação. Portanto, estamos interessados nessa articulação.
Quero dizer-vos quase com as mesmas palavras, o Carlos Coelho disse que estariam vossas excelências contentes com a minha presença, pois estou extremamente feliz por gostarem de me ver aqui. Já vim cá várias vezes, mas é a primeira vez que venho dois anos seguidos e portanto fiquei contente por achar que também me querem nos anos ímpares e não só nos pares que eram os que eu já cá tinha vindo.
[APLAUSOS]
Muito obrigado por me terem convidado, hoje não tenho muitas oportunidades para conversarem com jovens, nomeadamente próximos do meu partido, não tenho muitas alturas em que isso possa acontecer, confesso-vos que gosto muito de estar aqui e aprecio muito estes momentos.